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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.12 n.1 Rio de Janeiro abr. 2004

 

EDITORIAL

 

Onde estamos e aonde vamos no que toca ao controle da tuberculose

 

 

Gilmário M Teixeira

Editor Chefe

 

 

Na oportunidade deste primeiro número do Boletim de Pneumologia Sanitária em 2004, a hora pode ser boa para lançar um olhar sobre o panorama da tuberculose que, flagelo da humanidade com cerca de cinco mil anos de história, ainda ocupa, em nossos dias, a liderança mundial como causa infecciosa de morte entre adultos, apesar dos meios - estratégias e tecnologias - que estão disponíveis para controlá-la e mesmo erradicá-la.

Os avanços nos domínios da ciência, da tecnologia e da gestão em saúde pública, ocorridos, destacadamente, a partir dos últimos anos cinqüenta quando a quimioterapia consolidou-se como instrumento insuperável de cura e prevenção o e o sistema de oferta dos bens de saúde transmudou-se com a incorporação dos princípios da simplificação da apropriação e da extensão, percebeu-se que estavam dadas as condições para derrotar a tuberculose em um espaço de tempo medido em décadas.

Não foram poucos os percalços interpostos nesse caminho, com destaque para as posições de otimistas aligeirados que viram na ação espetacular das drogas o fim quase imediato da tuberculose, subestimando, do bacilo as propriedades biológicas e da doença as agravantes sociais, a patogenia e a epidemiologia. Afortunadamente, frente a esses quadros arrebatados impõe-se sempre o juízo dos que perscrutam, comparam e excluem para então concluir e recomendar.

No Brasil, a exemplo do que passou em países de perfil social assemelhado, a tuberculose experimentou uma redução que, acelerada nos primeiros anos pós-quimioterapia, fez-se gradualmente lenta, embora sustentada. Foi assim que desta condição epidemiológica das capitais brasileiras no ano de 1954 - mortalidade de 84/100.000 e notificação de casos de 172/100.000 - chegamos em 1980 a uma taxa de mortalidade de 5,79/100.000 e de notificação de casos de 69/100.000, uma redução de 93% (3,57% ao ano) e de 65% (2,5% ao ano), respectivamente. No período seguinte, entre 1981 e 2000, a taxa de mortalidade baixa de 5,1 para 3,19 - redução de 37,45% equivalente a 1,97% ao ano - e a de notificação, entre 1981 e 2002, de 69 para 46 - diminuição de 33,33%, ou 1,58% anual. Esses dados, aparentemente alentadores, logo desbotam-se quando percebemos que correspondem a um período de quase cinqüenta anos e mais se apagam ao compararmo-los com os de outros países latino-americanos, cujas taxas de notificação de casos por 100.000 habitantes, no mesmo ano de 2002, foram bem mais inferiores como Cuba 8, Chile 16, Uruguai 16, México 17, Venezuela 25, Argentina 30.

No cenário internacional, em 2002, o Brasil continua figurando entre os 22 países com alta carga de tuberculose que, juntos, abrigam 80% do total de casos estimados para o mundo. Neste grupo, liderado pela Índia com 1.761.000 casos, ocupamos a 15a posição com 110.000; já no que concerne á taxa, em que Zimbabwe ocupa o primeiro lugar - 683/100.000 - detemos a mais baixa - 62/100.000.

Quanto ao tratamento - componente precípuo das ações de controle - apesar de que desde o começo tenhamos adotado estratégias e técnicas adequadas tais como: a padronização nacional dos esquemas terapéuticos, a aplicação, no universo de casos, da quimioterapia de curta duração tão logo sua eficácia foi comprovada, a entrega gratuita dos quimioterápicos à totalidade de casos de tuberculose diagnosticados no país, mesmo assim, não foi possível, até aqui, evitar falhas que incidiram em dois aspectos cruciais - na adesão do paciente ao tratamento e no sistema de informação para o acompanhamento e análise dos resultados. Assim, no Brasil, em uma coorte de casos de 2001, obteve-se resultado favorável (alta por cura e por tratamento completado) em 72,2%; abandono em 11,7%; óbito em 7% e transferência em 9,1%. Esses dados confrontados, por exemplo, com os de El Salvador, para uma coorte do mesmo ano, não são confortadores: resultado favorável (cura 86% + tratamento completado 2%) 88%; abandono 5%; óbito 5%; transferência 1%; fracasso 1%.

Tais evidências nos convidam a repassar a sucessão de intervenções que ao longo de décadas, direta ou indiretamente, estiveram voltadas para a redução do problema da tuberculose no Brasil, a saber: a ação sustentada de um Programa Nacional de Controle da Tuberculose, normatizado para todo o país, descentralizado, integrado no sistema geral de saúde que, pronto, se fez um modelo em saúde pública; o desenvolvimento, por mais de cinqüenta anos, de um programa de formação de recursos humanos em tuberculose, responsável pela massa crítica que tem assegurado a permanência e a qualidade das atividades; a edição continuada e atualizada de normas técnicas que regem as ações de controle em nível nacional; a cooperação com a Universidade visando a integração ensino-serviço; o reconhecimento da quimioterapia antituberculosa como uma das ações de alta efetividade em saúde pública; a integração da vacinação BCG ao Programa Nacional de Imunizações possibilitando coberturas de alto nível; a implantação de um sistema único de saúde sustentado pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços, tendo o descentralismo e a unicidade como filosofia de sua organização; o estabelecimento de ações coordenadas entre as entidades de tuberculose e as de doenças sexualmente transmissíveis, ao emergir a aids como um crítico agravante da nosologia humana e sua nefasta interação com a tuberculose; a união de esforços no momento do alarme de recrudescência da tuberculose; a municipalização do sistema de saúde sem lesar as conquistas do programa de tuberculose; o estabelecimento de uma ação global através de parcerias - governo, comunidade, organizações não-governamentais, universidades, sociedades científicas - frente a ameaça de agravantes como o abandono do tratamento, a epidemia de aids e a resistência bacteriana; a resposta aos apelos mundiais para resgatar a luta contra a tuberculose com a implantação do Plano Emergencial, a realização do Consenso Brasileiro de Tuberculose, a consolidação do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga como entidade de apoio técnico ao desenvolvimento, ao ensino e à pesquisa, a criação do Comitê Técnico- Científico de Assessoramento à Tuberculose e o reconhecimento da tuberculose como problema prioritário pelo Conselho Nacional de Saúde; a adoção, ainda incipiente, da estratégia DOTS cujos componentes - detecção de casos, tratamento supervisionado, provisão regular de drogas, sistema de registro e compromisso governamental - só o de administração supervisionada dos medicamentos, não tem, em nossa prática, uso pleno, apesar de recomendado; a inclusão do Brasil no Plano Global para deter a tuberculose formulado pela parceria Stop-TB; a integração das ações de controle da tuberculose às dos programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde; por último, o estabelecimento de um Plano Nacional de Controle da Tuberculose cujas metas buscam diagnosticar 92% dos casos esperados e tratar, com sucesso, 85% dos casos diagnosticados.

De uma perspectiva crítica, face a tantas e variadas medidas estabelecidas ao longo do tempo, no sistema de controle da tuberculose, somos levados a admitir que os resultados são modestos e traduzem, certamente, uma baixa utilização do potencial que elas encerram. A questão pode ser atenuada trazendo-se á cena o universo de fatores que constróem o cenário da tuberculose em uma região ou um país, quando, em muitos casos, a ação de condições sociais, econômicas e culturais desfavoráveis - que não nos são estranhas - podem reduzir, com significância, a força das intervenções voltadas para o agente causal e as lesões por ele determinadas.

Neste caso, ao tempo em que expectamos a redução sustentada desses agentes agravantes próprios do subdesenvolvimento, cabe-nos empreender um esforço de mobilização consciente para que as medidas de controle já implantadas alcancem um nível útil de operacionalização e produzam a plenitude de seu potencial de resultados. Em outras palavras, cumpre-nos expandir com determinação a estratégia DOTS, com ênfase em três de seus componentes - a busca de casos assumida como atitude incorporada à rotina dos serviços gerais de saúde, a administração supervisionada dos medicamentos a todos os casos positivos, um sistema de informação aprimorado que espelhe a real situação epidemiológica e assegure, sem falhas, a avaliação do tratamento.

Onde estamos, então, no que toca ao controle da tuberculose? Isolados em uma ilha? Seguramente não. Em verdade, ocupamos uma plataforma, onde estão disponíveis inteligência, experiência, cultura, tecnologia, recursos financeiros suficientes, vontade política que, mobilizados de forma apropriada e otimizada, poderão alcançar as metas propostas para obter a redução progressiva e sustentada do problema da tuberculose em nosso país. A utilização adequada desses meios, agrupados no corpo do Programa Nacional de Controle, sinaliza o destino a ser perseguido - uma questão de vontade, coordenação e gerência.