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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.6 n.2 Brasília jun. 1997

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731997000200006 

Internações Hospitalares no Rio Grande do Sul*

 

 

Stela Nazareth MeneghellI; Teresa Borget ArmaniI; Roger dos Santos RosaI; Lenine de CarvalhoI; Alunos do XX CESPII

IProfessores e pesquisadores, orientadores do trabalho
IIAuxiliares de Pesquisa

Endereço para correspondência

 

 

Este é um estudo descritivo, realizado como trabalho de conclusão do XX Curso de Especialização em Saúde Pública/Escola de Saúde Pública/Secretaria da Saúde e do Meio-Ambiente (XX CESP/ESP/SSMA), Departamento de Medicina Social/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (DMS/UFRGS) e Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Analisaram-se as 817.244 internações hospitalares ocorridas no Rio Grande do Sul em 1995 através do SUS (8,6 hospitalizações/100 habitantes). Os grupos que mais demandaram os serviços foram as mulheres, os menores de um ano e os idosos. As principais causas de internação foram: doenças respiratórias, parto e doenças do aparelho circulatório.

 

 

1. Introdução

Neste artigo apresenta-se o resumo do trabalho de conclusão do XX Curso de Especialização em Saúde Pública (CESP/96), realizado na Escola de Saúde Pública/Secretaria da Saúde e do Meio-Ambiente do Rio Grande do Sul (ESP/SSMA/RS), em convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Faculdade de Medicina/Departamento de Medicina Social (UFRGS/FAMED/DMS) e com a FIOCRUZ/Escola Nacional de Saúde Pública. Descreve-se o perfil da morbidade hospitalar no Estado do Rio Grande do Sul em 1995.

Nos últimos anos, tem-se identificado carência de estudos e pesquisas sobre as doenças que mais atingem a população no Rio Grande do Sul, quer seja no nível ambulatorial como no nível hospitalar, ao passo que os dados de mortalidade têm sido exaustivamente analisados. Com base nessa constatação, o CESP/1996 buscou contemplar a necessidade de formar sanitaristas para atuar e revigorar as ações de saúde no nível das Delegacias Regionais das Saúde(DRS), enfatizando o instrumental epidemiológico e a análise de dados de morbidade.

O Curso foi reformulado para adequar-se a esses objetivos. Trabalhou-se no formato de oficinas, com dados dos serviços, sem perder, porém, o espaço teórico-conceitual de produção de conhecimentos, compatibilizando a relação acadêmica com os serviços numa constante aproximação entre o "saber" e o "saber fazer". O objetivo principal deste trabalho foi servir como campo de prática para os alunos do Curso e, ao mesmo tempo, atender à necessidade de usar as informações do extenso banco de dados das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH/SUS), cuja finalidade tem sido quase que exclusivamente voltada ao pagamento das contas hospitalares.

Salienta-se, ainda, um aspecto fundamental: a metodologia desenvolvida nessa investigação. No Brasil, a forma predominante de organização do trabalho nos cursos de pós-graduação tem sido a individual; por outro lado, acredita-se que o ensino superior não deve apenas preparar indivíduos, mas grupos de pesquisa1. Muito se tem discutido acerca da produção coletiva de conhecimento. Não só ela é mais econômica, reduzindo custos e potencializando esforços mas, principalmente nesse tipo de trabalho, experimenta-se uma nova prática, aprendendo-se a conviver com as competições, os atritos interpessoais, a hierarquia de competências, os desentendimentos e os diferentes pontos de vista.

No caso deste trabalho, esse processo caracterizou-se sobretudo pela flexibilidade. O planejamento inicial serviu apenas como premissa de direcionamento, adotando-se uma metodologia de construção/reconstrução durante todos os momentos.

Acredita-se que os movimentos de vai e vem, acertos e erros, típicos dessa metodologia, fazem parte do processo de conhecimento da realidade. Sem dispor de uma carta pré-fabricada de soluções. O mapeamento do caminho e o próprio mapa ocorrem simultaneamente. Espera-se que essa metodologia de trabalho permaneça incorporada no "que e como fazer" desses sanitaristas. Espera-se também continuá-la e aperfeiçoá-la em outras pesquisais de grande grupo, em outros mutirões de saúde coletiva.

"A vida inventa! Agente principia as coisas no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação -porque ávida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada".

Guimarães Rosa

2. Morbidade nas populações

2.1. Estudos de morbidade

O processo saúde/doença, do ponto de vista epidemiológico, é a síntese do conjunto de determinações que acontecem em uma sociedade, produzindo riscos ou potencialidades características nos diferentes grupos sociais, que se manifestam na forma de perfis ou padrões de doença ou de saúde2. A doença é produto direto ou indireto das condições gerais em que se desenvolve essa sociedade e das condições particulares de desenvolvimento de uma determinada classe social. Tem-se tentado dimensionar a saúde/doença nas populações através de indicadores de saúde, entre os quais os de morbidade e de mortalidade. Morbidade é o termo utilizado para expressar a presença de doença ou condição patológica. As estatísticas de morbidade são um poderoso indicador da saúde de uma comunidade e, como tal, podem auxiliar no planejamento, na programação, no controle e na avaliação das ações de saúde3.

A morbidade compreende múltiplos aspectos, desde a percepção da população acerca do normal/patológico até a definição do que é um caso clínico. Ela traduz a situação saúde/doença de um grupo social determinado, envolvendo aspectos biológicos, culturais, antropológicos, econômicos e psicológicos.

Travassos e cols. sugerem que há um acentuado componente social tanto na morbidade quanto no uso de serviços de saúde4. A utilização de serviços de saúde está vinculada as necessidades da população. No entanto, essas necessidades não são homogêneas entre os grupos sociais. As chances de adoecer e de morrer são influenciadas pela posição social e pela experiência de vida dos indivíduos.

A oferta dos serviços obedece às leis do mercado, que tende a alocá-los conforme a capacidade de pagamento, prejudicando especialmente os mais desfavorecidos e doentes5. Carvalho e cols. referem que "a utilização de serviços de saúde parece expressar, não necessariamente a demanda potencial real por esses serviços entre a população brasileira, mas sim o resultado de todo um processo que funciona como uma espécie de filtro social, onde aspectos culturais, institucionais e socioeconômicos distintos somam-se às condições de desigualdade regional"6.

Entre os fatores que interferem nos índices de morbidade de uma região pode-se citar: a disponibilidade e acessibilidade aos serviços de saúde; a percepção das pessoas à saúde/doença; a estrutura demográfica da população. As taxas de morbidade variarão de acordo com a existência e a proximidade dos serviços de saúde. Assim, a procura por serviços de saúde é mais elevada nas regiões urbanas do que nas rurais7, refletindo maior dificuldade de acesso e menor oferta de serviços nessas últimas.

"A distribuição da rede de serviços de saúde do Brasil é profundamente desigual, quando se consideram as distintas regiões dopais, as áreas urbanas ou rurais, as regiões ricas e pobres das cidades, determinando, junto com outros fatores socioeconômicos e culturais uma extrema desigualdade na oferta e no acesso aos serviços de saúde pelas diferentes populações e estratos sociais"8.

Nem todas as pessoas que adoecem em uma determinada região buscam os serviços de saúde. Há uma parcela que não chega aos serviços pelas mais variadas razões, que incluem desde baixa gravidade da doença até barreiras econômico-culturais. Entre os que buscam os serviços, alguns são tratados em nível ambulatorial, alguns realizam exames suplementares e apenas uma parcela, supostamente a mais grave, é internada em hospitais.

A morbidade tem sido abordada sob diferentes aspectos e de forma específica, de acordo com o tipo de estudo e interesse dos pesquisadores e das instituições.

Um dos maiores estudos de morbidade foi preparado em conjunto pela Organização Mundial de Saúde e pelo Banco Mundial para o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial/1993: Investindo em Saúde. O Relatório quantificou o impacto global da doença em termos de perda de vida saudável, somando a perda de vida por morte prematura e por incapacidade. Uma das características mais originais desse estudo foi a utilização de um indicador misto de morbi-mortalidade denominado disability-adjusted life-year (DALYs) ou Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (AVAIs)9.

Num estudo realizado na década de setenta - International Collaborative Study on Health Care - a morbidade referida variou de 27-35% no Canadá, 26-32% nos Estados Unidos, 35% em Buenos Aires, 32% em Londres, 42% na Polônia e 36-46% na Iugoslávia6.

No Brasil, a primeira grande pesquisa sobre morbidade referida foi realizada no âmbito da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/FIBGE). A morbidade foi investigada nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) a partir da referência a algum problema de saúde nos quinze dias anteriores à entrevista. Na PNAD/81 as taxas de morbidade variaram de 3,8% em Belém a 9,6% em Belo Horizonte6. Na PNAD/86, o percentual situou-se em 17%, oscilando de 14% na Região Norte a 18% na Sudeste; além disso, a morbidade referida foi maior nas regiões urbanas e entre as mulheres7.

Pinto e cols. efetuaram estudo sobre morbidade hospitalar na rede contratada do INAMPS entre os anos de 1984 e 198610. Nessa pesquisa, os autores compararam os dados de morbidade obtidos através do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) com os dados de mortalidade obtidos pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), numa tentativa de averiguar a fidedignidade desses distintos sistemas de informação. Mostraram também que é possível utilizar o SIH/SUS para obter informações de natureza epidemiológica. Segundo os autores, as causas de internação mais freqüentes conforme os 17 grupos de causas da Classificação Internacional de Doenças (CID) foram: em primeiro lugar, as complicações da gravidez, parto e puerpério, seguidas pelas doenças do aparelho respiratório, doenças do aparelho circulatório, doenças infecciosas e parasitárias e doenças do aparelho geniturinário.

Em um estudo sobre morbidade hospitalar, no município de Cubatão (SP), foram identificadas as principais patologias da rede hospitalar, com a finalidade de subsidiar a atuação dos serviços de saúde do município. Esse estudo mostrou que as principais causas de internação no período de julho/1983 a junho/1984 foram as complicações da gravidez, do parto e do puerpério e doenças do aparelho respiratório11.

Siméant propôs uma metodologia simples e de baixo custo para a avaliação da capacidade resolutiva em estabelecimentos de nível primário de atenção à saúde, no Chile12. O autor encontrou diferenças na estrutura da morbidade de acordo com o tipo de estabelecimento - posto de saúde, consultório geral rural e consultório geral anexo ao hospital.

O trabalho desenvolvido por Yazlle Rocha, no município de Ribeirão Preto (SP), teve como objetivo apresentar os padrões de morbidade em assistência primária13. A maior demanda foi constituída por crianças, mulheres e idosos. Os diagnósticos mais freqüentes foram as doenças infecciosas e parasitárias, doenças do aparelho respiratório, inflamações dos olhos e ouvidos, doenças da pele e do tecido subcutâneo e doenças do aparelho genitourinário.

O objetivo da pesquisa realizada por Radaelli e cols., na Unidade Sanitária Murialdo de Porto Alegre (RS), foi conhecer os motivos de consulta mais freqüentes em um serviço de medicina comunitária da rede estadual14. Nessa pesquisa, o sexo feminino ocupou 67% do total do atendimento. A composição etária de maior ocorrência foi de crianças de até 10 anos (37%) e mulheres em idade fértil (21%). O motivo principal da procura do serviço foi a renovação de receita médica e pedidos de medicamento (9,3%). Os diagnósticos mais freqüentes foram: hipertensão arterial sistêmica (8,8%), afecções das vias aéreas superiores (7,8%) e busca de imunizações (5,5%).

Carvalho e cols, realizaram estudos sobre morbidade referida e utilização de consulta médica no Estado da Bahia no período de 1982 a 19866. Os resultados mostraram que a morbidade variou de 19,2% a 40,3%. As taxas de utilização de consulta médica nos quinze dias anteriores à entrevista oscilaram de 4,9% a 15,2%, as maiores taxas ocorrendo nas áreas urbanas e as menores nas áreas rurais.

Uma pesquisa domiciliar sobre o perfil de morbidade populacional e o padrão de utilização de serviços de saúde em localidades urbanas brasileiras evidenciou que o grupo de menores de um ano e a população idosa apresentaram as maiores prevalências de problemas de saúde e freqüentemente procuraram mais os serviços de saúde15.

Travassos e cols, desenvolveram uma investigação com o objetivo de avaliar a eqüidade no uso de serviços de saúde no país, com dados oriundos da PNAD/894. Constataram que a morbidade estava desproporcionalmente distribuida entre grupos de renda, concentrando-se nos mais pobres, que menos utilizavam os serviços de saúde.

2.2. Sistemas de Informação e Morbidade

Os dados sobre morbidade no Brasil são muito limitados, não existindo até o momento um sistema nacional que se proponha a avaliar a morbidade geral. As informações colhidas de forma direta e para todo o país são sobre as doenças passíveis de notificação compulsória e as comunicações de acidente de trabalho. Outras informações sobre morbidade podem ser obtidas por meio da análise do Sistema de Informações da Demanda Ambulatorial (SLA/SUS) ou do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS).

A Autorização de Internação Hospitalar (AIH) é o documento hábil para identificar o paciente e os serviços prestados sob regime de internação hospitalar. Fornece informações para o gerenciamento do sistema e, através dele, os hospitais, profissionais e serviços auxiliares de diagnose e terapia receberão pelos serviços prestados ao usuário16. Ao utilizar-se tal instrumento como fonte de dados para um estudo de morbidade hospitalar, devem ser considerados os aspectos de fidedignidade e validade das informações originalmente destinadas ao uso administrativo. Contudo, apesar da AIH não ser completamente imune às distorções do sistema, o fato de existir um registro sistemático de doenças, vigente em todo o país e ao qual se pode ter fácil acesso, revela um valioso campo de investigação.

Poucos estudos utilizaram o SIH/SUS como fonte para análise da morbidade até o presente momento. O primeiro estudo de morbidade hospitalar da rede contratada do INAMPS já foi citado anteriormente10.

Buss realizou um estudo que examinava algumas variáveis da assistência hospitalar prestada pelo SUS no período de 1984 a 1991, centrando-se nos diagnósticos de alta por grupos de causas e nos custos assistenciais8.

Porém, cada vez mais administradores e epidemiologistas têm ressaltado a importância do uso de dados administrativos não só para avaliar a qualidade dos serviços médicos, como também para traçar perfis de ocorrência de agravos. As vantagens de se analisar dados secundários incluem menores custos e tempo de pesquisa porque, apesar das conhecidas limitações, eles são um meio de estudar grandes volumes de dados, apontar problemas que necessitem ser observados e gerar hipóteses para mais tarde serem testadas com dados primários17.

 

3. Considerações metodológicas

Este é um estudo descritivo e exploratório que utilizou dados secundários. Realizou-se um esforço de sistematização, trazendo à luz novos elementos a outros profissionais de saúde que de outra forma não teriam como acessá-los. São dados públicos; porém em tal volume que exigem um esforço analítico nem sempre disponível no dia-a-dia dos trabalhadores de saúde.

As populações de cada DRS utilizadas para coeficientes foram estimadas pelo DATASUS/Fundação Nacional de Saúde (FNS), com base no Censo de 1991.

Os dados de morbidade são procedentes do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS) e referentes ao ano de 1995, cuja fonte é a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Foram analisadas 817.244 internações consideradas normais (aquelas de início de internação) e excluídas 10.064 de longa permanência "Fora de Possibilidade Terapêutica"(FTP), bem como as AIHs de continuação (quando esgotado o espaço de preenchimento da AIH normal é necessário uma continuação), pois essa última possui a mesma numeração da AIH normal que lhe deu origem, não alterando o número de internações hospitalares. As AIHs de longa permanência/FPT podem referir-se também a internações de anos anteriores, elevando o número total de internações do ano em estudo.

Os dados de morbidade foram coletados no banco de AIHs e apresentados na forma de CD-ROM, elaborado pela Fundação Nacional de Saúde (FNS). A análise foi realizada através do Programa TAB 16.1.18.

Os indicadores trabalhados foram:

• coeficiente de morbidade hospitalar/DRS: colocou-se no numerador o número de AIHs/DRS em relação à população da Delegacia;

• distribuição percentual da morbidade segundo grupo etário: selecionou-se no numerador o número de AIHs conforme cinco grupos etários (< 1 ano; 1 a 4 ; 5 a 14; 15 a 49; 50 e + anos) em relação ao total das internações;

• coeficiente de morbidade por grupo etário/ RS: relacionou-se no numerador o número de AIHs por grupo etário em relação à população nas diferentes idades;

• distribuição percentual da morbidade segundo 17 grupos de causa da CID: distribuiu-se no numerador o número de internações segundo causa em relação ao total de AIHs;

• distribuição percentual das principais causas de internação (CID-3 dígitos): listou-se as principais causas de internação em relação ao total.

• comparação da morbidade percentual (SIH-SUS) e mortalidade proporcional (SIM), segundo grupo de causas (17 seções da CID).

 

4. Morbidade hospitalar da população do Rio Grande do Sul

No Brasil, informações referentes à assistência médica evidenciam que a rede hospitalar, assim como a distribuição de leitos, encontra-se concentrada na região Sudeste. A média de leitos /1.000 habitantes é 3,1, sendo que na região Sul eleva-se para 3,5/1.000 habitantes. Nessa região, 91,2% dos leitos são de instituições conveniadas com o SUS19. Dos 427 municípios do Rio Grande do Sul, 294 (69,0%) possuem hospitais cadastrados no SUS. O Estado apresenta uma média de 2,9 leitos SUS/1.000 habitantes.

As 817.244 internações hospitalares efetuadas no RS em 1995 representaram um coeficiente de 8,6 internações para cada 100 habitantes. Essa é uma morbidade definida à priori, ou seja, as populações já têm definidos o número de AIHs disponíveis, independente do perfil epidemiológico de cada região. Trabalha-se com um somatório de internações hospitalares que representam "internações novas" acrescidas das "reinternações". Elas não representam casos "incidentes", na medida em que um mesmo paciente pode estar representado duas vezes. Não foram observadas discrepâncias no padrão regional das internações hospitalares, embora a 1a DRS - a da Região Metropolitana de Porto Alegre - que atende como referência uma parcela significativa da população do Estado - não esteja contemplada proporcionalmente com um número maior de AIHs.

Foram notificados pelo Sistema de Informação de Morbidade Hospitalar 23.974 óbitos hospitalares. A letalidade hospitalar correspondeu à 2,9 óbitos para cada 100 internações.

Estudos de morbi-mortalidade afirmam que os homens morrem mais em todos os grupos etários, porém as mulheres utilizam mais os serviços de saúde. Os dados das AIHs são compatíveis com essa afirmação. Do total de internações, 486.342 (59,5%) referem-se à população do sexo feminino, e as 330.902 restantes (40,5%) ao sexo masculino, enquanto os óbitos ocorreram num percentual de 56,7% nos homens e 43,3% nas mulheres. A distribuição das AIHs segundo gênero manteve-se semelhante em todas as regionais. Acredita-se que as mulheres apresentem taxas de morbidade mais elevadas "seja pelo uso dos serviços de saúde reprodutivos, seja pela maior capacidade de percepção sobre seu quadro específico de morbidade. Assim, uma das formas de neutralizar esses efeitos sobre a magnitude das taxas de morbidade é decompô-la por sexo e idade"7.

A distribuição das internações hospitalares no Estado segundo grupo etário evidencia que, em termos absolutos, o grupo que mais se interna é o de 15 a49 anos (45,5%) embora esse grupo também represente a maior parcela de população. Os menores de um ano representam 8,5% do total das internações e os pré-escolares, 7,5%. Na Figura 1 observa-se os coeficientes de morbidade hospitalar (no de internações dividido pela população) segundo os mesmos grupos etários. Observa-se uma curva em forma de "U", com um desenho semelhante ao descrito por Medici7, mostrando que a concentração de internações hospitalares segundo os grupos etários privilegia o grupo menor de um ano (41,5% para o sexo masculino e 33,1% para o feminino). Os coeficientes de internação declinam na infância, adolescência e idade adulta para voltar a subir no grupo mais idoso.

 

 

A distribuição das AIHs segundo os 17 grupos de causas da CID em 1995 mostra que, no Rio Grande do Sul, o maior percentual de internações correspondeu às doenças respiratórias (22,9%), seguindo-se dos partos e suas complicações (20,8%), doenças do aparelho circulatório (12,2%) e doenças infecciosas (8,1%). Contudo, esse padrão não se manteve constante para todas as regionais.

No Brasil, observou-se que as principais causas de internação hospitalar foram as complicações da gravidez, parto e puerpério, as doenças respiratórias, do aparelho circulatório, infecciosas e parasitárias e do aparelho genitourinário13. Portanto, fica evidente no Rio Grande do Sul um perfil de morbidade hospitalar semelhante ao do país como um todo. (Tabela 1).

 

 

As diferenças regionais em relação a cada grupo de causa evidenciam discrepâncias grosseiras no encaminhamento e nas internações de pacientes. Assim, a 1a DRS tem arcado com a maioria das internações por todas as causas, destacando-se o elevado percentual de pacientes com neoplasias (54,1%), anomalias congênitas (77,4%) e causas externas (64,6%). Esses percentuais representam mais da metade dos pacientes com essas patologias, quando pela distribuição populacional não deveriam ultrapassar os 30%. Esses dados certamente expressam a concentração de recursos de nível terciário e de maior complexidade tecnológica na capital, assim como a não resolutividade dos serviços locais de saúde, que hipertrofiam as metrópoles com pacientes que, em grande parte, poderiam ser atendidos em seus locais de origem.

A Tabela 2 apresenta os principais motivos de internação segundo sexo e grupos específicos de causas (CID 3 dígitos) no Estado. Pretendia-se delinear um quadro mais acurado das internações, identificando-se doenças que pudessem servir como "marcadoras" e que permitissem apontar problemas e mesmo iniqüidades na distribuição dos serviços de saúde20. Porém, o acompanhamento de condições marcadoras como os acidentes vasculares isquêmicos e infarto do miocárdio não foi realizado neste estudo.

 

 

As mulheres internaram-se mais para partos na maioria das regiões do Estado. As broncopneumonias também foram uma causa importante de internação. Os procedimentos obstétricos (CID 650 e 669) corresponderam a 17,5% das causas.

Quanto aos homens, eles estão sendo internados predominantemente por broncopneumonia e obstrução crônica das vias respiratórias. As doenças infecciosas do aparelho respiratório (CID 465, 485 e 486) representaram 10,6% do total de internações enquanto as doenças pulmonares obstrutivas (CID 492,493 e 496) corresponderam a 7,3% da morbidade hospitalar.

Além da análise descritiva realizada neste estudo, pretendia-se comparar dados procedentes de dois sistemas de informação distintos, SIM e SIH, para avaliar a fidedignidade de um sistema de registro tão sujeito à críticas como o SIH. O SIM é um registro cuja qualidade tem sido mais avaliada. Comparações similares já haviam sido realizadas em outros estudos13. Na Figura 2 observa-se a relação entre as causas de internação e de óbito procedentes de duas fontes: o SIM e o SIH.

 

 

Os registros de mortalidade (SIM) mostraram que, em praticamente todo o Estado, os óbitos obedeceram a seguinte sequência: doenças do aparelho circulatório, neoplasias e doenças do aparelho respiratório. Já as principais causas de internação hospitalar foram: doenças respiratórias, partos e doenças do aparelho circulatório. Quanto à mortalidade hospitalar (SIH) observou-se em primeiro lugar as doenças do aparelho circulatório (27,3%), seguindo-se as doenças respiratórias (23,2%), neoplasias (12,4%) e doenças infecciosas (9,2%).

Embora não tenha havido relação direta entre causa de hospitalização e de óbito, como a que apareceu em outros trabalhos13, não se pode deixar de apontar certas similaridades e também aspectos a serem mais esmiuçados. As doenças respiratórias constituem importante causa de internação e de morte. Os partos, primeira causa de internação, felizmente não tem repercussão na mortalidade, embora saiba-se que existe subnotificação da mortalidade materna. Este é, inclusive, mais um banco de dados que permite a busca de informações sobre a mortalidade de mulheres em idade reprodutiva. Interroga-se sobre os baixos percentuais de internação por neoplasias e supõe-se que devam estar sendo codificadas em outras seções, devido às complicações ou intercorrências. A terceira causa de internação e primeira de morte - doenças do aparelho circulatório - corresponde a uma situação esperada, embora deva-se salientar que as mortes por doença circulatória poderiam ser postergadas para idades mais avançadas.

 

5. Considerações finais

Neste trabalho ficou explícito que, mesmo com limitações, é possível utilizar para fins epidemiológicos dados secundários procedentes de bancos de dados desenhados originalmente para outros fins. Entre os aspectos positivos do uso do SIH/SUS para o estudo da morbidade hospitalar, inclui-se a sua simplicidade, uma vez que a AIH é um documento de fácil preenchimento e interpretação; sua ampla cobertura, pois contém os registros de mais de 90% das internações no Estado e seu fácil acesso, através do Programa TAB.

A distribuição da morbidade hospitalar pelo SUS no Estado do Rio Grande do Sul, durante o ano de 1995, foi de 8,6 internações para cada 100 pessoas, predominando o sexo feminino e o grupo dos menores de um ano. As principais causas de internação foram: as doenças respiratórias, os partos e as doenças do aparelho circulatório, enquanto as principais causas de mortalidade compreenderam as circulatórias, neoplasias e respiratórias. A mortalidade pelo SIH mostrou como causas prevalentes de óbito hospitalar as doenças do aparelho circulatório, respiratório e neoplasias. Embora a ordem não seja a mesma, existe uma certa correspondência nas principais causas de internação e morte, mostrando que a qualidade da informação parece não ser das piores. Algumas das características desses dados são semelhantes aos observados em outros locais, enquanto outras situações são peculiares.

Uma das formas de monitorar esse processo seria o acompanhamento de eventos sentinela: por exemplo, acompanhar a mortalidade de agravos em relação aos quais não se espera uma letalidade elevada para, a longo prazo, promover ações que possam melhorar a qualidade do sistema. Acredita-se que trabalhos como este possam auxiliar indiretamente a melhorar a qualidade da informação.

Muitos pesquisadores têm comentado sobre a existência de grande volume de dados secundários nas diferentes instituições de pesquisa. Uma das dificuldades para o investigador, porém, é a de reagrupá-los segundo critérios espaciais que permitam potencializar o seu uso. Publica-se, pela primeira vez no Estado, um estudo sistematizado sobre internações hospitalares a partir do SIH/SUS. Acredita-se que esse é um dos pontos altos desta pesquisa e espera-se também que tenha contribuído para melhor esclarecimento da realidade.

 

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19. Viacava F. e Bahia L. Assistência Médica Sanitária - Os serviços de saúde segundo o IBGE. Dados, FIOCRUZ; 3 (30), 1996.

20. Penna M. L. F. e Faerstein E. Coleta de dados ou Sistema de informação? O Método Epidemiológico na Avaliação dos Serviços de Saúde. Cadernos IMS. 1(2): 66-78, 1986.

 

 

Endereço para correspondência:
Escola de Saúde Pública.
Av. Ipiranga 6311,
Porto Alegre - Rio Grande do Sul
- 90610-001.

 

 

*Estudo epidemiológico de metodologia coletiva de alunos e professores do XX Curso de Especialização em Saúde Pública.