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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.14 n.3 Rio de Janeiro dic. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Implantação da estratégia DOTS no controle da tuberculose em Ribeirão Preto, São Paulo (1998-2004)

 

 

Jordana de Almeida NogueiraI; Antonio Ruffino-NettoII; Tereza Cristina Scatena VillaIII; Aline Aparecida MonroeIV; Maria Elvira Santos LuccaV

IPCT de Ribeirão Preto. Universidade Federal da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Avenida Bandeirantes, 3900 – Campus Universitário – Ribeirão Preto; CEP: 14040-902 – SP – Fone: (16)3602-3407. E-mail: tite@eerp.usp.br
IIFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, REDE-TB
IIIEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto. OMS-EERP-USP. REDE-TB
IVEERP-USP
VSMS-RP; FMRP-USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Descrever os resultados de tratamento - cura, abandono e óbito - nos períodos pré e pós implantação da Estratégia DOTS no controle da tuberculose (TB) no município de Ribeirão Preto - SP.
METODOLOGIA: estudo descritivo que utilizou fontes secundárias de informações - EPI-TB, Livro de Registro de Controle de TB.
RESULTADOS: o DOTS foi implantado a partir de 1998. Neste ano, a cobertura do tratamento supervisionado (TS) foi de 20,3% alcançando, em 2004, 73,8%. Entre 1998-2004, as taxas de cura apresentaram um aumento de 1%, o percentual de abandono uma queda de 1,84% e a mortalidade um acréscimo de 0,09%, todos, ao ano.
CONCLUSÃO: a partir da implantação do DOTS, em Ribeirão Preto, ocorre uma reorganização do trabalho através de: a constituição de uma equipe responsável pelo PCT em cada Distrito de Saúde; a realização do TS no domicilio do doente e na Unidade de Saúde; a introdução de instrumentos de registro e sistema informatizado EPITB. Os desafios estão voltados para a sustentabilidade da estratégia nos aspectos do compromisso do governo com a transparência do uso de recursos financeiros para a TB, a continuidade do cargo de coordenador do PCT e a capacitação técnica e gerencial das equipes de saúde no nível periférico e distrital do Sistema de Saúde do município.

Palavras-chave: Tuberculose, descentralização, serviços de saúde, resultado de tratamento, Terapia Diretamente Observada.


SUMMARY

OBJECTIVE: Describe the treatment results (cure, abandonment and death) in the periods before and after the implantation of the DOTS strategy for tuberculosis (TB) control in Ribeirão Preto - SP.
METHODOLOGY: descriptive study that used secondary information sources (EPI-TB, TB Control Record Book).
RESULTS: DOTS has been implanted from 1998 onwards. In that year, supervised treatment (ST) covered 20.3%, expanding to 73.8% in 2004. Between 1998 and 2004, cure rates increased by 1% per year, abandonment levels fell by 1.84% per year and mortality rose by 0.09% (per year).
CONCLUSION: Since the implantation of DOTS in Ribeirão Preto, the work has been reorganized by means of: the constitution of a team responsible for the Tuberculosis Control Program (TCP) in each Health District; the realization of ST at the patient's home and at the Health Unit; the introduction of registration instruments and the computer system EPI-TB. Challenges refer to the sustainability of the strategy in terms of the government's commitment to the transparent use of financial resources for TB, the continuity of the TCP coordinator's position and the technical and management training of health teams at the peripheral and district levels of the city's health system.

Key-words: Tuberculosis, decentralization, health services, treatment outcomes, direct observed treatment.


 

 

INTRODUÇÃO

O Brasil ocupa o 16o lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose (TB) no mundo, com uma prevalência de 58 casos por 100 mil habitantes. A TB, uma doença que tem cura, ainda mata pelo menos 6 mil pessoas/ano no Brasil. O percentual de cura é de 72,2 % e a taxa de abandono está em torno de 11,7 %, alcançando em algumas capitais o valor de 30% a 40%. A cada ano, 111 mil novos casos são registrados.1 Esses dados representam um grande desafio para o Brasil em relação às metas pactuadas junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) que declara a TB uma emergência mundial e propõe a estratégia Directly Observed Treatment Short-course (DOTS), para atingir 70% de detecção de casos, 85% de sucesso de tratamento e reduzir o abandono em 5%.2,3

O DOTS, proposto em 1993, é constituído por cinco componentes: "detecção de casos por baciloscopia entre sintomáticos respiratórios que demandam os serviços gerais de saúde; tratamento padronizado de curta duração, diretamente observado e monitorado em sua evolução; fornecimento regular de drogas; sistema de registro e informação que assegure a avaliação do tratamento; compromisso do governo colocando o controle da tuberculose como prioridade entre as políticas de saúde".4

Há necessidade de estudos operacionais sobre experiências de implantação da estratégia DOTS no controle da TB, em sistemas de atenção primária à saúde que passaram por reformas sanitárias.5

Este estudo justifica-se, pois a produção científica indexada no Brasil sobre a estratégia DOTS, no período 1998 a 2005, é escassa, tendo sido encontrados apenas 17 produções nas bases de dados LILACS e Scielo.6

 

OBJETIVO

Descrever os indicadores de cura, abandono e óbito por TB no período pré e pós implantação da estratégia DOTS no município de Ribeirão Preto.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, envolvendo o levantamento de dados epidemiológicos no período pré e pós implantação da estratégia DOTS em Ribeirão Preto.

Campo de investigação

O município de Ribeirão Preto, com população estimada de 542.912 habitantes, possui uma rede ambulatorial composta por 33 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e cinco Unidades Básicas Distritais de Saúde (UBDS). Todas as equipes de UBS foram capacitadas para a identificação e detecção de casos de TB. O tratamento e monitoramento dos casos diagnosticados são realizados por equipes do Programa de Controle da TB (PCT) em Unidades de Referência (UR).

A implantação do Tratamento Supervisionado (TS) ocorreu de maneira gradual, mediante definição das áreas de abrangência das equipes do PCT e definição de competências e atividades dos profissionais envolvidos, garantindo, deste modo, o acesso ao tratamento de TB nas cinco UR dos cinco DS do município.

Em relação à organização operacional, foram estabelecidos alguns critérios de inclusão de pacientes no TS, respeitando a realidade do serviço, a diversidade do território e as diferenças econômicas e sociais da população atendida por cada UR. Além disso, investiu-se em atividades educativas para a comunidade, em supervisão periódica junto às equipes do PCT e incentivou-se a realização de visitas domiciliares aos casos novos e contactantes. Organizou- se ainda, um conjunto de atividades de apoio – viatura -, fornecimento de benefícios e incentivos - cesta básica, vale transporte, leite, estabelecimento de parceria com outros setores - Secretaria do Bem Estar Social e Secretaria da Justiça. Para melhorar o sistema de registro e informações foi implantado o sistema EPI-TB no Departamento de Vigilância Epidemiológica (DVE), centralizado na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em 1998, o qual, a partir de 2004, foi descentralizado para os cinco núcleos de Vigilância Epidemiológica (VE) dos DS.

Os critérios de inclusão dos pacientes no TS são os que, potencialmente ofereciam risco de abandono do tratamento, tais como: alcoolistas, usuários de droga, HIV positivos, retratamento pós-abandono, recidivas. Ao longo dos últimos cinco anos a oferta do TS vem se estendendo aos demais pacientes, priorizando os casos pulmonares bacilíferos desde o inicio do tratamento.

Ressalta-se que os recursos disponibilizados e atividades desencadeadas foram fundamentais para a melhoria na organização da assistência aos pacientes com TB.

Coleta de dados

Os dados foram coletados de fontes secundárias de informação como o banco de dados do sistema EPI-TB, incluindo os resultados de cura, abandono e óbitos de todos os pacientes inscritos no PCT - todas as formas clínicas e os casos de co-infecção TB/HIV referentes ao período de 1998 a 2004. Ressalta-se que este sistema permite analisar os óbitos, diferenciando aqueles cuja causa básica foi a TB daqueles que morreram por outras causas (HIV). Entretanto, os dados de cura, abandono e óbitos referentes ao período de 1993 a 1997, que antecedem à implantação do DOTS, foram coletados por meio de documentos existentes na SMS, uma vez que não foram informatizados, o que não permitiu diferenciar a causa do óbito. Os dados foram analisados através de estatística descritiva.

 

RESULTADOS

No período de 1993-1997 que antecede à implantação do DOTS, observa-se que, em relação à taxa de cura, ocorreu um declínio de 2,2% ao ano (Figura 1); no período de 1998/2004, após a implantação do DOTS, houve um aumento de 1% ao ano na taxa de cura (Figura 2).

 

 

 

 

 

O percentual de abandono durante o período de 1993-2003 apresentou uma tendência geral de queda de 1,84% ao ano. A tendência de diminuição do percentual de abandono, a partir de 1993, parece traduzir uma consolidação do PCT local, culminando com a implantação do DOTS em 1998. Já a mortalidade, no período de 1998- 2003, apresentou um aumento anual de 0,09% (Figura 3).

 

 

 

A cobertura dos pacientes sob TS no domicílio passou de 20,3% em 1998 para 73,9%, em 2004. A partir de 1998, após a implantação do DOTS, destacam- se alguns aspectos que marcaram a fase da implantação e sua sustentabilidade no sistema de saúde local.

No período de 1998-2001, o DOTS foi assumido como prioridade política, ocorrendo a valorização do cargo de coordenador do PCT e o apoio à implantação das atividades daquela estratégia. Entre 1999 e 2000, a coordenação do Programa Estadual de DST/aids, contratou, com recurso próprio, um auxiliar de enfermagem para realizar o TS em pacientes com co-infecção TB/HIV, cancelando- o em 2001, a partir de quando registrou-se um alto percentual de óbitos de pacientes com TB associada ao HIV, no município, contribuindo para a redução das taxas de cura da doença.

Desde 2001, a coordenação municipal do PCT passou a acumular funções de gerenciamento de outros Programas - Hanseníase, Idoso, Hipertensão, Diabetes. O bônus repassado, entre 1999 e 2004, pelo Ministério da Saúde (MS), foi substituído, em 2004, por outra sistemática de fi nanciamento, sem a rubrica especifica destinada às ações de controle da TB.

Em 2001, observa-se um leve aumento do percentual de abandono do tratamento da TB, fato explicado por hipóteses de natureza gerencial como o compromisso político do novo gestor municipal com a TB e a diminuição gradual do quadro de profissionais da VE da SMS de Ribeirão Preto, que privilegiou a alocação dos recursos humanos nos programas de Atenção Básica, de que é exemplo o Programa de Saúde da Família (PSF). Durante esse período também ocorreu epidemia de dengue no município.

 

DISCUSSÃO

A implantação do DOTS no município de Ribeirão Preto promoveu uma reorganização da assistência oferecida, revelando-se capaz de transformar a prática de atenção ao paciente com TB, por meio de reestruturação do trabalho da equipe e ampliação dos espaços e formas de intervenção, no âmbito individual e coletivo.

No período 1998-2001, houve grande comprometimento político e financeiro dos diferentes níveis do governo no processo de implantação da estratégia DOTS, mediante um convênio estabelecido entre o município e o MS.

Um dos desafios da estratégia DOTS é a sua sustentabilidade, manifestada pelo compromisso político da SMS e expressa pela descontinuidade na condução das ações do PCT e desmonte das equipes da VE e do PCT e, até mesmo, sua coordenação.

A tendência ao aumento nos percentuais de cura e diminuição do percentual de abandono, a partir de 1998, revela-se como capaz de alterar os indicadores; entretanto, não pareceu incidir significativamente nos percentuais de óbito por TB.

No município estudado, a taxa de óbito foi de 33% para os pacientes com co-infecção TB/HIV, nesse período.7 Deste modo, considera-se oportuno que sejam traçadas estratégias especiais de acompanhamento dessa clientela, tendo como objetivo a detecção precoce da comorbidade.

 

CONCLUSÃO

A implantação do DOTS, em Ribeirão Preto, do ponto de vista operacional apresentou avanços: na organização do trabalho em saúde com a participação de diferentes categorias profissionais - a equipe do PCT em UR; no processo de tratamento e monitoramento do doente de TB/família; com a introdução da visita domiciliar como um instrumento de trabalho na rotina; por meio da implantação de instrumentos de registro e sistema informatizado EPI – TB e do treinamento de profissionais de saúde das UBS para as ações de busca de sintomáticos respiratórios e pedidos de baciloscopias.

Os desafios para a sustentabilidade da estratégia são, principalmente, de ordem política, como o compromisso das instâncias de governo local com a TB na agenda das políticas públicas, a manutenção de um coordenador para o PCT, a transparência da aplicação dos recursos destinados à TB no Plano das Ações Básicas de Saúde do município.

 

REFERÊNCIAS

1. Muniz JN, Ruffino-Netto A, Villa TCS, Arcêncio RA, Yamamura M. Aspectos Epidemiológicos da Co-Infecção Tuberculose - HIV em Ribeirão Preto - SP (1998-2003). J Bras Pneumol, 2006. no prelo.

2. World Health Organization. Global tuberculosis control: surveillance, planning, financing. Geneva: WHO; 2006.250p.

3. Ruffino-Netto A, Villa TCS (org). Tuberculose: implantação do DOTS em Algumas Regiões do Brasil, histórico e Peculiaridades Regionais. Ribeirão Preto: FMRP/ REDE TB–USP; 2006. 204p.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Coordenação Geral de Doenças Endêmicas. Área Técnica de Pneumologia Sanitária. Programa nacional de controle da tuberculose. Brasília. 2004.

5. World Health Organization. Framework for effective tuberculosis control. WHO/TB/94.179. Geneva: WHO; 1994. 13p.

6. Nunn P, Harries A, Godfrey-Faussett P, Gupta R, Maher D, Raviglione M. The research agenda for improving health policy, systems performance, and service delivery for tuberculosis control: a WHO perspective. Bull World Health Organ 2002; 80(6):471-476.

7. Villa TCS, Brunello MEF. A Estratégia DOTS: uma revisão sobre o tema (1998 a 2005). Relatório PIBIC/USP/CNPq, 2006.

 

 

Endereço para correspondência:
Universidade Federal da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Avenida Bandeirantes, 3900 – Campus Universitário
Ribeirão Preto;
CEP: 14040-902 – SP
Fone: (16)3602-3407.
E-mail:tite@eerp.usp.br

Artigo recebido em 25/09/2006
Aceito em 02/10/2006

 

 

Fontes de Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo - FAPESP (2004-2007) processo: 03/08386-3; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (2003-2006) processo: 476236/03; Padct III milênio/Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose - REDE-TB processo: 62.0055/01-4.