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Boletim de Pneumologia Sanitária
versión impresa ISSN 0103-460X
Bol. Pneumol. Sanit. v.12 n.1 Rio de Janeiro abr. 2004
*Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento?
Aderlaine de Melo Mendes; Lísia Maria Fensterseifer
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Porto Alegre-RS. Enviar correspondência paea A.M.M. E-mail: adermm@ig.com.br
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo explicativo com enfoque quantitativo realizado junto ao Serviço de Tuberculose do Centro de Saúde IAPI, na cidade de Porto Alegre, RS, nos meses de janeiro e fevereiro de 2003. Objetivos: analisar as causas da não-adesão ao tratamento; determinar algumas características dos pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose; comparar informações sobre o abandono do tratamento registradas nos prontuários, com informações obtidas junto aos pacientes. A população do estudo foi composta por 340 pacientes cadastrados no Programa de Controle da Tuberculose desde a abertura do serviço em julho de 2000 até janeiro de 2002. Compuseram a amostra 25 casos de tuberculose de ambos os sexos - 22 da forma pulmonar positiva, 1 da pulmonar negativa e 2 da extrapulmonar - que receberam alta por abandono do tratamento. Do universo de casos, a maioria teve alta por cura, sendo que a alta masculina por abandono mostrou-se estatisticamente significativa. A média de idade da amostra foi de 30,48 anos. Sobressaíram-se os agravos associados como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e o alcoolismo. A maioria utilizou tratamento com Rifampicina, Isoniazida e Pirazinamida com média geral de tempo de uso de 3,69 meses. Os motivos de abandono registrados nos prontuários e verbalizados pelos pacientes incluíram entre outros, os motivos Econômico-Financeiro e Tratamento da TB. Mesmo que o Programa tenha dado o caso por encerrado como alta por abandono, o processo de comunicação entre o serviço e o paciente não deveria findar.
Palavras-chave: tuberculose; abandono do tratamento; não-adesão.
SUMMARY
It is a descriptive, explanatory study, with quantitative focus, developed in connection with the Tuberculosis Service of the Health Center IAPI, in Porto Alegre, RS, between January and February of 2003. Objectives: To analyze the causes of the non-compliance to the treatment; establish some characteristics of the patients that abandoned the treatment of Tuberculosis; compare information about the abandonment of the treatment registered in the promptuaries, with information obtained with the patients. The population of the study is composed by 340 patients registered in the Tuberculosis Control Program since the start of the Service, in July of 2000 until January of 2002. The sample is composed by 25 cases of Tuberculosis from men and women - 22 pulmonary smears positive, 1 pulmonary smears negative and 2 non-pulmonary - who discharged for abandonment. The majority of the universe of patients discharged as a result of their cure, and the masculine discharge for abandonment is statistically significant. The average age of the sample was 30,48 years. Associate aggravations, as the Acquired Immune Deficiency Syndrome and Alcoholism atracted important attention. The majority made use of Rifampin, Isoniazid and Pirazinamid with average time of use of 3,69 months. The registered reasons of abandonment in the promptuaries and verbalized by the patients included, between others, the Financial- Economic reason and the treatment of the TB. Even if the Program ended the case as discharge for abandonment, the communication process between the Service and the patient should not have an end.
Key words: tuberculosis; abandonment; non-compliance
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é um problema global de saúde pública que está intimamente ligado às condições de miséria - como desnutrição, superpopulação, moradia insalubre - e ao cuidado inadequado de saúde. Como consequência, nas regiões onde domina essa situação, a mortalidade e a morbidade por TB continuam a crescer, fato que dá relevância ao tema desta pesquisa.
Trata-se de uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis cuja transmissão se faz por via aérea, de um indivÌduo doente a um sadio.1 A infecção resultante, localizada no pulmão, pode permanecer latente ou evoluir para o estado de doença e, inclusive, posteriormente disseminar para outras partes do corpo como meninges, rins, ossos e linfonodos.
Por representar um grave problema de saúde pública mundial, os esforços de governos e comunidades para combatê-lo, não são poucos e nem ocorrem isoladamente. Das ações organizadas para esse fim, cabe destacar a descoberta dos casos, o tratamento, e as medidas preventivas como a quimioprofilaxia e a vacinação BCG.2
Os métodos diagnósticos mais comumente utilizados são a radiografia do tórax que geralmente revela lesões no lobo superior dos pulmões e a baciloscopia e a cultura do escarro que detectam a presença do bacilo. A procura de casos e a quimioterapia efetiva continuam sendo as principais ações de controle da tuberculose.1
Quanto ao tratamento, desde o início da década de 60, quando da conquista da potente quimioterapia, vem ocorrendo uma padronização de esquemas terapêuticos amplamente utilizados na rotina dos programas de controle, São regimes de tratamento diário ou intermitente, por longos períodos, que podem variar de 6 meses a 1 ano ou mais. No Brasil, a problemática do tratamento da TB está na alta taxa de abandono que, em algumas capitais, pode atingir, em média, 25% dos pacientes tratados. A grande preocupação com a efetividade do tratamento deve-se ao fato de que tratamentos irregulares, além de não curarem os doentes, podem transformá-los em casos resistentes às drogas usuais.3
Este estudo versa sobre o abandono do tratamento dos portadores de TB através da pesquisa efetuada nos registros dos prontuários e das entrevistas com alguns pacientes que abandonaram o tratamento.
A tuberculose, apesar de doença grave que pode levar à morte, tem, na quimioterapia, um instrumento capaz de curá-la na quase totalidade dos casos. Atualmente, em nosso meio, podemos contar com a facilidade de acesso ao diagnóstico e aos medicamentos utilizados no tratamento. Entretanto, na prática, existe uma grave restrição - o abandono do tratamento - decorrente da não adesão dos pacientes, fenômeno cujas causas são de difícil abordagem.
A importância deste tema centra-se no fato de que, o portador de TB que não adere à terapêutica, continua doente, e permanece como fonte de contágio. Além disso, a irregularidade do tratamento leva à resistência medicamentosa e à recidiva da doença, impondo dificuldades ao processo de cura e aumentando o tempo e o custo do tratamento. Diante disso, o estudo das causas que levam os pacientes a abandonar o tratamento contribuirá para a adequação dos planos terapêuticos médicos e de enfermagem.
O presente estudo tem como objetivos: a) analisar as causas da não adesão ao tratamento; b) determinar algumas características sôcio-demográficas dos pacientes que abandonaram o tratamento da TB; c) comparar informações sobre o abandono de tratamento dos portadores de TB registradas em prontuários, com informações obtidas junto aos pacientes entrevistados.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo explicativo com enfoque quantitativo.
A partir dos objetivos propostos, este estudo foi realizado no período de janeiro a fevereiro de 2003, junto ao Serviço de TB, na área de abrangência do Centro de Saúde IAPI (CS - IAPI) na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS).
A população do estudo foi composta por todos os pacientes cadastrados no Programa de Controle da Tuberculose (PCT), desde a abertura do Serviço em julho de 2000 até dezembro de 2002, totalizando 340 casos notificados.
A amostra, retirada desse universo, foi composta por 25 casos de TB, de ambos os sexos, independentemente da idade, que receberam alta por abandono do tratamento. Considerou-se como abandono4 o caso em que o doente não retornou ao serviço, nem atendeu sua convocação após 60 dias decorridos da data estipulada para consulta de controle e entrega de medicamentos, conforme determina a rotina do Centro de Saúde.
A atenção neste estudo, também esteve voltada para de 3 pacientes portadores de TB que abandonaram o tratamento e se dispuseram a realizar entrevista com o propósito de compreender este fenômeno sob a ótica de quem o vive.
A autora do estudo realizou a coleta de dados em duas etapas.
Na primeira etapa os dados foram coletados junto ao livro de Registro de Pacientes e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose, utilizando-se para tanto, o instrumento Dados Gerais. Dos 340 pacientes inscritos no PCT, foram obtidos dados de identificação, do tipo de tratamento e do tipo de alta; quanto aos 25 pacientes que compuseram a amostra deste estudo, coletaram-se os dados de procedência e de antecedentes epidemiológicos, os clínicos e os laboratoriais, bem como aqueles sobre o tratamento e registro de motivo do abandono.
A segunda etapa se valeu de informações obtidas junto ao paciente, através de entrevista semi-estruturada sobre o motivo do abandono do tratamento.
A análise dos dados quantitativos deu-se através da distribuição por freqüência absoluta e relativa.
A análise das entrevistas ocorreu através da reunião e ordenação dos conteúdos conforme sua semelhança. O primeiro passo consistiu-se da transcrição do material das entrevistas da fita cassete para um arquivo no computador, reunindo as informações. Em seguida, foi feita a leitura dos materiais repetidas vezes, de maneira que se tornasse possível imergir nas questões importantes do abandono do tratamento, ordenando os conteúdos semelhantes das verbalizações. Por fim, nos reportamos aos registros obtidos junto aos prontuários sobre os motivos do abandono do tratamento confrontando-os com os verbalizados.
O estudo teve a aprovação do CS - IAPI através de ofício emitido pela Coordenação de Enfermagem e do Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, RS, por ofício da Coordenação de Ensino e Pesquisa. Aos pacientes entrevistados foi apresentado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, baseado no item IV das Diretrizes e Normas Regulamentadoras para a Pesquisa em Saúde do Conselho Nacional da Saúde (Resolução 196/96).
RESULTADOS
Caracterizaçãoo dos pacientes
Dentre os 340 pacientes atendidos pelo PCT, nos três anos do estudo, 245 casos receberam alta, sendo por Cura 68% (167) dos casos, seguida das altas por Abandono com 10,2% (25), por óbito com 9,0% (22) e por transferência com 8,6% (21); os pacientes com altas por mudança de diagnóstico e falência se apresentaram em menor número. Os demais 95 inscritos ainda estavam em tratamento.
Nesse universo, os homens, por constituírem a maior parte da população se sobressaíram, exceto na alta por óbito em que ambos os sexos atingiram a mesma freqüência. Porém o que se mostrou estatisticamente significativo através do Teste x2 onde (p< 0,05), foi a alta masculina por Abandono. A média de idade dos pacientes ao final do período estudado, ficou estabelecida em 30,48 anos, tendo como desvio padrão 12,376. A mediana situou-se em 26 anos e a moda em 19.
Quanto às características do grupo de abandono encontraram-se, ao final do período de estudo, que os registros de escolaridade para o 1º Grau, atingiram 72% (18), seguidos dos registros para Analfabeto com 20% (5) e para o 2º Grau com 8% (2). Verificou-se que a maior parte dos pacientes 68% (17) era proveniente de Porto Alegre e que 32% (8) eram oriundos de cidades da grande Porto Alegre. Observou-se ainda que, deste grupo, 64% (16) possuía atividade de trabalho incluindo: coletador de lixo, doméstica, militar, motorista, pedreiro, serralheiro, vendedor e vigilante.
Situação, no momento de entrada, dos 25 pacientes que abandonaram o tratamento
Constatamos que 76% (19) da amostra ingressou no PCT como Caso Novo.
Com relação à Forma Clínica da Tuberculose, 88% (22) eram da Forma Pulmonar positiva, 4% (1) da Pulmonar negativa e 8% (2) da Extra-pulmonar. Quanto ao sexo, a amostra estava formada por 6 mulheres e 19 homens.
Dezessete pacientes se submeteram ao teste para HIV, resultando 53% (9) positivos e 47% (8) negativos; oito pacientes não realizaram o teste. Em relação ao total da amostra, os 9 casos - 1 mulher e 8 homens - da associação TB/HIV+, representavam 36% (Tabela 1). Em todo período do estudo 64% (16) dos registros foi para vacinados e 24% (6) para não vacinados, demonstrando que a maioria dos pacientes estava vacinada com BCG.
Agravos associados
Os agravos encontrados em maior número, em todo o período do estudo, (Tabela 2) foram o tabagismo em 40% (10) dos pacientes, sendo 32% (8) homens e 8% (2) mulheres e a aids em 36% (9) dos registros, sendo 32% (8) homens e 4% (1) mulher. O alcoolismo esteve presente em 24% (6) dos registros e a drogadição em 12% (3), em ambos a ocorrência foi do sexo masculino. Os registros ignorados totalizaram 12% (3). A doença mental ocorreu em 8% (2) dos registros, sendo 4% (1) em cada sexo. Os pacientes com ocorrência para Hepatite C ficaram com 4% (1) dos registros no sexo masculino.
Drogas utilizadas e o tempo de tratamento
Na Tabela 3, identificamos as drogas RHZ (Esquema I, 2RHZ/4RH) como as mais utilizadas entre os abandonos representando 88% (22) dos tratamentos. Quando da utilização de RHZ pelos pacientes, o tempo de permanência no tratamento mais encontrado foi de 1 a 3 meses com 32% (8), seguido de 3 a 5 meses em 24% (6) dos pacientes.
As drogas SZEEt (Esquema III, 3SZEEt/9EEt) foram utilizadas por 8% (2) dos abandonos, sendo que o tempo de tratamento realizado com elas variou de 1 a 3 e de 9 a 11 meses, ambos em 4% (1) dos casos.
Um único paciente 4% (1) utilizou SHE e seu tempo de utilização variou de 1 a 3 meses.
A média geral de tempo de uso das drogas foi de 3,69 meses, com um desvio padrão de 2,516. Encontramos uma mediana de 3,07 meses e uma moda de 1 mês.
Motivos de Abandono do Tratamento registrados nos prontuários e verbalizados pelos pacientes
Os motivos do abandono do tratamento, que foram registrados nos prontuários dos pacientes portadores de TB, são apresentados no Tabela 4, tendo sido reunidos e ordenados conforme a semelhança de seus conteúdos.
Na Tabela 5, são apresentados os motivos do abandono do tratamento que foram verbalizados pelos pacientes. A exemplo do Tabela 4, também aqui os motivos foram reunidos e ordenados de acordo com a semelhança de seus conteúdos.
DISCUSSÃO
Aspectos relacionados às características dos pacientes
Constatamos nesta pesquisa, que a maioria dos pacientes obteve alta por cura, seguida das altas por abandono.
No Estado do Rio Grande do Sul as ações desenvolvidas contra a doença estão baseadas na prevenção que pressupõe a vacinação de 100% das crianças até 1 ano de idade, no diagnóstico buscando identificar os bacilíferos e no tratamento visando a cura de pelo menos 80% dos casos através de esquemas terapêuticos padronizados.4
No Brasil,5 os percentuais dos registros de alta por abandono variam entre 4,5% e 20,3%. Em estudo6 realizado junto ao PCT da cidade de Pelotas, RS, o percentual de pacientes que não aderiu ao tratamento foi de 19,9% sendo superior à taxa de 12,9% de não-adesão ao tratamento encontrada no Brasil entre 1981 e 1990. No RS, essa taxa, em 1988, atingiu 11,9% para o Estado e em 1995, 25% para a cidade de Porto Alegre. Os parâmetros que avaliam os resultados do PCT estabelecem que taxas acima de 15% de não-adesão seriam consideradas inaceitáveis.
O abandono de 10,2% (25) encontrado nesta pesquisa é inferior ao que fora citado pelos autores.
O estabelecimento dos homens como sendo a população em que mais incidiu o abandono do tratamento neste estudo, foi também evidenciado em outras pesquisas.5 No período de 1995 a 1996, no CS - Oliveira Pombo de Fortaleza Ceará, ocorreram 28 casos de abandono do tratamento da TB e desse número 19 (67,8%) eram homens e 9 (32,1%) mulheres. No período de estudo que compreendeu os anos de 2001 e 2002, ocorreram, na US - Navegantes em Porto Alegre, RS, 40 casos de abandono do tratamento, sendo que 82,5% dos pacientes eram do sexo masculino.7
Em Gana, um estudo8 com 272 casos de abandono, no período de 1984 a 1987, evidenciou, que os homens abandonaram significativamente mais do que as mulheres (p<0,02). Em contrapartida alguns autores,9 referem que o abandono do tratamento não está associado ao sexo, estando muito mais relacionado com variáveis sociais e de percepção da doença.
Uma abordagem da adesão ao tratamento da TB dentro do universo composto por homens e mulheres,10 observa que os homens em especial os mais jovens solteiros e os separados aderem menos às recomendações médicas, pois procuram preservar seu modo de vida com festas, bebida e fumo acreditando que não possam esmorecer com dores no corpo e com doenças, muito menos, modificar alguns hábitos, durante um período de seis meses. Os autores sugerem que essa postura se deve à importância atribuída à imagem e à posição ideológica de homens que são livres e independentes.
A diferença das médias nos mostrou a realidade distinta das idades dos pacientes. A média pode ser influenciada, muitas vezes, por uma minoria de pacientes com idades extremas, como ocorreu neste estudo.
A mediana nos apresentou a localização dos pacientes em relação à sua idade e a moda nos indicou a idade mais freqüente. Neste estudo tivemos o maior número de pacientes com 19 anos, mostrando discrepância com relação à média.
Em estudo8 realizado na Escócia que objetivou determinar a relação entre recidiva, esquema de tratamento e aderência, verificou-se que a idade estava associada, tanto positiva quanto negativamente, com a aderência ao tratamento. Nos doentes com mais de 60 anos, observou-se a melhor aderência e o contrário foi verificado em doentes com idades entre 15 e 29 anos. A melhor aderência dos pacientes idosos estaria relacionada, segundo os autores do estudo, com a melhor percepção da importância e gravidade da doença, enquanto que não haveria o mesmo estímulo em cumprir o tratamento em adultos jovens, especialmente quando de uma melhora clínica.
A variável idade como fator de risco para a não-adesão ao tratamento, em pesquisa6 junto a pacientes inscritos no PCT, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas, RS, revelou que as pessoas acima de cinqüenta anos e os homens apresentaram um risco maior de não adesão à terapêutica.
Nesse contexto, Gonçalves,10 afirma que: "O momento da vida em que cada paciente se encontra (aliado ao que lhe é requerido como homens e mulheres) impõe relações e atitudes que, por vezes, favorecem à não-adesão ao tratamento do que à cura (da forma estipulada)".
Em concordância com alguns autores, neste estudo, também foi possível observar que independentemente do sexo a maioria da população que não aderiu ao tratamento, era composta por pacientes mais jovens, divergindo desta forma, com o referencial de um dos autores que apontou e justificou um maior risco de não-adesão em pacientes com mais idade. Este risco, porém, estaria diretamente associado com o sexo masculino e aqui sim concordando com os dados encontrados em um dos anos do presente estudo, em que o paciente com mais idade entre todos os abandonos, é homem.
Caso de tuberculose e a forma clínica da doença
É definido como "caso de tuberculose" 18 todo indivíduo com diagnóstico confirmado por baciloscopia ou cultura e aquele em que o médico, com base nos dados clínico-epidemiológicos e no resultado de exames complementares, firma o diagnóstico de tuberculose"
"Caso novo é o doente com tuberculose que nunca usou ou usou por menos de um mês drogas antituberculosas".18
Os resultados a respeito da realização dos exames, nesta pesquisa, mostraram que a maioria dos pacientes já havia confirmado, no ingresso, seu diagnóstico de TB, porém, alguns não atenderam às solicitações para essa confirmação, tanto menos para a realização de exames complementares.
Quanto à forma clínica verificou-se que 88% (22) casos eram da Pulmonar positiva, 4% (1) da Pulmonar negativa e 8% (2) da extrapulmonar. Esses valores são comparáveis aos parâmetros utilizados pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose na matriz de programação da procura de casos no grupo de 15 anos e mais.18
Por último, observou-se que 76% (19) da amostra ingressou no PCT como Caso Novo.
Agravos associados à doença
Constatamos neste estudo que os agravos mais freqüentes foram o tabagismo, a aids e o alcoolismo e que mesmo nos agravos de menor ocorrência os homens são a maioria, exceto em doença mental onde se equiparam.
O consumo de álcool e fumo10,12 configura-se em um fator que colabora e até mesmo induz ao abandono do tratamento.
Quando da realização de uma pesquisa5 com 15 pacientes que abandonaram o tratamento e que foram entrevistados, a maioria (86,6%) relatou que eram grandes as dificuldades em seguir o tratamento, principalmente entre os dependentes de fumo e álcool. Em outra investigaçao,8 sobre as causas de insucesso do tratamento da TB, verificou-se a presença do alcoolismo em 48,8 % dentre os 120 abandonos.
A co-infecção TB/HIV é crescente desde a década de 90, devido à baixa imunidade das pessoas com HIV - positivo, com vivências de promiscuidade e usuárias de drogas, sendo que outras circunstâncias se associam a esse risco como o alcoolismo e a vivência em cárcere penitenciário.13
Assim como neste estudo, os resultados encontrados pelos autores citados também ilustram a disseminação da co-infecção TB/HIV e a presença da dependência do fumo e do álcool entre os abandonos do tratamento.
As drogas utilizadas e o tempo de tratamento
O período do estudo nos permitiu verificar que a maior parte dos abandonos utilizou o tratamento com RHZ, realizando-o com maior freqüência durante um período que variou de 1 a 5 meses, com SZEEt e SHE o tempo variou de 1 a 11 meses. Verificamos que entre as medidas não houve discrepâncias.
Nas coortes anuais do Brasil de 1981 a 1990, integradas por casos de TB com esquema auto-administrado 2RHZ/4RH, a taxa de abandono variou de 12,5% a 15,6%. Em 1992 uma situação mais grave se mostrou entre oito capitais brasileiras, onde a taxa de abandono de todas as formas tratadas com 2RHZ/4RH, variou de 21,5% em Porto Alegre a 30,5% no Rio de Janeiro.14
A decisão dos pacientes em abandonar o tratamento todos com RHZ no CS Oliveira Pombo, Ceará, foi tomada em períodos diferentes de uso dos medicamentos, sendo que o maior número de casos concentrou-se entre 2 a 3 meses.5 As manifestações clínicas tendem a diminuir nos primeiros quatro meses de tratamento, fato que pode predispor os pacientes ao abandono neste período.6
Este estudo não considerou o tipo de esquema utilizado (I, II, III ou alternativos) e sim o tipo de drogas utilizadas no tratamento com maior freqüência,4 e coincidindo com o que foi encontrado pelos autores acima citados, havendo semelhanças quanto ao tempo de permanência dos casos de abandono, no tratamento.
Motivos do abandono do tratamento registrados nos prontuários dos pacientes
Econômico-Financeiro
Todo estudo que envolva a não adesão ao tratamento da TB, deve considerar que as condições de vida da sociedade brasileira, excluem as pessoas inseridas nas classes sociais mais baixas onde, de preferência, grassa a tuberculose. Neste sentido, as pessoas mais pobres estariam mais propensas a contraírem a doença, sendo submetidas às condições mais adversas e dificultando sua adaptação ao período de tratamento.6
No prontuário encontramos o seguinte registro:
...falta de recursos econômicos para alimentação e locomoção...
Constatamos através destes registros que a falta de recursos econômicos caracterizou uma parte da população de estudo, sendo um dos fatores impeditivos para a continuidade do tratamento. A TB, assim como todas as doenças infecciosas, incide mais em áreas onde coexistem a fome e a miséria.11
Em estudo7 realizado na US - Navegantes em Porto Alegre-RS, também foram encontrados registros sobre o motivo do abandono do tratamento relacionados a fatores sôcio-econômicos.
Tratamento da TB
O paciente com diagnóstico de TB bacilífera, necessita ter instituído um tratamento que garanta sua cura; este tratamento (11), deve ser quimioterápico e adequado, com o fornecimento ininterrupto e gratuito das drogas.
Os registros referentes ao tratamento da TB foram:
...presença de náuseas e vômitos...
...presença de febre atribuída ao uso do medicamento...
...presença de edema após o uso da medicação injetável...
...recusa ao tratamento...
...esquecimento de ingesta da medicação...
A maior parte dos pacientes que são submetidos ao tratamento da TB, consegue concluí-lo sem sentir qualquer efeito colateral, no entanto, alguns fatores podem estar relacionados com essas reações como os que se referem à dose, horários de administração da medicação, idade do doente, seu estado nutricional, alcoolismo, condições da função hepática e renal e co-infecção TB/HIV. Dentre os efeitos mais freqüentemente descritos, estão a intolerância gástrica e as manifestações cutâneas.11
A orientação sobre a manutenção do tratamento é fundamental para que o doente entenda a gravidade de sua doença e a importância da continuidade do seu tratamento.9
Os autores acima referenciados abordam alguns aspectos que podem estar relacionados com os motivos do abandono do tratamento encontrados nesta pesquisa, mais especificamente aqueles referentes aos efeitos colaterais e à recusa ao tratamento.
Doença TB
A TB,11 é uma doença grave, porém com cura em praticamente 100% dos casos novos, desde que sejam seguidos os princípios do tratamento quimioterápico.
Encontramos nos prontuários como motivos relacionados com a doença os seguintes registros:
...não aceita o diagnóstico...
...revolta com a doença...
Esses registros nos mostraram, que alguns pacientes que abandonaram o tratamento, o fizeram motivados por sentimentos e comportamentos frente à doença que os acometeu.
A TB causa nos indivíduos um impacto próprio do adoecer e o peso subjetivo que a doença tem para cada um parece estar relacionado a momentos de tensão, ansiedade e medo.(15) Estes autores sugerem que: A doença nos expõe como frágeis, atinge nosso jeito de ser. Alterando nossa ordem estabelecida, altera também o nosso relacionamento com outras pessoas. Mencionam ainda, sobre sentimentos dos pacientes que abandonaram o tratamento, observando a rebeldia como forma de negação às evidências da doença.
Também neste estudo, estavam registradas formas diferenciadas de reações relacionadas à Doença TB, sendo imperativas a ponto de fazer com que os pacientes desistissem do tratamento.
Estado de saúde
A OMS define saúde como "um estado de completo bem estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade". … difícil quantificar o bem estar, entendendo que ele possa ser indicado, entre outros, pela capacidade do indivíduo em realizar da melhor forma a sua habilidade.1
Os registros sobre o motivo do abandono do tratamento relacionados com o estado de saúde foram:
...fratura de membro inferior...
...estado geral debilitado...
...melhora dos sintomas...
Nesta abordagem, identificou-se como relevante para a questão do abandono, o motivo que descreveu a melhora dos sintomas, pois esse refletiu aspectos negativos relacionados com os resultados e eficácia da terapêutica que preconiza a cura.
Alguns autores6, 9 associam o abandono à época em que os sinais e sintomas desaparecem. Essa melhora clínica nos primeiros meses de tratamento, segundo eles, é uma das desvantagens da terapêutica que acaba por desestimular o doente. O tratamento é abandonado, muitas vezes, porque o doente se auto - determina curado. Em seu estudo os autores,15 puderam observar a importância que os sujeitos atribuem à presença dos sintomas como forma de legitimar sua condição de doentes.
Observamos que os outros motivos estavam relacionados com a incapacitação para locomoção, sendo fator impeditivo para a busca da medicação ou mesmo para a realização de exames de controle.
A mobilidade física prejudicada é definida como sendo.16 "Estado em que o indivíduo apresenta, ou está em risco de apresentar, limitações dos movimentos físicos..." prossegue a autora, referindo que dentre os fatores fisiopatológicos relacionados a essas limitações incluem-se a diminuição da força e da resistência para deambular e a deficiência músculo - esquelética, esta última secundária à fraturas.
Os motivos expressos pelos registros neste estudo, também foram observados pelos autores citados os quais evidenciaram o quanto o Estado de Saúde do paciente pode interferir na sua relação com o tratamento.
Influência familiar
Existem diferentes tipos de organização familiar em nossa sociedade, embora a família tradicional seja reconhecida como aquela integrada por uma mãe, um pai e filhos. Uma família pode, no entanto, ser constituída por duas ou mais pessoas ligadas por laços emocionais ou por compromissos.1
O abandono do tratamento por influência familiar foi observado através dos registros de:
...familiar doente...
...óbito de familiar...
...recomendação de familiares e médico particular ao não uso da medicação...
Verificamos nestes registros que a decisão do paciente em abandonar o tratamento, pode ter ocorrido alheia à sua vontade enquanto membro de uma família vulnerável ao adoecimento ou até mesmo à morte. Identificamos também a importância atribuída à opinião dos familiares e do médico particular com relação à terapêutica.
As relações de custo-benefício do tratamento devem ser consideradas. Assim como existe a relação avaliada pelo tempo que o paciente despende para ir ao serviço de saúde, adaptar-se ao tratamento, fazer exames e buscar remédios, existe também, a relação que se estabelece entre as pessoas envolvidas com o doente - os familiares, pois o indivíduo deverá moldar-se às novas exigências do seu meio, indo ao médico ou ingerindo drogas o que de certa forma pode alterar a funcionalidade familiar. A família desempenha um papel importante junto ao doente de TB, embora em alguns casos ela nem sempre possa propiciar suporte para resultados positivos, podendo influenciar negativamente na seqüência da terapêutica.10
Os autores acima referidos identificaram também, a importância da interação entre médicos e pacientes tanto com os que interrompem, quanto com os que não concluem o tratamento; segundo eles, os pacientes mais propensos a não aderirem ao regime medicamentoso são aqueles que não confiam no Sistema de Saúde ou nos médicos.
Agravos associados
Algumas doenças como o Diabetes mellitus, o alcoolismo, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/aids), a insuficiência hepática e renal, podem acompanhar o processo tuberculoso, outras, são a causa de agravamento do quadro de tuberculose.2, 17
Dentre os registros de motivos do abandono do tratamento, apareceram aqueles relacionados aos agravos associados que incluiram:
...alcoolismo...
...drogadição...
O registro desses motivos nos mostrou que os hábitos de vida abordados nesta pesquisa como agravos associados, podem ter interferido de maneira negativa na continuidade do tratamento.
Deve ser dada atenção especial para o tratamento dos doentes pulmonares bacilíferos etilistas,11 pois mesmo que estes compreendam a TB como uma doença que tem cura, ainda assim, relutam em modificar comportamentos negativos em relação à mudanças de hábitos nocivos à saúde, como por exemplo, o uso do álcool, fumo e drogas ilícitas.5
Os autores citados elucidam a importância do conte encontrado nesta pesquisa com relação ao abandono do tratamento.
Verbalizações dos pacientes sobre o motivo do abandono do tratamento
Econômico-Financeiro
A tuberculose é apontada5 como uma doença assentada predominantemente em variáveis de natureza econômica, social e cultural.
O motivo econômico-financeiro foi constatado através das verbalizações dos pacientes:
...por tá desempregada...
...é que era muita coisa eu me tratava aqui da tuberculose e lá no postão da Cruzeiro o HIV e se tornô impossível quatro passage prá vim aqui e quatro prá lá [...] nunca recebi nenhuma ajuda [...] e isso aí durante o mês dá o quê, dá oito passage, aí a vida não tá fácil...
...é o custo de vida tá terrível, prá mim tá ficando difícil!
Percebemos que a descontinuidade do tratamento relacionou-se com a falta de recursos econômicos nas três situações verbalizadas.
Em estudo10 que propôs conhecer as razões pelas quais os pacientes não completavam o tratamento na cidade de Pelotas-RS, foi evidenciado que alguns pacientes atribuem o abandono às dificuldades financeiras, no entanto, segundo estes autores, hábitos como comprar cigarros, ou beber cervejas e refrigerantes não foram abandonados. Contrariamente a isso, em outras famílias, que também não possuíam condições econômicas para alimentação e passagens, principalmente quando o doente era o provedor (a), os autores identificaram a mobilização para que essa dificuldade econômica não fosse impedimento para a cura. Assim como neste estudo, comportamentos semelhantes foram observados pelos autores citados.
A Tabela 4 nos mostrou registros dos prontuários sobre o motivo econômico-financeiro como causa do abandono, o que também encontramos nas verbalizações dos pacientes.
Tratamento da TB
O tratamento correto, com medicamentos específicos, é componente essencial de qualquer programa de controle da TB. A grande maioria dos tratamentos se desenvolverá em regime ambulatorial, de forma auto-administrada, sempre que possível em uma Unidade Sanitária próxima à residência do paciente.4
Os motivos de abandono ligados ao tratamento da TB foram manifestados verbalmente pelos pacientes como segue:
...falaram prá fazê o tratamento só que aí eles falaram que podia pegá hepatite aí eu assim, pô pegá hepatite e se eu não tenho tuberculose, não tê a doença e pegá uma, então eu preferia não fazê nada...
...pensei que era uns remedinho [...] mas não, me deram uns cinco remédio por dia [...] eu não vô tomá tudo isso [...] ainda mais que falaram que se eu não tivé a doença eu pego hepatite, não quero pelo amor de Deus...
...dá remédio, isso aí não vale a pena [...] se fosse uns remedinho tudo bem mas é uns remédio forte sabe, então de vez enquando dá enjôo sabe [...] eu acho os remédio muito forte...
...o remédio é danado porque quando eu tava com a doença forte, agente toma tem um chero de queimado, parece carne viva queimando, daí por isso também eu larguei o remédio, que eu não agüentava mais aquele chero horrível, dia e noite nem conseguia comê...
...a infectologista que me trata o HIV ela tá sempre mandando fazê exame, todos os mês eu faço então né lá eu não falto...
Essas verbalizações nos apontaram para a influência negativa quando do seguimento da terapêutica, exercida pela medicação, especialmente por seus efeitos colaterais.
Os efeitos causados pelas drogas e as reações ao tratamento envolvem questões importantes para a adesão. Alguns indivíduos acham os medicamentos fortes, tanto que afetam negativamente outras partes do corpo, sentindo muitas reações desagradáveis.5,10
A fala que indicou o comportamento de privilegiar o tratamento do HIV nos levou a considerar, a maior importância que é dada para doenças que não têm cura.
A comparação da TB a uma doença qualquer que tem, hoje em dia, facilidade de tratamento já fora observada15 na fala de pacientes que abandonaram o tratamento.
Os posicionamentos frente ao tratamento e à doença encontrados nesta pesquisa, concordam com os dos autores citados. Nos registros dos prontuários dos pacientes apresentados na Tabela 4, também foram encontradas referências sobre o tratamento da tuberculose como motivo de abandono. Estas diziam respeito principalmente aos efeitos colaterais que os medicamentos provocam. Na verbalização dos pacientes ficou evidenciada uma preocupação em desenvolver hepatite, apontando também para os efeitos colaterais. Chama-nos a atenção que uma das verbalizações privilegiou o tratamento para o HIV, deixando a TB sem tratamento. Ambas as doenças podem ser tratadas concomitantemente, sendo que a TB tem cura.
Diagnóstico de TB
O diagnóstico dos casos de tuberculose pulmonar visa identificar na comunidade as fontes de infecção o mais precocemente possível, tornando-as não infectantes através do tratamento. Para tanto, é realizado um exame direto de esfregaço de escarro através do qual o bacilo da TB pode ser descoberto ao microscópio.4
A abordagem feita pelos pacientes sobre os motivos do abandono relacionados ao diagnóstico de TB compreendeu as manifestações verbais que seguem:
...mas eu parei a primeira vez que eles me mandaram fazê o tratamento porque eles não sabiam o que era, por isso mesmo [...] eu abandonei porque eles não sabiam o que era, então não vô fazê tratamento nenhum eu tenho meu direito de escolha...
...durante um bom tempo eu fiquei assim desconfiado, logo no início eu não queria mais fazê o tratamento, porque eu comecei a não confiá sabe...
...só porque eu tenho uma lesão que é normalmente de tuberculose, pode sê de tuberculose e se eu não tenho sudorese, só porque eu perdi peso?...não, porque vão socá remédio em mim...
Observamos que essas verbalizações demonstraram a incerteza dos indivíduos em estarem realmente doentes ou não, fato que os fez desistir do uso da medicação. Nesse sentido, é importante referirmos sobre o papel do Serviço na confirmação do diagnóstico da TB e sobre as percepções e conclusões individuais do paciente a respeito do seu estado de saúde.
Entre outros motivos de abandono do tratamento da TB verificados a partir de entrevista com pacientes do CS - Oliveira Pombo no Ceará, apareceram justificativas relacionadas a exames de raio X e de baciloscopia negativos.5
Com relação ao diagnóstico9 a sua não confirmação é fator prejudicial à aderência ao tratamento por diminuir a importância da gravidade da doença. Os autores acrescentam ainda que, quanto maior o valor preditivo positivo do diagnóstico baciloscópico, menor será o custo do tratamento e que os casos pulmonares negativos baseiam-se no valor preditivo do diagnóstico radiológico.
De acordo com o que foi colocado por Natal9 a respeito do resultado da baciloscopia do escarro a nível de custos e de confirmação do diagnóstico, podemos verificar que entre os 25 abandonos ocorridos no período deste estudo, 2 não se submeteram a este exame por serem casos de tuberculose extra-pulmonar, e, dos pulmonares, 1 teve resultado negativo e 22, portanto a maioria, teve resultado positivo, como vimos na Tabela 1. No entanto, ressaltamos que para que pudéssemos estabelecer uma relação entre o resultado da baciloscopia com os motivos aqui descritos, teríamos que ter submetido à entrevista todos os casos de abandono, o que não foi possível por problemas de localização.
Em estudo de casos de abandono do tratamento,5 observou-se que a maior parte dos pacientes, referiu ter sentido-se mal ao saber que estavam com a doença, sendo que um dos atores sociais do estudo, expôs que não acreditava no resultado do diagnóstico, pois o que sentia não condizia, de acordo com seu entendimento, com os sintomas da TB.
Com relação às manifestações verbais de sintomatologia inespecífica como motivo de abandono neste estudo, encontramos concordância com o que foi verificado pelo outro autor acima referenciado.
Agravos Associados
A co-infecção TB/HIV constitui, atualmente um sério problema de saúde pública. A tuberculose já foi utilizada como indicador de desenvolvimento periférico, mas hoje, com a pandemia da aids, tornou-se a terceira doença oportunista mais freqüente em pacientes HIV positivos.13
Outro conteúdo abordado pelas manifestações verbais se referiu aos motivos de abandono relacionados aos agravos associados com a TB como se observou através da fala abaixo:
...é que tem a possibilidade de eu tê pego o HIV, e isso, isso é o fim né [...] daí as vez tenho vontade de largá tudo, tenho vontade de largá tudo, daí é mais por isso...
Constatamos a partir dessa manifestação, que a co-infecção o TB/HIV de alguma forma desmotiva os pacientes a continuarem o tratamento da TB.
Indivíduos infectados pelo HIV ou com aids, têm seu foco para a vida alterado, por estarem se confrontando com uma doença que não tem cura e com uma expectativa de vida limitada, resultando na sua opressão por sentimentos como a ansiedade, culpa, vergonha e medo entre outros estressores que podem levar o doente a se isolar física e emocionalmente.1
As autoras citadas abordaram a influência que uma doença incurável exerce sobre o comportamento das pessoas, comportamento esse, que na presente pesquisa foi observado pela atitude de abandonar o tratamento da TB, uma doença curável.
Os registros dos prontuários apresentados na Tabela 4, indicaram também os agravos associados como motivos do abandono do tratamento. Estes foram relacionados ao alcoolismo e drogadição. Já as verbalizações dos pacientes referentes a esse motivo foram direcionadas somente para o comprometimento pelo HIV.
A comparação entre os registros e as manifestações verbais sobre os motivos do abandono do tratamento da TB apresentados nas Tabelas 4 e 5 respectivamente, nos mostrou que em ambos estiveram presentes motivos relacionados a fatores econômico-financeiros, ao tratamento da TB e aos agravos associados. Os demais motivos abordados não coincidiram, como foi o caso das manifestações verbais relacionadas ao diagnóstico da TB e os registros relacionados à doença TB, ao estado de saúde e à influência familiar. Houve mais registros sobre os motivos de abandono do tratamento do que foi revelado pelas manifestações verbais, isto pode estar relacionado ao número de entrevistados.
CONCLUSÕES
Os achados deste estudo nos mostraram que a alta masculina por abandono foi estatisticamente significativa.
A média de idade dos pacientes que abandonaram o tratamento da TB, ao final do período de 3 anos, ficou estabelecida em 30,48 anos, tendo como desvio padrão 12,376. A mediana situou-se em 26 anos e a moda em 19. A diferença das médias nos mostrou a realidade distinta das idades dos pacientes. A média pode ser influenciada, muitas vezes, por uma minoria de pacientes com idades extremas, como ocorreu neste estudo. Os dados sobre a procedência dos pacientes em questão, nos indicou que a maior parte era oriunda dos bairros da Grande Porto Alegre e possuíam alguma atividade de trabalho. No entanto, as atividades de trabalho encontradas, possuem uma remuneração que provavelmente se restringe a atender às necessidades de alimentação e moradia.
Constatamos que a maior parte dessa população era composta por pacientes com ingresso no PCT como caso novo, com resultado suspeito no raio X de tórax e positivo para baciloscopia de escarro e HIV. A forma clínica pulmonar da TB foi predominante, sendo que os agravos associados mais freqüentes foram o tabagismo, a aids e o alcoolismo.
O período de estudo nos permitiu verificar que a maior parte dos abandonos utilizaram o tratamento com RHZ, realizando-o com maior freqüência durante um período que variou de 1 a 5 meses, com SZEEt e SHE o tempo variou de 1 a 11 meses. A média geral de tempo de uso das drogas foi de 3,69 meses, com um desvio padrão de 2,516. Encontramos uma mediana de 3,07 meses e uma moda de 1 mês. Entre estas medidas, não houve discrepâncias.
Tanto nos registros dos prontuários, quanto nas manifestações verbais sobre o motivo do abandono do tratamento da TB, encontramos justificativas associadas ao aspecto econômico-financeiro, ao tratamento da TB e aos agravos associados. Nos registros dos prontuários, além dos motivos já mencionados, encontramos também aqueles relacionados à doença TB, ao estado de saúde e influência familiar, os quais não foram observados nas manifestações verbais. Nestas, por sua vez, os motivos que diferiram daqueles observados nos registros eram relacionados ao diagnóstico de TB.
Diante desta constatação, percebemos que uma maior variação de motivos ocorreu nos registros dos prontuários, fato que é justificado se considerarmos que foi possível acessarmos a todos eles sem restrições, o que não ocorreu nas entrevistas, onde o acesso aos pacientes foi prejudicado pela dificuldade de localização dos mesmos.
Outro aspecto observado envolve os motivos de abandono do tratamento relacionados à influência familiar, ao diagnóstico, ao tratamento e à doença TB, reportando-nos à falta de entendimento por parte dos pacientes sobre a gravidade da doença e importância de seu tratamento, nesse sentido cabe ressaltar o papel esclarecedor e educativo da equipe de saúde e principalmente da enfermeira através da consulta de enfermagem.
É considerado abandono do tratamento segundo as normas do PCT, o paciente que após terem se esgotado as tentativas de busca, não retorna ao Programa. Esta busca é dificultada, muitas vezes, pelo fato de os pacientes não mais serem localizados, como ocorreu em relação a este estudo quando se fez a tentativa de buscá-los para serem ouvidos a respeito do abandono do seu tratamento. No entanto, mesmo que o Programa tenha dado o caso por encerrado como alta por bandono, o processo de comunicação entre o Serviço e o paciente não deveria findar. Independente da decisão do paciente em parar seu tratamento, é papel do Serviço Público de Saúde resgatar este paciente, pois sem tratamento ele se torna fonte de transmissão da TB.
REFERÊNCIAS
1. Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. 8ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan SA; 1999.
2. Tarantino AB. Doenças Pulmonares. 4ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogam SA; 1997.
3. Veronesi R, Focaccia R. Tratado de Infectologia. São Paulo (SP): Atheneu; 1997.
4. Secretaria Estadual de Saúde. Coordenação de Pneumologia Sanitária, Política de Controle da Tuberculose. Tuberculose: Manual de Normas e Técnicas. Porto Alegre (RS): Secretaria Municipal da Saúde, 2001.
5. Lima MB, Mello DA, Morais APP, Silva WC. Estudo de Casos sobre Abandono do Tratamento da Tuberculose: Avaliação do Atendimento, Percepção e Conhecimentos sobre a Doença na Perspectiva dos Clientes (Fortaleza, Ceará, Brasil). Cad Saúde Pública 2001;17(4):877-85.
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9. Natal S, Valente J, Gerhardt G, Penna ML. Modelo de Predição para o Abandono do Tratamento da Tuberculose Pulmonar. Bol Pneumol Sanit 1999;7(1):65-77.
10. Gonçalves H, Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à Terapêutica da Tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na Perspectiva do Paciente. Cad Saúde Pública 1999;15(4):777-87.
11. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Manual Técnico para o Controle da Tuberculose. Cadernos de Atenção Básica. 6ed. Brasília (Brasil); 2002.
12. Osório JF, Picon PD, Bassanesi SL et al. Tratamento Ambulatorial, com Supervisão Semanal, de Pacientes Egressos de Hospital Especializado em Tuberculose. Bol Saúde 1999- 2000;14(1):67-78.
13. Campos R, Pianta C. Tuberculose: Histórico, Epidemiologia e Imunologia, de 1990 a 1999 e Co-Infecção TB/HIV, de 1998 a 1999, Rio Grande do Sul-Brasil. Boletim. Bol Saúde 2001;15(1):61-70.
14. Teixeira GM. O Desafio de Segurar Sob Tratamento até a Cura o Paciente de Tuberculose. Bol Pneumol Sanitária 1995;3(2):3-8.
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18. Ministério da Saúde. Tuberculose: Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasilia (Brasil): 2002.
Recebido em 03/03/2004.
Aceito em 03/04/2004.
*Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS