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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2002

 

 

Tributo a Margareth

 

 

Fala do Prof. Germano Gerhardt, na Assembléia Legislativa do Estado, por ocasião da entrega do título de "Cidadão do Estado do Rio de Janeiro", à Dra. Margareth Pretti Dalcolmo, Coordenadora do Ambulatório de Pesquisas do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga.

 

Desejo realçar a satisfação em poder falar sobre a homenageada. Seguramente aqui estou em razão da amizade de longa data que nos aproxima. Somente assim se explica a escolha deste velho mestre. Entretanto, sou dos que crêem que com mais idade mais vida se contém.

Nossa querida Margareth é capixaba de nascimento mas, a maior parte de sua vida, passou no Rio de Janeiro e, nesta cidade, exerceu suas atividades profissionais.

Quando a conheci já apresentava os traços marcantes de sua personalidade - firmeza, seriedade, probidade, tenacidade - resultantes de sólida formação moral e cultural. Permitia até perceber-se o aforisma de Goethe, às vezes tão mal utilizado, que o tempo é o Senhor da Razão. Estávamos no desabrochar da sua atividade profissional.

No curso da vida nossa homenageada privou com intelectuais de diferentes áreas do saber o que lhe permitiu engrandecer o conhecimento e ampliar a sensibilidade social. A abrangente capacidade de que é dotada, levou-a a falar fluentemente diversos idiomas como o inglês, o francês e o espanhol, facilitando o caminho no meio internacional e alargando a possibilidade de exprimir seu conhecimento, sempre aliando a elegância de expressão, verbal ou escrita, com a pessoal. Pode-se resumir que sua orientação filosófica passa pelas diferentes linhas de pensamento - aristotélico, tomista, cartesiano - para, enfim, fazer-se um Ser integral.

Pelo caminho da vida sempre defendeu suas idéias com veemência e sempre persistiu no enfrentamento das questões quando a causa era boa. Foi cotidianamente perseverante no bom trabalho e, neste sentido, como dizia Brecth, é insubstituível, como quem trabalha toda a vida na busca do bem comum. Quem luta todo o tempo talvez use a máxima de Sabino: "no fim tudo dá certo", isto é, se ainda não deu é porque não está no fim...

É mister enfatizar que, em Margareth, ao lado de toda a firmeza da personalidade está uma pessoa amiga, generosa, companheira sempre pronta a partilhar das alegrias e dificuldades de familiares ou pessoas afetivamente ligadas. É feliz com a vitória dos outros e solidária nas dificuldades do próximo. Quantos episódios familiares ou com pessoas de seu universo afetivo demonstraram esta realidade!. Seu amor e dedicação aos pais, irmãos, sobrinhos, cunhados e pessoas queridas podem corroborar com estas assertivas. Em diferentes e repetidos episódios da vida cotidiana ou em momentos especiais como após inesperados acidentes, teve ativa participação na busca da solução boa, fatos que explicitam esta análise e demonstram sua solidariedade real.

Além de ter esta atitude com os familiares e pessoas emocionalmente importantes, sempre apresentou a mesma conduta no exercício da atividade médica, marcada pela dedicação ao enfermo, ajudando-o com seu trabalho competente e sério, com interesse na solução dos problemas e com paciência em escutar os necessitados. Posso testemunhar, em caráter pessoal, os inúmeros cuidados que dispensa aos pacientes, inclusive os socialmente abandonados, o zelo e a eficiência na busca da boa solução e sua atenção com o sofrimento humano. Certamente muitos de seus pacientes podem associar-se a esta opinião.

Desde o começo de sua carreira esteve ligada ao serviço público, exercendo diversos cargos e funções da esfera local e da nacional, com destaque para o fato que foi a mais jovem diretora de um hospital público federal - o Hospital Rafael de Paula Sousa, do Ministério da Saúde - função que desempenhou por quatro anos. Em todas as atividades sempre demonstrou o maior zelo e eficiência no trato da coisa pública. Foi firme e teve enfrentamentos importantes como o do questionamento de condutas profissionais inadequadas. Com seu raciocínio atilado, enriqueceu a administração com inovações e impôs o desenvolvimento no campo do trabalho institucional.

Membro das sociedades de Pneumologia desde o início da carreira, chegou à presidência da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro, além de também presidir importante congresso dessa mesma sociedade e ocupar o cargo de Diretora de Assuntos Científicos da Sociedade Brasileira. Pelo seu saber foi partícipe, como revisora final, do Primeiro Consenso Brasileiro de Tuberculose e do Primeiro Consenso Brasileiro de Pneumonia em Adultos Imunocompetentes, ambos promovidos por aquela sociedade de Pneumologia. Também é membro de três sociedades médicas internacionais.

No mundo acadêmico tem participação brilhante com atividades no país e no exterior, atuando por diversas vezes, na área de sua especialidade médica, como consultora do Ministério da Saúde, da Organização Pan-americana de Saúde, da Organização Mundial de Saúde. Diga-se, de passagem, que foi a primeira médica brasileira convidada a tomar parte em congresso no Irã, país de fé islâmica, sendo relatora de dois temas naquele conclave.

Proferiu mais de 230 palestras, apresentações ou conferências no Brasil e 25 no âmbito internacional. Concedeu cerca de 40 entrevistas escritas ou faladas aos meios de comunicação de massa, discutindo questões relevantes de saúde. Integra dois comitês científicos nacionais e um internacional.

Tem 36 trabalhos científicos publicados em revistas médicas brasileiras e 15 em revistas internacionais, além de 41 outras publicações sobre diferentes temas científicos, em órgãos nacionais. Colaborou na elaboração de três manuais e na de dez livros de texto.

Em todas as atividades acadêmicas demonstrou brilho e competência, associados a um estilo apurado de apresentação. Participou da orientação ou da banca examinadora de quatro teses. De seus trabalhos escritos gostaria de destacar a tese de doutoramento na Escola Paulista de Medicina, aprovada com louvor em Abril de 2000, sobre o tratamento da tuberculose, que representa hoje um marco referencial sobre o tema, tal a amplitude de revisão da matéria e a qualidade do trabalho concluído. Servirá a muitas gerações. No campo da pesquisa, seu trabalho se desenvolve em seis linhas da investigação médica.

Foi a secretária executiva da Primeira Comissão Anti-Tabagista do Brasil, por mim presidida, onde realizou um trabalho eficiente que mereceu justa homenagem. Abro um parêntesis para dizer que é confortável ver-se a evolução da luta anti-fumo no país, desde a época em que não havia qualquer legislação ou norma, até o sucesso atual, apesar da severa resistência havida nospródromos, por parte da indústria fumageira e do próprio Governo, este, mercê da arrecadação que resultava do hábito de fumar.

Analisando a atividade acadêmica da Dra. Dalcolmo, podemos ver três eixos fundamentais:

Infecções respiratórias incluindo as pneumonias - Tive o privilégio de estimulá-la no estudo e discussão deste tema que marca sua primeira década de trabalho e se ocupa de doenças determinantes de grande morbilidade e mortalidade nas crianças e nos idosos. Foram pesquisas, reuniões, elaboração de normas de diagnóstico e de tratamento, destacando-se a ênfasédada à prevenção com vacinas. Há satisfação em ver-se a evolução do tema e, como exemplo, citamos o emprego, na atualidade, das vacinas anti-hemófilos, anti-pneumonia, anti-gripe, naqueles dois grupos prioritários.

Coinfecção tuberculose e aids - O incremento global da endemia de aids, inclusive no Brasil, nos últimos anos da década de oitenta, levou a homenageada a estudar com profundidade os efeitos mórbidos causados pelos dois agentes. Em conseqiiência desenvolveu cursos, muitos deles com apoio internacional, elaborou documentos de orientação e passou a integrar comitês de peritos do assunto.

Tratamento da tuberculose - Neste campo, seu trabalho já referido é peça marcante na discussão da forma de controlar o tratamento, seja sob regime supervisado ou auto-administrado. É oportuno referir aqui que, neste campo, o Brasil teve papel pioneiro ao padronizar, desde 1978, regimes de tratamento capazes de reduzir significativamente o sofrimento humano, com os quais foram tratados, até agora, mais de um milhão e seiscentos mil pacientes. Ainda nesta área, os estudos da Dra. Dalcolmo se voltaram para a resistência múltipla às drogas, desenvolvendo pesquisas no Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, fundamentais à orientação do terapeuta. Afortunadamente o país hoje dispõe dos medicamentos de elevado custo empregados no tratamento da tuberculose multirresistente.

Permitimo-nos novamente destacar, com alegria, a correta utilização do conhecimento em benefício da Sociedade.

Assim, é com muito prazer que acompanho o desenvolvimento humano e profissional de nossa homenageada e percebo a benéfica influência do saber e do convívio com a intelectualidade altamente qualificada, alargando os horizontes, já extensos, de sua competência como Ente total.

Por fim, numa síntese de sua profícua vida profissional podemos dizer que sempre teve o pensamento voltado para o humano e o social, buscando modificar a realidade, às vezes cruel. As dificuldades, as lutas, as vitórias, as alegrias, as tristezas, são próprias da vida. Pensando como Pessoa diríamos:

"Valeu a pena! Tudo vale a pena.
Se a alma não é pequena.
Para quem quer passar além do bojador
Tem que passar além da dor."

Como desejo final, auguro que continue, por longo tempo, no mesmo bom caminho.

Gostaria de encerrar com uma curta frase: você é admirável!