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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2002

 

 

Tempo de tratamento de pacientes inscritos no Programa de Controle da Tuberculose. Ribeirão Preto-SP (1998-1999)

 

 

Cinthia Midori SassakiI; Ricardo Alexandre ArcêncioII; Moacyr Lobo da Costa JúniorIII; Pedro Fredemir PalhaIV; Roxana Isabel Cardozo GonzalesV; Tereza Cristina Scatena VillaVI

IMestre e doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. Bolsista CAPES. R: Padre Anchieta, 660 - Vila Tibério. CEP 14050-140. Ribeirão Preto-SP. E-mail: midsas@yahoo.com.br
IIAluno de graduação da EERP-USP. Bolsista FAPESP
IIIProfessor Doutor do Programa de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP/ USP
IVProfessor Doutor do Programa de Enfermagem em Saúde Pública da EERP/ USP
VDoutoranda em Enfermagem em Saúde Pública da EERP-USP. Bolsista CAPES
VIProfessora Doutora Associada da EERP-USP. Orientadora.

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo exploratório descritivo que busca analisar o tempo de tratamento da tuberculose de pacientes inscritos no PCT de um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto-SP, nos anos de 1998 e 1999. Os dados foram obtidos através de livros de registro e prontuários. Utilizou-se o programa Epi-Info, versão 6.04d para o cadastramento, tabulação e análise. Observou-se que dos 140 pacientes em estudo, 105 (75%) curaram, 20 (14,29%) foram transferidos, 05 (3,57%) tiveram mudança de diagnóstico, 05 (3,57%) abandonaram e 05 (3,57%) foram a óbito. Em relação à cura, 39,05% curaram em até 6 meses; 39,05% entre 6,1 - 9 meses; 20% em mais de 9 meses e 1,9% foi ignorado. Identificou-se que a história de tratamento anterior, intercorrências patológicas, aids e alcoolismo contribuíram para o não cumprimento correto da terapêutica, prolongando o tempo de tratamento entre os indivíduos curados. Quanto ao tempo de tratamento dos pacientes que não evoluíram para a cura, 09 (25,71%) não curaram após 6 meses de tratamento (03 abandonos, 03 óbitos, 02 mudanças de diagnóstico e 01 transferência). Verificou-se que as intercorrências podem acontecer ao longo do tratamento, ocasionando desvios como o não cumprimento do esquema terapêutico, aumentando o tempo de tratamento, o risco de abandono e até mesmo o óbito. Destacam-se, neste estudo, falhas no preenchimento dos prontuários e fichas de notificação.

Palavras-chave: Tuberculose, Adesão, Tempo.


SUMMARY

This is a descriptive epidemiological study which aims at analyzing the duration of treatment of tuberculosis patients enrolled in the Tuberculosis Control Program (TCP) in a health service in the city of Ribeirão Preto-SP in 1998 and 1999. Data were obtained through records books and charts. The Epi-Info software, version 6.04d, was used for data recording, tabulation and analysis. It was observed that of the 140 patients under study, 105 (75%) were cured, 20 (14.29%) were transferred, 05 (3.57%) had an alteration in their diagnoses, 05 (3.57%) quit treatment and 05 (3.57%) passed away. Concerning cure, 39.05% were cured in up to six months; 39.05% in a period of 6.1 to 9 months; 20% in more than 9 months and 1.9% were ignored. It was identified that the history of previous treatment, pathological intercurrences, AIDS and alcoholism contributed to not following therapy adequately, which extended the time of treatment among cured individuals. Concerning the time of treatment of patients who did not develop to cure, 09 (25.71%) were not cured after 6 months of treatment (03 dropouts; 03 deaths; 02 diagnosis alterations and 01 transfer). It can be observed that intercurrences may occur during treatment, which causes deviances such as the non-adherence to the therapeutic plan and increase in the treatment period, risks of quitting and even death. Failures in the completion of charts and report forms were distinguished in this study.

Key words: Tuberculosis, Adherence, Duration.


 

 

Introdução

A tuberculose poderia estar controlada, considerando-se que os recursos diagnósticos são relativamente simples e os esquemas terapêuticos disponíveis altamente eficazes(1). Porém, são comuns falhas/ intercorrências acontecerem ao longo do tratamento, ocasionando desvios como o não-cumprimento do esquema terapêutico, aumentando o tempo de tratamento, o risco de abandono e até mesmo o óbito.

O não-cumprimento de um esquema terapêutico é um problema antigo e pode se apresentar sob diferentes formas e graus, desde o esquecimento eventual ou da interrupção intencional periódica e/ou intermitente, ao abandono total do tratamento. Desconsiderando eventuais esquecimentos, sem maiores conseqüências, a descontinuidade do tratamento, apesar de um fato conhecido, não tem sido objeto de abordagens sistemáticas que avaliem sua incidência e impacto no sucesso terapêutico da tuberculose, sendo os estudos limitados à sua expressão maior, o abandono. No entanto, essa descontinuidade e suas ligações com o desconforto provocado pelas reações indesejáveis, alcoolismo, uso de drogas, falhas na supervisão do tratamento ou diferentes formas de percepção da doença e sua cura, deveria ser considerada com mais atenção na produção acadêmica e, obviamente, na prática dos órgãos de saúde(2), uma vez que essa descontinuidade pode levar ao prolongamento do tempo de terapia, podendo resultar na falência do tratamento e consequentemente o agravamento do quadro clínico. No caso específico da tuberculose, tanto o abandono quanto a irregularidade na tomada de medicamentos e, consequentemente, a falência do tratamento e a recidiva da doença, são considerados as questões-chave a serem superadas(3).

Para conseguir o objetivo de produzir impacto epidemiológico, o processo de descoberta-tratamento de casos bacilíferos deve atingir a maior cobertura possível e a máxima regularidade de tratamento(4). Este, uma vez iniciado, não deve ser interrompido, salvo após rigorosa revisão clínica e laboratorial que o determine(5).

É importante destacar que o processo de cura atual leva em consideração apenas as questões ditas como "científicas", porém não individuais/ sociais. Algumas variáveis demográficas e sócio-econômicas como idade, sexo, raça, ocupação, estado civil, renda e educação são freqüentemente incluídas nos estudos sobre tuberculose como importantes indicadores de não adesão(6-7).

No entanto, há estudos em que as variáveis demográficas e sócio-econômicas são vistas como inconsistentes e estão apontando para outros fatores sobre o paciente para medir a não adesão(8-9).

A negligência do doente ao regime de medicação prescrito pode ser observada quando o mesmo deixa de comparecer na data agendada para o atendimento, ficando sem medicação, não ingestão das drogas, dosagens equivocadas, interrupção do tratamento por ter se cansado de tomar remédio, ter esquecido ou viajado(10). Destacam-se também, a auto-avaliação da eficácia do tratamento, o "sentir-se bem", e a desinformação e/ou informações equivocadas(2).

Além dos aspectos relacionados ao paciente existem também os relacionados ao tratamento. A quimioterapia cura a tuberculose pulmonar, porém, freqüentemente, falha pelo não-cumprimento do tratamento, permanecendo fatores responsáveis pela seleção de bacilos mutantes durante a utilização das drogas: quimioterapia com esquemas inadequados, duração e dosagens insuficientes e reações adversas, levando à não adesão ao tratamento(11).

A irregularidade na distribuição dos medicamentos, a precariedade do atendimento e as dificuldades de acesso aos serviços(12-14) formam um conjunto de condições diretamente ligadas à organização dos serviços de saúde.

A questão da adesão ao tratamento da tuberculose tem sido estudada sob diferentes abordagens, sendo que alguns estudos atribuem os resultados da adesão ou não adesão a fatores relacionados ao doente de tuberculose, enfocando prioritariamente causas de ordem biológica(15), sem uma maior preocupação com o resgate da individualidade desses doentes, como hábitos diários, eventos da vida(16) e personalidade própria. Outros estudos atribuem à dimensão da produção de serviços de saúde, onde são analisadas a duração do tratamento(17), a eficácia das drogas e a infra-estrutura do próprio programa como a mão de obra qualificada(18).

A avaliação sistemática do doente e seu tratamento pode contribuir para a vigilância da tuberculose mediante identificação dos principais obstáculos ao sucesso do tratamento dos grupos prioritários do ponto de vista de um acompanhamento diferenciado, evitando assim, o abandono, interrupções e prolongamento do tratamento.

Uma vez que qualquer regime ou esquema de tratamento, particularmente para a tuberculose, é ineficiente se não é usado no tempo, doses e regularidade necessários(3), o presente estudo justifica-se pela necessidade de oferecer subsídios para o avanço da assistência ao doente de tuberculose durante seu tratamento, mensurando e analisando o tempo de tratamento da doença segundo os resultados da alta, para que sejam implementados procedimentos diferenciados de acompanhamento, através de estratégias novas ou complementares, de forma a fortalecer o controle e combate à tuberculose em nível local.

 

Objetivo

Mensurar e analisar o tempo de tratamento da tuberculose de pacientes inscritos no Programa de Controle da Tuberculose (PCT) de um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto-SP, no período de janeiro/1998 a dezembro/1999.

 

Material e métodos

Trata-se de um estudo exploratório descritivo.

Realizou-se num primeiro momento uma revisão do "Livro de Registro e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose", com o propósito de identificar e quantificar os pacientes inscritos no PCT, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 1999. Foram identificados 191 pacientes inscritos neste período, destes, 03 foram inscritos duas vezes no Programa. Mesmo que o doente tivesse sido inscrito mais de uma vez no período, considerou-se somente a primeira.

A partir dessa revisão, foi possível levantar os prontuários dos pacientes, sendo que apenas 169 prontuários foram localizados, destes, 29 foram excluídos da amostra por não terem iniciado o esquema atual de tratamento no NGA-59; vieram transferidos de outros serviços para continuar o tratamento ou para o estudo da alta. Foram incluídos, portanto, 140 pacientes neste estudo. Os resultados registraram 105 (75%) curas, 20 (14,29%) transferências, 05 (3,57%) mudanças de diagnóstico, 05 (3,57%) abandonos e 05 (3,57%) óbitos.

As informações obtidas dos prontuários foram relativas a algumas variáveis sócio-demográficas (sexo, idade, escolaridade e ocupação); dados referentes ao diagnóstico (forma clínica), ao tratamento (condição, esquema, tipo, tempo e resultado de tratamento), às intercorrências "patológicas" e doenças associadas (aids, alcoolismo e outras). Caso não houvesse nos prontuários, na parte evolução da doença, as informações acima, esses dados eram verificados nas fichas de notificação dos doentes, visando uma maior obtenção no número de informações sobre os mesmos.

Cada paciente teve suas informações coletadas individualmente através de um formulário. A partir desse instrumento, construiu-se um banco de dados, com base no Programa Epi-Info, versão 6.04d da Organização Mundial da Saúde. Após a coleta, os dados foram digitados (com dupla digitação e verificação) para posterior tabulação e análise.

O tempo de tratamento da tuberculose considerado no estudo, consistiu na diferença entre a data do término (x) e a data do início do tratamento (y) dividido por 30,44. (X - Y)/ 30,44= tempo de tratamento da tuberculose (em meses).

Considerou-se, neste estudo, a data do término do tratamento, como a data da última ingestão do medicamento. E a data do início do tratamento, como a data da primeira ingestão do medicamento. Ambas foram registradas no prontuário.

Foi calculado o tempo de tratamento da tuberculose de cada paciente considerado no estudo e os tempos obtidos, foram agrupados em períodos de: até 6 meses; 6.1 a 9 meses; mais de 9 meses.

Segundo as normas do PCT, os motivos da alta (resultados de tratamento) estão assim definidos:

Cura: será dada quando for completado o tratamento e com base em critérios clínicos-radiológicos.

Abandono de tratamento: será dada ao doente que deixar de comparecer à unidade por mais de trinta dias consecutivos, após a data aprazada para seu retorno.

Transferência: será dada quando o doente for transferido para outro serviço de saúde.

Mudança de diagnóstico: será dada quando for constatado erro no diagnóstico.

Óbito: será dada por ocasião do conhecimento da morte do paciente durante o tratamento independentemente da causa.

 

Resultados e discussão

Considerando-se somente a primeira inscrição no PCT, foram identificados 188 pacientes inscritos no período estudado. Destes, apenas 169 prontuários foram localizados. Em relação à evolução dos prontuários, caso não houvesse o registro das informações relativas a algumas variáveis em estudo, esses dados seriam verificados nas fichas de notificação dos doentes, visando uma maior obtenção no número de informações sobre os mesmos. A coleta de dados foi realizada através de um formulário individual para cada paciente. Dos 140 formulários preenchidos, em 29, (20,7%) não houve o preenchimento de pelo menos uma variável. Quanto à ficha de notificação, os itens não preenchidos estavam relacionados às informações da aids (20,7%), seguidos dos itens escolaridade (8,6%) e ocupação (6,6%).

Tais achados mostram a dificuldade da equipe de saúde e de gerência da unidade de saúde em priorizar no conjunto de atividades, o sistema de registro e informação, expresso pelo preenchimento incompleto das fichas de notificação, das folhas de evolução médica e de enfermagem dos prontuários, das fichas de acompanhamento do paciente previstas pelo PCT, sugerindo uma maior atenção do serviço para esse problema e melhor esclarecimento aos trabalhadores de saúde sobre a precisão dos dados a serem informados.

A cura

Em relação aos 105 pacientes que evoluíram para a cura, 39,05% o fizeram em até 6 meses; 39,05% entre 6,1 - 9 meses; 20% em mais de 9 meses e 1,9% foi ignorado devido à impossibilidade de calcular o tempo de tratamento uma vez que não estava registrada no prontuário a data da última medicação.

No estudo realizado em São Paulo-SP, de acordo com o período de tratamento e os tipos de saída de 5.360 casos de tuberculose pulmonar, notificados por 55 unidades de saúde, (19) pode-se destacar que na distribuição dos casos de tuberculose pulmonar com alta por cura, 48,58% dos casos obtiveram alta no fim do sexto mês; 45,81% foram tratados por tempo maior que 6 meses, sendo que entre eles, a maioria teve alta aos 7 meses, o que pode ser atribuído a prolongamento de tratamento devido ao atraso entre consultas; 5,61% dos casos tiveram alta por cura após 9 meses de tratamento.

Pode-se verificar que dos 105 pacientes que curaram, em 62 (59,05%) a cura se deu após seis meses de tratamento. Destes, 29 (46,8%) tiveram um tempo de tratamento entre 6,1 a 7,0 meses. Esse período, um mês a mais que o previsto no PCT, pode ser explicado por questões relacionadas à organização do serviço, tais como falhas no registro e no fluxo de informação. No entanto, 33 (53,2%) curaram num tempo de tratamento que variou de 7,1 até 17,7 meses.

Observa-se, neste estudo, que do total de pacientes curados, entre a faixa etária de 0-19 anos, nove (56,25%) curaram até 6 meses e sete (43,75%) após 6,1 meses; de 20 a 64 anos, 31 (38,3%) e 49 (60,49%), respectivamente e de 65 e mais, um (12,5%) e seis (75%), respectivamente. Quanto ao sexo, 42 (60%) homens e 20 (57,14%) mulheres curaram após 6 meses.

Segundo um estudo realizado em Pelotas-RS(20), a adesão analisada do ponto de vista do doente, apontando para as conexões entre sua fase de vida, via categoria gênero e o resultado final do tratamento, mostrou que os homens mais jovens têm, aparentemente, preocupações mais diluídas sobre a doença e aderem menos às recomendações médicas. Na grande maioria, entendem que uma vez cessados os sintomas da doença estão, se não totalmente, quase curados. Alegam que os medicamentos são em grande quantidade e que provocam efeitos colaterais.

Em relação ao sexo, os autores encontraram que para todas as mulheres, a necessidade e o desejo de cura, quando as sensações desagradáveis se intensificam, fazem com que superem as sensações desagradáveis dos medicamentos, aderindo melhor ao tratamento. Observa-se neste estudo que tanto os homens (57,14%) quanto as mulheres (60%) prolongaram o tempo de tratamento.

Em relação ao grau de escolaridade e à ocupação, alguns estudos mostram que os indivíduos de baixa escolaridade, na ausência de informação, apresentam uma interação aditiva, constituindo-se em uma categoria de maior risco para não adesão. Além disso, outros fatores de risco relacionados aos doentes foram destacados, tais como: o trabalho sem vínculo empregatício; a falta de estruturação familiar; o morar só; história passada de tratamento de tuberculose e abandono(21).

Pode-se observar neste estudo que tanto os indivíduos de nível superior quanto os sem escolaridade tiveram o resultado esperado no tempo preconizado. Quanto à variável ocupação, constatou-se que mesmo aqueles que ocupavam uma posição superior apresentaram um prolongamento no tempo da terapêutica.

Dos 05 pacientes que estavam na condição de retratamento, todos tiveram um tempo de tratamento maior que o preconizado. Este dado evidencia que os casos de retratamento podem ser um fator de risco para o não-cumprimento correto da terapêutica, prolongando o tempo de tratamento e exigindo uma maior atenção e acompanhamento desses doentes a fim de detectar problemas e acionar mais rapidamente as medidas para sua correção, como por exemplo, evitar as interrupções, o uso inadequado de medicamentos, as falhas na freqüência às consultas médicas, ou mesmo o abandono do tratamento.

Em relação ao tipo de tratamento, dos pacientes estudados 82 (78,1%) estavam submetidos ao Tratamento Auto-administrado (TA), 10 (9,52%) ao Tratamento Supervisionado (TS) e 13 (12,38%) ao TA seguido do TS. Observou-se que o TS não garantiu a cura em seis meses. Pelo contrário, dos 10 pacientes em TS, sete tiveram um tempo de tratamento superior ao preconizado.

Em um estudo realizado em Bauru - SP, os resultados mostram que mais de um terço dos doentes entrevistados interromperam a medicação por alguns dias durante o tratamento, mesmo estando, parte deles, acompanhados em TS. Conclui manifestando que essa realidade mostra a necessidade de busca de novas formas de abordagem dos doentes, no intuito de minimizar essa forma subliminar de abandono, que pode ser responsável por uma resposta menos favorável à terapia, por algumas recidivas e até pela possível evolução para a multirresistência(22).

Pôde-se observar ainda, que as interrupções na terapêutica devido às intercorrências patológicas foram eventuais prolongando o tempo de tratamento para até 9.0 meses. Os outros 11 casos de intercorrências no período maior que 9.0 meses, deveu-se principalmente a obstáculos relacionados ao paciente, tais como: a negligência do doente ao regime de medicação prescrito deixando de comparecer na data agendada para o atendimento, ficando sem medicação; a não ingestão das drogas, interrompendo o tratamento por terem viajado ou se sentindo curado.

Em relação aos casos de co-infecção pelo vírus HIV, apesar do serviço em estudo, nos anos de 1998 e 1999, seguir a recomendação do PCT, de tratamento de 9 meses para estes casos, foram identificados nesta população, 02 casos de aids tratados no período inferior ao tempo previsto pelo Programa, de 6,1 a 7,0 meses; 03 pacientes co-infectados fizeram o tratamento no tempo recomendado; 07 tiveram um prolongamento no tempo, 04 (57,1%) entre 9,2 a 9,8 meses o que pode ser explicado pelas interrupções eventuais e 03 (42,9%) entre 12,6 a 17,7 meses, todos de difícil adesão ao tratamento e várias interrupções durante todo o tratamento. Essa descontinuidade levou ao prolongamento do tempo de tratamento podendo ter resultado em resistência, falência, abandono ou mesmo óbito.

Os dados obtidos neste estudo evidenciaram também que dos 9 pacientes que faziam uso de bebida alcoólica, 7 tiveram um tempo de tratamento maior que seis meses e dos 92 que não o faziam, 52 apresentaram um tempo prolongado de tratamento.

O alcoolismo e HIV/ aids formam um outro conjunto de condições ligadas ao comportamento de grupos específicos, levando ao não-cumprimento da terapêutica(2).

No estudo realizado em Bauru - SP(22), observouse que embora mais da metade dos doentes tenha considerado o tratamento longo e cansativo e 21% deles tenham revelado a presença de efeitos colaterais atribuídos aos medicamentos, surpreendentemente, os doentes que interromperam o tratamento por alguns dias, deram outras explicações para esse comportamento, alegando esquecimento ou o uso de bebidas alcoólicas e outras drogas.

Neste estudo, encontramos como questões de ordem mais geral, a história de tratamento anterior, intercorrências patológicas, aids, alcoolismo e a negligência do doente ao regime de medicação prescrito. Tais fatores contribuíram para o não-cumprimento correto da terapêutica, prolongando o tempo de tratamento.

Não cura (abandono, óbito, mudança de diagnóstico e transferência)

Do total de 35 pacientes que não curaram, 09 (25,71%) não curaram após 6 meses de tratamento (03 abandonos, 03 óbitos, 02 mudanças de diagnóstico e 01 transferência).

Dos 05 pacientes que abandonaram o tratamento, 03 (60%) o fizeram no tempo maior que seis meses. Na caracterização do perfil desses pacientes observou- se que todos eram do sexo masculino, da faixa etária de 23-34 anos de idade; de baixa escolaridade e de pequeno poder aquisitivo (01 desempregado e 02 de serviços braçais). Todos tinham a forma pulmonar e faziam o Esquema I, sendo que 01 estava em retratamento após abandono. Em relação ao tipo de tratamento, nenhum fazia o tratamento supervisionado. Um paciente apresentou algumas intercorrências patológicas durante o tratamento e 01 era alcoólatra.

Fazendo-se uma breve análise de alguns desses casos, observou-se que um estava em retratamento após abandono e fazia uso de bebida alcoólica, prolongando o tempo para 6,5 meses sem obter a cura. Alguns estudos mostram que a avaliação da seqüência do reinício de tratamento mostrou elevado abandono, atingindo 63% entre os que já haviam anteriormente desistido do tratamento. Verificou-se ainda que o alcoolismo merece destaque como patologia associada à tuberculose, tendo acometido metade dos pacientes com antecedente de abandono(10). São descritos baixos níveis de aderência nesse grupo, com elevada probabilidade de progressão para doença cavitária crônica(23). Neste caso, pode-se destacar também que o abandono do tratamento pode estar relacionado ao fato do doente ter se cansado de tomar remédio, uma vez que o mesmo estava no programa há 6,5 meses, acrescentando-se a isso, a condição de retratamento da doença. Quanto maior é o tempo do tratamento, maior é a probabilidade de abandono(2).

Em um outro caso de abandono, apresentava-se registrado no prontuário um paciente usuário de drogas, "rebelde" ao tratamento e com algumas intercorrências patológicas como: urticária e dor no estômago. Apesar deste paciente ter tomado até a quarta cartela de medicamentos, as várias interrupções no decorrer da terapêutica, fez com que prolongasse o tempo de tratamento para 6,9 meses.

É fundamental, portanto, que o profissional de saúde garanta as condições básicas para o êxito do tratamento. Na oportunidade, a equipe de saúde, além de conscientizar o paciente da importância de sua colaboração no tratamento, estabelece com ele uma relação de cooperação mútua, orientando-o em relação à: doença, duração do tratamento prescrito, importância da regularidade no uso das drogas e graves conseqüências advindas da interrupção ou abandono do tratamento.

Identificou-se que todos os casos de abandono com um tempo de tratamento maior que seis meses estavam relacionados com a irregularidade do paciente (hábito de ingerir bebida alcoólica, o uso de drogas e a negligência do doente ao regime de medicação prescrito) e/ou ao tratamento (história de tratamento e abandono anterior e intercorrências patológicas provavelmente relacionadas com os efeitos colaterais das drogas). Ambos constituíram-se em fatores prognósticos independentes para o insucesso do tratamento da tuberculose pulmonar bacilífera entre os indivíduos estudados.

Em relação aos óbitos, do total de 05, 03 (60%) foram a óbito após seis meses. Nenhum teve a tuberculose como causa básica. Entre os óbitos de tuberculose por outras causas estavam a aids e a insuficiência respiratória. Todos estiveram internados no hospital em algum momento do tratamento e todos tinham um motivo que justificasse a internação.

Um caso estava em retratamento após abandono, fazia Esquema Especial e tinha o tratamento supervisionado, durante o qual apresentou várias intercorrências patológicas como: fraqueza, dor nas costas, tosse, inapetência, diarréia, perda de peso e meningite, sendo internado no hospital. A impossibilidade de ingerir medicamentos influenciou na interrupção do tratamento, prolongando-o para 9,2 meses. Esse paciente foi posteriormente a óbito o qual teve a influência da aids, ficando a tuberculose como causa associada.

Nestes 03 casos observou-se que as intercorrências patológicas e internações estiveram diretamente relacionadas com a interrupção do tratamento e conseqüente prolongamento do tempo de tratamento, levando ao óbito.

A mudança de diagnóstico após a instalação do tratamento ocorreu em 05 (3,57%) dos casos e foi atribuída à falta de confirmação bacteriológica, sendo que 02 ocorreram após os seis meses previstos para o tratamento. Essa situação é prejudicial para o doente pois além de ter o diagnóstico correto retardado, toma desnecessariamente medicamentos que podem gerar efeitos colaterais.

As 20 transferências aconteceram durante todo o período em estudo, observando-se, a maior parte, nos primeiros meses (75%). Destes, um teve a transferência quando estava com 8,3 meses de tratamento, durante o qual apresentou intercorrências patológicas relacionadas com os efeitos das drogas, como dores articulares, e tinha doença mental. Quando estava na sexta cartela de medicamentos foi transferido para o hospital por impossibilidade de deambulação, fraqueza e distúrbios psíquicos.

No estudo realizado em São Paulo-SP (19), observou- se que do sétimo ao décimo segundo mês foram informados 525 casos (34,95%) de abandono e, destes, 122 (23,24%) com tempo maior do que nove meses. A mudança de diagnóstico após a instalação do tratamento verificou-se em 58 (1,08%) dos casos, sendo que em cinco (8,62%), após seis meses, quando o esquema estava quase completo. Em relação ao óbito e à transferência, verificaram que tais eventos ocorreram nos primeiros meses de tratamento.

Confirma-se, portanto, que neste estudo, as intercorrências podem acontecer ao longo do tratamento, ocasionando desvios como o não cumprimento do esquema terapêutico, aumentando o tempo de tratamento, o risco de abandono e até mesmo o óbito.

 

Conclusões

Analisar o tempo de tratamento da tuberculose e investigar alguns fatores de irregularidade da terapêutica, constituem-se um dos principais campos de organização dos serviços e avaliação da assistência prestada pelo PCT. O conhecimento desses dados auxilia na escolha de intervenções a serem propostas e implementadas com base na situação encontrada.

O acompanhamento dos doentes pode detectar problemas e acionar mais rapidamente as medidas para sua correção, como por exemplo, evitar as interrupções e o abandono do tratamento, o uso inadequado de medicamentos, a falta de baciloscopia de controle e as falhas na freqüências às consultas médicas. É importante a construção de um processo permanente que aprimore as ações desenvolvidas, buscando uma cumplicidade cada vez maior com o cliente, garantindo a sua individualização e resultados mais efetivos.

Considera-se importante estar realizando estudos que avaliem estratégias de intervenção que facilitem a comunicação e a interação freqüente para encorajar o paciente na adesão ao processo e, nesse sentido, apontar limites e flexibilização, bem como propor novas tecnologias de gestão da clínica e de gestão colaborativa do auto-cuidado.

 

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Artigo recebido em 10/07/02, aprovado em 11/08/02.