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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.14 n.3 Rio de Janeiro dic. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Abandono do tratamento da tuberculose em pacientes co-infectados com HIV, em Itajaí, Santa Catarina, 1999 - 2004

 

 

Mari Dalva CorteziI; Marcos Vinicius da SilvaII

ISaúde Coletiva Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Endereço: Av. das Arapongas 455, cond. Res. Ariribá, Balneário Camboriú-SC, Cep 88330000, tel. 99771017. vossgrau@ig.com.br
IIMarcos Vinicius da Silva, Faculdade de Medicina da PUC-SP e Divisão Cientifica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, msilva@emilioribas.sp.gov.br

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar as causas de abandono de tratamento da tuberculose em pacientes com a co-infecção tuberculose/ HIV, no Serviço de Referência de aids de Itajaí-SC, no período de junho de 1999 a novembro de 2004.
MÉTODO: foi realizado um estudo transversal junto aos pacientes em situação de abandono de tratamento. Os dados foram obtidos dos prontuários médicos no arquivo do Hospital-Dia, seguido de aplicação de questionário por meio de visita domiciliar. Avaliaram-se as características demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas, bem como, problemas de acesso ao serviço de saúde pública, uso de álcool e de drogas e dificuldades impeditivas na terapêutica medicamentosa.
RESULTADO: dos 905 pacientes residentes em Itajaí 61 (6,7%) encontravam-se em situação de abandono de tratamento da tuberculose, sendo que, 41 (4,5%) apresentavam a forma pulmonar e 20 (2,2%) a extra-pulmonar. Excluídos, por diversos motivos, 22 pacientes, restaram, para análise 19. A distribuição destes, em relação ao sexo, foi de 14 (73,7%) homens e 5 (26,3%) mulheres; a média das idades alcançou 36,8 anos; quanto à etnia, 13 (68,4%) eram brancos, 4 (21,1%) negros e 2 (10,51%) outras; 15 (78,9%) tinham entre 1 a 2 abandonos; em 7 (36,8%) o abandono ocorreu no 4° mês de tratamento; 14 (74%) apresentaram diagnóstico de HIV antes da tuberculose.
CONCLUSÃO: as causas de abandono de tratamento da tuberculose são múltiplas e relacionadas à baixa escolaridade, à desfavorável condição socioeconômica, à exclusão social e aos efeitos colaterais da medicação.

Palavras-chave: tuberculose, aids, co-infecção TB/aids, abandono.


SUMMARY

AIM: To identify the reasons why patients with TB and HIV default from treatment at the AIDS Reference Center in Itajaí, Santa Catarina, during the period June 1999 - November 2004.
METHOD: Study of patients who had defaulted from treatment. Data obtained from the Day- Hospital medical files and from questionnaires applied during home visits. Demographic, socio-economic and epidemiological features, as well as problems regarding access to public services, the use of alcohol and drugs and other difficulties in following the therapeutic regimen were evaluated.
RESULTS: 61 (6.7 %) patients (41 (4.5%) pulmonary cases and 20 (22%) extra pulmonary) from the 905 who live in Itajaí had abandoned the TB treatment. For several reasons, 22 of those patients were excl0uded, and only 19 patients -14 (73,7%) men and 5 (26,3%) women- were analysed. Mean age: 36,8 years. 13 (68,4%) were white, 4 (21.1%) black and 2 ( 10.51%) other. 15 (78.9%) out of the 19 patients had quit the treatment once or twice, .and in 7 (36,8%) cases, the abandonment occurred on the 4th month of treatment, 14 (74%) out of the 19 patients were shown to have HIV before tuberculosis was diagnosed.
CONCLUSION: there were multiple causes for the abandonment and most of them related to low educational level, unfavorable social conditions, social exclusion, and the side effects of the medication.

Key-words: tuberculosis, AIDS, co-infection, TB/AIDS, abandonment.


 

 

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é um problema mundial de saúde coletiva nos países desenvolvidos e, principalmente, naqueles em desenvolvimento. No Brasil, o Programa Nacional de Controle da TB implantou o esquema terapêutico de curta duração, auto-administrado, na década de 70 e deu subsídios técnicos e operacionais às unidades de saúde para centralizar o tratamento dessa doença. Desde aquela época os medicamentos são fornecidos gratuitamente a todos os pacientes.35

Segundo a Organização Mundial da Saúde11,41 o Brasil ocupa a 15ª posição entre os países com maior carga de TB, com mais de 90.000 casos novos por ano. A Região Sul foi responsável por 36,45% dos casos de TB no Brasil , em 2000. Neste mesmo ano, no estado de Santa Catarina, o coeficiente de incidência da TB foi de 30,4 por 100.000 habitantes e, no município de Itajaí-SC, de 51 por 100.000 habitantes.36,39

Nos pacientes co-infectados com TB e aids, o risco anual de desenvolvimento da TB é maior do que nos pacientes sem aids.23,32

Na co-infecção TB/aids face ao grave comprometimento da imunidade celular pelo HIV e tendo em vista a necessidade de tratamento para esta retrovirose com grande quantidade de medicamentos, o risco de abandono do tratamento da TB, pode ser maior.17

O presente estudo tem por objetivo conhecer as causas de abandono do tratamento da tuberculose nos pacientes co-infectados, atendidos no serviço de referência de aids, no município de Itajaí, no período de junho de 1999 a novembro de 2004.

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

O município de Itajaí está localizado no litoral Norte de Santa Catarina, com população de 147.463 habitantes, segundo o IBGE 2003.13 A atividade econômica do município advém, em 7,72%, do setor primário, 31,76% do secundário e 63,35% do comércio e da prestação de serviços.

A cidade caracteriza-se como pólo regional exportador. Os maiores países consumidores dos produtos exportados pelo Porto de Itajaí localizam-se na Europa, América do Norte, Oriente Médio e Extremo Oriente.30

A cidade contempla ainda, belas praias, entre outros pontos turísticos, visitados por pessoas de diversas partes do mundo.

A rede pública de saúde de Itajaí é constituída por 06 centros de referência, 10 policlínicas, 11 unidades de saúde, um Hospital-Dia, um Pronto Atendimento 24hs, um laboratório Macro-Regional de análises clínicas e dois ambulatórios. Possui 17 equipes de Saúde da Família distribuídas nos bairros, um hospital geral de referência e um hospital pediátrico. O Hospital- Dia é o local de referência da região para o atendimento dos pacientes com HIV/ aids, dos profissionais de saúde acidentados com material biológico e também das vítimas de violência sexual.

As informações sobre os pacientes co-infectados em situação de abandono de tratamento da TB, no período proposto neste estudo, foram obtidas dos prontuários médicos no arquivo do Hospital- Dia de Itajaí.

O abandono foi caracterizado pelo não comparecimento do paciente à unidade de saúde por mais de 30 dias consecutivos, após a data aprazada para o retorno.22

Os pacientes em abandono que participaram do estudo foram entrevistados nas respectivas residências e convidados a responderem a um questionário com perguntas que possibilitassem conhecer as condições socioeconômicas, escolaridade, problemas de acesso ao serviço de saúde pública especializado e dificuldades impeditivas para a continuidade da terapêutica medicamentosa.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) protocolo número 04.126-5.06. O estudo foi iniciado após a explicação do termo de consentimento livre e esclarecido e a anuência do paciente.

Para a elaboração do banco de dados e análise estatística foram utilizados os programas Epi Info 6.0 e Epi Data, e o teste do qui-quadrado de homogeneidade ou teste de Fischer, para o cruzamento das variáveis pouco frequêntes.5

 

RESULTADOS

No período deste estudo foram cadastrados, no serviço, 1936 pacientes. Destes, 905 residiam em Itajaí, dos quais, 61 (6,7%) estavam em situação de abandono de tratamento da TB; 41 (4,5%) com forma pulmonar e 20 (2,2%) extra-pulmonar. Dos 41 pacientes, com forma a pulmonar da doença, em situação de abandono, 22 foram excluídos pelos seguintes motivos: três por mudarem-se para outros municípios, um por alta por cura, dois não localizados, 10 por óbito, quatro por mudança de domicílio, um por estar preso e um por codificação errada, uma vez que se tratava de TB extra-pulmonar.

Dos 19 pacientes estudados 14 (73,7%) eram homens e cinco (26,3%) mulheres. A média das idades dos pacientes foi de 36,8 anos, ± 9,5 anos, variando de 19 anos a 54 anos. Entre os homens a média das idades foi de 37,6 anos e entre as mulheres de 34,4 anos. Em relação à etnia, 13 (68,4%) eram da branca, quatro (21,1%) da negra e dois (10,51%) de outras.

Todos os pacientes eram brasileiros, um (5,2%) natural de São Paulo, um (5,2%) do Rio Grande do Sul e 17 (89,6%) de Santa Catarina. Destes, 14 (73,6%) eram procedentes de Itajaí, quatro (21%) eram de outros municípios sendo um (5,2%) de Blumenau, um (5,2%) de Curitibanos, um (5,2%) de Atalanta e um (5,2%) de Major Gercino.

Destes pacientes, 18 (94,7%) residiam em área urbana e um (5,2%) em área rural. Em relação ao tempo de residência, 14 (73,7%) deles residiam há mais de oito anos na mesma localidade, dois (10,5%) entre três e cinco anos e três (15,8%) há um ano.

Quanto ao estado civil, seis (31,6%) pacientes eram solteiros, cinco (26,3%) separados, cinco (26,3%) viviam em união não consensual, dois (10,5%) viúvos e um 5,2% casado. Quatorze (73,7%) tinham filhos,em número que variava de um a seis filhos.

O número de moradores no mesmo domicílio do paciente foi de: 4 a 6 pessoas em sete (36,8%) casos, de sete ou mais moradores em seis (31,6%), duas e três pessoas em quatro (21,1%) e uma única pessoa em dois (10,5%) casos. Destes pacientes, sete (36,8%) relataram que entre cinco e seis pessoas dormiam no mesmo cômodo que o paciente, cinco (26,3%) referiram entre sete ou mais, quatro (21,1%) entre três e quatro (15,8%) entre uma e duas.

Em relação à escolaridade, 12 (63,2%) pacientes tinham o primeiro grau incompleto, um (5,3%) completo, quatro (21,1%) o ensino médio incompleto e dois (10,5%) eram analfabetos. As profissões exercidas neste grupo foram as de pedreiro com três (15,7%) pacientes e de doméstica com duas (10,5%) pacientes. Sete (36,8%) pacientes encontravam-se desempregados, cinco (21,3%) em emprego formal, quatro (21,5%) informal e três (12,7%) aposentados. Destes, oito (42,1%) pacientes tinham renda familiar, quatro (21%) emprego remunerado, quatro (21%) aposentadoria e três (15,7%) auxílio doença.

O critério de classificação socioeconômica Brasil 2000,3 mostrou que sete (36,8%) pacientes pertenciam à classe social E, com renda média familiar (rmf) de R$ 207,00, equivalente a US$ 79,61, seis (31,6%) à C com rmf de R$ 907,00, equivalente a US$ 348,84, cinco (26,3%) à D com rmf de R$ 424,00, equivalente a US$ 163,00 e um (5,3%) à B com rmf de R$ 1.669,00, equivalente a US$ 641,92.

Os antecedentes de abandono anterior de tratamento da TB, prévio ao atual, são apresentados na Figura 1.

 

 

O momento do tratamento em que ocorreu o abandono é apresentado na Figura 2.

 

 

Em cinco (26%) pacientes o diagnóstico de aids foi estabelecido após o de TB e em 17 (74%) antes.

Os esquemas terapêuticos empregados no tratamento da TB nestes pacientes foram: o esquema I em oito (42%) e o IR em 11(57,8%). Destes, 10 (52,6%) também usavam anti-retrovirais, sete (36,8%) medicamentos para profilaxia primária ou secundária de doenças oportunistas e 10 (52,6%) faziam uso de outros medicamentos.

Treze (68,4%) tinham antecedentes de prisão, sendo 10 (71,4%) do sexo masculino e três do feminino (60%) (RR=1,10 e p=0,52).

Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, sete (36,8%) consumiram-na por mais de 20 vezes no último mês, três do sexo feminino e quatro do masculino (RR=0,48 e p=0.48). Em relação ao uso de tabaco, 13 (68,4%) pacientes usaram esta substância no último mês, quatro do sexo feminino e nove do masculino (RR=0,80 e p= 0,47).

O uso de droga inalatória foi relatado por três (15,8%) dos pacientes, sendo um (7,1%) do sexo masculino e dois (40%) do feminino (RR=0,19 e p= 0,15). Não houve relato do uso de drogas injetáveis.

Em relação ao conhecimento prévio sobre a transmissão da TB, 16 (84,2%) pacientes tinham conhecimento, 14 (73,7%) relataram que a transmissão se dava pela tosse de indivíduos doentes, 11 (57,9%) pela utilização de utensílios domésticos contaminados e um (5,3%) não soube responder. Outras formas de transmissão relatadas pelos pacientes foram: pelo sangue, suor, uso de toalhas e de lençóis. Em relação ao conhecimento prévio sobre o tratamento da TB, 10 (53%) pacientes relataram seis meses, cinco (26%) não souberam responder e quatro (21%) relataram de dois a quatro meses. O tempo de tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde foi corretamente informado pelos pacientes do sexo feminino e por 35,7% do masculino.

As causas de abandono do tratamento da tuberculose nos pacientes co-infectados foram atribuídas ao indivíduo, ao serviço de saúde e aos medicamentos. Estes resultados são apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3.

 

 

 

 

 

 

As respostas dos pacientes em relação ao conhecimento das conseqüências do abandono de tratamento da TB, foram as seguintes: 16 (84,2%) responderam que a doença leva à morte, três (15,8%) que os bacilos da TB não morrem e três (15,8%) que a doença não tem conseqüências. Quanto à atitude frente ao retratamento, 14 (73,7%) pacientes afirmaram que queriam tratar a doença para se curarem, dois (10,5%) queriam tratar a doença para obter os benefícios propiciados pelo INSS nesses casos e um (5,3%) achava que iria abandonar o tratamento novamente.

 

DISCUSSÃO

A taxa de abandono de tratamento de TB neste estudo foi de 6,7% maior do que a referida pela Organização Mundial da Saúde, como aceitável, que é de 5%. Alguns estudos realizados em Montreal,8 São Paulo, 27 Paraná,20 Malásia,25 Madri,31 Goiânia,33 Barcelona,38 revelaram taxas de 10,2% a 59,2%.

No Brasil o abandono de tratamento por parte do doente é caracterizado pelo não comparecimento à unidade de saúde por 30 dias consecutivos. Antes de ser caracterizado como abandono é necessário que se faça a busca do paciente, seja por telefone ou por visita domiciliar. Neste estudo não foi verificado se os profissionais de saúde seguiram o protocolo do Ministério da Saúde.

Em relação ao sexo, em Itajaí-SC, o abandono de tratamento ocorreu em 50,7% nas mulheres e 49,1% nos homens16. Sendo a casuística masculina maior quando considerada a distribuição da população em geral. Diferentes estudos sobre tuberculose.8,18,27,40 Melo et al 20 encontraram resultados diferentes com idade predominante de 60 anos ou mais. Idades inferiores ao do nosso estudo foram observadas em Barcelona (15 a 29 anos) e em Cuba (15 a 34 anos).37

No nosso estudo a etnia branca correspondeu a 68,4%, sendo a mesma da distribuição da população em geral na região Sul, onde predominam as etnias branca e parda.2,13 Outros estudos com pacientes co-infectados, que avaliaram esta variável, mostraram que foi mais freqüente o abandono no grupo étnico caucasiano, com altas taxas como 67%4 e 94%25, 80% na branca7 e 60,1% na parda.33 A composição étnica de uma população pode ser distinta devido à miscigenação, portanto deve-se considerar as características próprias de cada região.

No presente estudo, a maioria dos pacientes em situação de abandono de tratamento eram da região urbana, diferente de outros estudos realizados no México1 e na Malásia. 25 As localidades onde estes pacientes residiam estavam dentro das áreas de abrangência do Serviço de Assistência da Secretaria de Saúde de Itajaí, com atuação do Programa de Saúde da Família. Os resultados encontrados podem ser decorrentes da dificuldade encontrada por esse Programa, nas ações de controle da TB. Para melhorar essa participação, propomos que seja estabelecida parceria com os membros da comunidade, pois estes podem ser futuramente cuidadores dos pacientes, assim como ocorre em outros países.19 Desta forma, a participação comunitária poderá representar grande avanço no cuidado de pacientes com TB.

Com relação ao estado civil dos pacientes, não diferiram dos encontrados em outros estudos, onde, os solteiros abandonaram mais o tratamento.8,18,33 Homens jovens, solteiros ou separados têm menos preocupação com o tratamento e aderem menos às recomendações médicas.12 Esta observação diverge da de outros autores, que verificaram que o abandono do tratamento ocorre com maior freqüência nos pacientes casados. 25,29

Pacientes que possuem algum companheiro como parte integrante da sua família, pode auxiliar significativamente com a melhora na adesão, devido o maior estímulo e apoio para seguir o tratamento da TB e da aids.

Neste estudo foi observado que em 36,8% dos pacientes em abandono de tratamento, estes dormiam no mesmo cômodo com outras quatro a seis pessoas. Esta situação é muito perigosa e pode levar ao aumento na disseminação da TB entre os membros da mesma família e, a partir destes, para a comunidade. Assim, os pacientes em abandono de tratamento, tendem a perpetuarem a cadeia de transmissão da doença. Nestas populações, socialmente desassistidas, o risco de infecção por TB é maior do que na população em geral.

A escolaridade dos pacientes entrevistados foi baixa, 63,2% deles tinham apenas o primeiro grau incompleto. A baixa escolaridade dificulta a auto-promoção de saúde do paciente e para tentar superar este obstáculo há necessidade de adequação da linguagem dos profissionais da saúde para melhor o entendimento dos pacientes sobre a gravidade da doença.

Nos grupos populacionais menos favorecidos, a co-infecção além de comprometer a capacidade produtiva do indivíduo, impossibilita-o de garantir o sustento, por exclusão do mercado de trabalho, dependendo de auxílio do governo, de Organizações Não Governamentais ou de terceiros para sobreviver. Estes fatores sociais não podem ser tratados isoladamente, tais aspectos interligam-se e resultam na baixa qualidade de vida do indivíduo, comprometendo a cura da TB e o controle da aids.

Os antecedentes de abandonos nos tratamentos instituídos, como os encontrados neste estudo, onde 78,9% dos pacientes tinham entre um e dois abandonos prévios, pode levar ao aparecimento de cepas de bacilos resistentes. Isto põe em risco a comunidade e os profissionais de saúde, contribuindo para agravar ainda mais a situação epidemiológica da Tb.27

Em 78,8% dos pacientes deste estudo, a interrupção do tratamento ocorreu entre o segundo e o quarto mês, quando o paciente apresenta boa melhora clínica. Caso o paciente não receba orientação adequada da equipe de saúde sobre o tempo de tratamento da TB, regularidade do uso das drogas e conseqüências adversas da interrupção do mesmo, a adesão poderá ser comprometida. Nas situações de abandono de tratamento, os pacientes deixam de tomar todos os medicamentos, inclusive os indicados para aids, o que compromete a eficácia dos ARV,15 acarretando piora clínica e morte, além de aumentar a resistência viral aos mesmos.

Neste estudo, em 74% dos pacientes, o diagnóstico de HIV/aids foi estabelecido antes do de TB. Em outros estudos os diagnósticos foram concomitantes31 ou o da TB sucedeu ao de aids6,10

Os esquemas terapêuticos empregados no tratamento da TB nestes pacientes foram: o esquema I 42%, e em retratamento 57,8%. Os pacientes que usaram ARV correspondeu a 52,6%, uso de profilaxia 36,8% e em uso de outras medicações 52,6%.

Em estudo realizado em São Paulo, foi verificado que pacientes reingressados ao tratamento da TB após abandono, estes eram provenientes do sistema penitenciário, co-infectados.27 No presente estudo, 68,4% dos pacientes eram egressos desse sistema. Nas prisões superlotadas, onde indivíduos co-infectados tornam a problemática alarmante tanto para os detentos como para os funcionários. Nos presídios, a alta rotatividade dos profissionais de saúde e a descontinuidade das ações de Saúde Coletiva comprometem o controle da doença. Neste sentido, é necessário vencer as dificuldades organizacionais e políticas para que seja exeqüível a aplicação de estratégias que garantam o controle mais efetivo dessas doenças. Alguns estudos mostraram que o uso de drogas e álcool, além da co-infecção pelo HIV, antecedentes epidemiológicos pelo HIV, foram fatores preditores de abandono de tratamento.2,8,12,24,25,29,34,40

O desconhecimento sobre transmissão e o tempo de tratamento são fatores que podem determinar o abandono do tratamento da TB. As respostas errôneas dos pacientes sobre o conhecimento da TB, podem contribuir para o abandono de tratamento. Em alguns estudos, assim como neste, ficou demonstrado o desconhecimento dos pacientes sobre a transmissão da TB. Verificou-se que alguns não sabiam identificar como a TB lhes atingia26 e outros, atribuíram a transmissibilidade da doença aos utensílios domésticos compartilhados, aos alimentos,40 às relações sexuais,1 ao cigarro, à inalação de produtos químicos e à transmissão genética.18 Isto sugere a falta de vínculo entre o paciente e a equipe de saúde.9 As questões inerentes ao tratamento poderão ser abordadas em dinâmica de grupos de doentes. Esta estratégia tem a finalidade de fortalecer o vínculo entre o paciente e a equipe de saúde, além de ajudar o paciente a concluir o tratamento a partir do conhecimento das conseqüências advindas do abandono.

Dentre as causas de abandono de tratamento atribuídas ao serviço de saúde, ao indivíduo e à medicação, destacam-se a melhora clínica (73,7%), a demora na sala de espera (47,4%) e os efeitos colaterais dos medicamentos (73,7%). O abandono está relacionado ao momento e às situações enfrentadas pelo paciente, sendo estes determinantes do abandono.

As causas ligadas ao paciente citadas na literatura são: dificuldade financeira e desemprego, não ter dinheiro para o transporte,8,40 brigar com a equipe de saúde,40 uso de álcool e drogas12, melhora clínica,8,40 ter sido hospitalizado,8,33 trabalho integral, interrupção da rotina,12 existência de doenças associadas,9,28 tempo de tratamento, não ter informado a família sobre a doença,28 óbito na família, desemprego, falta de ajuda de custo e por ter privilegiado o tratamento de HIV, distância entre a residência e o serviço de saúde.25

Entre as causas de abandono de tratamento atribuídas ao serviço de saúde, alguns estudos relataram o fato de não ter medicamentos na farmácia, tempo de tratamento era de oito meses,40 demora a serem atendidos,26 não haver busca de faltosos, falta de seguimento bacteriológico, falta de orientação do doente em relação à coleta de escarro, à doença e ao tratamento,26 falhas de agendamento nos retornos,27 falta de busca ativa e visitas domiciliares,14 filas, mau atendimento pela equipe, burocracia e não cumprimento de horário por parte dos funcionários16 e falta de capacitação. 38

Portanto, a principal medida de combate ao abandono de tratamento é a descentralização do tratamento e do diagnóstico; sem estas, a busca de faltosos, medicação assistida, entre outras, tornam-se ineficazes. Outro aspecto importante detectado foi a relação entre o serviço/equipe de saúde e o paciente. Esta condição comprometida desvincula o paciente da equipe, torna o atendimento desumanizado e conduz o doente a não concluir o tratamento.

Os efeitos colaterais da medicação foi outra causa citada com maior freqüência, além do uso de álcool e de drogas. O uso concomitante destas substâncias com a medicação prejudica a eficácia dos antituberculostáticos e ARV. Neste caso, alguns pacientes preferem fazer uso do álcool e abandonar o tratamento.

Vários autores citaram o uso concomitante destas drogas,8,18,27 além de que os comprimidos eram difícies de serem engolidos,18 escassez de recursos para aquisição dos medicamentos,1 reações locais após aplicação de medicamento injetável, privilegiar o tratamento do HIV, falta de apetite e cheiro forte dos remédios.21

Em relação á atitude frente ao tratamento, a maioria dos pacientes (73,7%), afirmou que queria se tratar e curar-se da doença. Embora os pacientes queiram levar adiante e concluir o tratamento, por outro lado, os doentes são estimulados a abandonarem o mesmo devido às dificuldades encontradas no serviço, aos medicamentos, ao contexto social e ao próprio indivíduo. É importante que as atitudes da equipe de saúde não sejam estáticas diante do abandono, devem ser dinâmicas, a fim de garantir estratégias eficazes para evitar-lo e que, quando este for observado, o resgate do paciente seja rápido e eficiente.

Para que isto ocorra é importante que todos os profissionais de saúde estejam capacitados para atuarem e sensibilizarem-se com o sofrimento humano que acomete os indivíduos com aids em abandono de tratamento da TB e atuem de forma que possam minimizá-lo.

 

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Artigo recebido em 01/12/2006.
Aceito em 05/12/2006