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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.6 n.3 Brasília set. 1997

 

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731997000300003

Estatísticas de mortalidade e nascidos vivos: considerações sobre principais problemas*

 

 

Hélio de OliveiraI; Ivana Poncioni de Almeida PereiraII

ICoordenador da Coordenação de Informações e Análises da Situação de Saúde - CIASS/CENEPI/FNS/MS
IIGerente Técnico do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - GT-SINASC/CIASS/CENEPI

 

 

O artigo procura mostrar os principais problemas que ocorrem com os dados de mortalidade e nascidos vivos, descrevendo-os e procurando uma explicação para os mesmos, sendo, então, aventadas soluções que, concorreriam para a minimização dos fatores que reduzem a qualidade e quantidade dos dados.

 

Os dados sobre mortalidade e sobre nascidos vivos são de grande importância tanto estatística como epidemiológica, pois através deles são construídos os indicadores de saúde, responsáveis pelo conhecimento da saúde de um povo e, conseqüentemente, pela elaboração de programas e campanhas para tratamento, prevenção e erradicação de doenças.

Esses dados, representados pelo binômio qualidade x quantidade, sofrem alterações profundas em sua essência desde a fase inicial (preenchimento dos documentos-padrão), obrigando a uma reavaliação dos métodos usados para o preenchimento e coleta dos dados.

Abordaremos, de forma sucinta, cada um dos principais fatores que interferem naquele binômio.

1) Qualidade - é conceituada como o correto, completo e exato preenchimento dos dados, tanto da Declaração de Óbito - DO, como da Declaração de Nascido Vivo - DN. Estudos críticos mostram certas variáveis incompletamente preenchidas, comprometendo a fidedignidade dos dados e a elaboração de estatísticas confiáveis.

No caso da DO, as variáveis que com maior freqüência apresentam erros de preenchimento correspondem às do Bloco Atestado Médico, cujo preenchimento é da responsabilidade do médico. Observa-se que os erros são principalmente referentes à Assistência Médica durante a doença que ocasionou o óbito, como a caracterização do médico que assina o Atestado, Confirmações do diagnóstico etc. No caso de mortes violentas, quando o preenchimento daquele bloco cabe ao médico do Instituto Médico Legal (IML), são por demais freqüentes a não-conceituação do tipo da violência (acidentes, homicídios, suicídios, etc) e a definição inexata da causa básica da morte (enforcamento, afogamento, agressão, acidente de trânsito, etc), sendo referido apenas o tipo de lesão (politraumatismo, traumatismo crânio-encefálico, perfuração de alças intestinais, para citar algumas). E conhecido o temor dos legistas em afirmarem o tipo de violência que causou o óbito, temendo complicações com familiares, que poderão não aceitar o laudo, principalmente quando estiver em jogo algum tipo de seguro de vida.

Os dados ditos sócio-demográficos, tais como o sexo, a idade, local de residência, ocupação, grau de instrução, entre outros, não apresentam grandes problemas quanto ao preenchimento.

Outro ponto de reparo no preenchimento do Atestado Médico refere-se à falta de exatidão nos diagnósticos da causa básica e das causas concomitantes, representado pelo acentuado número de óbitos por Sintomas e Sinais Mal-Definidos (Cap XVI da CID-9).

Este grupo, no que se refere ao Brasil, vem, nos últimos anos, ocupando quase sempre o segundo ou terceiro lugar entre as causas de óbito. Como em realidade não constitui um grupo definido de causas, esse Capítulo não deve ser considerado em estatísticas, sendo mencionado à parte. Corresponde, efetivamente, a diagnósticos imprecisos ou mesmo à falha do atestante que, sem ter realizado um exame das causas ou condições mórbidas que teriam levado ao óbito, lança um diagnóstico dúbio, impreciso ou mesmo errado.

Admite-se que o indicador mais simples da qualidade dos dados de mortalidade certificados por médico é a proporção de óbitos classificados no capítulo acima referido.

Em termos numéricos, a mortalidade proporcional por Causas Mal-definidas para as regiões brasileiras, no período 1992-1994, está demonstrada na Tabela 1.

 

 

Considerando-se que as regiões Sudeste e Sul, que apresentam os índices mais baixos, detêm 66,96% dos óbitos processados em 1994, verificamos que há um maior cuidado na definição dos diagnósticos por parte dos atestantes.

Dentro ainda do Capítulo Causas Mal-definidas, destaca-se um código, representado pelos óbitos Sem Assistência Médica, que significa uma deficiência no atendimento à população, devido ao reduzido número de profissionais. Estes casos têm a Declaração de Óbito preenchida por um declarante e suas testemunhas, em Cartório, atendendo ao que dispõe o Art. 77 da Lei 6.216, de 30 Junho de 1975, que alterou a de número 6.015, de 31 Dezembro de 1973.

A mortalidade proporcional de óbitos Sem Assistência Médica em relação aos óbitos por causas mal-definidas para as mesmas áreas geográficas e período está demonstrada na Tabela 2.

 

 

Observamos que a região Sudeste, que corresponde a 51,1% dos óbitos totais em 1994, apresenta os índices menores, levando a crer que existe uma boa rede de assistência médica. A região Nordeste apresenta os índices mais altos, o que reflete a situação deficiente de assistência médica, entendida aqui como o número insuficiente de profissionais e não em termos da qualidade do atendimento profissional à saúde.

Uma disposição da Organização Mundial de Saúde especifica que se os óbitos sem assistência médica representarem menos de 2% sobre os óbitos totais, devem ser incluídos dentro do capítulo Sinais e Sintomas Mal-definidos e, quando excederem aquela porcentagem, devem ser tabulados separadamente. Em âmbito nacional, no ano de 1994, os óbitos sem assistência médica corresponderam a 11,7% sobre o total, mas não existe nenhuma deliberação para o cumprimento daquela disposição.

No caso da Declaração de Nascido Vivo, que é o documento-padrão do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC, as variáveis com maior número de erros ou não - preenchimento são: índice de Apgar, Número de Consultas Pré-natal e Quantidade de filhos Tidos.

Equacionados os problemas, cremos que uma tentativa de solução poderá ser aventada a partir de duas linhas de ação:

a) Conscientização dos profissionais responsáveis pelo preenchimento dos documentos-padrão, enfatizando a necessidade de este ato ser completo e correto, principalmente quanto aos diagnósticos no caso da DO, devendo-se evitar expressões vagas como parada cardíaca, parada cárdio-respiratória e outras que não representam as verdadeiras causas básicas da morte que, obviamente, foram devidas a outros tipos de agravos. Nessa conscientização, os legistas deverão, ao preencherem o Atestado Médico, mencionar não o tipo de lesão encontrada, que deverá fazer parte do seu relatório, mas o tipo de violência que a provocou, que também deve ser codificado no bloco Causas Externas. É de bom alvitre lembrar que este bloco menciona Morte não natural - Prováveis circunstâncias da morte - Obs: Informações de caráter epidemiológico, não sendo, pois, uma afirmação irrefutável.

b) A segunda linha de ação deverá ficar a cargo dos setores responsáveis pelo processamento dos dados: uma revisão cuidadosa dos documentos antes do processamento, separando os que apresentam lacunas ou imprecisão no preenchimento para um contato com o responsável pelo preenchimento (de preferência por escrito, para que a resposta também esteja documentada). A continuidade dessa ação vai se revestir de uma auto-conscientização, minimizando o constrangimento inicial e dando lugar a um maior interesse e cuidado com o documento. Essa linha de ação também deverá ser aplicada à DN.

2) Quantidade - conceituada como o número de documentos recebidos pelo setor responsável pelo processamento, cujas informações vão servir como elementos para a criação de um Banco de Dados. Esse problema apresenta duas faces bem diferenciadas: o sub-registro e a sub-notificação, melhor chamada de sub-coleta.

De acordo com os documentos legais que regem os Registros Públicos (Lei no 6216, de 30 de Junho de 1975, que alterou a de número 6015, de 31 de Dezembro de 1975), todos os nascimentos e óbitos devem ser registrados nos Cartórios do Registro Civil. O não-cumprimento desta determinação corresponde ao sub-registro.

Vários são os fatores que concorrem para o sub-registro: em primeiro lugar, a lavratura das certidões de nascimento e de óbito é indenizada pelo responsável e, embora a Constituição prescreva que essa lavratura deva ser gratuita para as pessoas pobres, na realidade essa gratuidade não aparece; deste modo, os realmente pobres não dispõem de meios suficientes para o pagamento das certidões, e pura e simplesmente fogem ao cumprimento da lei, fato mais observado nos nascimentos. Neste caso não há o interesse imediato na certidão, documento que confere a cidadania, já que sua necessidade real só se apresentará por ocasião de matrícula escolar ou ao procurar o primeiro emprego.

Os assentamentos tardios, efetuados em anos posteriores ao nascimento, são vistos mais claramente ao manusearmos as Estatísticas do Registro Civil publicadas pelo IBGE.

No caso dos falecimentos, a burla da lei é feita usando-se os chamados cemitérios clandestinos. Este nome é um tanto impróprio, pois eles existem e são conhecidos, apenas não cumprem à risca a determinação de só realizar o sepultamento mediante a apresentação da Certidão de Óbito. Nas regiões Norte e Nordeste, os menores de 1 ano de idade são enterrados com freqüência no fundo do quintal, já que por questões culturais são considerados anjinhos.

De acordo com a lei, ao se fazer o registro de um óbito, é perguntado se existe certidão de nascimento; no caso de resposta negativa, a certidão é feita como assentamento tardio e as duas são cobradas, o que agrava ainda mais o problema financeiro do responsável.

Embora seja um fator dificilmente mensurável, por não haver no momento termo de comparação, estima-se que o sub-registro nas regiões Norte e Nordeste atinja um patamar de 50 a 60%, enquanto que nas regiões Sudeste e Sul estejam perto dos 5%; a região Centro-Oeste acompanha de perto a Norte.

As fontes de obtenção dos dados sobre eventos vitais são os Cartórios do Registro Civil e os Estabelecimentos de Saúde onde ocorrem nascimentos e/ou óbitos, havendo uma disparidade entre os dados coletados, facilmente explicadas: os Cartórios encaminham trimestralmente ao IBGE uma relação dos eventos registrados, enquanto que os Estabelecimentos de Saúde (aí incluídos os IML e Serviços de Verificação de Óbitos - SVO) encaminham para as Secretarias de Saúde os eventos ocorridos, que poderão ou não estar registrados.

A solução para esse problema poderá advir com a recente decisão dos poderes centrais de tomar obrigatória a gratuidade das certidões. Essa medida, a par com uma vigorosa campanha junto à população, deverá reverter a situação.

A recente introdução de terceira via na DO (a DN já a possuía desde o início) vai fazer com que, finalmente, haja uma comparação entre os dados ocorridos/comunicados, e os ocorridos/registrados, possibilitando o cálculo efetivo do índice de sub-registro, que é a relação entre os eventos registrados e os encaminhados diretamente pelo órgão de origem.

O fluxo recomendado pelo Ministério da Saúde (MS) para os documentos-padrão, e seguido pela maioria dos Estados, preconiza que as primeiras vias da DO e DN deverão ser recolhidas nos estabelecimentos de saúde pelos órgãos de processamento, configurando-se o evento ocorrido; das outras duas vias, a segunda fica retida pelo Cartório e a terceira é encaminhada também para os órgãos de processamento; essa terceira via, ao ser processada, permitirá um cruzamento de dados, informando então se há correspondência entre os documentos processados e os registrados.

Graças a esse fluxo, a quantidade de Declarações de Nascidos Vivos recebida dos Estabelecimentos de Saúde ficou maior que as registradas pelos Cartórios em quatorze dos Estados, no ano de 1994.

Fator importante na obtenção dos dados é a coleta, que significa uma busca ativa nos órgãos de origem por parte dos órgãos processadores. A maior ou menor organização dessa busca vai representar o maior ou menor índice de sub-notificação.

Em relação à mortalidade, os dados informados pelo IBGE ainda continuam mais altos que os informados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) na maioria das UFs. Se considerarmos a premissa de que todos os eventos ocorridos deveriam ser registrados, deveria, pela lógica, haver um empate dos dados. A não- ocorrência disto leva à segunda parte do problema quantidade, representada pela sub-notificação, que na realidade é uma sub-coleta.

Poderemos então ter três hipóteses:

a) os dados do IBGE e do SIM apresentam-se com quantidade igual: há uma coleta organizada por parte dos órgãos processadores.

b) os dados do IBGE são mais altos: há um defeito na estrutura de coleta pelos órgãos processadores, nos Estabelecimentos de Saúde, IML, SVO e Cartórios.

c) os dados do SIM são mais altos: há uma eficiente sistemática de coleta, contemplando não só os órgãos acima referidos, mas também os cemitérios conhecidos como "clandestinos". Poderá, neste caso, haver um sub-registro dos eventos nos cartórios, fazendo com que os órgãos processadores recebam os ocorridos realmente em maior número que os registrados.

Alguns Estados recebem os documentos diretamente dos Cartórios, não seguindo o fluxo recomendado pelo MS, e asseguram haver sub-registro igual a zero. Essa informação permite dúvidas, pois os cemitérios com sepultamento irregular existem em todo o território nacional, não sendo apenas apanágio das regiões Norte e Nordeste.

O equacionamento desse problema permite aventar sugestões práticas e, cremos, eficientes, de modo a aumentar o volume de dados sobre mortalidade e nascidos vivos:

a) promover campanhas no sentido de que todos os eventos vitais, principalmente os nascimentos e óbitos, sejam registrados em cartório, cumprindo o diploma legal a respeito.

b) dar seguimento ao fluxo recomendado pelo Ministério da Saúde, uma vez que o mesmo tem se mostrado eficiente na obtenção dos eventos ocorridos, registrados ou não.

c) estabelecer estratégias visando um sistema eficiente de busca ativa nos órgãos de origem dos documentos. Este tipo de ação deverá ser desenvolvido pelo nível estadual, ou mesmo pelo nível representado pela Diretoria Regional de Saúde (ou similar). Deverá ainda ser feita uma campanha junto aos cemitérios para apuração dos sepultamentos que não foram realizados segundo as disposições legais. Deve-se ainda buscar a participação e apoio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), cujos integrantes têm mostrado uma eficiente colaboração, quando solicitados.

 

 

*Trabalho apresentado no Seminário sobre Mortalidade Infantil no Nordeste do Brasil. Recife - PE, 24 a 26 Setembro 1996