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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.7 n.3 Brasília set. 1998

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731998000300006 

Medidas dos níveis de infestação urbana para aedes (stegomyia) aegypti e aedes (stegomyia) albopictus em Programa de Vigilância Entomológica

 

 

Almério de Castro Gomes

Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo revisa os métodos e índices empregados para Aedes aegypti e Aedes albopictus em programa de vigilância entomológica. A medida do nível de infestação urbana e os fatores de risco de transmissão da dengue e febre amarela foram abordados. Os índices foram descritos de acordo com os estágios imaturos e adulto do vetor e respectivo significado epidemiológico. Uma análise crítica dos índices foi feita para facilitar a compreensão da densidade do vetor como fator de risco. Além disso, as vantagens e desvantagens dos índices ajudarão escolher o mais apropriado índice para medir o nível de infestação em cada município.

Palavras-Chave: Vigilância Vetorial; índices; Aedes aegypti e Aedes albopictus.


SUMMARY

The methods and indices used for Aedes aegypti and Aedes albopictus in the programme of entomological surveillance are reviewed. The measurement of the urban infestation level and the risk factors for dengue and yellow fever transmission are discussed. The indices for the immature and adult stages of the vector and their respective epidemiological significance are described. A critical analysis has been made to facilitate the understanding of vector density as a risk factor The advantages and disadvantages of the indices will help in the choice of the most appropriate one to measure the infestation level in each county.

Key-Words: Vector Surveillance; Density Index; Aedes aegypti and Aedes albopictus


 

 

Introdução

Aedes aegypti e Aedes albopictus são os mais importantes vetores de arbovírus para o homem. Ambos são espécies exóticas que chegaram ao Continente Americano após desenvolverem, em seus ambientes primários, grau significante de sinantropia. Historicamente, sabe-se que os nichos emergidos das condições de vida de nossos ancestrais induziram ao aparecimento de linhagem domiciliada de A. aegypti, a qual persiste até nossos dias. Aedes aegypti é considerada espécie originária da África, de onde foi transportada passivamente pelo homem aos distintos continentes, respeitando os limites geográficos impostos pela baixa temperatura.1 Não se sabe, ao certo, a data da primeira introdução de A. aegypti na América, mas supõe-se ser bem antiga ou coincidente com a colonização européia.

Mais recentemente, defronta-se com a clara tendência do A. albopictus para percorrer o mesmo caminho passivo feito pelo A. aegypti, utilizando-se de oviposições, principalmente, em pneus usados. Assim sendo, partindo da Ásia, desde a década de 80, o A. albopictus já venceu barreiras intercontinentais e se estabeleceu em várias partes do mundo, incluindo o Brasil.2 No ambiente domiciliar, ambas espécies se especializaram em colonizar artefatos criados pelo homem, desde que esses fossem capazes de acumular água.

Com a presença das duas espécies em nosso Continente, a transmissão de arbovírus entre humanos passa a ser viável, mas a probabilidade para que isso aconteça sempre dependerá, não somente da presença de A. aegypti e A. albopictus, mas sobretudo de seus hábitos e densidades. Em um passado não muito distante, níveis de infestação urbana de A. aegypti doméstico desencadearam epidemias de febre amarela urbana em vários países americanos e o mesmo para dengue na Ásia. O Brasil conseguiu erradicar o A. aegypti de seu território, mas não impediu a sua reinfestação posterior. Isto tem representado risco potencial para retorno de epidemias de febre amarela. Por enquanto, este vetor vem desencadeando epidemia apenas de dengue em municípios brasileiros. O Aedes albopictus, como vetor de arbovírus autóctones, ainda é uma incógnita. Todavia, a crescente coexistência desta espécie com A. aegypti, em áreas de transmissão ativa de dengue, representa uma ameaça ao seu envolvimento, ao mesmo tempo que sua distribuição, sobrepondo a área zoonótica brasileira de febre amarela, infere igual possibilidade de seu contato com o vírus amarílico.3 Essa suspeita está alicerçada nos estudos que demonstraram infecção natural e competência de A. albopictus para diversos arbovírus patogênicos ao homem.4

Neste contexto, a despreocupação com instrumentos de planejamento relacionados á prevenção e controle das doenças veiculadas por artrópodes implica importante deficiência nos programas governamentais. Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), advêm a necessidade da adequação das estruturas organizacionais de saúde nas três esferas de governo e a oportunidade para superação desses problemas. No caso da Vigilância Entomológica, a questão vetorial constitui o pré-requisito indispensável para o controle das doenças por eles veiculadas, ao mesmo tempo que as facetas da vigilância vetorial orientam as intervenções nos ciclos de transmissão dessas doenças, no sentido estratégico da otimização de sua eficácia e elaboração. Para tanto, dependem do conhecimento das densidades dos vetores que aqui estão expressas sob a forma de índices.

Objetivando oferecer um panorama abrangente dos métodos e índices disponíveis na literatura, far-se-á uma descrição individual de cada um com plano histórico, tendências e significados epidemiológicos, sobretudo centrado na sensibilidade e eficiência do cálculo ou na aproximação do fator de risco de transmissão de dengue e de febre amarela. Para facilitar a compreensão dos técnicos das secretarias municipais ou estaduais da saúde, tais índices foram divididos em dois grupos: os que se baseiam nos estágios imaturos e os da forma adulta.

 

Índices com base em estágios imaturos

O ovo, larva e pupa dos mosquitos têm ecologias distintas e os pesquisadores sempre tiveram essas opções de estágio para proporem seus índices. Na mensuração da densidade vetorial, cada método tem sua particularidade, mas, todos lançam mão de amostra nem sempre representativa, da população estudada.5

- índice relativo ao ovo

O Aedes aegypti e o A. albopictus ovipõem em paredes internas de recipientes domésticos que, permanente ou intermitentemente, contêm água de torneira ou chuva. Competindo com os recipientes domésticos, Fay e Eliason6 criaram a armadilha de oviposição (ovitrampa). Esta constitui-se de um recipiente preto, normalmente de plástico, com boca larga, uma palheta de madeira contendo um lado áspero, colocada verticalmente no seu interior. Este recipiente é parcialmente enchido com água de torneira. Com oviposições feitas nas palhetas se determina a sensibilidade do método, com perspectivas para se conhecer a abundância de fêmeas numa localidade. Por enquanto, o índice de ovitrampa tem sido método alternativo na detecção precoce de novas infestações e na vigilância de populações vetoriais em área com baixa densidade. Há esperança na ovitrampa como recurso metodológico futuro á definição de indicador de risco para dengue e febre amarela; basta que novos estudos adrede superem as dificuldades atuais no cálculo da densidade de população adulta do vetor. A ovitrampa pode possibilitar o cálculo de dois tipos de índices:

- índice de Positividade de Ovitrampa:

Percentagem de armadilha positiva

- índice de Densidade de Ovos: Número médio de ovos por armadilha positiva

A taxa de positividade da armadilha ou o número médio de ovos por palheta constitui o mais simples índice para revelar o nível de infestação de uma localidade para A aegypti e A. albopictus. No entanto, para interpretar ambos resultados será necessário saber o local onde a armadilha foi exposta e se persistiram as condições ideais das palhetas às oviposições. As armadilhas secas ou adulteradas devem ser descartadas.

- índice relativo à larva

Para obter medidas relacionadas ao vetor ao longo do tempo, ou identificar seu nível de densidade e distribuição nas localidades, a vigilância de A. aegypti e A. albopictus através da larva pode envolver dois métodos de coleta. Um, que leva em conta a coleta apenas de uma larva por recipiente,7 e outro, para todas as larvas. Ambos têm vantagens e desvantagens e a escolha dependerá do objetivo desejado. Se a pretensão for inspecionar número maior de casas, para uma particular espécie, o primeiro será indicado. Se o pretendido for calcular densidade, associações entre espécies e frequência, a escolha deverá ser para o segundo método.

Os índices baseados em larvas são os mais empregados como medidas dos níveis de infestação e indicadores de risco á transmissão de dengue, pela praticidade e reprodutividade dos mesmos. Ibanez-Bernal e Gomez-Dantas8 concordaram com isto ao demonstrar nítida opção pela larva, em cuja argumentação expõem dificuldades para se trabalhar com as formas adultas. A execução do método de coleta da larva focaliza a presença de criadouros peridomésticos e seu cálculo se faz a partir de dados obtidos mediante inspeção planejada.

Em face dessas considerações, a primeira sugestão proposta para medir densidade de A. aegypti em área urbana foi de Connor e Monroe.9 Tais autores optaram pela escolha da larva como parte central de seus cálculos. Eles justificaram a opção alegando razões da preferência, segundo o caráter operacional relacionado às facilidades de localização dos criadouros em ambiente domiciliar. Assim, a mensuração dos níveis de infestação para A. aegypti e A. albopictus através dos índices larvários tem tido nítida preferência sobre os demais, em que pese a unanimidade de se reconhecer neles um mau indicador de risco.

- índice de edifício: Percentagem de edifícios positivos para larva.

Com este índice se calcula a percentagem de edifícios infestados com larva de A. aegypti e A. albopictus. No Brasil, este índice tem recebido a denominação de índice Predial independentemente da natureza de sua ocupação, se residencial ou comercial. Não obstante ser usado para mensurar os níveis populacionais dos vetores Aedes, não leva em conta o número de recipientes positivos por casa, nem a produtividade de cada recipiente. Mesmo assim, pode ser útil, uma vez que fornece a percentagem das casas positivas.

- índice de recipiente: Percentagem de recipientes com água que são positivos para larvas.

Este índice considera todo e qualquer recipiente com água, permitindo revelar o percentual de recipientes, com água, que são positivos para larva e pupa de Aedes. Com isso, obtêm-se apenas o número e os tipos de recipientes positivos sem importar-se com suas produtividades.

Trinta anos mais tarde, Breteau10 inventou um novo índice que consistia na combinação dos dois anteriores. Este índice estabelece uma relação entre recipientes e imóveis dando o perfil dos habitats preferidos para o mosquito Aedes.

- índice de Breteau: Percentagem de recipientes positivos com larvas por casa.

Tem sido, a priori, o índice mais usado para estimar a densidade de A. aegypti. Entretanto, incorre na mesma falha dos dois anteriores, ou seja, também não considera a produtividade dos habitats.

Esses três índices larvários descritos se fundamentam na estimativa de frequência para cálculo da densidade. Chan e colaboradores,11 ao considerarem a coleta de todas as larvas do recipiente, alteraram este índice para torná-lo uma medida de densidade absoluta de larva de A. aegypti em relação às casas encontradas positivas.

- índice de densidade larvária: Número médio de larvas por casa.

Esses autores realizaram estudo de correlação entre os índices Breteau, de Edifício e de Recipiente, não obtendo resultado positivo apenas para o último. Daí, não o recomendarem para uso na vigilância de Aedes.

Bang e colaboradores12 criaram, a partir do índice Breteau e índice Densidade Larvária, o índice Estegômico. Este propõe relacionar o número de recipientes positivos com a população humana, ao invés de suas habitações, pensando ser melhor opção do que relacionar a casa. Há consenso de que este seja um bom índice, mas, surge um problema operacional relacionado á quase impossibilidade de se obter censo completo de uma localidade.

- índice estegômico: Número de recipientes positivos por mil pessoas.

Lok13 verificou que o índice Estegômico poderia ser modificado levando em conta a delimitação do espaço investigado. Assim, propôs o Indice de densidade larvária de Stegomyia. Justificou sua sugestão alegando que, do ponto de vista epidemiológico, o exato relacionamento entre densidade de mosquito e densidade de pessoas não é conhecida na proposta de Bang e colaboradores.12 Portanto, o índice abaixo estabelece essa relação.

- índice de densidade larvária de estegomia: Número de larvas de Stegomyia por mil pessoas numa área.

Considerando que os índices larvários têm pouca sensibilidade para detectar presença de Aedes, sob resíduo de infestação ou introdução precoce de A. aegypti numa localidade, surgiram armadilhas que podem proporcionar cálculo de índices. A armadilha para ovo (ovitrampa) já foi descrita em parágrafo anterior. Lok13 propôs um índice de mensuração da presença e do nível de infestação de uma área, com base na produção de larva em armadilha. Esta é conhecida como larvitrampa, a qual é feita com seção de pneu usado, em que a água é colocada até 2/3 de seu volume. No Brasil, a Fundação Nacional de Saúde a utiliza em pontos estratégicos para monitorar a entrada de A. aegypti nos municípios.

- índice de densidade da larvitrampa: Média do número de larvas por larvitrampa positiva.

Este índice encerra as mesmas dificuldades do índice de Ovitrampa quando se deseja calcular a densidade de adulto de uma localidade. Além disso, fatores operacionais na inspeção da armadilha, tais como: depender de eclosões de ovos para as larvas serem detectadas nas armadilhas; da habilidade do técnico; inspeção negativa não significando ausência de adulto; taxa elevada de mortalidade ou desenvolvimento acelerado das larvas, podem resultar em resultados falsos negativos. Além disto, esses problemas operacionais podem retardar ainda mais a tomada de decisão para intervenção.

- índice relativo à pupa:

As taxas de incorporação de adultos recém-eclodidos, a partir de diversos tipos de recipientes, podem variar consideravelmente. Uma das formas encontradas para obtê-las está baseada na contagem de pupas para cada recipiente. Assim, foi criado o índice de Pupa, através do qual se estima a importância relativa dos habitats larvários, comparando-os entre si ou em relação aos recipientes úteis e inúteis.

- índice pupal: Número de pupas por 100 imóveis.

Devido às dificuldades práticas na execução desse método, a aplicação deste índice é aconselhada para estação chuvosa.

Na sequência desses estudos, surgiu a proposta de Tun-Lin14 para avaliar a produção dos criadouros, através do índice de Produtividade de Adulto/Tun-Lin.14

- índice de produtividade de adulto: Produtos do número de criadouros positivos e a média de larvas encontradas.

O IPA implica levantar dados a partir de amostra representativa de criadouros. Com isto, estima-se a participação do mosquito de acordo com o tipo de recipiente, procurando calcular a emergência de adulto pelo número de pupas coletadas em determinada área.15

índices com base no estágio adultos

Na vigilância de formas adultas, especialmente de fêmeas de Aedes, têm sido empregados métodos de captura de mosquito adulto, utilizando-se isca animal, Rede e Aspiração, em locais de abrigo do ambiente domiciliar. A isca humana, por vezes empregada, aplica-se as espécies com característica antropofílica, como é o caso de A. aegypti e A. albopictus. A rede é uma técnica menos específica de captura e usada em diferentes ambientes. A aspiração é mais dirigida para abrigos diversos, tanto do domicílio como em vegetações variadas. As armadilhas com luz e CO2 são igualmente consideradas ineficientes para capturar A. aegypti e A. albopictus.

- índice de Densidade para Casa: Número de fêmeas por casa ou número de fêmeas por casa por 15 minutos.

Este índice é bom para espécies de mosquitos que se alimentam e se abrigam dentro das casas. Ele é obtido coletando fêmeas dentro dos dormitórios. Quando a infestação é baixa, devem ser coletados todos os exemplares e o resultado da densidade será o número de fêmeas por casa. Quando a infestação é elevada, toma-se o tempo como parâmetro e a densidade é expressa em número de fêmeas/homem/hora. Este índice é aplicável para A. aegypti e Culex quinquefasciatus, pois ambos se abrigam dentro das casas.

- índice da taxa de picada: Número de fêmeas coletadas por homem/hora.

A isca animal permite determinar esse índice, mas, na maioria das vezes, o homem se torna a isca atrativa. Logo, é empregado para espécies antropofílicas como A. aegypti e A. albopictus.13 Apesar dos exemplares machos serem capturados simultaneamente, não são incluídos no cálculo. Para obter este índice é recomendado que três homens atuem como isca por período superior a três horas, coletando os mosquitos que pousarem sobre eles durante o período.

- índice de Rede: Número de fêmeas capturadas por homem/hora em ambiente com vegetação.

O índice de Rede é calculado a partir de coleta dos adultos com rede puçá em tempo pré-determinado.

E mais indicado para ambiente peridomiciliar ou área com vegetação. Por isso, tem significado maior para A. albopictus do que para A. aegypti, que tem hábito intradomiciliar. Como este método está sujeito a grandes variações devido a diferenças individuais na coleta, deve ser usado apenas por pessoas com experiência.

 

Significado epidemiológico

Partindo do pressuposto de que a Vigilância Entomológica atua com o conceito estratificado de risco, a presença, distribuição e abundância dos vetores são parâmetros fundamentais para se alcançar esse objetivo. A escolha do indicador que reflita um estado de transmissão deve contemplar a condição de reprodutividade, representatividade, simplicidade operacional e custo-benefício compatível. O emprego do indicador de transmissão, a partir do índice, tem sido um recurso rotineiramente usado; contudo, as imprecisões neles assinaladas deixam dúvidas quanto ao momento de desencadeamento das ações preventivas. Apesar disso, ainda continua sendo de máxima importância tê-los como base de informação sobre a distribuição e densidade dos vetores. A Tabela 1 resume os níveis de significância para quatro índices usados no controle da febre amarela.

 

 

Assim pois, nas localidades onde forem registradas taxas de picadas sobre o homem superior a 2, será entendido como indicador significante de risco para ocorrência da transmissão. Conseqüentemente, se o objetivo for a prevenção da febre amarela, este índice deve ser mantido abaixo de 2. Loc13 chama atenção para o fato de este limite mínimo ainda não ter sido calculado para dengue hemorrágico. No caso do índice de Edifício, o nível de infestação deverá estar abaixo de 1%. Como não considera o número de recipientes positivos por casa e a produtividade deles, torna-se um pobre indicador de risco. Mas, nas primeiras campanhas de erradicação de A. aegypti foi considerado de grande valor. Por outro lado, este permite estabelecer número de pessoas expostas ao risco de contrair dengue e febre amarela.

Na aplicação do índice de Recipiente é conhecida a oferta de recipientes contendo água. Contudo, o índice de Recipiente pode deixar de considerar situações como poucos recipientes, mas que produzem muitos adultos e com bastante recipientes positivos que resultem em baixa produção deles. Por isso, mostra-se inconsistente na determinação do risco epidemiológico. Por outro lado, se os programas de controle não levam em conta a eliminação de todos os criadouros existentes, mas priorizam aqueles mais freqüentes e a identificação dos criadouros potenciais difere de localidade para localidade, seria possível encontrar neste índice alguma vantagem.

Com relação cio índice de Pupa, que tenta determinar a produtividade estimada de indivíduos emergentes, ter-se-ia um modo de monitorar o risco e operacionalizar a intervenção. Se associado ao índice de Produtividade de Adulto, pode-se notar que esses dois índices implicam levantar dados a partir de amostra representativa de habitats, utilizados como criadouros de mosquito. No entanto, seu espectro de ação contempla recipientes com grandes volumes de água e com caráter permanente. Forattini e colaboradores16 aplicaram este índice para caixa d'água contendo A. albopictus, obtendo produção de 15 fêmeas por dia, em período sazonal de maior produtividade da espécie.

Os determinantes de transmissão de dengue e febre amarela são múltiplos configurando uma complexa rede de causalidade. Os índices revisados têm sido recursos metodológicos para indicar quando se deve intervir nesse quadro. Assim, a Organização Mundial da Saúde procurou estabelecer uma equivalência epidemiológica entre os três índices mais populares, tendo como parâmetro a densidade de adulto. Esta, grosseiramente, seria calculada pela taxa de picada dividida por 2. A partir daí foi estabelecida uma escala de valores de densidade variando de 1 a 9, onde 2 a 3 dos tipos de índices foram simultaneamente determinados.17 (Tabela 2)

 

 

Quando a densidade for maior que 5 corresponderá a um índice de Breteau maior do que 50, ficando evidenciado risco elevado de transmissão, enquanto que a densidade 1 corresponderia a um índice de Breteau menor que 5, indicando o oposto. Em estudos feitos na Tailândia e Tanzânia, a densidade 1 da OMS correspondeu a densidade populacional aproximadamente de 1.000 fêmeas por hectare.17

Tinker18 demonstrou que o índice de Edifício, o índice de Recipiente e o índice de Breteau mantêm correlação quando as taxas de infestação estão baixas, ou seja, nível até 5%. Com a elevação deste patamar, ocorre uma progressiva divergência. Este fato foi explicado pelo maior número de múltiplos criadouros numa casa, ao contrário da situação da infestação abaixo de 5 onde prevalece quase sempre um criadouro por casa. Por sua vez, Chan e colaboradores11 encontraram correlação entre o índice de Breteau e do Edifício, mas não com o índice de Recipiente. Apesar disso, se reconhece a contribuição dele na determinação das características dos diversos tipos de habitats. Em Ribeirão Preto, as médias de recipientes estiveram correlacionadas com o índice de Breteau, para nível de significância de 10%.19

A densidade calculada pelo índice de Breteau, embora seja considerada indicador de risco de transmissão da febre amarela, nos níveis superiores a 5, tem sido igualmente usada para dengue. Mesmo assim, ainda não existe consenso acerca de que valor mínimo acima do qual ocorreria o referido risco. Kuno20 relata que a transmissão de dengue em Cingapura ocorreu com índice de Breteau abaixo de 5. Para Fabbro19 a vigilância larvária seria mais útil para avaliar distribuição geográfica e temporal dos vetores. Este autor assinala problema na amostra de imóvel que nem sempre pode ser considerada probabilística e comparável, assim como apontou outro aspecto negativo do índice de Breteau, pelo fato de ser resultado de uma média da localidade e não ter determinado ainda qual o tamanho da área geográfica que o índice deve referir. Assim, pois, na mesma cidade, poderão existir bairros com Indice de Breteau e riscos diferentes. Por outro lado, quando a amostra for de 50 ou 100 imóveis, fica a dúvida se o tamanho dessa amostra será significante para representar a desigualdade de distribuição de A. aegypti e A. albopictus numa cidade.17 Conseqüentemente, essa análise mostra a necessidade de aprofundamento na compreensão e na relação entre prevalência e abundância do mosquito, uma vez que o índice não leva em conta a produtividade dos tipos de criadouros.

A restrita tendência para emprego de novos índices precisa ser alterada, com estudos e novas abordagens. Marques e colaboradores21, por exemplo, comprovaram maior eficiência da ovitrampa, em relação a larvitrampa, mas somente a última armadilha continua sendo amplamente empregada. Adicionalmente, outros índices sequer são mencionados em manuais de operação de controle de vetores. Estudo comparativo recente entre densidade de larva e ovos de A. aegypti, realizado em dois bairros de Salvador, Bahia, evidenciou diferença estatisticamente significante favorável a ovitrampa (Ima Braga - informação pessoal).

Por outro lado, embora haja restrições éticas na estimativa da abundância de adulto pelo uso de isca animal, os procedimentos de amostragem dos alados podem fornecer dados valiosos para estudo específico, como tendências populacionais sazonais, dinâmica de transmissão ou avaliação das intervenções. Uma desvantagem dos índices de adulto seria resultarem em informações não reprodutíveis do mesmo. Mesmo assim, o uso extensivo deste índice em Cingapura tem demonstrado ser seguro refletindo a densidade absoluta do mosquito.13 Finalmente, este índice não deve ser aplicado em área ativa de transmissão.

Relativamente ao índice de Picada, para refletir adequadamente a taxa de contato do mosquito com o homem, é necessário executá-lo durante o pico de maior atividade da fêmea da espécie. Embora laborioso, seu emprego tem limitações em face da indicação para localidades com alta infestação de A. aegypti e ainda não ter sido validado como medida da densidade absoluta de A. aegypti e A. albopictus. Por outro lado, embora as capturas de mosquitos com seres humanos seja método sensível para detectar baixos níveis de infestação, envolve aspectos éticos que devem ser levados em consideração.

Não obstante a persistência de controvérsias sobre o significado epidemiológico ou dúvida quanto a eficácia, as experiências têm valorizado os mais sensíveis índices e operacionalmente exeqüíveis. Mesmo assim, a Vigilância Entomológica dispõe de um leque de opções metodológicas para medir os níveis de infestação de A. aegypti e A. albopictus em área urbana com perspectivas de aprofundamento nessa questão.

 

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Endereço para correspondência:
Av. Dr. Arnaldo, 715,
São Paulo/SP, 01.246-904.
E-mail: almer@usp.br