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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.12 n.1 Rio de Janeiro abr. 2004

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Conhecimento sobre a tuberculose por estudantes universitários

 

 

Alba Idaly Muñoz SánchezI ; Maria Rita BertolozziII

IDepartamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (USP)
IIDepartamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. Enviar correspondência para M.R.B. E-mail: mrbertol@usp.br

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi identificar aspectos relacionados à vulnerabilidade à tuberculose em moradores do conjunto residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP), especificamente no que se refere ao seu conhecimento em relação à enfermidade. A partir da adoção de referencial teórico-metodológico sobre a vulnerabilidade, desenvolveu-se este estudo descritivo e quantitativo, sendo a população selecionada por amostra estatisticamente significativa dos alunos de graduação e de pós-graduação, perfazendo 106 estudantes (69,8% de graduação e 30,2% de pós-graduação). Os dados foram coletados através da aplicação de um questionário, no período de outubro a novembro de 2002. Apresentam-se resultados em relação ao perfil de características pessoais dos alunos, identificando-se que 84 estudantes (79,2%) sabiam o que era tuberculose, fazendo menção correta à enfermidade, 63% conheciam a sintomatologia, 84% responderam que a doença pode ser transmitida pessoa a pessoa e 78,3% responderam que havia possibilidade de cura. Entretanto, 56,6% desconheciam o agente causal da doença. Dos 72 (67,9%) que referiram já ter ouvido falar sobre a doença, para aproximadamente um quarto isto havia ocorrido em instituição de ensino. Os estudantes foram, ainda, indagados sobre o conhecimento do local a que deve-se recorrer para realização de exames a fim de verificar a presença da enfermidade; 45,3% não souberam responder. Chama a atenção que 20,8% dos alunos referiram não saber sobre a doença, apontando, inclusive, a sua inexistência no cenário epidemiológico. O estudo evidencia pontos de vulnerabilidade a respeito do conhecimento sobre a enfermidade, principalmente tendo em vista que constituem um grupo aparentemente diferenciado, pois em tese teriam condições mais favoráveis para acessar informações a respeito da doença.

Palavras-chave: tuberculose; conhecimento sobre a doença; estudante universitário.


SUMMARY

The tuberculosis continues to be a serious problem of public health in the world-wide and at the brazilian scene. The objective of the present study was to identify aspects related to the tuberculosis vulnerability of residents (students) of the Residential Set of the University of São Paulo (CRUSP)-Brazil, specifically in relation to their knowledge on the disease. The theoretical referential on the vulnerability, advocated for Ayres was applied. It is a descriptive and quantitative study, and the population was conformed by a statistically significant sample of the 106 postgraduation and graduation students (69.8% of graduation and 30.2% of post-graduation). The data had been collected through the application of a questionnaire, from October to November of 2002. 84 students (79,2%) had answered that they knew what was tuberculosis, making correct mention to disease, 63% related to know the symptomatology, 84% had answered that the illness can be transmitted person by person and 78.3% had answered that the disease could be treated. Similar percentage related that the cure is possible by using appropriate drugs. Is important to focus that 56.6% were unaware of the causal agent of the illness and from 72 (67,9%) that had related to have heard about the illness, it occurred inside the education institution. It was inquired, too, if they knew which health facilities could be accessed to verify the presence of the disease, and 48 (45,3%) had answered unfamiliarity. It calls the attention that 20.8% of the students had related doesn't to know on the illness, pointing, also, that the disease is absent in the epidemiologic'profile. The study evidences points of vulnerability regarding to the knowledge on the disease, mainly considering that the students constitute a differential group, therefore in thesis would have more favorable conditions to access information regarding the illness.

Key words: tuberculosis; knowledge on the disease, university students.


 

 

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre tuberculose mostram que o padrão de ocorrência da doença está relacionado fundamentalmente aos determinantes sociais, estruturados nos modos de produção e reprodução da sociedade. Nos últimos tempos, a situação da doença vem se agravando, tanto em relação ao adoecimento como no que se refere ao número de mortes, em decorrência de certas políticas que vêm sendo adotadas, principalmente nos denominados países subdesenvolvidos, as quais têm produzido importantes desníveis sociais. Têm-se identificado como mais vulneráveis para adquirir a doença, populações de baixa renda, e ou com condições insalubres de moradia, os portadores do HIV, os desnutridos, os imigrantes, além daqueles que têm acesso restrito aos bens básicos como saúde e educação.1-6 Isto evidencia a associação entre as privações materiais e a presença da enfermidade, ademais dos indicadores clássicos, relacionados à doença e que, em geral, se colocam como fatores, reduzidos a causas que promovem a doença através do aumento da exposição e suscetibilidade.

Assim, buscou-se, com o presente estudo, caracterizar o conhecimento acerca da tuberculose de um determinado grupo de pessoas, identificando pontos de vulnerabilidade, no sentido de disponibilizar informações que orientem os serviços de saúde na prestação da assistência.

Trata-se de uma população de estudo que pode ser considerada como diferenciada, tendo em vista tratar-se de alunos do nível superior de educação, residentes em um único local, o que possibilita condições privilegiadas para a interpretação dos dados. O referencial teórico de vulnerabilidade, utilizado no presente estudo, foi o preconizado por Ayres.7

 

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo teve como objetivo identificar aspectos que caracterizam a vulnerabilidade individual a respeito da tuberculose, especificamente no que se refere ao conhecimento sobre a enfermidade, em moradores do conjunto residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP). O referencial teórico pautou-se no quadro analítico da vulnerabilidade. Este corpus conceitual emergiu no começo da década 80, para dar resposta à epidemia da aids, na tentativa de individualizar a suscetibilidade à enfermidade. Um dos modelos que se baseiam nesse referencial, proposto pioneiramente por Mann, Tarantola e Netter,8 apresenta uma metodologia para avaliar a vulnerabilidade à infecção pelo HIV. Na tentativa de superação deste, Ayres,9 no Brasil, propôs o modelo de vulnerabilidade conformado por três planos interdependentes de determinação e, conseqüentemente, de apreensão da maior ou da menor vulnerabilidade do indivíduo e da coletividade. O olhar do autor busca a compreensão do comportamento pessoal ou vulnerabilidade individual, do contexto social ou vulnerabilidade social e do programa de combate à doença ou vulnerabilidade programática. Cada um desses planos pode ser tomado como referência para interpretar-se, também, outras enfermidades, além da aids. Essa abordagem de vulnerabilidade pode ampliar a atuação em saúde e gerar reflexões que podem ser úteis para continuar no caminho da formulação de políticas de saúde a partir das necessidades da coletividade, uma vez que o estudo sobre a ótica de vulnerabilidade propõe uma estrutura interpretativa que busca articular o indivíduo, num determinado contexto social, regido por certas políticas sociais e de saúde. Além disso, esse conceito leva em conta a questão básica que se refere à cidadania como um exercício pleno de direitos.

Nessa perspectiva, o autor referido, em publicação de 1999,7 propõe a sua operacionalização através da: vulnerabilidade individual que se refere ao grau e à qualidade da informação de que os indivíduos dispõem sobre os problemas de saúde, sua elaboração e aplicação na prática; vulnerabilidade social que avalia a obtenção das informações, o acesso aos meios de comunicação, à disponibilidade de recursos cognitivos e materiais, o poder de participar nas decisões políticas e nas instituições; e, vulnerabilidade programática que se constitui na avaliação dos programas para responder ao controle de enfermidades, além do grau e qualidade de compromisso das instituições, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção.

O presente artigo apresenta somente uma das faces do conceito de vulnerabilidade, pois se restringe aos aspectos que dizem respeito à vulnerabilidade individual, especificamente no que diz respeito aos aspectos cognitivos.

Tendo em vista que a tuberculose se constitui como uma das protagonistas no cenário epidemiológico brasileiro e, particularmente no Município de São Paulo, além do fato de terem sido encontrados casos em estudo desenvolvido por Bertolozzi,10 optou-se por estudá-la em um grupo restrito, constituído por alunos moradores do conjunto residencial da Universidade de São Paulo.

A população foi conformada por uma amostra estatisticamente significativa, perfazendo um total de 106 estudantes. Os dados foram coletados através da aplicação de um formulário, após a aplicação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de estudo foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa. Os dados foram coletados no período de outubro e novembro de 2002.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As características pessoais dos moradores do CRUSP

A maior parcela de estudantes pertencia ao sexo masculino (58,5%). A faixa etária predominante das mulheres, foi a de 20 a 25 anos, conformada por 21 pessoas, representando 47,7 % do total e, para os homens, foi a imediatamente seguinte, de 25 a 30 anos, com 26 pessoas (41,9%). Do conjunto total de alunos, verificou-se que a maior parte se concentrava nessa última faixa referida.

No que diz respeito à inserção dos estudantes segundo nível acadêmico, 74 (69,8%) encontravam-se matriculados no curso de graduação e 42 (30,2%) estavam cursando pós-graduação.

Vulnerabilidade à tuberculose: o conhecimento sobre a doença

Com relação às questões focadas ao conhecimento sobre a tuberculose, 84 estudantes (79,2%) responderam que sabiam o que era a doença. Ao se solicitar que falassem o que sabiam sobre a enfermidade, 81 (76,4%) apontaram definições gerais, como, por exemplo: "doença do pulmão causada por um bacilo/bactéria", "doença respiratória bacteriana", "é uma doença transmissível", "doença que ataca os pulmões causando sua deterioração", "inflamação dos pulmões", "doença que causa uma tosse insuportável", "doença que começa com tosse que pode ocasionar a morte", "doença contagiosa que atinge os pulmões", "doença produzida pelo bacilo de Koch", "doença que atinge o pulmão, se tratada precocemente tem cura", "doença difícil, que dana os pulmões" e "enfermidade contagiosa".

Embora o número de pessoas que referiram não saber o que era tuberculose fosse menos expressivo (22 alunos: 20,8%), é necessário destacar algumas das respostas que se apresentaram subseqüentemente, como: "doença que já não existe", "enfraquecimento dos pulmões" ou "doença com tosse que não sara, produzida por um vírus", "doença que atingiu muito a população no passado" ou "doença dos carentes". Como pode se verificar, nessas respostas se evidenciou que a tuberculose é tanto tida como enfermidade "do passado", como relegada ao plano dos outros, dos "carentes". Destaca-se ainda uma certa banalização da doença, quando referem-se à tuberculose como "doença que já não existe". Verificou-se, menção ao fato de que a enfermidade "não tem cura", observando-se também, conceitos equivocados, no que se refere ao agente causal da enfermidade. A esse respeito a autora10 identificou, em estudo sobre adesão ao Programa de Controle da Tuberculose, realizado na região do Butantã, com pacientes que haviam cumprido o tratamento, que a doença continua, para muitos, como desconhecida, tanto em relação ao modo de transmissão, quanto à cura.

Em relação à causa da doença, apresentou-se como associada ou recorrente de outras enfermidades, como "resfriados". Quanto a identificação da causa, a maioria dos estudantes participantes no estudo (56,6%), respondeu desconhecê-la. Evidencia-se, com o questionário aplicado que algumas das pessoas que acreditavam conhecer a causa da enfermidade, responderam da seguinte maneira: "doença produzida por vírus", "doença produzida por friagem" ou "complicação dos resfriados". A mesma autora anteriormente citada,10 na interpretação de representações das causas com que os doentes associavam à tuberculose, identificou associação com "temperatura", evidenciando-se a analogia "frio/gelado", ou associada ao "debilitamento do organismo", essas relações em relação à causa da doença, também foram encontradas no presente estudo.

A maior parte dos alunos (63%) referiu saber o que ocorre quando a pessoa tem tuberculose, mencionando, principalmente, tosse, hemoptise e até a morte. A hemoptise emergiu como manifestação de seu estágio avançado. Embora esses estudantes tenham mencionado saber, de maneira geral, o que ocorre com uma pessoa com tuberculose, foi importante esclarecer, no final das entrevistas realizadas, os "reais" sinais e sintomas da doença.

Ao indagar se a tuberculose pode ser transmitida de pessoa para outra, 89 alunos (84%) responderam corretamente e, quando questionados a respeito da transmissão, as respostas foram: através da via aérea: 51,9% (55); do ar e de objetos pessoais: 15,1% (16); da compartilha de objetos pessoais: 9,4% (10). Entretanto, 16% (17) não souberam responder (Tabela 1).

 

 

Oitenta e três estudantes (78,3%) responderam que a doença tinha cura. Quando questionados sobre os possíveis procedimentos para alcançar a cura, 79 (74,5%) responderam que pode ser obtida através do uso de medicamentos e 2 (1,9%) responderam que poderia ocorrer através da adoção de outras medidas, como a exposição à altitude elevada. Apenas dois (1,9%) não souberam responder. Prevalecem as noções dos efeitos benéficos da altitude sobre a doença, conceitos que levaram ao estabelecimento de sanatórios no Estado de São Paulo, no começo do século XIX e perduraram até os anos 60.12

É de se lembrar que as primeiras tentativas de tratamento da tuberculose faziam referência à exposição ao sol, ao clima quente e datam da época de Galeno, na Grécia (150 dC). Os primeiros sanatórios inspirados nessas recomendações foram construídos na Europa em 1854, por Hermann Brehmer, botânico e médico alemão que padeceu da doença. Posteriormente, em 1885, nos Estados Unidos, sob a iniciativa do médico Edward Trudeau, fundou-se outro dos primeiros sanatórios13 quando ainda não se tinha descoberto o tratamento farmacológico. Deste modo, ao se considerar os dados do presente estudo, observa-se como a doença ainda se coloca no imaginário de alguns alunos, com significados que, no passado, foram fundamentais para definir condutas em relação ao tratamento. Embora na atualidade há avanços tecnológicos em relação ao diagnóstico e tratamento, pode-se verificar que persistem associações estereotipadas em relação aos mesmos.

No que se relaciona à pergunta sobre "quem" os estudantes acreditavam que podia contrair a doença, as respostas predominantes foram "qualquer um", por 43 (40,6%) dos alunos. Bastante inferior foi a proporção daqueles que responderam que "pessoas com baixas defesas" poderiam contrair a doença (11 alunos:10,3%). Cerca de 8,5% (9) responderam "pessoas pobres que vivem em condições insalubres" e 8 (7,5%) os "expostos ao bacilo através de pessoas infectadas"; além de 6,6% devido ao clima, friagem ou sereno. Igual proporção referiu que as pessoas acostumadas às "noitadas" poderiam contrair a doença; 5,6% se referiram aos fumantes; e é digno de nota que 12 alunos (11,3%) mencionaram desconhecer como se pode contrair a enfermidade. Outras respostas podem ser visualizadas na Tabela 2.

 

 

Os conhecimentos que os alunos têm acerca da doença se revelam como insuficientes, especialmente em relação a quem pode contrair a doença e no que se relaciona à cura da tuberculose. Além disso, aponta-se o fato de alguns alunos não saberem o que é a enfermidade. É importante destacar que estes conhecimentos vão afetar a forma de perceber e de enfrentar a doença, o que pode potencializar a vulnerabilidade à tuberculose neste grupo. Os achados deste estudo ratificam a importância de apreender como a população entende o processo saúde-doença, o que constitui base para o planejamento de atividades que promovam a desmistificação e o controle da enfermidade.

Realizou-se estudo com o objetivo de verificar conhecimentos sobre a tuberculose com professores de Ciências do Ensino Fundamental em escolas da Prefeitura Municipal de São Paulo, em 1999.14 No que se relaciona ao agente causador, a totalidade dos professores responderam acertadamente. Na questão relacionada à transmissibilidade, 88,5% acreditavam que a tuberculose poderia ser transmitida pela fala, tosse e espirro, enquanto que 6,3% dos professores acreditavam que a doença podia ser transmitida através de utensílios como copos e talheres. Do total de professores entrevistados, 27,1% afirmaram que o agente causal atacava somente os pulmões e, 4,2% consideraram que o M. tuberculosis pode atacar vários órgãos. Na questão referente ao tratamento da tuberculose, 41,7% afirmaram que o doente deve se submeter a tratamento com diferentes medicamentos, em um período aproximado de nove meses, 34,4% acreditavam que o doente deve repousar por longo tempo em lugares de "bom clima" e ter boa alimentação, 1% afirma que a tuberculose não tem cura e 9,4% não souberam responder. Também se identificou que 39,6% acreditavam que a tuberculose está controlada e 1% dos entrevistados acreditava que era uma doença praticamente erradicada. Segundo Farkuh,14 o professor é um agente importante no processo de educação em saúde da população que freqüenta a escola, recomendando planejar atividades de orientação e atualização sobre a tuberculose para esse grupo populacional.

Embora em contexto bastante diverso daquele em que se deu o presente estudo, Zuluaga et al,15 em estudo realizado em Medellín-Colômbia, para avaliar o conhecimento da população maior de 15 anos de idade, a respeito da tuberculose, através de entrevista à 2287 pessoas, identificaram que 18% dos entrevistados conheciam a forma de transmissão da doença, mas 45% não sabiam a que instituição recorrer, em caso de suspeita da enfermidade. Nesse mesmo estudo, verificou-se que as pessoas com maior escolaridade apresentavam maior conhecimento sobre a doença.

Em pesquisa realizada para verificar os fatores culturais e a influência das percepções sobre a tuberculose e a adesão ao tratamento, em doentes matriculados no Programa de Controle de Tuberculose, em Sialkot, Paquistão, Liefooghe et al,16 identificaram que a maioria dos matriculados percebia a tuberculose como doença transmissível "muito perigosa", atribuindo à enfermidade a uma causa mecânica ou física, como o "banho frio" ou a acidentes. Um outro dado importante é que as pessoas associavam a doença ao isolamento, e que estavam presentes sentimentos de ansiedade nas pessoas afetadas. A doença também foi percebida como hereditária, identificando-se, ainda, incerteza no que diz respeito à sua cura. Os autores advogam a necessidade de tornar a educação em saúde parte do Programa de Controle para contribuir para a desestigmatização da doença e para a melhora da adesão ao tratamento.

A percepção que as pessoas têm da tuberculose influencia a detecção precoce da doença, assim como a adesão ao tratamento e seu êxito. Entretanto, os conhecimentos equivocados, o estigma da doença e a falta de informação levam a conseqüências graves para os doentes e à população em geral, pois retardam a sua identificação precoce e, perpetuando a sua disseminação, além de potencializar o estigma referido pelos doentes.

É importante destacar o fato de que a maioria dos estudantes concebe a doença como restrita aos pulmões e que se mostraram surpresos quando se indicou, na parte final da entrevista, dedicada a esclarecimentos, a possibilidade da tuberculose atingir outros órgãos.

No que se refere às pessoas que, segundo os estudantes, teriam mais chance de desenvolver a doença, evidenciou-se sua associação com determinados estilos de vida (boêmios, fumantes), condição social (pobres), condição biológica (crianças, idosos) e condições de moradia e de trabalho insalubres. A esse respeito, Bertolozzi17 identificou que a doença assume um caráter moralizador dos costumes para aqueles que a contraem e o processo saúde-doença apresenta um papel ordenador da vida, pois os doentes que integraram seu estudo referiram deixar de fumar e de beber.

Em Arequipa, no Peru, Alvarez18 analisou fatores que determinaram atitudes frente à tuberculose, em população aparentemente sadia e, outra, de portadores da doença, através da aplicação de um questionário. A autora identificou que as percepções mais corretas em relação à fisiopatologia da doença foram as dos doentes, identificando-se confusão dos conhecimentos com respeito à etiologia, cura e tratamento pelas pessoas aparentemente sadias. Além do mais, estas últimas enfatizavam a gravidade da doença e a necessidade de isolar os enfermos, identificando-se que os fatores determinantes das atitudes destas pessoas foram a prevalência da doença, o risco em relação à exposição e o estigma social associado à enfermidade.

Uma questão interessante, que surgiu no presente estudo, refere-se ao fato de que, segundo os estudantes, "os boêmios" apresentam grande possibilidade de desenvolver tuberculose e se observou, ainda, menção à doença como própria de poetas e escritores, fato por eles encontrado em livros de literatura, o que pode ter influído nas associações sobre a transmissibilidade da doença e na definição de determinados grupos que, supostamente, teriam mais chance de contraí-la.

Gonçalves19 lembra que, no século XIX e início do século XX, a tuberculose era identificada como doença que acometia artistas, poetas e boêmios. Segundo a autora, essas representações sociais são muito importantes para balizar o questionamento das falhas do Programa de Controle da Tuberculose, no sentido de identificar o real impacto de sua operacionalização. Assim, deve-se considerar o fato de encontrar, ainda na época atual, esse tipo de interpretação. Bertolli Filho20 analisa, em artigo sobre a antropologia da doença e do doente com tuberculose, a reação individual deste quando exilado em cidades-sanatórios paulistas. Utilizando como fonte de dados os escritos memorialísticos de escritores e poetas que padeceram da doença, verificou-se que os significados elaborados pela comunidade, acerca dos enfermos, estavam associados ao pulmão como órgão único, à morte, ao sofrimento, à solidão, ao isolamento e à exclusão.

Na presente pesquisa evidenciou-se relação entre o ambiente em que vivem as pessoas, como "moradias insalubres" e as condições de trabalho igualmente qualificados e o risco para desenvolver a tuberculose, mostrando-se, ainda, associação entre a doença e as condições sócio-econômicas. Observa-se, também, concepções que apontam a origem da enfermidade lastreada na Teoria da Unicausalidade, quando a doença é, unicamente, efeito da ação do Bacilo de Koch e, da teoria da Multicasualidade, quando foram apontados vários fatores que se somam na rede de causalidade, como pobreza, alimentação inadequada, hábito de fumar, dentre outros, com a mesma valoração de peso na rede de causalidade. É digno de nota que alguns estudantes associaram a doença à desigualdade da sociedade, o que indica uma superação de conceitos que limitam a trama da causalidade, reduzindo-a à mera ação entre fatores. Verifica-se, portanto, que há necessidade de promover e disseminar informação para fomentar o conhecimento sobre a doença, o que pode ser obtido através dos diferentes setores da sociedade, da saúde, da educação e da mídia.

Com relação ao tratamento, 14,2% dos participantes do presente estudo não sabiam se a doença tinha cura, o que reflete um desconhecimento importante, que ainda prevalece.

Cerca de 67,9% (72) referiram ter escutado falar sobre a doença e destes, 25,5% referiram que isso havia ocorrido em instituições de ensino, como na faculdade, colegial e curso preparatório para o vestibular; seguidas de meios de comunicação, principalmente televisão e cinema, por 14,1%; da literatura (13,2%) e através da família/amigos (9,5%). Somente 4,7% dos moradores haviam ouvido sobre o tema em instituições de saúde Tabela 2.

 

 

É importante destacar que 32,1% dos alunos referiram nunca ter ouvido falar sobre a tuberculose e uma pessoa não lembrou o local onde tinha ouvido falar da doença. O setor educacional, por vezes, pode contribuir para o reforço da mistificação e preconceito da doença, ao contrário de sua real missão que é proporcionar aos alunos o amplo e desalienado conhecimento acerca da realidade.10

A tuberculose continua sendo um sério problema de saúde e carece de estratégias abrangentes para seu controle, o que faz necessário que os Programas de Controle tenham suas ações revistas, buscando a divulgação de informação sobre a doença através da televisão, rádio e outros meios de comunicação massivos e, em especial, que essas informações possam ser acessadas extensivamente pela população.

Na Colômbia, identificaram que pessoas com doença respiratória recebem mais informação que provém de instituições de saúde e dos amigos do que as pessoas sadias, indicando que as instituições de saúde educam as pessoas que recorrem a os serviços, e não a população em geral. No estudo desenvolvido por Zuluaga et al.15 as fontes através das quais a população obteve informação sobre tuberculose, foram a sócio-familiar (15,8%) e para 9% isto havia ocorrido através de instituições de saúde. Farkuh14 também identificou que somente 10,4% dos professores do ensino fundamental da Delegacia Regional de Ensino Municipal de São Paulo tinham participado de atividades de orientação sobre a tuberculose, corroborando com as deficiências encontradas.

No Brasil, a mídia, a escola, a saúde, o saber médico e político, contribuem para mitificar a saúde, influindo no comportamento e no imaginário social.21 O autor compara a maneira como os meios de comunicação estimulam o consumo desnecessário no campo da saúde, em contrapartida à abordagem para atividades de promoção e prevenção em saúde.

Assim, dentre outras questões, o estudo possibilita apontar a importância do trabalho intersetorial, já que a maior parcela dos alunos tinha ouvido falar sobre a doença, através de instituições de ensino, o que demonstra que a educação em saúde deve ser alvo de ação de diferentes setores da sociedade.

O presente estudo revelou que a tuberculose ainda permanece como enfermidade a qual os órgãos de saúde e de ensino devem envidar esforços tanto para incrementar a disseminação da informação sobre as formas de transmissão e de adoecimento, assim como cuidar para o seu devido controle. No desenvolvimento do estudo aspectos que dizem respeito à dimensão cognitiva e que configuram a vulnerabilidade individual foram identificados. Tais aspectos estão presentes para uma importante parcela dos sujeitos estudados, quando desconhecem aspectos importantes em relação à doença e principalmente quando a desconhecem, ou quando se apresentam conceitos equivocados em relação à sua propagação e cura.

Ainda que o conceito de vulnerabilidade tenha sido didaticamente estudado a partir da perspectiva individual, as dimensões que envolvem a vulnerabilidade programática e social devem ser levadas em consideração quando se apreende a enfermidade como produto da forma de organização o da sociedade e das formas como se vive, o que inclui as condições materiais e aspectos que dizem respeito à subjetividade dos indivíduos.

Os conhecimentos insuficientes acerca da doença podem afetar a forma de percebê-la e de enfrentá-la o que pode potencializar a vulnerabilidade à tuberculose deste grupo. É necessário resgatar os conhecimentos que a população tem sobre a saúde-doença para o planejamento de atividades que promovam a desmitificação de enfermidades como a tuberculose.

É necessário que se potencialize a democratização da informação, uma vez que, nos estudos sobre vulnerabilidade, fica claro a importância do acesso aos meios comunicacionais na diminuição da susceptibilidade aos agravos e situações adversas. Especialmente em se tratando de um grupo como o que constituiu o presente estudo, acrescendo-se o fato de que a Universidade de São Paulo se constitui como modelo de excelência em termos de produção do conhecimento, aponta-se a necessidade de monitoramento da saúde dos estudantes moradores do conjunto residencial, não deixando de lado as iniciativas para que os próprios alunos tomem a responsabilidade por acessar esse conhecimento, fortalecendo-se com isso no cotidiano.

 

CONCLUSÕES

O desenvolvimento deste estudo permite identificar a importância do trabalho intersetorial, já que para a maioria dos alunos que tinham ouvido falar sobre a doença, isto havia ocorrido através de instituições de ensino, o que demonstra a potencialidade desse espaço em termos de difusão do conhecimento geral e não somente específico. Isto permitiria apoiar a desmistificação da doença, evitando a perpetuação do seu estigma nas diferentes esferas da sociedade. A tuberculose é um problema de saúde que precisa de estratégias abrangentes para seu controle, o que faz imperativo rever as ações de divulgação da doença através de meios de comunicação massivos.

Em síntese, à luz dos eixos que o quadro conceitual de vulnerabilidade oferece, observaram-se aspectos que podem induzir à vulnerabilização dos alunos do CRUSP em relação ao conhecimento da tuberculose: desconhecimento acerca de aspectos básicos da enfermidade e perpetuação do estigma. O universo cujo objeto são as enfermidades parece se colocar como exterior ao cotidiano universitário, o que contribui para tornar ainda mais complexo o controle da tuberculose.

 

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Recebido em 08/03/2004.

Aceito em 18/03/2004.

*Baseado em Dissertação de Mestrado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - Área de Concentração Enfermagem em Saúde Coletiva - com apoio financeiro do CNPq.