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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2002

 

 

O controle da tuberculose em área do distrito de Campos Elíseos de Duque de Caxias - RJ

 

 

Germano GerhardtI; Gilmário M.TeixeiraII; Lynd S. DinizIII

IFundação Ataulpho de Paiva
IICentro de Referência Prof. Hélio Fraga
IIIQTROP, Centro de Referência Prof. Hélio Fraga

 

 


RESUMO

A Sociedade de Química Fina para o Combate a Doenças Tropicais - QTROP - escolheu a tuberculose como doença-alvo para início de seu trabalho de campo. No município de Duque de Caxias, RJ, onde a situação da TB apresenta incidência, em 1996, de 193/100.000, mortalidade, em 1995, de 9,28/100.000, percentual de cura de 65% e de abandono de 35%, tomou-se Vila Rosário com 55.631 habitantes, precárias condições econômico-sociais, prevalência de casos de tuberculose em tratamento de 103/100.000 e mortalidade por TB, em 1999, de 34,15/100.000, como primeira Área de Atuação. Aí implementou-se, a partir de janeiro de 2000, uma ação organizada de controle, executada por uma equipe de dois médicos, uma enfermeira, uma assistente social e 17 agentes de saúde, enfatizando-se a busca ativa de casos e as medidas de redução do abandono. Nos anos de 2000 e 2001 a prevalência de TB todas as formas, na Área, foi de 81 (142/100.000) e 108 (186/100.000), respectivamente; já a taxa de descoberta de casos de todas as formas, nesses dois anos, alcançou 86,35 e 88,11/100.000.
Analisou-se o tratamento de uma coorte de 140 pacientes dos quais 110 casos novos e 30 de retratamento; dos novos, 103 eram pulmonares - 78 positivos e 25 negativos - e 7 extra-pulmonares. O tratamento com 2RHZ/4RH da coorte dos 110 casos novos de TB todas as formas, apresentou o seguinte resultado: favorável 77,3%, abandono 12,7%, falência 1,8%, óbito 8,2% (dos 9 óbitos, 5 foram casos de TB+HIV). Na sub-coorte de 30 casos de TB todas as formas, submetida a retratamento, em 86,6% dos casos, com o esquema 2RHZE/4RHE, o resultado foi: favorável 50,0%, abandono 23,3%, falência 10,0%, óbito 16,7%.
O impacto da ação traduziu-se em: redução da taxa de mortalidade de 21,14, em 2000, para 10,36 em 2001 (50,9%); na coorte de todas as formas de TB, aumento do percentual de resultado favorável do tratamento, de 65% (dado do município) para 77,3%, (15,9%) e diminuição do percentual de abandono de 35% (dado do município) para 8,2% (76,5%).

Palavras-chave: tuberculose, controle, medidas de desfecho.


SUMMARY

The Fine Chemistry Society for Tropical Diseases (QTROP) has chosen tuberculosis as a target for field work at Duque de Caxias district, RJ. Parameters of care for tuberculosis management in that district are far from optimal: in 1996, the incidlence of tuberculosis was 193/100,000; death rate was 9,28/100,000 in 1995; and cure rate was 65% with 35% of patients defaulting from care. The Vila Rosario region (55,631 inhabitants, very low socio-economics status, tuberculosis case rate under treatment, 103/100,000 and death rate 34,15/100,000) was chosen as a pilot area. From January 2000 onwards, tuberculosis control activities were implemented. The health team consisted of 2 physicians, one nurse, one social assistant and 17 health assistants. Emphasis was on finding new cases and reducing the non compliance rate. During 2000 and 2001,the prevalence of tuberculosis in Vila Rosario was 81 (142/100.000) and 108 (186/100.000), respectively; the rate of case-finding were, 86,35 e 88,11/100.000 during those two years.
Examination of the results of a cohort of 140 tuberculosis patients (110 new cases - and 30 retreatment cases) showed that among the new cases, 103 were pulmonary ( 78 smear positive, and 25 smear negative) and 7 were extrapulmonary cases. Treatment results of the 110 new cases treated with 2RHZ/4RH were as follow: favourable: 77,3%; failure: 1,8%; death: 8,2% (5/9 deaths were HIV+). Among the 30 retreatment cases (86,6% treated with 2RHZE/4RH), treatment results were: favourable: 50%; default: 23,3%; failure: 10%; death: 16,7%.
Thus improved tuberculosis control activities lead to: 1) reduction of mortality - 21,14/100,000 in 2000 to 10,36 in 2001 (50,9%); 2) favourable results - from 65% to 77,3%; and 3) a reduction in the default rate - from 35% to 8,2%.

Key words: Tuberculosis, control, outcomes


 

 

Introdução

A Sociedade de Química Fina para o Combate a Doenças Tropicais - QTROP - escolheu a tuberculose como doença-alvo com base em três critérios fundamentais: nível de sofrimento imposto ao ser humano; impacto na economia e na força de trabalho; disponibilidade de competência nacional para atacar o problema(1). Em seminários e "workshops" realizados pelo QTROP foi recomendado que a estratégia básica para o desenvolvimento de métodos e técnicas de combate à tuberculose seria a organização de áreas de atuação cujas macrodiretrizes contemplavam: o conhecimento da sociologia, da epidemiologia e da história da região; o desenvolvimento e a implantação de novas tecnologias; a implantação de facilidades para a pesquisa e o incentivo para o desenvolvimento de insumos(2) .

O município de Duque de Caxias, um importante polo industrial com 770.868 habitantes, para o ano 2000, situado na área metropolitana do Rio de Janeiro, foi selecionado para abrigar a primeira Área de Atuação. O diagnóstico situacional realizado por um Grupo de Trabalho(3) identificou, no que concerne ao controle da tuberculose, haver ali um programa centralizado, não hierarquizado, ineficiente em relação à infraestrura de saúde em operação e com um sistema de informação desestruturado que, dessa forma, seria incapaz de fazer frente a uma situação em que a incidência de tuberculose foi de 193/100.000, em 1996, a mortalidade de 9,28/100.000, em 1995 - ambas taxas cerca de três vezes superiores às nacionais - e o percentual de abandono do tratamento de 35%.

As tentativas para organizar a área de atuação em um dos quatro distritos do município, observando os critérios de seleção estabelecidos, esbarraram com uma causa impeditiva - a falta de real vontade política da autoridade sanitária para concretizar o empreendimento. Restou apenas a possibilidade de implantar alguma atividade em uma área situada no Distrito de Campos Elíseos, assistida por um Serviço Médico-Social Comunitário da Igreja Católica.

O diagnóstico de situação dessa área, realizado em 1999, que compreende os bairros de Parque Fluminense, Parque Comercial, Pantanal e Vila Rosário, feito através de levantamento da infraestrutura e de visita casa a casa, reconheceu: população de 55.63l habitantes - bem inferior àquela de 67.964 determinada pelo censo de 1990 - com uma parcela significativa em condições de miséria, habitação desumana e problemas sociais decorrentes da prevalência de infectados pelo HIV, do alcoolismo, do tráfico de drogas e do crime organizado; recurso de saúde do setor público representado por um subposto desativado; rede educativa com 10 escolas públicas, e, do segmento particular, 25 escolas e uma Universidade; tuberculose com prevalência de casos em tratamento de 103/100.000 e informação de haver ocorrido 19 óbitos em 1999(4).

Face às restrições assinaladas optou-se pela implementação de um programa mínimo, visando a busca ativa de casos e a redução do abandono do tratamento. O trabalho, em parceria com o Serviço Médico-Social Comunitário da Igreja Católica, foi desenvolvido, ao começo, por uma equipe formada por um médico supervisor, um médico de família, uma enfermeira, uma assistente social e 17 agentes comunitários de saúde.

 

Material e métodos

O presente estudo compreende o universo de casos de tuberculose residentes na Área de Atuação e descobertos pela equipe QTROP/Serviço Médico Comunitário ou encaminhados a esse Serviço, no período de 1o janeiro de 2000 a 31 de maio de 2001. No momento da avaliação - fevereiro de 2002 - o tempo pós-tratamento variava entre 2 e 18 meses.

A busca de casos, direcionada para os sintomáticos respiratórios, se fez realizando a baciloscopia dos que espontaneamente procuravam o serviço e, de forma ativa, mediante a ação dos agentes comunitários de saúde que, por ocasião da visita domiciliar, interrogavam sistematicamente a família sobre pessoas com tosse e expectoração para, de imediato, colher a amostra ou encaminhar o caso ao serviço. Procedeu-se ao cadastro dos contatos dos casos de tuberculose pulmonar positiva.

Houve a preocupação de, ano a ano, se estabelecer um registro dos casos de tuberculose existentes na Área - novos e antigos - e, bem assim, informação sobre óbitos por esta causa ocorridos na comunidade, visando o conhecimento da descoberta de casos, da prevalência e da mortalidade.

Outras doenças como aids e hanseníase eram objeto de investigação por parte dos agentes de saúde.

Para estudar a situação dos pacientes objeto deste estudo, no momento do ingresso, tomaram-se as seguintes características: sexo, grupo etário, caso descoberto pelo Serviço, caso encaminhado, caso novo, caso de retratamento, caso de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva, caso de tuberculose pulmonar com baciloscopia negativa, caso de tuberculose extrapulmonar.

Os casos novos de tuberculose pulmonar positiva e os de pulmonar negativa foram tratados com o mesmo esquema de quimioterapia - 2RHZ / 4RH - o de número I; já os casos de retratamento utilizaram, em sua maioria, o esquema IR - 2RHZE/4RHE - ou o III - 3SZEEt/9EEt - todos padronizados para o país. A administração dos medicamentos se fez de forma auto-administrada. Entretanto, o agente comunitário de saúde da área de residência do paciente visitava-o, sistematicamente, sempre que este faltava à consulta de controle na data aprazada, para persuadi-lo a comparecer ao serviço. Por outro lado, os agentes, nas visitas rotineiras de seu plano de trabalho, entre outros aspectos que envolvem a saúde da família, enfatizavam as medidas para lograr a adesão do doente e do núcleo familiar ao tratamento da tuberculose.

Os pacientes eram agendados para controle médico e entrega de medicamentos a cada 30 dias. Eventualmente, em casos de pacientes em estado de extrema pobreza, o serviço distribuía uma cesta de alimentos básicos e ofertava vale-transporte.

Os pacientes eram atendidos em vários subcentros de saúde, sendo os medicamentos fornecidos pela unidade de saúde que centraliza o tratamento da tuberculose no município. A radiografia do tórax e a baciloscopia do escarro realizaram-se em serviços credenciados.

Para análise de resultados o estudo se concentrou não só na coorte de casos de tuberculose pulmonar positiva e na de pulmonar negativa, mas, também, no grupo de retratamento. Com base nas Normas Nacionais e na recomendação da OMS/IUATLD/KNCV,(5) definiram-se os seguintes critérios de avaliação: Cura - paciente inicialmente TBP+ que, ao final do tratamento, apresenta duas baciloscopias negativas. Tratamento completado - paciente inicialmente TBP+ que completou o tempo de tratamento, mas, ao final, não realizou baciloscopia ou paciente inicialmente TBP negativa ou TB extrapulmonar que cumpriu o tempo de tratamento; neste caso a alta se dá em base aos dados da clínica e dos exames complementares. Resultado favorável - A soma dos casos curados e dos com tratamento completado. Abandono - paciente que deixa de comparecer ao serviço de saúde para controle do tratamento por mais de 30 dias consecutivos após a data prevista para seu retorno. Falência - paciente que apresenta persistência de baciloscopia positiva após 4 meses de tratamento. Transferência - paciente transferido para outro serviço de saúde. Óbito - paciente que venha a falecer durante o tratamento, independente da causa determinante.

 

Resultados

Os dados do levantamento e da busca de casos procedidos na Área pela ação permanente dos agentes comunitários de saúde, permitiram a estimativa, sujeita às falhas do método, da prevalência e da descoberta de casos de tuberculose nos anos de 2000 e 2001. A população para estes dois anos foi corrigida pela taxa de crescimento vegetativo do IBGE. (Tabelas 1 e 2)

 

 

 

 

No que concerne à mortalidade, os dados de 1999, procedem da informação, pouco confiável, de história de morte por tuberculose, obtida pelos agentes de saúde nas visitas casa a casa; já os de 2000 e 2001 foram registrados pelo Serviço. (Tabela 3)

 

 

A associação com HIV estava presente em 5 dos 12 óbitos do ano 2000 e em 2 do ano 2001. Das mortes do ano 2000, 4 eram pacientes submetidos a retratamento.

O cadastro dos contatos dos casos de TBP+ mostrou a relação observada na Tabela 4.

 

 

No ano 2000 o Serviço registrou 22 casos de infecção pelo HIV, sendo 9 associados à tuberculose, dos quais 8 eram casos novos e 1 de retratamento; em 2001 foram notificados 3 casos HIV+, sendo 1 deles associado a caso novo de tuberculose. O Serviço não realizou pesquisa sistemática de HIV.

Foram diagnosticados, na Área, 19 casos de hanseníase no ano 2000 e 1, associado à tuberculose, no ano 2001.

A informação acima, resultante da intervenção da equipe de saúde QTROP/Serviço Médico Comunitário na Área de Atuação, caracteriza o ambiente onde se aplicaram as ações de controle da tuberculose que permitiram o presente estudo de acompanhamento de resultado do tratamento.

O universo de 140 pacientes com diagnóstico de tuberculose, todas as formas, registrado pelo Serviço no período de 1o de janeiro de 2000 a 31 de maio de 2001, levantado para o estudo, apresentava, no momento do ingresso, as características distribuídas na Tabela 5.

 

 

Observa-se que a maioria dos l40 pacientes é do sexo masculino e se situa na faixa dos 20 aos 49 anos. Deles,110 (78,57%), eram casos novos, ou seja, aqueles sem tratamento anterior para tuberculose e, destes, 103 (93,6%) pertenciam à forma pulmonar, dos quais, 78 (75,7%) apresentaram baciloscopia do escarro positiva. Dos 25 casos de TB pulmonar negativa, 4 eram menores de 5 anos e 7 não realizaram baciloscopia.

A coorte dos 110 casos novos que iniciaram tratamento está distribuída em três sub-coortes, segundo a forma clínica e resultado da quimioterapia. (Tabela 6)

 

 

O resultado favorável - cura + tratamento completado - variou de 68,0% na forma TBP negativa a 100,0% na TB Extra pulmonar.

Os 7 casos de TB Extra pulmonar correspondiam: à forma pleural 4, à pericárdica 1 e à ganglionar 2, todos com diagnóstico histopatológico.

Dos 14 pacientes que abandonaram, 1 foi classificado como primário e os 13 restantes se distribuíram ao longo do tratamento como se vê no quadro abaixo:

 

 

Destaca-se que do total de 14 abandonos, 5 (35,7%) foram recuperados, sendo que 3 reingressaram e 2 solicitaram transferência para outros serviços. Somente 1 caso de abandono apresentou importante reação adversa às drogas - icterícia.

O estudo dos óbitos mostrou: 5 eram casos de associação com HIV, 1 com adenocarcinoma metastático, 1 com mielite transversa e 2 não apresentavam outra patologia associada à tuberculose; em relação ao tempo de tratamento, 3 mortes ocorreram no primeiro mês, 1 no segundo, 2 no terceiro, 1 no quarto e 1 no quinto mês; a maioria apresentava idade entre 20 e 50 anos.

A apreciação da sub-coorte de TB Pulmonar positiva, por sua maior importância, se faz por separado para destacar os critérios de cura e tratamento completado na avaliação de resultado.(Tabela 7)

 

 

Nesta sub-coorte de 78 casos de TBP+ o resultado favorável foi de 78,2% e, entre os 48 registrados como cura, houve, no período de observação do estudo, 1 caso de recidiva. Dos 7 óbitos, 3 eram casos de tuberculose associada com o HIV.

Os 30 casos de retratamento constantes do universo mereceram uma apresentação à parte, distribuídos por resultado do tratamento e esquemas de quimioterapia. No total, 15 (50%), a alta foi dada por resultado favorável, 7 (23,3%) por abandono, 3 (10%) por falência e 5 (16,7%) por óbito. (Tabela 8).

 

 

Por último, nesta apresentação de resultados das atividades de controle da tuberculose na Área de Atuação, se considerou o grupo de 9 casos de tuberculose associada com o HIV. (Tabela 9)

 

 

Dos 9 casos de TB/HIV, 5 eram do sexo masculino. Os 5 óbitos ocorreram: 2 no primeiro mês, 2 no segundo e 1 no terceiro, sendo que 2 deles eram casos de TB pulmonar inicialmente negativa.

 

Discussão

Os dados epidemiológicos aqui considerados devem ser tomados com certa reserva, uma vez que resultaram do levantamento casa a casa pelos agentes comunitários de saúde e do registro posterior pelo Serviço Médico-Social Comunitário.

O aumento da taxa de prevalência, de um ano para o outro, de 142,74 para 186,60, (31,9%), deve ser interpretado como conseqüência da ação dos agentes comunitários de saúde.(Tabela 1)

A descoberta de casos se fez a partir da baciloscopia dos sintomáticos respiratórios e não do exame radiológico. Destaca-se que 72,86% dos casos diagnosticados resultaram da busca ativa praticada durante a visita domiciliar de rotina.(Tabela 5). Observa- se que a forma pulmonar positiva não sofreu variação entre os anos 2000 e 2001 (86,35 e 88.11/ 100.000), o que pode decorrer de alcance do teto de casos positivos, enquanto que, em todas as formas, o crescimento de 114,55 para 139,95 (22,17%) deve-se atribuir a fatores operacionais.(Tabela 2) Essas taxas de descoberta de casos são comparáveis às do município de Duque de Caxias e mais altas que as do Estado do Rio de Janeiro que, em 2000 foram, respectivamente, de 141 e 99/100.000(6).

A mortalidade do ano 2000 do município e do Estado foi de 8,04 e 6,13/100.000, respectivamente. Assim, a taxa de 34,15/100.000 registrada na Área de Atuação em 1999, a partir da informação coletada no levantamento casa a casa, é severamente superior àquelas acima referidas, mas pode estar influenciada pela imprecisão do método; já as taxas registradas pelo Serviço nos anos 2000 e 2001, sob a intervenção do programa, são ainda elevadas, embora se tenha conseguido reduzi-la à metade, de 21,14 para 10,36/100,000. (Tabela 3) Entre os óbitos, é importante destacar a alta associação da aids com a tuberculose - 5 de 12 ocorridos em 2000 e 2 de 6 em 2001.

A análise dessa informação epidemiológica da tuberculose mostra que a ação do Serviço se fez sentir no aumento do conhecimento da prevalência de todas as formas, na intensificação da descoberta de casos novos e na redução da mortalidade.

Os contatos dos casos da forma pulmonar positiva guardam a proporção conhecida para o país (4 por caso), o que confirma o esforço desenvolvido na Área. (Tabela 4).

Os 22 casos de infecção pelo HIV, identificados pelo Serviço na população da Área no ano 2000, representa uma prevalência de 38/100.000, enquanto que, em 2001, apenas 3 casos foram detectados (5/100.000). A associação aids/TB estava presente em 9 dos 81 casos da prevalência de todas as formas de tuberculose (11%),do ano 2000; por sua vez, em relação aos casos novos, esta proporção foi de 12% em 2000 (8/65) e de 1,2% em 2001 (1/81), variação que reflete, provavelmente, a deficiência no diagnóstico da HIV.

Foram identificados na Área, no ano 2000, 19 casos de hanseníase que corresponde a uma prevalência de 35/100.000, enquanto que 1 só caso registrou-se em 2001, o que representaria uma baixa incidência (1,5/100.000).

O estudo da coorte de 140 pacientes de todas as formas de TB, mostra uma relação de 2 homens para 1 mulher; a distribuição etária situa a maior freqüência na faixa produtiva (20 a 49 anos). Estes dados são comparáveis aos encontrados no registro de tuberculose do País. Entre os casos novos a proporção da forma pulmonar é elevada (93,6%) podendo significar a dificuldade de diagnóstico da forma extra pulmonar. Não obstante, todos os casos dessa forma tiveram confirmação histopatológica, sendo que 1 caso de tuberculose ganglionar, teve também, confirmação bacteriológica. A porcentagem de 75,7% de tuberculose pulmonar positiva, reflete a ênfase posta na Bacteriologia e é superior à média nacional. Por conseqüência, na forma pulmonar negativa, apenas 7 de 25 (28%), não realizaram baciloscopia, sendo que 4 destes, eram menores de 5 anos (Tabela 5).

O tratamento dos 110 casos novos, todas as formas, mostrou resultado favorável semelhante ao que se encontra na rotina do programa de tuberculose do Brasil (77,3%) Este resultado foi inferior na sub-coorte de tuberculose pulmonar não confirmada (68%), graças ao elevado abandono registrado neste grupo (24%). Dos 14(12,7%) pacientes que abandonaram, 10 foram perdidos de controle depois do segundo mês e ocorreu 1 caso de abandono primário. A intercorrência medicamentosa severa neste grupo foi baixa - 1 paciente apresentou icterícia. A falência em 2 casos ((1,8%) é comparável à dos dados nacionais. A letalidade de 8,2% (9/110) é muito elevada, podendo ser explicada pela associação com HIV em 5 casos e por morte devida a outras patologias - 1 caso de adenocarcinoma e 1 de mielite transversa (Tabela 6).

A sub-coorte de 78 casos de tuberculose pulmonar positiva, apresentou resultado de cura em 48 (61,5%) e de tratamento completado em 13 (16,7%) o que representa um resultado favorável de 78,2% (Tabela 7). Esse último dado é inferior ao que registrou o ensaio randomizado, controlado, realizado em dois centros, um deles em Duque de Caxias, entre 1995-1998 que, com o esquema diário 2RHZ/4RH, alcançou taxa de cura de 89,7%. Nesse mesmo estudo, quando foram tomados apenas os dados do centro localizado em Duque de Caxias, com exclusão das mortes e falências, a cura com o regime diário foi alcançada em 91,1%(7). Aplicando-se esse mesmo critério ao material do presente trabalho chega-se a um resultado favorável de 85,8% (85/99) mais próximo do daquele estudo. Deve-se destacar, entretanto, que a comparação pode apresentar alguma tendência, já que se confrontam resultado favorável (cura + tratamento completado) com cura (tratamento completado com controle bacteriológico negativo). No que concerne ao abandono, a taxa de 10,2% é melhor do que a registrada no Estado e aproximada à do ensaio referido que foi de 8,3%. A falência em 2 casos (2,6%) é equivalente à do país. A letalidade de 9% é elevada e se deve as razões já discutidas. (Tabela 7)

A porcentagem de casos de retratamento, 30/ 110 (21,43%) é alta e semelhante à que se registra no Estado do Rio de Janeiro. Entre estes 30 casos, somente 2 (6,6%) eram resistentes às duas drogas principais do esquema I - rifampicina e isoniazida. No total, o retratamento foi feito com o mesmo esquema I (2RHZ/4RH) em 2 pacientes, resultando 1 favorável e 1 óbito; com o esquema III (3SZEEt/9EEt) em 2, sendo que ambos faleceram; e com o esquema IR (2RHZE/4RHE) nos 26 restantes - conseqüência do elevado abandono registrado na Área - cujos resultados, bastante diferentes dos obtidos com o esquema I em casos novos, foram: favorável 53,9%, abandono 26,9%, falência 7,7% e óbito 11,5%. (Tabela 8)

Registrou-se, como esperado, elevada letalidade na associação TB/HIV, 5/9 (55,5%), sendo que em 4 casos a morte ocorreu antes de completado o segundo mês de tratamento.(Tabela 9)

 

Conclusões

Um modelo mínimo de ação organizada e de baixo custo - busca ativa de casos, medidas de prevenção do abandono do tratamento, medicação assegurada e participação de agentes comunitários de saúde - é capaz de produzir, em curto período de tempo, resultados de impacto no controle da TB de uma determinada área. No caso do presente estudo em que foi implementado um modelo com essas características, foram obtidos, apesar da crítica situação social, econômica e sanitária da população da área envolvida, resultados que se expressaram em:

1. Redução de 50% da mortalidade por TB, entre 2000 e 2001.

2. Aumento do registro da prevalência e da notificação de casos novos de TB, todas as formas.

3. Alta freqüência de formas pulmonares positivas (75%).

4. Elevada taxa de confirmação de cura (78%), nos casos novos pulmonares positivos.

5. Redução da taxa de abandono de 35%, registrada no município, para 8,2% na coorte de casos novos de todas as formas de TB.

6. O retratamento de pacientes com o esquema 2RHZE/4RHE, não apresentou bom resultado - taxas de abandono de 26,9%, de falência de 7,7% e de óbito de 11,5%.

7. A letalidade elevada - 8,2% - na coorte de casos novos de TB todas as formas, deveu-se a associações mórbidas: 5 casos com HIV, 1 caso com mielite transversa e 1 caso com adenocarcinoma pulmonar.

 

Referências bibliográficas

1. QTROP-TB. Programa de Química Fina para o Combate à Tuberculose. Rio de Janeiro: UFRJ/FINEP; 1994.

2. QROP-TB. Programa de Química Fina para o Combate à Tuberculose. Documento básico sobre as áreas de atuação do Programa QTROP-TB, Rio de Janeiro, 1997.

3. Toledo AS (Relatora), Teixeira GM (Coordenador), Sayeg F, Silva FE, Bejgel I, Diniz LS, Lorenzo M, Motta T. Considerações gerais sobre o espaço urbano, condições de saúde e a tuberculose em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: QTROP-TB, Rio de Janeiro; 1997.

4. QTROP-TB. Programa de Química Fina para o Combate à Tuberculose. Relatório de Atividades - Convênio 2260/98, FNS/QTROP, Rio de Janeiro: 2001.

5. WHO- World Health Organizatión. IUATLD-International Union Against Tuberculosis and Lung Disease, KNCVRoyal Netherlands Tuberculosis Association. Revised international definitions in tuberculosis control. Int J Tuberc Lung Dis 2001; 5(3):213-15.

6. Dalcolmo MP. Regime de curta duração, intermitente e parcialmente supervisionado, como estratégia de redução do abandono no tratamento da tuberculose no Brasil. [tese de Doutorado]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2000.

 

 

Artigo recebido em 13/07/02. Aprovado em 17/08/02.