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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.11 n.2 Rio de Janeiro dic. 2003

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O controle da tuberculose entre os índios Yanomami do Alto Rio Negro

 

 

Jorge Meireles AmaranteI; Vera Lúcia de Araújo CostaII; Jurema MonteiroIII

IConsultor do Departamento de Saúde Indígena (DESAI) / FUNASA
IIEnfermeira do DESAI
IIIEnfermeira do IBDS. Enviar correspondência para V.L.A.C. E-mail: vera.costa@funasa.com.br

 

 


RESUMO

Maturacá, Ariabu e Auxiliadora do povo Yanomami, na região amazônica do alto Rio Negro no Estado do Amazonas, em virtude da alta incidência da enfermidade registrada no decorrer do ano de 2000, da ordem de 1.611,3 por 100.000 habitantes para a tuberculose de todas as formas e de 402,8 por 100.000 habitantes se considerados apenas os pulmonares positivos. A ação de saúde consistiu em uma busca ativa de casos nas aldeias através do exame (raios X, PPD e baciloscopia) dos sintomáticos respiratórios e dos contatos de casos de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva notificados nos últimos 2 anos, considerados sob alto risco de adoecimento. A instalação de um aparelho portátil de raios X na própria aldeia revelou-se um recurso de grande utilidade, porque permitiu em poucos dias realizar 75 exames. Além de 2 casos pulmonares positivos já conhecidos pelo sistema local de saúde no ano de 2002, foram descobertos, por este procedimento, mais 13 casos de tuberculose, sendo 2 pulmonares positivos, 9 pulmonares sem confirmação bacteriológica e 1 extra-pulmonar. Os casos foram tratados e os contatos dos casos positivos sem sintomas ou sinais sugestivos de tuberculose, reatores fortes ao teste com PPD, com radiografia de tórax normal, foram submetidos à quimioprofilaxia com isoniazida. Após 11 meses, em março de 2003, nenhum caso novo havia sido registrado e a repetição do teste com o PPD não detectou viragem tuberculínica em nenhum menor de 15 anos.

Palavras-chave: tuberculose, intervenção, controle, saúde indígena.


SUMMARY

Due to the high incidence of the tuberculosis registered on year 2000 (all forms of tuberculosis = 1.611,3 for 100.000 inhabitants; pulmonary positives = 402,8 for 100.000 inhabitants) at the aboriginal villages Maturac·, Ariabu and Auxiliadora of the Yanomami people, in the Amazon region of the high Black River in the State of Amazon, in April of 2002, efforts aiming the control of tuberculosis those indians,. The action consisted of an active search of tuberculosis cases in the villages through the examination (X-ray, PPD and baciloscopia) of those with respiratory symptoms and the contacts of cases of pulmonary tuberculosis with positive smear notified during the last 2 years. Installing a portable X-ray equipment in the proper village resulted in great utility, allowing 75 examinations in few days Beyond 2 positive pulmonary cases already known by the local system of health in the year of 2002, more 13 cases of tuberculosis (2 pulmonary positives, 9 pulmonary without bacteriological confirmation and 1 extra-pulmonary) were discovered. The patients were treated and the contacts of the positive cases without symptoms or suggestive signals of tuberculosis, strong reactors to the test with PPD, x-ray of normal thorax, the underwent chemoprophilaxis using isoniazida. After 11 months, in March of 2003, no new case had been registered and the repetition of the test with the PPD did not detect reaction in children of 15 years old or less.

Key words: tuberculosis, intervention, control, aboriginal health.


 

 

Introdução

Os Yanomami

"Os Yanomami formam uma sociedade de caçadores- agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia cujo contato com a sociedade nacional é, na maior parte do seu território, relativamente recente. Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 km2, situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco - Amazonas (afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, é hoje estimada em cerca de 26.000 pessoas. No Brasil, a população Yanomami é de 12.795 pessoas, repartidas em 228 comunidades (censo da Fundação Nacional de Saúde de 1999). A Terra Indígena Yanomami, que cobre 9.664.975 ha (96.650 km²) de floresta tropical é reconhecida por sua alta relevância em termo de proteção da biodiversidade amazônica e foi homologada por um decreto presidencial em 25 de maio de 1992.

Até o fim do século XIX os Yanomami mantinham contato apenas com outros grupos indígenas vizinhos. No Brasil, os primeiros encontros diretos de grupos Yanomami com representantes da fronteira extrativista local (balateiros, piaçabeiros, caçadores), bem como com soldados da Comissão de Limites e funcionários do SPI ou viajantes estrangeiros, ocorreram nas décadas de 1910 a 1940. Entre os anos 1940 e meados dos anos 1960, a abertura de alguns postos do SPI e, sobretudo, de várias missões católicas e evangélicas, estabeleceu os primeiros pontos de contato permanente no seu território. Estes postos constituíram uma rede de pólos de sedentarização, fonte regular de objetos manufaturados e de alguma assistência sanitária, mas também, muitas vezes, origem de graves surtos epidêmicos (sarampo, gripe e coqueluche).

As duas principais formas de contato inicialmente conhecidas pelos Yanomami - primeiro, com a fronteira extrativista e, depois, com a fronteira missionária coexistiram até o início dos anos 1970 como uma associação dominante no seu território. Entretanto, os anos 1970 foram marcados (especialmente em Roraima) pela implantação de projetos de desenvolvimento no âmbito do "Plano de Integração Nacional" lançado pelos governos militares da época. Tratava-se, essencialmente, da abertura de um trecho da estrada Perimetral Norte (1973-76) e de programas de colonização pública (1978-79) que invadiram o sudeste das terras Yanomami. Nesse mesmo período, o projeto de levantamento dos recursos amazônicos (RADAM, 1975) detectou a existência de importantes jazidas minerais na região. A publicidade dada ao potencial mineral do território Yanomami desencadeou um movimento progressivo de invasão garimpeira, que acabou agravando-se no final dos anos 1980 e tomou a forma, a partir de 1987, de uma verdadeira corrida do ouro.

Uma centena de pistas clandestinas de garimpo foi aberta no curso superior dos principais afluentes do Rio Branco entre 1987 e 1990. O número de garimpeiros na área Yanomami de Roraima foi, então, estimado em 30 a 40.000, cerca de cinco vezes a população indígena ali residente. Embora a intensidade dessa corrida do ouro tenha diminuído muito a partir do começo dos anos 1990, até hoje núcleos de garimpagem continuam encravados na terra Yanomami, de onde seguem espalhando violência e graves problemas sanitários e sociais".1

 

Área de atuação

A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) organizou a atenção à saúde indígena em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), de acordo com critérios populacionais, geopolíticos, operacionais e sócioculturais das comunidades indígenas. Cada DSEI organizou uma rede de serviços de atenção básica de saúde dentro das áreas indígenas, integrada, hierarquizada e articulada com a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). As equipes dos DSEI são compostas, basicamente, por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e agentes indígenas de saúde.

Na organização dos serviços de saúde, as comunidades têm outra instância de atendimento que são os pólos bases. Os pólos são a primeira referência para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias e podem estar localizados numa comunidade indígena ou aproveitando a unidade básica de um município.2

A ação de saúde a que se refere este trabalho foi realizada no DSEI Yanomami, Pólo Base Maturacá, contemplando as aldeias Maturacá, Ariabu e Auxiliadora, de onde provinha grande parte dos casos de tuberculose notificados entre os índios da região, as quais são praticamente contíguas, conquanto apresentem organização própria e independente.

As habitações, relativamente próximas entre si, são de pau-a-pique, cobertas de palha e com pouca ventilação e iluminação. As casa se dispõem em círculo exceto na aldeia Auxilidora, que surgiu de uma dissidência da Ariabu, onde as casas, pouco numerosas, são distribuídas de forma irregular.3

A principal fonte de renda é o cipó arumã, que é extraído da selva e vendido na cidade. As mulheres produzem cestaria que é trocada por roupas e alimentos. Existe, também, atividade agrícola de subsistência em pequenas roças de macaxeira, mandioca brava, couve e abacaxi, bem como, o extrativismo de pupunha e côco.

A produção de peixe é escassa. A tradição de caça é forte, demandando, cada vez mais, longas caminhadas. O arco e a flecha são usados para a caça e pesca e, por vezes, a arma de fogo para a primeira atividade.

Maturacá e Ariabu possuem gerador de energia, embora exista uma usina geradora pertencente ao esquadrão de fronteria do Exército sediado nas proximidades das aldeias, que estende os benefícios aos indígenas, bem como, os de um telefone (orelhão) insatalado na unidade de saúde.

A medicina tradicional é práticada pelo pajé, chamado Recura, que é geralmente um ancião, invariavelmente do sexo masculino, que usa paricá, droga psicoativa retirada de um cipó, cujo efeito faz com que o Recura visite o mundo dos espírítos afungentando os causadores das enfermidades. Esta faculade é transmitida de pai para filho.

A base de atendimento para as três aldeias é o posto de saúde da aldeia Maturacá, que é dotado de amplas dependências, possuindo três consultórios médicos, farmácia básica com estoque satisfatório de medicamentos e outros insumos, sala de curativos e de pequenos procedimentos, além de um mini-laboratório de análises clínicas, equipado para a realização de exames básicos de bioquímica, EPF, EAS, pesquisa de hematozoários, teste rápido para HIV, pesquisa de BAAR no escarro.

Os profissionais de saúde que atuam permanentemente na unidade são interessados, experientes e servem de referência para todas as aldeias da região, onde os municípios são escassos e muito distantes da área índigena.

 

A situação encontrada

No ano de 2001 foram registrados 22 casos novos de tuberculose na área de abrangência do IBDS,1 o que, para uma população de 1.578 pessoas, representa uma incidência de 1.394,2 casos por 100.000 habitantes, vale dizer 1,3% da população, situação extremamente grave (Tabela 1).

 

 

Se considerados somente os casos pulmonares positivos na baciloscopia de escarro, nos quais o diagnóstico etiológico é mais confiável, a incidência nos Pólos Bases Maturacá e Maiá chega à casa dos 443,6 casos por 100.000 habitantes, cerca de cinco vezes a incidência nacional conhecida para a população brasileira, que era de 25,4/100.000 em 1999.4

Somente nas três aldeias estudadas foram registrados em 2001, 16 casos, sendo 4 (25,0%) pulmonares positivos, 9 (56,3%) pulmonares sem confirmação e 3 (18,7) extra-pulmonares, o que representa, para uma população de 993 índios, uma incidência total de 1.611,3 e de pulmonares bacilíferos de 402,8 por 100.000 habitantes.

Perto de 60% dos casos notificados pelos Pólos Maturacá e Maiá incidiram em menores de 15 anos. No total de casos, apenas 31,8% foram confirmados bacteriológicamente. Muito embora estes sejam indícios de um viés no diagnóstico, principalmente das formas pulmonares sem confirmação bacteriológica nas crianças, a tuberculose representa um sério problema de saúde para aquelas comunidades, haja vista o grande número relativo de formas pulmonares bacilíferas detectadas em 2001 (Tabela 1).

No período de janeiro a abril de 2002, já havia notificação de dois casos de tuberculose pulmonar positiva em tratamento, em dois adultos residentes na aldeia Maturacá.

O trabalho nas aldeias Maturacá, Ariabu e Auxiliadora teve como objetivo imediato quebrar a cadeia de transmissão da doença e, como corolário, diminuir sua incidência, através de busca ativa e tratamento de todos os casos novos bacilíferos (fontes de infecção) ainda não detectados pelo sistema formal de saúde; descoberta e tratamento de todos os casos pulmonares em adultos ainda negativos na baciloscopia (fontes potenciais de infecção); identificação e proteção pela quimioprofilaxia dos contatos de pacientes bacilíferos de alto risco de adoecimento (casos potenciais de tuberculose).

 

Método

Foi instalado na aldeia Maturacá um aparelho portátil de raios X cedido pela Diocese de Roraima para realização de radiografias de tórax, evitando, assim, dispendiosos e demorados deslocamentos de suspeitos à rede pública de saúde do município de São Gabriel da Cachoeira, distante e de difícil acesso por via fluvial, o aparelho foi localizado em ambiente fechado, isolado, distante das residências, com os raios orientados para a selva, e foi operado por um técnico em radiologia do DSEI Yanomami, observados os devidos cuidados de Biossegurança. Os exames de baciloscopia de escarro foram realizados por um técnico em análises clínicas cedido pela Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas, que se encontrava à disposição da FUNASA, compondo a equipe do Pólo Base. Foi utilizado, como de rotina, o mini-laboratório do Pólo para a baciloscopia. O PPD foi aplicado e lido pela enfermeira da equipe, de acordo com a técnica recomendada pelo Ministério da Saúde.

Foi realizada busca ativa de casos pelo exame (BAAR, PPD e raios X) de todos os sintomáticos respiratórios, portadores de tosse com expectoração há pelo menos três semanas, ou mesmo pessoas sem sintomas respiratórios, mas consideradas suspeitas de TB em virtude de outros sintomas e sinais gerais, tais como, estado geral comprometido, febre não esclarecida, anorexia, adinamia, etc. Estes sintomáticos/suspeitos foram identificados e convocados pela equipe local, ou detectados durante a visita domiciliar, ou, ainda, através da demanda espontânea ao posto de saúde. Neste momento, foram anotados dados como presença de cicatriz vacinal da BCG, sintomas respiratórios, história de tratamento anterior para tuberculose. Em seguida foram relacionados todos os familiares e/ou convivas dos casos de tuberculose pulmonar registrados nos últimos dois anos, tempo considerado como de contato recente com alto risco de adoecimento, principalmente os contatos de casos bacilíferos. Os contatos que estavam sintomáticos respiratórios foram submetidos ao PPD, à baciloscopia e à radiogradia. Os não sintomáticos foram inoculados com o PPD, sendo selecionados os reatores para radiografia.

Os contatos de casos bacilíferos, de todas as idades, sem história de tratamento anterior para TB, assintomáticos, reatores fortes ao PPD e com radiografia normal, num total de 26 pessoas, iniciaram a quimioprofilaxia com isoniazida (6H/10mg/Kg/dia), conforme o que preconiza o MS: "...nas comunidades índigenas a quimioprofilaxia está indicada em todo contato de tuberculose bacilífera, reator forte ao PPD, independente da idade e do estado vacinal, após a avaliação clínica e afastada a possibilidade de tuberculose doença, através da baciloscopia e do exame radiológico".5

Os casos de tuberculose detectados foram tratados e submetidos a exames de controle de tratamento (baciloscopia mensal e radiografia no final do tratamento). Os menores de 15 anos não reatores ao teste tuberculínico foram submetidos a novo teste intradérmico após 11 meses, para avaliar a viragem no período.

 

Avaliação dos resultados

Foram atendidas 197 pessoas entre contatos de casos de tuberculose dos últimos dois anos (46,7%) e sintomáticos respiratórios/suspeitos (53,3%), correspondendo a cerca de 20,0% da população das três aldeias em 2002. No total, 26,9% apresentavam história de tratamento anterior para tuberculose, principalmente entre contatos,2 apontando para uma alta prevalência histórica da doença na comunidade e para a alta vulnerabilidade deste grupo para contrair a enfermidade (Tabela 2).

 

 

A verificação da cicatriz vacinal em 177 pessoas presentes nas aldeias mostrou que 97,2% estavam vacinadas com a BCG (Tabela 3), sendo que esta cobertura em menores de 5 anos era de 100,0%, em que pese o alto percentual de casos notificados em menores de 15 anos (Tabela 3).

 

 

Dentre os pacientes que apresentaram queixas respiratórias, apenas 37 exibiam tosse com expectoração há três semanas ou mais, significando 3,7% da população em 2002.

Foram radiografadas 75 pessoas das quais 25 (33,3%) apresentaram alguma anormalidade, mostrando que o grupo selecionado é positivamente de alto risco (Tabela 4).

 

 

A instalação do aparelho portátil de raios X no Pólo Base revelou-se um recurso de grande utilidade para alcançar o objetivo colimado, porque permitiu em poucos dias realizar 75 exames no grupo de risco, rendimento que levaria meses para ser conseguido na rede do SUS do município, não somente pelo tempo gasto no transporte dos suspeitos, como porque representaria demanda extra à unidade de radiologia. Esse transporte de suspeitos teria de ser multiplicado, posto que, as mulheres indígenas, em virtude de geralmente não dominarem o idioma português, precisam ser acompanhadas pelos maridos; as crianças pelos pais e, às vezes, os avós, levando em conta, ainda, despesas com combustível, alimentação e hospedagem em caso de longas viagens. É conhecida, em contra partida, a relutância dos índios mais velhos em se deslocar para a cidade e em aderir à nossa propedêutica, por razões culturais.

O risco inerente ao procedimento fica minimizado se tomados os cuidados possíveis e por se tratar de ação descontínua visando um grupo específico e reduzido de indivíduos. Em algumas comunidades indígenas, onde o acesso se faz exclusivamente por via aérea, os riscos da utilização dos raios X de forma eventual compensam a inevitável exposição ao contágio de índios, profissionais de saúde e tripulação, resultante do deslocamento de vários suspeitos, e, dentre eles, alguns tuberculosos, em aeronaves hermeticamente fechadas sem eficiente renovação de ar. Por outro lado, sem este exame não seria possível detectar instantaneamente os casos pulmonares sem confirmação bacteriológica, fontes de infecção ainda incipientes.

Além dos dois casos pulmonares positivos já conhecidos pelo sistema, foram descobertos durante a ação mais 13 casos, 2 (15,4%) dos quais pulmonares positivos na baciloscopia e 10 (76,9%) pulmonares sem confirmação bacteriológica (Tabela 5). Os casos pulmonares sem confirmação eram pacientes sintomáticas e/ou contatos em que a baciloscopia do escarro foi repetidamente negativa, mas que exibiam sinais radiológicos bastantes sugestivos de TB em atividade, com PPD forte reator. Por outro lado, as imagens não responderam ao tratamento com antibióticos para germes piogênicos, tendo, todavia, regredido com o tratamento específico em controle feito no 4o mês de tratamento.

 

 

Espera-se que os casos confirmados bacteriológicamente representem cerca de 55,0% do total de caso. Entretanto, este paradigma é obtido a partir da observação da demanda espontânea aos serviços de saúde, vale dizer, a partir de uma busca passiva de casos e ao final de cada ano. Possivelmente alguns doentes, sem confirmação bacteriológica, descobertos em nossa ação de abril de 2001, excluídos os eventuais erros de diagnósticos, teriam sidos os futuros casos positivos na baciloscopia, que recorreriam ao serviço no decorrer do ano como demanda espontânea. Isto mais ou menos se corrobora na medida em que nenhum novo caso positivo foi registrado nessas aldeias, após 1 ano. Resultados assim já foram experimentados em outras aldeias indígenas.6

Dentre os 197 examinados, 156 (79,2%) compareceram para a inoculação e leitura do PPD, dos quais 57 (36,5%) eram reatores e 36,5% não reatores (63,5%), não fazendo aparentemente diferença o fato de estarem ou não vacinados pela BCG. Tanto é assim, que entre os examinados na faixa etária de 3 mesesI a 5 anos, todos vacinados com BCG com 100,0% de cobertura, apenas 1 (3,6%), contato de TB, maior de 2 anos, foi reator (Tabela 6).

 

 

A figura 1 reflete muito aproximadamente o comportamento da infecção tuberculosa naturalmente adquirida, na amostra examinada, sugerindo uma prevalência maior nas idades mais baixas, em que pese a total cobertura vacianal pela BCG, fenômeno já registrado em outras comunidades indígenas.7

 

 

Os casos assim descobertos foram inscritos para tratamento e, uma vez minimizada a possibilidade de reinfecção exógena dos infectados em virtude da eficiente eliminação dos focos, inclusive potencias, tentou-se evitar a reativação endógena nos grupos de riscos pela quimioprofilaxia, indicadas para os contatos de bacilíferos da forma que foi mencionada na metodologia. Em março de 2003, portanto 11 meses depois, não houve surgimento de nenhum caso novo de tuberculose. As pessoas menores de 15 anos, que foram não reatoras no teste tuberculínico em abril de 2001, foram testadas novamente em março de 2003, não sendo constatada viragem tuberculínica em nenhuma, o que aponta para um muito provável impacto das ações implementadas na cadeia de transmissão.

 

Conclusão

A tuberculose é um grave problema de saúde pública para as comunidades indígenas das aldeias Maturacá, Ariabu e Auxiliadora, pertencentes ao Pólo Base Maturacá do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami/FUNASA na região do Alto Rio Negro, que apresentaram, em 2001, incidência de 1.611,3 e 402,8 casos por 100.000 habitantes de todas as formas de tuberculose e de formas bacilíferas, respectivamente.

Intervenção baseada em busca ativa e tratamento de casos nestas aldeias, através do exame de sintomáticos respiratórios e suspeitos, exame de contatos de casos de tubeculoses registrados nos últimos dois anos, seguida de proteção pela quimioprofilaxia dos contatos de bacilíferos, assintomáticos, PPD forte reator com radiograma de tórax normal, resultou na descoberta de 13 casos novos até então desconhecidos, sendo 2 pulmonares positivos na baciloscopia, 9 pulmonares sem confirmação e 1 extra-pulmonar, demonstrando a importância destes grupos na epidemiologia da doença.

A utilização de equipamento portátil de raios X na própria aldeia permitiu uma investigação detalhada, abrangente e rápida dos sitomáticos e contatos, mostrando ser um método de baixo custo em relação ao referenciamento de suspeitos ao município e, em certas circunstâncias, com risco menor para os sadios, acompanhantes e profissionais de saúde.

A eliminação das fontes de infecção efetivas e potenciais existentes na aldeia favoreceu a maior eficácia da quimioprofilaxia ampliada nos contatos de bacilíferos, impedindo o aparecimento de novos focos e possibilitando a quebra da cadeia de transmissão da doença. Após quase um ano de intervenção nenhuma criança apresentou viragem tuberculínica, apontando para um impacto real no risco anual de infecção.

 

Referências bibliográficas

1. Albert B. Os Yanomami e sua terra.[artigo na Internet].[citado em: 21 jan 2004]. Disponível: http://www.urihi.org.br/ index.htm.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. 2a ed. Brasília: Funasa; 2002.p.14-15.

3. Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira-AM. Relatório da coordenação do programa de tuberculose. SGC 2001.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço. 5a ed. Rio de Janeiro: CRPHF; 2002. p.46.

5. Ministério da Saúde. Manual técnico para o controle da tuberculose. Brasília (Brasil); 2002. (Série A: Normas e Manuais Técnicos; no. 148).

6. Amarante JM, Porto JF, Silva FA. Controle da tuberculose em área indígena experiência de uma nova abordagem em Água Branca-MT. Rev Saúde do Distrito Federal 1996; 7 (4).

7. Amarante JM, Costa VLA, Silva FA. Sensibilidade tuberculínica e vacina BCG entre os índios do Araguaia-MT/ 1997. Bol Pneumol Sanit 1999; 7(1):79-86.

 

 

Artigo recebido em 02/12/2003
aprovado em 05/12/2003

 

 

IPreferimos não fazer teste tuberculínico em menores de 3 meses para evitar resultados falso-negativos