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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2002

 

REVISÃO DE TEMAS

 

DPOC na cabeça

 

 

Hisbello S. Campos

Médico do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga

 

 

As perspectivas de saúde serão melhores no século XXI; nesse novo milênio, a população mundial terá um aspecto mais saudável. Apesar dessa perspectiva otimista contemplar o reconhecimento de algumas duras realidades, os avanços sem precedentes obtidos no século XX representam as fundações para um progresso importante no futuro próximo. As estimativas da Organização Mundial da Saúde(1) são de que, em 2025, a expectativa de vida atinja 73 anos e que as taxas de fertilidade caiam. Com isso, a população mundial envelhecerá e o grupo etário de maiores que 65 anos passará a representar 10% da população, em contraste com os 6,6% atuais. Motivos de preocupação ainda existem, já que, apesar do aumento global da expectativa de vida, dois quintos das mortes anuais dos últimos anos do milênio passado podem ser consideradas prematuras (20 milhões de pessoas morriam por ano antes dos 50 anos de idade, quando a expectativa de vida era de 68 anos. Destas, 10 milhões eram crianças com menos de 5 anos e 7,4 milhões adultos jovens, com idade entre 20 e 49 anos). Atualmente, mais de 15 milhões de adultos (20-64 anos) morrem por ano, sendo que a maior parte dessas mortes poderiam ser preveníveis. Como exemplo, 585.000 mulheres jovens morrem de complicações do parto/ puerpério; 2 a 3 milhões morrem de tuberculose, apesar de existirem recursos/estratégias para curar todos os doentes; 1,8 milhões morreram de AIDS em 1997. O risco de câncer continuará crescendo nos próximos anos nos países em desenvolvimento e talvez diminua nos países industrializados. O número de mortes por câncer do pulmão e coloretal aumentará, devido principalmente ao fumo e a erros dietéticos.

O aumento da expectativa de vida das últimas décadas, junto com mudanças no estilo de vida, paradoxalmente favoreceram as doenças não-infecciosas, especialmente as circulatórias, as neoplasias e algumas formas de doença mental. Doença coronariana e acidentes vasculares são responsáveis por 12 milhões de mortes por ano; o câncer mata 6 milhões e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), 3 milhões. Essas e outras doenças não-infecciosas atualmente causam 40% de todas as mortes em países em desenvolvimento, onde elas afetam proporção maior de jovens do que nos países industrializados. A DPOC é uma das principais causas de morbidade crônica e de mortalidade no mundo(2) (quarta causa de morte)(3) e essa perspectiva tende a piorar. Ela é a única, dentre as principais doenças, que vem crescendo em prevalência e em mortalidade. Em 1990, ela ocupava o 12o lugar no ranking das causas de anos de incapacitação ajustados pela idade (disability-adjusted life years - DALYs)*. Estima-se que, em 2020, ela esteja ocupando o 5o lugar entre as DALYs e o terceiro como causa de morte.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial (BM) estimaram, em 1990, que a prevalência da DPOC fosse da ordem de 9,33 por 1.000 homens e de 7,33 por 1.000 mulheres(4). A prevalência era maior nos países industrializados, embora já estivesse alta na África sub-Saariana (4,41/1.000 homens e 2,49/1.000 mulheres). A menor taxa de prevalência estaria no Oriente Médio (2,69/1.000 entre os homens e 2,83/1.000 entre as mulheres). Considerando-se 5 países europeus, estima-se que sua prevalência varie entre 1,5 milhões de pessoas na Espanha e 3 milhões no Reino Unido. Seriam 2,7 milhões de doentes na Alemanha, 2,6 milhões na Itália e 2,6 milhões na França. Anualmente, foram notificadas 125.598 hospitalizações por ela motivadas na Alemanha, 73.372 no Reino Unido e 45.624 na Espanha(5). Nos EUA, estimou-se que, em 1996, a DPOC comprometesse cerca de 16 milhões de pessoas e que fosse a quarta causa de morte, sendo superada apenas pela doença cardíaca, pelo câncer e pelo acidente vascular cerebral(6). Em 1995, ela foi responsável por 4% de todas as mortes naquele país(7). No Canadá, num inquérito realizado em 1994-95(8), estimou- -se que cerca de 750.000 canadenses tivessem bronquite crônica e/ou enfisema pulmonar diagnosticado por um profissional de saúde. A prevalência aumentava com a idade (55-64 anos = 4,6%; 65-74 anos = 5,0%; 75 e + anos = 6,8%) e era maior entre os homens. Num grande estudo epidemiológico realizado recentemente na Espanha(9) (IBERPOC), a prevalência da DPOC (segundo os critérios da Sociedade Européia de Pneumologia) foi estimada em 9,1% da população geral. Metade dos casos encontrava-se entre aqueles com 60 a 69 anos, e a outra metade estava distribuída igualmente nos grupos etários de 40-49 e 50-59 anos. Uma constatação interessante foi a de que, apesar de os sintomas respiratórios serem comumente relatados naquela população (por exemplo, 13,5% referiram tosse, 10,7% expectoração, 10,4% dispnéia aos médios esforços e 40,2% sibilos), apenas 22% dos portadores identificados de DPOC tinham sido diagnosticados anteriormente, o que aponta para subdiagnóstico da doença.

A DPOC também é responsável por um enorme custo financeiro. Globalmente, combinando a prevalência da doença com seu impacto, a DPOC promove gastos da ordem de US$ 1.522 por doente por ano, quase três vezes o custo per capita da asma. Nos EUA, ela representa um custo aproximado de US$ 15 bilhões por ano apenas com cuidados médicos e tratamento. Consultas médicas e atendimentos em Pronto-Socorros respondem por 17,3% dos custos diretos com a doença(10). Em 1993, o custo total da doença, estimado em US$ 23,9 bilhões, foi dividido em US$ 14,7 bilhões gastos com tratamento; US$ 4,7 bilhões com os custos indiretos do adoecimento e US$ 4,5 bilhões com a mortalidade prematura(11). Avaliação norte-americana dos gastos com doenças estimou que, no ano 2000, cada doente tenha custado US$ 11.841/ano, comparado com os US$ 4.901 gastos, em média, com todos os doentes(12). Estimativas do Reino Unido, de 1996, orçaram em £846 milhões (£1.154/doente/ano) o custo médico da doença. Deste total, £402 milhões (47,5%) foram gastos com remédios, £207 milhões (24,5%) com oxigenioterapia ambulatorial, £151 milhões (17,8%) com hospitais e os restantes 10,2% com cuidados primários(13). Na Suécia, os gastos diretos com a doença em 1991 foram estimados em £115 milhões e os indiretos em £152 milhões(14). O impacto da DPOC sobre a força de trabalho é também significativo. Num inquérito norte-americano realizado em 1994, estimou-se que a perda de produtividade causada pela doença tenha representado prejuízo da ordem de US$ 9,9 bilhões e o desemprego de 366.600 trabalhadores naquele ano(15).

Indiscutivelmente, a DPOC é uma doença prevalente e pode ser invalidante, representando altos custos com seu tratamento e grande impacto sobre a sociedade, sobre os familiares e sobre os planos de saúde. Pode provocar ausência ao trabalho de, pelo menos, duas pessoas: o doente e um seu familiar, que deve ficar em casa para cuidar dele. Ou seja, a produtividade perdida é o dobro. Como a DPOC é responsável por tão grande impacto financeiro, sendo particularmente alto seu custo indireto, é útil dimensionar criteriosamente o custo das medidas para preveni-la. Está comprovado que investir recursos em programas contra o tabagismo é custo-efetivo em termos de gastos médicos por ano de vida ganho. Uma avaliação internacional de 310 estudos sobre intervenções para deixar de fumar indicou que o custo médio da sociedade era de aproximadamente £17.000 por ano de vida ganho(16). Ainda são poucos e limitados os estudos sobre a relação custo-benefício de diferentes alternativas medicamentosas (incluindo beta 2 agonistas, anticolinérgicos, teofilinas e corticosteróides). No entanto, é provável que o uso adequado da medicação reduza o custo total da doença, reduzindo o número de exacerbações. A suplementação domiciliar de oxigênio é, usualmente, o item mais caro no tratamento ambulatorial de enfisematosos que requerem essa forma de tratamento(17). Análises financeiras revelam que o uso de concentradores de oxigênio é mais barato que o emprego de cilindros de oxigênio(18). Programas educacionais e de reabilitação pulmonar também são intervenções economicamente atrativas. Avaliação canadense indicou que essas ações aumentam o custo do tratamento em $ 11.597 dólares canadenses(19). A cirurgia redutora de volume (CRV) é uma outra alternativa terapêutica para o tratamento do enfisema grave. Seu custo ainda é alto, tendo sido estimado pelo governo norte-americano que, se largamente adotado, representaria uma despesa superior a US$ 6 bilhões nos primeiros anos(20).

No Brasil, com base nos dados oficiais de mortalidade, o número de mortes por DPOC notificadas aumentou significativamente (9.358 mortes em 1980 e 30.801 em 1998; 229% de incremento. Esses números representam que o coeficiente de mortalidade por 100.000 habitantes aumentou de 7,88, em 1980, para 19,04/100.000 em 1998, (incremento de 142% no período). A maior parte (75%) das mortes foram notificadas entre aqueles com idade superior a 64 anos (1% entre os menores que 25 anos e 24% no grupo etário 25-64 anos). A mortalidade por DPOC é maior entre os homens e vem aumentando em proporção equivalente nos dois sexos. As regiões Sul e Sudeste (aproximadamente 30% e 60% das mortes notificadas, respectivamente) apresentaram coeficientes superiores à média nacional, enquanto as demais ficaram abaixo da média. Entre 1980 e 1998, 30 a 35% das mortes notificadas ocorreram nas capitais, cuja população representa, em média, 25% da população do estado. Regularmente, os coeficientes foram, em média, 80% maiores nas capitais.

A opinião pública vem sendo gradativamente mais bem informada sobre os principais problemas de saúde nas últimas décadas. Conjuntamente, organizações médicas e não-médicas vêm combinando esforços para desenvolver estratégias de prevenção e/ou tratamento precoce de doenças que, freqüentemente, são incapacitantes ou mesmo fatais. O medo que circunda situações como ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral tem modificado o comportamento da população geral. A redução que vem sendo observada na morbidade prematura e na mortalidade desses dois agravos pode ser atribuída à conscientização do público e dos médicos do papel da hipertensão arterial subtratada e dos níveis elevados do colesterol como importantes fatores de risco para doenças cardiovasculares invalidantes e letais. Grande parte das pessoas comenta sobre seus níveis tensionais arteriais e sobre seus valores de colesterol; reconhecem a importância da prevenção do sedentarismo; sabem dos malefícios do fumo e do excesso de álcool. Rotineiramente, durante uma consulta médica, a pressão arterial é medida. De tempos em tempos, os níveis de gordura no sangue são medidos; em parte das vezes, a pedido do próprio cliente. Entretanto, esse tipo de atitude não vem sendo observada na DPOC. O aconselhamento antitabágico não é parte obrigatória da consulta médica; a espirometria é subempregada. Pode ser que a falta de sintomas durante os anos iniciais da doença, nos quais há perda progressiva e inexorável da função respiratória, seja responsável por essa "alienação". Enquanto todos os consultórios, clínicas e até mesmo farmácias dispõem de um esfingnomanômetro, o uso de medidas espirométricas simples é muito limitado. Está demonstrado que a identificação de anormalidades leves mas clinicamente significantes no fluxo aéreo de indivíduos jovens e de meia-idade é possível pela espirometria. Essa alteração eleva o risco de morte por câncer de pulmão (CP), por doença coronariana (DC) e por acidente vascular cerebral (AVC). A prevenção e o manejo da DPOC, bem como dessas outras condições mórbidas, começam pela prevenção do fumo, já que a queda excessiva do VEF1 (volume expiratório forçado no primeiro segundo) pode ser virtualmente revertida ao se parar de fumar. Ao mesmo tempo, tal atitude pode reduzir o risco de DC e de AVC dentro do primeiro ano de abstinência do tabaco. É possível identificar os indivíduos que terão DPOC. São aqueles aproximadamente 20% dos fumantes que apresentam queda rápida da função pulmonar ao longo do tempo. Eles podem ser identificados em estágios iniciais da doença através de uma espirometria simples, antes que os sintomas surjam. Isso leva a pensar o valor da busca em massa para detecção da DPOC. Há suficientes modelos de screening para diversas doenças crônicas - mamografia em mulheres com mais de 40 anos para detecção do câncer de mama; toque retal e pesquisa do antígeno específico de próstata entre homens com 50 ou mais anos para busca do câncer de próstata; colonoscopia entre aqueles com fatores de risco para câncer de colo; medidas da pressão arterial e da glicemia, etc - que já revelaram seu valor reduzindo a mortalidade por aquelas doenças. Não há, entretanto, dados sobre o papel do screening espirométrico buscando doenças pulmonares. Urge definir seu valor para que estratégias preventivas possam ser aplicadas. Há dados suficientes demonstrando que a DPOC é igualmente freqüente entre homens e mulheres; que ela é muito mais freqüente que o imaginado entre os jovens; que há um subgrupo de fumantes especialmente sensíveis, que perdem a capacidade pulmonar numa velocidade maior que outras pessoas menos sensíveis. Daí, a espirometria poderia ser um passo inicial na investigação desse grupo, visando a uma ação mais efetiva sobre ele. Do mesmo modo, seria eficiente entre trabalhadores expostos a poluentes ambientais.

O conhecimento sobre a DPOC sofreu grande avanço na última década. Esse avanço permitiu compreender que ela é uma doença inflamatória das pequenas vias aéreas, o que representou novas perspectivas para sua abordagem terapêutica. O processo inflamatório é diferente daquele observado em asmáticos não-fumantes. A patogenia da DPOC envolve múltiplos mecanismos. A participação conjunta das proteinases, dos radicais oxidantes e de fatores genéticos leva às alterações observadas na anatomia patológica e justifica por que apenas uma proporção menor de fumantes desenvolve obstrução crônica das vias aéreas. As mudanças estruturais e inflamatórias observadas em fumantes com DPOC nas grandes e nas pequenas vias aéreas, no parênquima pulmonar e, nas formas mais graves da doença, na circulação pulmonar, no coração direito e na musculatura respiratória. A hipersecreção de muco nas vias aéreas está associada à inflamação da parede brônquica, com predominância de linfócitos T e de macrófagos no subepitélio e de neutrófilos nas glândulas brônquicas. A inflamação e as mudanças estruturais nas pequenas vias aéreas e nos alvéolos levam, respectivamente, ao aumento da resistência ao fluxo aéreo e à perda do recolhimento elástico. Na parte final da doença pode surgir hipertensão pulmonar, que está associada à hipoxemia grave, e é a principal complicação cardiovascular relacionada ao desenvolvimento de hipertrofia do coração direito (cor pulmonale). Na gênese da hipertensão arterial pulmonar observa-se disfunção endotelial que resulta na redução da síntese de óxido nítrico (NO) ou da sua liberação em resposta à hipoxemia. Esse conjunto de alterações é refletido no desequilíbrio da relação ventilação/perfusão.

Parar de fumar deve ser considerado, no mínimo, um componente tanto das ações preventivas quanto do tratamento. Embora todos os fumantes devam deixar de fumar, são aqueles que estão nos estágios iniciais da DPOC que mais necessitam fazê-lo. Infelizmente, os resultados com os diferentes métodos para deixar de fumar são sofríveis. Num estudo norte-americano(21), observou- se que apenas 22% dos que receberam cuidados especiais, incluindo programa antitabágico agressivo e amplo, pararam de fumar e ficaram pelo menos 5 anos sem fumar. Dentre os que receberam os cuidados habituais, apenas 5% mantiveram-se sem fumar. Num outro estudo, que procurou avaliar os fatores sóciodemográficos que poderiam fazer prever sucesso numa intervenção antitabágica, observou-se que, enquanto a idade, o sexo masculino e as condições domiciliares tinham relação com a decisão de parar de fumar, o nível educacional e o emprego não estavam relacionados ao desfecho(22). Atualmente, dispomos de diversos fármacos que podem ser usados para ajudar o fumante a deixar de fumar (Quadro 1). Entretanto, deve-se ter claro que nenhum deles tem o poder de promover a parada do fumar, são apenas coadjuvantes que reduzem os sintomas derivados da abstinência da nicotina; se o fumante não estiver realmente motivado a parar de fumar, são inefetivos.

 

 

O racional das estratégias de substituição da fonte de nicotina visa a reduzir os sintomas decorrentes da abstinência da substância quando o fumante deixa de fumar. As concentrações obtidas com esses métodos são inferiores aos alcançados com a inalação do fumo. Normalmente, as concentrações dos produtos usados são decrescidas gradualmente, durante 2-6 semanas, em paralelo com a redução dos sintomas. As taxas de sucesso em 12 meses giram em torno de 15 a 25%, sendo que os resultados mais baixas são encontrados entre portadores de DPOC(23). Quando usado o chiclete de nicotina, o indivíduo deve ser orientado para evitar os efeitos indesejáveis da nicotina engolida. A vantagem básica do chiclete é que ele permite que o usuário controle a dose usada; com ele, é possível usar um pedaço do chiclete quando desejado ou se necessário. Os efeitos indesejáveis mais comuns compreendem náuseas, vômitos e tosse (devidos à nicotina engolida), O adesivo de nicotina, por sua vez, é um sistema de liberação fixa, que libera cerca de 1mg de nicotina por hora, por 16 ou por 24 horas. A dose de nicotina liberada pelo adesivo é a metade daquela alcançada com o fumo. O adesivo é de administração mais fácil que o chiclete, mas não permite regulagem da dose usada. Seus efeitos indesejáveis são principalmente locais, com a irritação da pele no local do adesivo. Outra alternativa, os inaladores de nicotina, liberam de 1,5 a 2mg da substância por vez, e podem ser usados, em média, 5 a 6 vezes ao dia. Promovem níveis da substância comparáveis àqueles alcançados com o chiclete. Os efeitos indesejáveis relatados incluem irritação da boca/garganta e tosse. Finalmente, o spray nasal é um sistema que libera 0,5 mg de nicotina por puff (inalação). É um meio rápido e potente de liberar nicotina para o corpo com o mesmo perfil farmacocinético do fumo. Seus principais efeitos indesejáveis são coriza, irritação nasal, congestão e tosse. Não há evidências científicas que corroborem o uso de outras intervenções, como acupuntura e hipnose, entre outras.

Atualmente, as estratégias de tratamento da DPOC devem incluir múltiplas perspectivas: educacionais/ informativas, medicamentosas e preventivas. Nas primeiras destacam-se o aconselhamento antitabágico, as orientações sobre exercícios, prevenção de fatores prejudiciais e dietas. O papel protetor de determinados alimentos vem sendo objeto de atenção nos últimos anos. A maior parte das evidências aponta para as vitaminas C e E, por seu papel antioxidante que antagonizaria os efeitos oxidantes da fumaça do tabaco e da poluição atmosférica. Já foi demonstrado também o valor positivo das frutas frescas(24), do peixe(25), do magnésio(26) e dos ácidos graxos- 3(27). Entre as opções medicamentosas, encontram-se os broncodilatadores (anticolinérgicos, beta 2 agonistas e teofilinas e seus derivados) e os corticosteróides. O real valor desses últimos ainda é motivo de controvérsia. Os broncodilatadores são fundamentais para a redução de sintomas na DPOC. Três categorias de broncodilatadores estão disponíveis: os beta 2 agonistas, os anticolinérgicos e as metilxantinas. As duas primeiras têm como principal vantagem poderem ser administradas pela via inalatória, o que acelera o início de seu efeito e reduz os potenciais efeitos adversos. Os benefícios subjetivos nem sempre são corroborados por dados espirométricos e não há dados científicos de que seu emprego modifique a história natural da doença. Segundo a maior parte dos estudos, os efeitos dos anticolinérgicos são, no mínimo, equivalentes aos dos beta 2 agonistas. Comparados apenas os beta 2, os de ação prolongada alcançam melhores resultados. Quando a resposta a doses submáximas de qualquer um deles é inadequada, a associação dos dois pode ser benéfica. Alguns estudos sugerem efeito adicional com o uso das metilxantinas, mas o risco de efeitos adversos também aumenta. Essas últimas passam a ter papel de destaque quando o fator custo é importante. Apesar de as alterações inflamatórias presentes na DPOC fazerem supor papel benéfico dos anti-inflamatórios, o debate é intenso na literatura especializada sobre o valor dos corticosteróides inalatórios no tratamento regular. Entretanto, as recomendações mais recentes incluem a associação beta 2 agonista de ação prolongada/corticosteróide pela via inalatória no tratamento continuado.

Particularmente durante as exacerbações, além dos broncodilatadores e dos corticosteróides, os antibióticos e os agentes mucoativos são medicamentos muito utilizados. As infecções virais e bacterianas têm papel etiológico nas exacerbações. A antibioticoterapia visa, na maior parte das vezes, os patógenos mais comuns: S. pneumoniae, H. influenzae e N. catarralis. Os agentes mucoativos têm 2 propósitos principais: facilitar a expulsão da secreção brônquica ou reduzir a produção de muco. Embora seja dito que os expectorantes aumentam o volume ou a hidratação das secreções das vias aéreas, não há confirmação científica de que seu efeito seja clinicamente efetivo. Os mucolíticos degradam polímeros nas secreções, seja através de grupos tiol livres, que degradam a mucina, seja através de peptídeos que quebram filamentos de actina. Mucocinéticos e surfactantes aumentam a eficiência do sistema mucociliar e da tosse(28). Um terceiro grupo, os antioxidantes, ainda carecem de confirmação definitiva de seu valor. Entre as ações preventivas, além da abstinência dos produtos do tabaco, as imunizações contra as infecções respiratórias habituais constituem ações efetivas, reduzindo a chance de exacerbações infecciosas. Finalmente, de uma certa forma, a reabilitação pulmonar pode ser considerada uma ação preventiva, posto que reduz ou posterga a mortalidade nos casos mais avançados da doença.

O maior corpo de evidências sobre resultados positivos obtidos com o tratamento concentra-se na oxigenioterapia continuada e na reabilitação cardiopulmonar. A oxigenioterapia é o marco terapêutico da DPOC. É a única forma terapêutica que, em portadores de DPOC estáveis e hipóxicos, aumenta a qualidade de vida e a sobrevida. Seu objetivo é manter a pressão parcial de oxigênio (PaO2) acima de 60 mmHg e/ou a saturação arterial de oxigênio acima de 90%. Preenchidos os critérios da oxigenioterapia a longo prazo, ela deve ser mantida ininterruptamente, em fluxo de 1,5 a 2,5 L/minuto de oxigênio, podendo ser administrada através de gás comprimido, gás líquido ou de concentradores de oxigênio (mais baratos). Os programas de reabilitação cardiopulmonar estão conquistando espaço crescente no tratamento da DPOC. Indiscutivelmente, eles aumentam a capacidade de exercício, reduzem sintomas e aumentam a qualidade de vida. São programas multidisciplinares que consistem em exercícios físicos, treinamento de musculatura periférica e ventilatória, fisioterapia, ergoterapia, esclarecimento e apoio dietético e psicossocial.

Parte dos doentes necessita de suporte ventilatório, seja durante uma exacerbação ou mesmo de forma continuada. A ventilação mecânica tanto pode ser feita de forma invasiva como não-invasiva. Essa última é mais atrativa e deve ser preferida sempre que possível. As técnicas e as estratégias de ventilação são ditadas pela necessidade de cada doente mas, na maior parte das vezes, a ventilação com pressão positiva é o modo de escolha em doentes estáveis.

Como exemplo da atenção atualmente dada à DPOC, pode-se citar os resultados de um estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) - Confronting COPD in America - onde, segundo as estimativas oficiais, baseadas num inquérito realizado em 1998, existem 3 milhões de enfisematosos e 9 milhões de bronquíticos crônicos29, a DPOC é a quarta causa de morte, tendo sido responsabilizada por mais de 112.000 mortes em 199830. Esse inquérito realizado numa amostra randomizada e casual composta por 26.880 domicílios norte-americanos, de agosto a novembro de 2.000, revelou que:

1) Os principais sintomas da doença (acordar por causa da tosse e/ou sibilos e/ou dispnéia; dispnéia; tosse produtiva ) estavam presentes quase que diariamente no cotidiano dos doentes.

2) A presença de sintomas quase que diários não era acompanhada pelo diagnóstico da doença.

3) A DPOC piora na medida em que o indivíduo envelhece. Se utilizada a oxigenioterapia domiciliar como indicador de gravidade da DPOC, ela aumentou de 8% entre os com 45-54 anos de idade para 33% entre os com 75 anos ou mais.

4) Há a tendência, pelos doentes, de subestimarem o grau de controle dos sintomas. Os dados de "auto-percepção" não acompanharam medidas objetivas da gravidade da doença. Cerca de 25% dos doentes com o mais alto grau de dispnéia diziam que sua doença estava "completamente controlada" ou "bem controlada" no ano anterior, de modo semelhante a 27% dos doentes no penúltimo grau da escala. Mais ainda, dentre os doentes que relataram que sua doença estava "completamente" ou "bem" controlada durante o ano anterior: a) 42% disseram que, no trimestre em que estiveram pior, tiveram dispnéia todos os dias; b) 24% relataram que sua doença limitava muito o esforço físico normal; c) 28% tinham dispnéia ao se banhar ou ao se vestir e) 29% tinham dispnéia fazendo serviço doméstico leve. É possível que a disparidade entre a percepção do doente sobre a gravidade de seu problema e o grau de comprometimento adequadamente medido decorra da aceitação da limitação como parte indissociável de seu problema e conseqüente à evolução arrastada e progressiva da sintomatologia.

5) A maior parte dos doentes considerou-se limitada pela DPOC. Pouco mais que a metade disse que a doença limitava seu trabalho.

6) A DPOC é causa freqüente de consulta médica. Cerca de um quarto dos entrevistados procurava seu médico pelo menos uma vez por mês e proporção equivalente precisou de atendimento não agendado. Quase um em cada cinco dos entrevistados teve que ir ao Pronto-Socorro e havia sido hospitalizado por causa da DPOC no ano anterior.

7) Cerca de um quarto de seus portadores consideram-se inválidos por causa de seus problemas respiratórios. Proporções elevadas de doentes têm medo de ter uma exacerbação de seus sintomas fora de casa, têm dificuldade de fazer planos, entram em pânico quando não conseguem respirar adequadamente, ficam embaraçados em público por causa de sua tosse. Para a maior parte deles, o futuro será ainda pior. Aparentemente, o impacto psicossocial da DPOC varia com a idade, estando os pacientes mais jovens mais inconformados com sua condição.

8) Os doentes apontaram problemas importantes na relação médico-paciente. Próximo a um terço deles a) achavam que seus médicos não compreendiam seu sofrimento; b) informaram que seus médicos pensavam que eles eram culpados por estarem doentes; c) disseram que seus médicos não acreditavam que eles (os doentes) podiam fazer algo para aliviar seus sintomas e d) reclamaram que seus médicos não tinham tempo para responderem às suas perguntas.

9) Mesmo num cenário tão adverso, doentes e médicos estão otimistas. Embora dois terços dos doentes reconhecessem que a DPOC tende a piorar com a idade, independentemente do tratamento, a maior parte deles acreditava que a) a progressão da dispnéia poderia ser retardada; b) a doença é melhor controlada agora do que há 5 anos e c) o tratamento adequado pode levar a uma vida ativa e completa. Os médicos partilhavam desse otimismo, já que pouco mais que três quartos deles achavam que o tratamento a longo prazo é melhor hoje do que há 10 anos e atribuíam essa evolução a melhores medicamentos.

Aparentemente, a maioria dos doentes aceita as limitações impostas pela doença inadequadamente controlada como "natural", dado que se é portador de DPOC. Isso aponta para falhas na abordagem terapêutica e no processo de esclarecimento desses doentes sobre sua doença e sobre o que é possível atingir. A concomitância entre o "acreditar que sua doença está controlada" e a "presença rotineira de sintomas" reforça essa conclusão. O conjunto de informações apresentadas nesse artigo deixa clara a importância da DPOC como um grave problema para seu portador e familiares, para a sociedade e para governos. Indiscutivelmente, a DPOC é um grande problema de Saúde Pública e ficará ainda maior. Urge a tomada de decisões e a implementação de práticas específicas para controlála. A mudança desse cenário sombrio, a correção das falhas gritantes aqui identificadas, só será possível com a participação e o empenho de todos.

Agradecimento: Agradeço à Maria Beatriz Campos a revisão gramatical feita neste texto.

 

Referências bibliográficas

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* - DALY é a soma dos anos de vida perdidos por morte prematura ou por incapacitação. Essa medida representa o impacto de uma doença na sociedade.