SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2SUS, modelos assistenciais e vigilância da saúdeNotas para a constituicão de um programa de vigilância ambiental dos riscos e efeitos da exposicão do mercúrio metálico em áreas de producão de ouro índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.7 n.2 Brasília jun. 1998

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731998000200003 

Vigilância da saúde: Relatório da Oficina realizada durante o IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia - EPIRIO-98*

 

 


RESUMO

Com o objetivo de analisar a situação atual e as perspectivas da Vigilância da Saúde no âmbito do SUS, foi realizada uma Oficina de Trabalho durante o TV Congresso Nacional de Epidemiologia, reunindo especialistas da área, sob o patrocínio do CENEPI. Tendo como referência a proposta de reestruturação do modelo assistencial do SUS, discutiram-se os existentes problemas e elaboraram-se propostas estratégicas de fortalecimento das ações de caráter intersetorial de promoção da saúde, bem como a redefinição das ações de vigilância epidemiológica e sanitária nos estados e municípios, com ênfase nas perspectivas apontadas pelo Projeto de Estruturação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde - VIGISUS.

Palavras-Chave: Sistema Único de Saúde; Vigilância da Saúde.


SUMMARY

With the objective of evaluating the current situation and perspectives of Health Surveillance within the National Health Service, a workshop took place during the TV Brazilian Epidemiology Congress. Experts in this area were present in the workshop supported by the National Epidemiology Center (CENEPI). Given the restructuring of the assistancial model of the National Health System, potential problems were discussed. Strategic proposals were elaborated in order to strengthen the intersectorial characteristics of health promotion, as well as the redefinition of the epidemiologic surveillance practices at the state and municipal level, emphasizing VIGISUS principles.

Key-Words: National Health Service; Health Surveillance.


 

 

Introdução

A Oficina de Vigilância da Saúde contou com o patrocínio do Centro Nacional de Epidemiologia - CENEPI e da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO, reunindo um conjunto de especialistas com o objetivo de desencadear uma reflexão acerca das concepções e das práticas de Vigilância da Saúde no âmbito do SUS. O produto esperado, conforme explicitado por Dr. Jarbas Barbosa - Diretor do CENEPI, durante a oficina, foi a elaboração de propostas e recomendações tendo em vista a (re) estruturação/operacionalização do Sistema de Vigilância em Saúde nos três níveis de governo, tendo como ponto de partida a necessidade de atualização dos objetos, meios de trabalho e finalidades deste conjunto de práticas.

A realização desta oficina, mais do que uma oportunidade de sistematização teórico-conceitual e metodológica em torno da Vigilância da Saúde, levou em conta o contexto político-institucional do SUS, especificamente o processo de municipalização das ações e serviços de saúde e a proposta do Projeto de Estruturação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde - VIGISUS. Este vem sendo negociado com organismos internacionais e pode vir a garantir o financiamento necessário à redefinição dos papéis e atribuições de cada esfera administrativa no que diz respeito à Vigilância da Saúde, bem como à estruturação das práticas de vigilância ao nível operacional, viabilizando a adequação de infra-estrutura, a capacitação de recursos humanos e o desenvolvimento das relações interinstitucionais de cooperação e apoio técnico - científico.

A metodologia de trabalho desenvolvida durante a oficina partiu da exposição preliminar do Termo de Referência: SUS, Modelos Assistenciais e Vigilância da Saúde (publicado neste número do Informe), documento básico sobre o qual o grupo debruçou-se nas seguintes questões, previamente encaminhadas aos participantes para reflexão: 1) vertentes conceituais em Vigilância da Saúde - análise de semelhanças e diferenças; 2) estratégias de operacioalização da Vigilância da Saúde no contexto atual de municipalização das ações e serviços de saúde; e 3) análise da proposta atual do Centro Nacional de Epidemiologia no que se refere à reestruturação do Sistema de Vigilância em Saúde no âmbito do SUS. A sistematização dos debates ocorridos ao longo da oficina contempla a identificação de problemas enfrentados no campo da vigilância em saúde no Brasil hoje e a apresentação de algumas propostas e recomendações.

 

Análise da situação atual da vigilância em saúde no Brasil

O resgate das discussões anteriormente realizadas, quer no âmbito dos Congressos Brasileiros de Epidemiologia, quer em Seminários específicos promovidos pelo CENEPI desde a sua criação, permite constatar que já existe um relativo acúmulo teórico-conceitual no que se refere à concepção de uma prática de Vigilância da Saúde abrangente, capaz de incorporar os avanços científicos e tecnológicos de diversas disciplinas que compõem o campo da Saúde Coletiva.

Também constata-se a existência de um número expressivo de experiências em processo, em alguns estados e vários municípios do país, que permitem o desenho de estratégias voltadas à institucionalização das práticas de vigilância, de forma articulada ao processo de descentralização da gestão e transformação do modelo assistencial do SUS.

Um processo dessa natureza, entretanto, tem que levar em conta uma série de problemas político-institucionais, jurídico-normativos e técnico-operacionais que persistem no âmbito do SUS e incidem, especificamente, sobre as propostas relativas à Vigilância em Saúde. Os participantes da oficina levantaram alguns dos principais problemas em cada um desses planos.

a) Político-institucionais

O processo de construção do SUS ainda contempla grande indefinição quanto às funções e competências das três esferas de governo. O avanço do processo de municipalização das ações e serviços de saúde, através das Normas Operacionais Básicas (NOB), especialmente a atualmente em vigor, a NOB 001/96, tem colocado o desafio de se avançar na redefinição da missão institucional em cada nível de governo, contemplando a reestruturação do Ministério da Saúde (MS) e Secretarias Estaduais de Saúde (SES), ao tempo em que se fortalecem as Secretarias Municipais de Saúde (SMS).

Por outro lado, no contexto atual em que se coloca a proposta de reforma do Estado, o papel do Estado na área da Saúde e sua configuração institucional vem sendo postos em discussão, especialmente no que se refere ao debate entre os espaços "estatal", "privado" e "público", gerando propostas que incidem sobre as formas de gestão e organização do sistema e dos serviços de saúde.

Nesse contexto, o debate sobre as funções e competências de cada esfera de governo no âmbito do SUS ganha novos contornos, dando lugar ao surgimento de propostas relacionadas com a normatização das atividades sob responsabilidade do nível federal, estadual e municipal (está em curso um processo de negociação entre os gestores no espaço da CIT, que resultou na aprovação de uma proposta de atribuições mínimas obrigatórias para cada nível administrativo), ao tempo em que aparecem propostas de mudança das formas de organização de gestão de órgãos específicos na área de Vigilância, como é o caso da recente proposta de criação de agências executivas responsáveis pelas ações de vigilância sanitária.

Os participantes da oficina chamaram a atenção para o fato de que apesar da crise das Secretarias Estaduais de Saúde e da debilidade institucional da maioria das Secretarias Municipais de Saúde diante da operacionalização de uma proposta abrangente de vigilância em saúde, o movimento da descentralização/ municipalização deve ser considerado como um dos eixos em torno do qual se podem articular as estratégias de reestruturação das ações de vigilância da saúde no país. Nesse processo, entretanto, deve-se evitar a normatização excessiva e generalizadora, em atenção à heterogeneidade das situações existentes nas diversas regiões, estados e municípios do país, tanto do ponto de vista do perfil epidemiológico e sanitário das populações, quanto do ponto de vista da experiência acumulada (ou não) no que se refere à reorganização das ações e serviços de saúde, especialmente as ações de vigilância.

Chamou-se a atenção para os riscos de se submeter as ações de vigilância epidemiológica e sanitária à mesma lógica de mercado que rege hoje a prestação de serviços médicos ambulatoriais e hospitalares no âmbito do SUS, "monetarizando-se" o valor de procedimentos para fins de programação (PPI), sem levar em conta a necessidade de que a programação dessas atividades obedeça muito mais à busca de adequação do perfil de oferta dos serviços à situação de saúde do que à busca de captação de recursos financeiros. Nesse sentido, estes deveriam ser transferidos aos estados e municípios de forma global, atendendo-se a critérios demográficos, socieconômicos e epidemiológicos, deixando-se espaços abertos para a criatividade institucional, no sentido de organizar as ações da forma mais adequada à realidade local.

Considerou-se ainda que o debate a respeito da criação de uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária precisa ser aprofundado, na medida em que se identificam distintas visões acerca do seu significado. Alguns consideram que a falta de amadurecimento da discussão pode gerar uma situação que venha a concretizar uma "des-responsabilização" (privatização?) do Estado em funções consideradas indelegáveis no campo da vigilância sanitária. Outros, entretanto, chamam a atenção para o fato de que tal proposta pode ser considerada como parte de um processo de redefinição das funções do Estado, algumas das quais, a exemplo das ações de vigilância sanitária, passariam a ser executadas por autarquias funcionais dotadas de flexibilidade gerencial.

b) Jurídico-normativos

O debate em torno do arcabouço jurídico-normativo da área de vigilância em saúde, notadamente no que se refere à vigilância sanitária de produtos e serviços, fez emergir duas questões centrais, a primeira relativa à pertinência da legislação existente, e a segunda relacionada com as dificuldades de observá-las no cotidiano das práticas de vigilância.

Alguns participantes consideraram que a legislação atual está ultrapassada, chamando a atenção para a necessidade de atualizá-la em vários aspectos, tomando-se por referência a complexidade do perfil demográfico, social e epidemiológico da população e a necessidade de desenvolver/utilizar tecnologias que dêem "conta" deste desafio.

Para outros, haveria uma hipertrofia da normatização da vigilância, em detrimento de outras funções, a exemplo da geração de informação para a tomada de decisão. Nessa perspectiva, o caráter burocratizado das ações de vigilância, especialmente na área de vigilância sanitária, constituiria uma espécie de "cultura institucional", a ser transformada pela ênfase no manejo das informações não apenas no sentido de "vigiar e punir", mas no sentido de "educar e prevenir", ou melhor, não só com um enfoque fiscalizador, retrospectivo, e sim em um enfoque educador, prospectivo, orientado para a promoção da saúde e para a qualidade de vida.

Chamou-se a atenção, entretanto, que, em muitos casos, o problema principal não se encontra na legislação e normas "em si", sendo o maior problema a não aplicação das leis e normas vigentes, devido a dificuldades situadas mais nos planos político-institucional e técnico-operativo, relacionadas com a não valorização das práticas de vigilância e com a falta de capacidade gerencial e operativa dos órgãos e serviços responsáveis.

c) Técnico-operacionais

O debate em torno das questões técnico-operacionais colocadas na perspectiva da institucionalização das práticas de vigilância da saúde em todos os níveis do SUS implicou considerações acerca do modelo organizacional e operacional da vigilância epidemiológica, bem como das relações entre as práticas de vigilância epidemiológica e sanitária, historicamente executadas sob perspectivas distintas no Brasil.

Assim, chamou-se a atenção para o modelo brasileiro de vigilância epidemiológica, o qual emergiu dos programas de controle de doenças selecionadas, desenvolvidos pelo Estado, que contemplavam as estratégias de "ataque", "consolidação" e "vigilância". Nesse sentido, as ações de vigilância faziam parte da etapa de monitoramento dos resultados das intervenções. Este modelo, vinculado estreitamente à responsabilidade estatal sobre a geração de informações - tomada de decisões -ações estatais de controle, distingue-se do modelo americano, no qual o "Centers for Disease Control and Prevention'' (CDC) enfatiza a geração de informação e sua difusão na mídia, transformando-se num suporte importante para a ação dos consumidores e da população em geral.

Considerando as diferenças históricas, políticas e culturais existentes entre os dois países, Brasil e Estados Unidos, questionou-se a pertinência de adoção do modelo americano em nossa realidade, embora alguns aspectos desta experiência possam estimular a formulação de estratégias no Brasil, notadamente no que diz respeito à ampliação do sujeito das práticas de vigilância, extrapolando o pessoal do Estado pela incorporação de organizações civis da cidadania e da população em geral.

Também discutiu-se a "tensão" que persiste entre as práticas de vigilância epidemiológica e a vigilância sanitária, na medida em que, apesar das iniciativas de "integração institucional" através, basicamente, de reformas administrativas, permanecem atuando sob lógicas distintas. Como explicitou um dos participantes da oficina, "a primeira com o olhar dirigido para as pessoas e a segunda, para as coisas".

A articulação entre estas práticas, de fato, não se dará meramente no nível político-gerencial, senão que no nível técnico-operativo, sendo resultado da adoção de um enfoque que privilegie a identificação dos problemas - atuais e potenciais - que atingem as "pessoas" e o controle das "coisas" que se constituem em fatores de risco à saúde e determinantes das condições de vida. Nesse sentido, a construção da vigilância da saúde deve levar em conta a necessidade de repensar as tecnologias utilizadas e a formação/capacitação de recursos humanos em uma perspectiva inovadora diante do desafio de trabalhar com objetos redimensionados e outros sujeitos.

Desse modo, um aspecto bastante discutido na oficina foi a formação/capacitação de recursos humanos para o exercício das práticas de vigilância da saúde. Constatou-se uma inadequação/insuficiência dos cursos de graduação e programas de pós-graduação diante do desafio de estruturar/operacionalizar o Sistema de Vigilância. Tal inadequação revela-se na dissociação entre o ensino, a produção de conhecimento e a prática dos serviços.

Chamou-se a atenção para o fato de que a velocidade das transformações no mundo contemporâneo, com reflexos nos "modos de vida" e nas condições de saúde, exige a redefinição dos processos pedagógicos nesta área, de modo a privilegiar a capacidade de "aprender a aprender". Ou seja, que se orientem os processos de formação e capacitação à construção de sujeitos comprometidos com a adequação permanente das formas de organização do trabalho e do conteúdo técnico-científico de suas práticas profissionais, voltados à obtenção de resultados concretos em termos de efetividade e impacto positivo de suas ações.

 

Propostas e recomendações

1. Desencadear um movimento voltado à institucionalização das práticas de vigilância em saúde, considerando o VIGISUS uma oportunidade que dará legitimidade político-institucional e suporte financeiro ao processo.

2. Estimular a articulação das práticas de vigilância epidemiológica e sanitária, buscando integrar "por dentro" os conhecimentos, técnicas e instrumentos, a partir do enfrentamento de problemas específicos, integrando os sistemas de informação e reorganizando os processos de trabalho.

3. Buscar uma articulação entre o processo de institucionalização da Vigilância da Saúde com a implantação e desenvolvimento da estratégia de Saúde da Família, enfatizando não só a vigilância de agravos e sim a reorientação da cultura sanitária da população.

4. Desenvolver processos inovadores de formação/capacitação de recursos humanos, considerando a indissociabilidade entre prática, produção de conhecimento e ensino. Isto implica atuar na difusão dos conteúdos epidemiológicos nos cursos de graduação na área de saúde, bem como na redefinição de cursos de especialização na área de Saúde Coletiva, que levem em conta a formação de epidemiologistas voltados para a prática de Vigilância.

5. Desenvolver/apoiar processos de capacitação que respeitem as diversidades regionais quanto ao perfil epidemiológico da população e a capacidade técnico-científica das instituições de ensino e pesquisa, definindo, entretanto, conteúdos mínimos que contemplem conhecimentos e habilidades básicas, bem como aspectos conceituais da proposta de vigilância. Articular conhecimentos e técnicas de epidemiologia, planejamento, ciências sociais, enfatizando o aprendizado baseado na reorganização do processo de trabalho.

6. Criar um "Observatório" de experiências bem sucedidas de reorientação das práticas de vigilância, contemplando acervo documental e difusão de meios tradicionais (boletins, revistas, etc.) e comunicação eletrônica.

7. Organizar processos de discussão permanente sobre a vigilância da saúde, estimulando o desenvolvimento de cooperação técnica interinstitucional, como por exemplo consultorias de processos a municípios que demandem por este tipo de apoio.

 

Participantes

Ana Cristina Souto (SMS-RN)

Augusto Lopes (MS-PERU)

Carmem Teixeira (ISC/UFBa)

Cássio de Moraes (CVE-SP)

Déa Mara de Carvalho Arruda (CENEPI/MS)

Ediná Costa (ISC/UFBa)

Eliseu Waldman (USP)

Expedito Luna (CENEPI/MS)

Maria da Glória Teixeira (ISC/UFBa)

Jairnilson Paim (ISC/UFBa)

Jarbas Barbosa (CENEPI/MS)

Marcelo Felga de Carvalho (CENEPI/MS)

Maria do Carmo Leal (ENSP/FIOCRUZ)

Maria Lúcia Penna (IMS/UERJ)

Maria Luiza Vilasbôas (ISC/SESAB)

Maurício Barreto (ISC/UFBa)

Naomar de Almeida Filho (ISC/UFBa)

Silvia Martinez Calvo (FSP/CUBA)

Sueli Rozenfeld (ENSP/FIOCRUZ)

 

 

*Oficina coordenada por Maria da Glória Teixeira, tendo como relatores Ana Luiza Vilasbôas e Carmem Fontes Teixeira.