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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.11 n.2 Rio de Janeiro dic. 2003

 

EDITORIAL

 

Tuberculose e desenvolvimento

 

 

Gilmário M Teixeira

Editor

 

 

Uma distribuição cromática sobre o mapa-mundi para expressar a magnitude da tuberculose demonstra que as áreas mais críticas se confundem com a representação geográfica da miséria, do subdesenvolvimento e da desorganização social. Isto faz com que as cores mais fortes recaiam sobre países africanos onde se registram taxas de incidência superiores a 300/100.000 e, a partir daí, em dégradé, cubram regiões do Sudeste da Ásia, da América Latina, da Europa, da América do Norte - aqui, as taxas são inferiores a 10/100.000. Há indiscutível pertinência quando se observa que dos 22 países que abrigam a maior carga de tuberculose - 80% do total de casos do mundo - 9 estão na África, 5 no Sudeste da Ásia, 4 no Pacífico-Ocidental, 2 no Mediterrâneo-Oriental, 1 na Europa e 1 na América do Sul - este, infelizmente, o Brasil.

Por outro lado, se voltarmos nossa objetiva para os grandes centros urbanos, ainda que localizados em meio a riqueza do mundo industrializado, se repete o cenário: por exemplo, em Nova York, Londres, Moscou, podem ser encontradas, coincidindo com manchas de pobreza existentes na periferia dessas cidades, condições de tuberculose comparáveis às de muitos países africanos.

O artigo "Tuberculose, Vila Rosário e a Cadeia da Miséria" que aparece neste número do Boletim, de autoria de Cláudio Costa Neto - um professor universitário de Química, idealista, para quem o social é a grande via que leva à erradicação das mazelas da sociedade - defende, com base em experiência desenvolvida em uma área de miséria da periferia do Rio de Janeiro que, para a eliminação de problemas como o da tuberculose, se impõe uma ação holística, pactuada, de todas as forças da comunidade. Este caminho passa pela conquista, para todos, da educação , da assistência à saúde, da segurança, do emprego, dos direitos de cidadania, da democracia, enfim.

Na medida em que avançamos, na observação do planeta, sob a ótica dos preceitos da globalização, mais nos damos conta de quão forte é o papel da interdependência dos países no agravamento da problemática de saúde. Fica claro, neste particular, que cada dia é mais difícil alimentar políticas isolacionistas voltadas para a construção de ilhas de salubridade que coincidam com as fronteiras da riqueza. A economia mundial, cada vez mais competitiva, exige ações permanentes de complementariedade que levam os países a dependerem um dos outros, apesar de que essa dinâmica não esteja concorrendo para a redução, no nível desejado, da brecha que separa os pobres dos ricos. A questão da saúde dos povos é um exemplo persuasivo da necessidade de se fazer valer os numerosos pactos já celebrados no âmbito da Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais, que buscam o abrandamento das desigualdades e da injustiça social, na conjutura dos planos de desenvolvimento sustentado. Há, na atualidade, bastante clareza para a percepção de que, no que tange ao comportamento das doenças, as políticas segregacionistas fracassam rotundamente. Haja vista, para citar apenas fenômenos mais recentes, o que está passando com as epidemias de AIDS e de SARS, que exigem tanto a inversão global de recursos quanto a certeza de que tais problemas devem ser enfrentados sob a ideologia de que o mundo é um só. Sem dúvida , não fica fora dessa visão todas as doenças transmissíveis que, com a intensificação do intercâmbio turístico e a força dos movimentos migratórios, garantem presença em todo orbe e convertem em fantasia os planos localizados de erradicação.

Nesta ordem de idéias, a publicação "Informe sobre la Salud en el Mundo - 2003 - Forjemos el Futuro" da OMS, aparece como um documento denso, com visão planetária, em que os problemas da saúde são contemplados como desafios a serem enfrentados no âmbito dos compromissos internacionais assumidos pelos governos do mundo inteiro na Cúpula do Milênio das Nações Unidas. Aqui, das sete áreas objeto das ações pactuadas, a do Desenvolvimento e Erradicação da Pobreza, abarca o universo dos problemas sociais com destaque para os da saúde, graças às suas características de dependência recíproca. Na verdade, dos oito objetivos do plano dessa área - denominados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - três contemplam ações diretamente relacionadas com a saúde - a de controle da tuberculose como parte de uma delas. Já era tempo para que as questões do estado de saúde das populações fossem, por convicção, vinculadas aos planos de desenvolvimento resultantes dos acordos firmados entre nações ricas e pobres, na amplitude de uma política solidária que busque diminuir, no plano social, a imensa distância que separa uma das outras.

O repasse dessas estratégias como enfoques atuais, traz-nos à memória, por pertinente, um marcante episódio. Na segunda metade da década de cinqüenta, um grupo de médicos, sanitaristas em sua maioria, foi recebido por Juscelino Kubitschek, também médico e recém empossado na Presidência da República. Após ouvir o pensamento daqueles especialistas sobre a problemática da saúde no Brasil, o Presidente, entre outras considerações, pronunciou-se mais ou menos assim: "não quero dizer que não vou seguir os caminhos que os senhores acabam de apontar; mas, nos meus planos de governo, a saúde do povo é um bem que vem atrelado ao desenvolvimento. Vou tratar de desenvolver este País".

Pode ser sintomático, mas não é desalentador trazer à cena todas essas reflexões que configuram quadros da luta contra a tuberculose através dos tempos. Faz décadas, estamos repetindo, qual um mantra, que a pobreza é o ambiente natural da tuberculose, sua inesgotável fonte de casos, possível de manifestar-se tanto na extensão de todo um continente quanto nos limites de um enclave no âmbito de riqueza dos países industrializados.

Devemos, pois, dar alvíssaras às Nações Unidas e a tantas outras organizações internacionais que agora retomam, com entusiasmo, o tema de redução da pobreza como objetivo básico do desenvolvimento - um meio para também reduzir, de forma sustentada, a tuberculose e tantas outras doenças ligadas à cadeia da miséria. Só assim, a tecnologia que dispomos e dominamos poderá ser aplicada na plenitude de seu potencial e a eliminação desses flagelos terá encurtado, no tempo, o seu horizonte.