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Informe Epidemiológico do Sus

versión impresa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.7 n.3 Brasília sep. 1998

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731998000300005 

Implicações da introdução da 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças em análise de tendência da mortalidade por causas

 

 

Paulo R. GrassiI; Ruy LaurentiII

INúcleo de Informação em Saúde/SSMA/RS
IICentro Brasileiro de Classificação de Doenças/Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública/USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Classificação Internacional de Doenças (CID) é revista periodicamente, geralmente a cada dez anos; uma nova revisão incorpora novas doenças que são descritas; uma doença representada por um só código pode ser desdobrada em dois ou mais; uma doença pode mudar de capitulo, e outras modificações além de, poder haver mudanças nas Regras de Codificação de Mortalidade. Todos esses fatores, geralmente, podem levar a que uma doença ou um capítulo da CID sofra alterações para mais ou para menos, fazendo assim que a tendência de mortalidade por uma doença seja bruscamente alterada com a introdução de uma nova revisão da CID. A CID-10 foi implantada em mortalidade, no Brasil, em 1996, e foi feita uma avaliação preliminar do impacto nas estatísticas de mortalidade utilizando-se o Banco de Dados do SIM no Rio Grande do Sul. Foram escolhidas algumas doenças que, de outros capítulos, "migraram" para o capitulo de doenças infecciosas e parasitárias, ou outros que saíram desse capitulo. Para o biênio 1996/1997, os casos (atestados de óbito) foram codificados pela CID-9 e CID-10, verificando-se um aumento de 67,9% com o uso da CID-10. Tratando-se dos mesmos casos, verifica-se que esse aumento é devido ao que se chama "artefato estatístico" e não aumento real das doenças infecciosas e parasitárias.

Palavras-Chave: Mortalidade; Classificação de Doenças; Análise de Tendências.


SUMMARY

The International Classifcation of Diseases (ICD) is periodically revised (usually every tenyears). A new revision incorporates new diseases or else one particular disease, previously represented by a single code, can now be represented by two or more codes. Also, a disease may be moved from one chapter to another. The International Rules for Codification can also be changed in the new classification. These changes may be responsible for the increase or decrease infrequency of a disease or to a chapter of ICD, changing abruptly the trends of this disease or diseases. The ICD-10 for mortality was introduced in Brazil in 1996; a preliminary evaluation of the impact in the mortality statistics was made using the Data Bank of the Brazilian Information System of Mortality in the State of Rio Grande do Sul. In ICD -10 some selected diseases were moved to the chapter of infectious and parasitic diseases, some from this chapter to others. The death certificates of 1996/1997 were coded according to ICD -9 and ICD -10 and, with the use of ICD -10, the results showed an increase of 67,9%. Since the same cases were coded according to ICD-9 and ICD -10, it may be concluded that the increase was due to a "statistical artifact" and not to a real increase of infectious and parasitic diseases.

Key-Words: Mortality; International Classification of Diseases; Trend Analyses.


 

 

Introdução

A Classificação Internacional de Doenças (CID) é o instrumento estatístico utilizado na apresentação das tabelas de mortalidade por causas. A primeira classificação de doenças que passou a ter uso internacional foi aprovada em 1893 e, desde então, em intervalos aproximados de dez anos é apresentada e aprovada uma nova revisão. Atualmente está em vigência a 10a Revisão, conhecida como CID-10. A partir da CID-6, inclusive, ela, a responsabilidade passou a ser da Organização Mundial da Saúde.1

Em uma nova revisão são alocadas, quando existentes, novas doenças descritas como é o caso, na CID-10, da inclusão da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS ou SIDA); uma determinada doença ou agrupamento de doenças afins que estava em um capítulo pode ser transferido para outro, como é o caso das "Lesões Vasculares que Afetam o Sistema Nervoso Central" que até a CID-7 estava no Capítulo "Doenças do Sistema Nervoso e dos Órgãos do Sentido" e a partir da CID-8 passou a fazer parte do Capítulo "Doenças do Aparelho Circulatório". Também pode ocorrer que uma doença tinha apenas uma categoria (código de três algarismos) e passou a ser representada por um agrupamento (várias categorias), como é o caso da hipertensão arterial: até a CID-5 estava representada por apenas uma categoria sob o título: "hipertensão arterial (Idiopática)" e, a partir da CID-6, passou a ser um agrupamento denominado "Doenças Hipertensivas" com várias categorias e subcategorias (códigos de maior especificação e com quatro algarismos, atualmente quatro caracteres). Outras alterações podem ocorrer de uma revisão para a outra.

Um aspecto importante que merece ser mencionado é o que diz respeito as "Regras de Codificação da Causa Básica de Morte", as quais podem ser alteradas de uma revisão para outra, particularmente quanto as Regras de Modificação, dando ou tirando prioridade de algumas doenças como causa de morte.2,3

Todos os fatos citados acima podem fazer com que a tendência de uma doença seja, as vezes bruscamente, alterada com a introdução de uma nova revisão.

Um exemplo de como a introdução de uma nova revisão pode mudar a tendência de mortalidade é o que ocorreu com a hipertensão arterial e suas complicações/manifestações. Até a CID-5 ela só aparecia como causa básica de morte quando o médico declarava "Hipertensão Arterial", "Hipertensão Arterial Idiopática" ou "Pressão Alta". Qualquer outra descrição como: Hipertensão Maligna, Doença Vascular Hipertensiva, Doença Cardíaca Hipertensiva, Cardiopatia Hipertensiva, Doença Renal Hipertensiva, Doença Cardiorrenal Hipertensiva e outras, que eram declaradas como causa básica, não eram codificadas como "Hipertensão Arterial (Idiopática)", mas sim como "Outras Doenças do Aparelho Circulatório". Com a introdução da CID-6 todos os diagnósticos acima citados passaram a ser codificados em uma categoria ou subcategoria do agrupamento "Doenças Hipertensivas" e, dessa maneira apresentada nas tabulações de mortalidade por causas. Assim, a partir de 1950, quando foi implantada a CID-6, houve um grande aumento da mortalidade por doenças hipertensivas, sem significar entretanto um aumento real ou uma "epidemia" de hipertensão arterial.

Vários outros exemplos poderiam ser citados, particularmente a partir das últimas revisões. Assim, pode ocorrer aumento ou declínio da mortalidade por determinada causa, constituindo o que se convencionou chamar "artefato estatístico" e não uma real mudança na magnitude da mesma.

Vários autores têm abordado essa questão, chamando a atenção quando se analisa a tendência da mortalidade por determinada doença quando no período estudado se inclui a implantação de uma nova revisão da CID.2'3'4'5'6'7

 

A Implantação da CID-10 no Brasil

A CID-10 foi aprovada pela Conferência Internacional para a Décima Revisão, em 1989, e adotada pela Quadragésima Terceira Assembléia Mundial de Saúde para entrar em vigor em 1o de janeiro de 1993.

Por várias razões, principalmente de ordem operacional, não foi possível a sua introdução, como prevista, para 1993. Muitos países introduziram-na de 1995 a 1997 e outros o farão até o ano 2000. No Brasil foi implantada para uso em mortalidade a partir de 1o de janeiro de 1996 em cumprimento a Portaria GM/MS n.o 1.832/94, publicada no Diário Oficial da União de 3 de novembro de 1994.

A avaliação do impacto da implantação da CID-10 nas estatísticas de mortalidade no Brasil precisa ser avaliada e alguns serviços já começaram a programar estudos nesse sentido.

O objetivo deste estudo é apresentar uma avaliação preliminar do impacto da implantação da CID-10 nas estatísticas de mortalidade, baseando-se em apenas algumas doenças.

 

Metodologia

As repercussões da introdução da CID-10 na mortalidade foram avaliadas utilizando-se o Banco de Dados de Mortalidade do SIM do Rio Grande do Sul, para os anos de 1996 e 1997, os dois primeiros anos de implantação da nova revisão. As doenças ou diagnósticos escolhidos para essa análise foram alguns que na CID-10 estão incluídos nos Capítulos: I (Algumas Doenças Infecciosas e Parasitárias); III (Doenças do Sangue e dos Órgãos Hematopoiéticos e Alguns Transtornos Imunitários) e X (Doenças do Aparelho Respiratório) e que estavam incluídos em outro capítulo da CID-9, conforme mostra a Tabela 1.

 

 

Resultados

A Tabela 2 mostra os resultados das "adições" e "subtrações" dos valores da CID-9 em relação a CID-10 segundo as doenças escolhidas.

 

 

Verifica-se pela Tabela 2 que nos anos de 1996/1997 o número de casos pelas doenças relacionadas passou para 5.430, quando pela CID-9 eram 3.234, portanto um aumento de 2.196 casos ou 67,9%. Esse aumento fez com que o total do Capítulo I - Algumas Doenças Infecciosas e Parasitárias passasse a representar 4,1% do total de óbitos, quando pela CID-9 seria 2,5%.

O aumento foi devido, na grande maioria dos casos, aos óbitos por AIDS, que na CID-9 estava no Capítulo III, junto com os transtornos imunitários. Houve, portanto, uma diminuição desses casos nos transtornos imunitários da CID-9 para a CID-10.

O "choque séptico", a "bacteremia" e a "viremia" na CID-9 estavam no Capitulo XVI - Sintomas, Sinais e Causas Mal Definidas, passando na CID-10 para o Capitulo I. Esses três diagnósticos levaram a diminuir 195 casos "mal definidos" e, portanto, a igual aumento de "doenças infecciosas e parasitárias".

O tétano neonatal que estava entre as doenças do período perinatal também foi transferido para as doenças infecciosas, contribuindo, desse modo, para redução do número de casos de um capítulo e aumento de outro, no caso doenças infecciosas.

Dois diagnósticos contribuiriam para diminuir o número de casos de doenças infecciosas: a angina estreptocócica e a sarcoidose que foram, respectivamente, para os capítulos de "Doenças do Aparelho Respiratório" e "Doenças do Sangue e dos Órgãos Hematopoiéticos e Alguns Transtornos Imunitários". Como se verifica pela Tabela 2, nos óbitos de 1996/1997, não houve nenhum caso de angina estreptocócica, havendo seis casos de sarcoidose.

O Capitulo III da CID-9 "Doenças das Glândulas Endócrinas, da Nutrição e do Metabolismo e Transtornos Imunitários" perdeu as categorias referentes aos transtornos imunitários, passando na CID-10 a ser "Doenças Endócrinas, Nutricionais e Metabólicas", como Capítulo IV Os transtornos imunitários foram para o novo Capítulo III da CID-10, agora referente a "Doenças do Sangue e dos Órgãos Hematopoiéticos e Alguns Transtornos Imunitários". A AIDS, como já comentado, na CID-9 era codificada nos transtornos imunitários e, na CID-10, passou para o Capítulo I referente a doenças infecciosas e parasitárias.

Essas mudanças fizeram com que no Capítulo IV da CID-10 fossem codificados 2.316 casos de morte ocorridos no biênio 1996/1997, enquanto que na CID-9 o valor encontrado foi 3.348. Houve, portanto, uma redução de 44,1%.

Analisaram-se também as mudanças referentes ao capítulo de doenças respiratórias, respectivamente Capítulo VII (CID-9) e Capítulo X (CID-10). A angina estreptocócica, a insuficiência respiratória e a síndrome de Mendelson foram "transferidas" para este capítulo, visto que estavam localizadas em outros capítulos na CID-9. Somente a insuficiência respiratória que era "mal definida" na CID-9 foi responsável por aumento de 840 casos no capítulo de doenças respiratórias no biênio 1996/1997 no Rio Grande do Sul e, obviamente, diminuição do mesmo número de casos de "Mal Definidas". Devido a isso, os óbitos por doenças respiratórias passaram de 16.635 casos (CID-9) para 17.475 casos (CID-10). A angina estreptocócica (J96) e a Síndrome de Mendelson J95.4) não apareceram nenhuma vez como causa de morte.

Assim, a tendência da mortalidade verificada com a introdução da CID-10, no Rio Grande do Sul, no biênio 1996/1997 foi: aumento das doenças infecciosas e parasitárias e das doenças respiratórias, bem como diminuição das causas mal definidas.

 

Comentários

A introdução de uma nova revisão da Classificação Internacional de Doenças sempre é motivo de preocupação ao se analisarem tendências de mortalidade por causas, visto que sempre ocorrem mudanças na "localização" do código de algumas doenças na nova revisão. Há também códigos que se "desdobram" ou vários códigos que podem tornar-se código único. Essas mudanças alteram a magnitude, para mais ou para menos, da frequência de doenças, tratando-se, portanto, de um "artefato estatístico".

O presente estudo é uma avaliação preliminar sobre o impacto da implantação da CID-10, mostrando que algumas mudanças para mais ou para menos, na magnitude na mortalidade configura um "artefato estatístico" e não mudança real no padrão epidemiológico. Análise mais completa, avaliando-se todos os capítulos da CID-10, está sendo programada. Julgou-se importante, porém, chamar a atenção para o fato perante aqueles que pretendem realizar análise de tendências da mortalidade por causas e que encontram alguma variação coincindindo com o ano de implantação da CID-10.

 

Referências Bibliográficas

1. Laurenti R. Análise da informação em saúde: 1893-1993, Cem anos da Classificação Internacional de Doenças. Revista de Saúde Pública 25(6):407-417, 1991.

2. Laurenti R, Costa JR, ML da, Buchalla CM, Santo AH. The application of selection rule 3 and mortality trends by Bronchopneumonia. WHO/HST/ICD/C/96.31. Meeting of Heads of WHO Collaborating Centers for the Classification of Diseases. Tokio, Japan, 1996.

3. Laurenti R, Buchalla CM, Santo AH. Collaborative study on the application of selection rule 3: mortality from Bronchopneumonia, Brazil. WHO/HST/ICD/C/97.21. Meeting of Heads of WHO Collaborating Centers for the Classification of Diseases. Copenhagen, Dinamarca, 1997.

4. Beandenkopt WG. e colaboradores. An assessment of certain aspects of death certificate data for epidemiologic study of artherioesclerotic heart diseases. Journal of Chronics Disease 16:249-262, 1962.

5. Dorn HF. Some considerations in the revision of the International Statistical Classification of Causes of Death. Public Health Representation 79:175-179, 1964.

6. Laurenti R. Causas múltiplas de morte. Tese de Livre Docência. Faculdade de Saúde Pública, USP, 1973.

7. Valois AB. Changes due to the sixth revision of the Internacional Statistical Classification of Diseases, Injuries and Causes of Death. Canadian Journal Public Health 43:434-441, 1952.

 

 

Endereço para correspondência:
Av. Dr. Arnaldo, 715 -
Bairro Cerqueira César -
São Paulo/SP -
Cep: 01.246-904.
Fax: (011) 282-2920.