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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2002

 

 

IN MEMÓRIAM

 

Aldo Villas Bôas

 

 

Gilmário M. Teixeira

Editor

 

 

No dia 30 de maio de 2002, faleceu no Rio de Janeiro, o médico sanitarista Aldo Villas Bôas. Foi-se-nos Aldo, um amigo fraterno, um companheiro de lutas sem número, um vencedor de grandes batalhas que, sem dúvida, fez-se uma das mais expressivas figuras da saúde pública brasileira da segunda metade do século passado.

Nascido em Fortaleza, em 1920, ali viveu pouco, menos de dois anos, quando sua família transfere-se para Maceió. Aqui passa sua infância e adolescência. Aos 16 anos chega ao Recife onde completa sua educação secundária no tradicional Ginásio Pernambucano e, em 1938, ingressa na Faculdade de Medicina da então Universidade do Recife.

Na década de quarenta forma-se em Medicina, serve ao Exército como Oficial de Infantaria por força de convocação para a Segunda Guerra Mundial, especializa-se em Tisiologia após o Curso de Tuberculose do Departamento Nacional de Saúde, assume a direção do Hospital Oswaldo Cruz do Recife, mobiliza a comunidade para engajar-se na luta contra a tuberculose, participa da criação da Divisão de Tuberculose do Estado da qual exerce a direção, pratica a docência como assistente da Cátedra de Doenças Tropicais e Infecciosas, faz uma incursão na clínica privada para logo deixá-la e abraçar definitivamente a medicina de massa.

Nos anos cinqüienta dirige o Departamento de Saúde Pública de Pernambuco onde executa uma administração proficiente e corajosa, transfere-se para o Rio de Janeiro para chefiar o Dispensário-Escola da Campanha Nacional contra a Tuberculose, faz o Curso de Saúde Pública do Ministério da Saúde e recebe o certificado de médico sanitarista, cursa Administração Sanitária e Doenças do Tórax nos Estados Unidos, faz viagens de observação a serviços de saúde da França e da Inglaterra.

Na década seguinte, a de sessenta, com orientação reformista e inovadora dirige o Serviço Nacional de Tuberculose e a Campanha Nacional contra a Tuberculose, ingressa no Serviço Especial de Saúde Pública como consultor em Tuberculose para logo passar ao Setor de Planejamento e à Divisão de Saúde da Comunidade, realiza consultorias internacionais em países da América Central, entra para o quadro de funcionário da Organização Pan-americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde, como Assessor em Tuberculose para a Região das Américas com sede em Washington, D.C., U.S.A.

Regressa dos Estados Unidos em 1970 para presidir a Fundação Serviços de Saúde Pública o que só vem a ocorrer três anos mais tarde. Neste entremente chefia o Gabinete do Ministro da Saúde, integra o Conselho Nacional de Saúde, assume a Supervisão Geral de Saúde Coletiva, chega a Ministro Interino da Saúde, cursa a Escola Superior de Guerra. Finalmente, em 1973, ocupa a posição que, por certo, mais almejou, a de Presidente da Fundação SESP, cargo em que permanece até 1985, depois de realizar uma administração marcada pela afirmação dos direitos do homem no contexto de uma sociedade desfocada do valor que a saúde representa para o bem estar físico e o progresso social da humanidade.

Era detentor de muitos títulos, medalhas, condecorações conferidos por organismos nacionais e internacionais; membro de sociedades internacionais de tuberculose e de saúde pública; autor de numerosos trabalhos publicados no Brasil e no exterior, nos campos de políticas de saúde, organização de serviços, recursos humanos, saneamento, doenças transmissíveis, saúde pública em geral.

Vamos, de passagem, tentar dizer alguma coisa sobre Aldo, nós que nos enriquecemos com seus ensinamentos, lutamos suas lutas e privamos de sua amizade.

A primeira vez que nos foi referido seu nome era como o Tenente Villas Bôas, um oficial "caxias" de cujo mando nós, estudantes convocados durante a guerra, queríamos fugir. Em verdade, Aldo fazia muito um modelo militar - disciplina, autoridade, defesa da ordem estabelecida - que, de certa forma, pautou sua conduta como diretor de serviços de saúde. Fomos conhecê-lo pessoalmente no Hospital Oswaldo Cruz, em Recife, ele como Diretor ou Chefe de Clínica e nós como Acadêmico-Interno. A exigência no trabalho e na aprendizagem trazia muito do instrutor militar, mas a capacidade de dar-se em amizade e em cooperação suplantava qualquer restrição que adviesse da autoridade de um médico jovem e já investido de tão destacadas posições.

O Hospital Oswaldo Cruz, na época, um consagrado centro de atendimento de tuberculose e de doenças infecciosas, onde, durante os anos de 1942 e 1943, como Acadêmico-Interno, Aldo construiu as bases de sua futura especialidade, foi a cuna de sua formação médica. O quadro dantesco de tuberculosos que se amontoavam nas enfermarias para morrer, o drama dos portadores de doenças transmissíveis confinados nas unidades de isolamento, a inépcia do poder público para enfrentar os graves problemas de saúde da população, foram determinantes de sua opção para dedicar-se à saúde coletiva, que se fez o objeto de toda sua profícua e brilhante carreira médica.

Partilhamos de seu trabalho como Assessor da Organização Pan-americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde, onde se firmou por suas habilidades diplomáticas, por sua obsessiva dedicação às atividades de campo e pela valorização da formação dos recursos humanos como agente de câmbio das estratégias e políticas de saúde.

A origem nordestina de Aldo Villas Bôas deu embasamento a sua vocação regionalista - numa tirada de humor costumava dizer que era, a uma só vez, cearense, alagoano e pemambucano - não um regionalismo exclusivista mas, ao contrário, uma corrente de pensamento que identificava e destacava os valores regionais para integrá-los no universo nacional. Sua identidade com o movimento regionalista ficou clara em seu discurso de agradecimento ao receber o título de Cidadão de Pemambuco concedido pela Assembléia Legislativa daquele Estado, quando destacou o papel da chamada "Escola do Recife", reunião de intelectuais do final do século XIX e começos do XX, oriundos de diferentes estados da região, que edificou a cultura do Nordeste para daí lançá-la como parte influente da cultura nacional.

Um momento alto de sua carreira foi a passagem pela Escola Superior de Guerra. Neste ambiente de estudos dos grandes problemas brasileiros e de busca de estratégias para enfrentá-los, o Dr. Villas Bôas pôde dar vazão a seu arraigado sentimento nacionalista sempre que tratava de inserir a problemática da saúde no contexto das discussões e proposições formadoras da doutrina de desenvolvimento do País. Aldo era um autêntico patriota - sem ufanismo nem patriotice - que pensava em termos de Brasil grande, poderoso, acreditado, mobilizador de seus potenciais naturais e do pensamento de suas elites.

Politicamente poder-se-ia dizer que ocupava uma posição de centro com nítida vocação para crítico, em sua visão, da esquerda mais a esquerda. Essa atitude fazia com que seus opositores, não raramente, o classificassem como de centro-direita. Sua crítica, por exemplo, às recomendações da VIII Conferência Nacional de Saúde, de 1985, que, no seu entender, "propunham a democratização do Setor Saúde a partir de instâncias de participação não técnica mas popular:", marca bem sua posição.

Foi-se-nos Aldo. Ficamos aqui, Nós da Tuberculose, com a ventura de poder recordá-lo e tê-lo como exemplo, ele, um homem probo, bravo, visionário às vezes, vibrante defensor de seus ideais de sanitarista que, em nossas lutas, era soldado e general e só desejava vitórias através de batalhas

Deixa de seu casamento com Veleyda, falecida em 1984, em conseqüência de trágico acidente, quatro filhos: Gláucia, socióloga; Fernanda, psicóloga; Glauco, farmacêutico e Flávio, arquiteto. Sobrevive-lhe sua esposa do segundo casamento, a médica Leda Villas Bôas.