SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número1O indicador anos potenciais de vida perdidos e a ordenação das causas de morte em Santa Catarina, 1995*Vigilância de exposição ocupacional a substâncias tóxicas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.1 Brasília mar. 1999

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000100004 

O Indicador anos potenciais de vida perdidos e as transformações na estrutura de causas de morte em Santa Catarina no período de 1980 a 1995*

 

 

Heloisa Côrtes Gallotti Peixoto; Maria de Lourdes de Souza

Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho demonstra-se a aplicação do indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) na análise das transformações da estrutura de causas de morte em Santa Catarina, tomando como base 1980 e 1995. Utilizou-se método de padronização direto que permitiu estimar, para os grupos de causas estudados, o número de óbitos e de APVP que se esperaria em 1995, caso esta população estivesse exposta às probabilidades de morte verificadas em 1980, obtendo-se então as chamadas Razões Estandardizadas de Mortalidade (REM) e de APVP (RAPVP). Observou-se queda acentuada das taxas de mortalidade e de APVP por Doenças Não Transmissíveis e por Doenças Transmissíveis, Maternas e Perinatais, com exceção da faixa etária de 20 a 49 anos, que neste último grupo apresentou um aumento relativo, provavelmente em função do aparecimento da AIDS. No grupo das Causas Externas, ocorre inversão da tendência de queda. Foi utilizado, ainda, o indicador Razão entre Mortes por Enfermidades Não Transmissíveis e das Transmissíveis, Maternas e Perinatais, como medida resumo das transformações na estrutura de causas, que tem sido proposta como um indicador aproximado da transição epidemiológica. Os resultados encontrados foram comparados com os de outras regiões do mundo.

Palavras-Chave: Anos Potenciais de Vida Perdidos; Mortalidade; Tendência.


SUMMARY

ln this study, the application of the indicator Potential Years of Life Lost (PYLL) is demonstrated in the analysis of transformations in the death causes framework in Santa Catarina, from 1980 and 1995. Method of direct standardization was employed to allow estimating, for the groups of studied causes, the number of deaths and PYLL expected for the year 1995 in case this population would be exposed to death probabilities verified in 1980. Thus, the Standardized Reasons for Death (SRD) and for PYLL (RPYLL) would be obtained. Marked drop was observed in the mortality and PYLL rates caused by Non-communicable diseases and Communicable diseases, Maternal and Perinatal, exception made for the 20 - to - 49 - year age strata which exhibited relative increase in this group, probably due to the appearance of AIDS. External deaths causes had an inversion of its drop trend. Another indicator used was the ratio between deaths due Noncommunicable and Communicable, Maternal and Perinatal, as a synthetizing measure of transformations in the causes structure, proposed as an approximate indicator of the epidemiological transition. Results found were compared to those of other regions around the world.

Key Words: Potential Years of Lost Life; Mortallity; Trends.


 

 

Introdução

A proposta do trabalho é demonstrar como a análise da evolução do padrão de mortalidade por causas pode enriquecer-se com o uso complementar de diferentes indicadores e o emprego de técnicas de "ajuste" dos dados.

Utilizando como "pontos de corte" os anos de 1980 e 1995, o trabalho descreve as transformações ocorridas na estrutura de causas de morte de Santa Catarina, sugerindo uma metodologia que inclui, além de técnicas de ajuste para o tratamento do grupo das "causas mal definidas" e do cálculo de coeficientes padronizados, a introdução do indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos, para avaliar a evolução das transformações.

Vários estudos têm mostrado a utilidade do indicador para a análise da tendência da mortalidade1,2,3,4 e a Organização Panamericana da Saúde, assim como o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos também adotam esta técnica nas suas análises.5,6,7

 

Metodologia

Os dados de mortalidade utilizados referem-se aos óbitos de residentes em Santa Catarina, ocorridos e registrados nos anos de 1980 e 1995.

A análise das mudanças ocorridas baseou-se na agregação das causas de óbito em três grandes grupos, que obedece à divisão proposta por Murray e Lopez.8 Os códigos da Classificação Internacional de Doenças,9 correspondentes a cada grupamento, são apresentados na Tabela 1.

 

 

Um primeiro problema a ser contornado, era o número de óbitos por causas mal definidas ocorrido nos dois anos estudados, que impedia a comparabilidade dos dados e o cálculo dos coeficientes por grupos de causas específicas. Isto porque as causas mal definidas podem ser consideradas como um "sub-registro de causas" e quando se pretende medir riscos específicos de morte por grupos de causas, ou seja, calcular coeficientes específicos, é necessário que se distribuam proporcionalmente as causas ignoradas entre as causas conhecidas, sem o que chegaríamos, certamente, a um risco subestimado.

Becker10 alerta no sentido de que esse tipo de ajuste - redistribuição de causas mal definidas - não deve, em princípio, ser adotado para as causas externas de morte, visto que, por razões médico-legais e policiais, dificilmente as causas externas deixarão de referir o fato de tratar-se de acidente ou violência. Assim, assumindo que a proporção de causas externas contidas nas mal definidas é muito baixa, optamos por redistribuir os óbitos com causa ignorada somente entre os outros dois grupos.

A distribuição foi feita de forma parcelada por idade, segundo a proporção das causas conhecidas próprias de cada grupo em relação ao total de óbitos, excluídas as mal definidas e as causas externas. Isso foi necessário, pois, quando se calcula a proporção de causas mal definidas por idade, verifica-se que ela não é homogênea. Geralmente essa proporção é maior nas idades extremas.

Solucionado este primeiro problema, deparamo-nos com outro fator interveniente na comparação da mortalidade de uma mesma população em momentos diferentes: a influência da composição etária da população no cálculo dos indicadores. Esta influência decorre do fato de que os coeficientes gerais, referentes ao conjunto da população, são médias ponderadas dos riscos inerentes a cada parcela da população. Isto pode ser aplicado a qualquer atributo da população, mas a variável idade tem influência determinante, havendo a necessidade de buscar uma fórmula que permita o "ajuste" dessas diferenças, antes de se proceder à análise.

Neste trabalho utilizou-se um método de padronização direto que consistiu em (depois de calcular os riscos específicos de morte em cada grupo etário, para os dois anos estudados) aplicar as probabilidades de morte de cada grupo, observadas no ano inicial (1980), à população por faixas etárias estimada para o ano de 1995. Esse procedimento permite estimar o número de óbitos e de APVP que se esperaria no ano de 1995, caso esta população estivesse exposta às probabilidades de morte verificadas no ano de 1980.

Para facilitar a comparação entre os coeficientes esperado e observado, foram calculadas as Razões Estandardizadas de Mortalidade e APVP (REM e RAPVP). Essas taxas são também conhecidas como Mortalidade Proporcional Padronizada - MPP, ou Standardized Mortality Ratio - SMR, na língua inglesa.

O cálculo dessas razões é obtido como resultado de uma divisão do número de óbitos (ou de APVP) observado pelo esperado, mas, considerando que os riscos eram quase sempre menores na população de 1995 do que na de 1980, optamos por apresentar o resultado em forma de percentual.

Além das Razões Estandardizadas de Mortalidade e APVP, foram calculados as mortes e APVP evitados, por faixas etárias e para cada um dos grupos de causas, assim como para o total. Esses valores foram obtidos, simplesmente diminuindo-se os óbitos (ou APVP) esperados dos efetivamente observados.

Finalmente, para entender melhor a transformação na estrutura das causas de morte, no período considerado, foi utilizado o indicador razão entre mortes por enfermidades do Grupo II - Doenças não transmissíveis e as causas do Grupo I - Doenças Transmissíveis, Maternas e Perinatais, que tem sido proposto como um indicador aproximado da transição epidemiológica.

 

Resultados e Discussão

A Tabela 2, apresenta, para 1980 e 1995, o número de óbitos, APVP e coeficientes por 100.000 habitantes, segundo grupos de causas e faixa etária, mostrando ainda a variação percentual dos coeficientes específicos, observados no período. Pode-se observar uma queda das taxas de mortalidade dos primeiros grupos etários e que, entre os menores de cinco anos, a redução foi de mais de 50% (56% entre os menores de um ano e 53,5% na faixa etária de um a quatro anos). Algumas das tendências observadas podem ser visualizadas na Figura1.

 

 

 

 

A análise dos coeficientes específicos por grupos de causas mostra que a queda se deu pela redução de óbitos no Grupo II (não transmissíveis) e no Grupo I - Doenças Transmissíveis, Maternas e Perinatais. Esse último, cujas medidas de prevenção atuam a curto e médio prazos,1 apresenta, em quase todas as faixas etárias, redução expressiva, com exceção da faixa de 20 a 49 anos, onde se observa um relativo um relativo aumento dos coeficientes. Esses resultados sugerem que isso pode estar relacionado ao aparecimento da AIDS, cuja taxa de mortalidade se concentra nessas idades. Isso se reflete no aumento de APVP de 1995 por esse grupo de causas e da mesma faixa etária que, diferentemente das outras idades, mais que dobraram no período.

A tendência de queda, observada nos dois primeiros grupos, inverte-se no Grupo III, cujas taxas de mortalidade ascendem, de maneira geral.

Para entender melhor a mudança ocorrida na estrutura da mortalidade prematura por causas, no período estudado, calculamos a razão entre mortes por causas do Grupo II (Não Transmissíveis) e Grupo I (Transmissíveis, Perinatais e Maternas). A Tabela 3 e a Figura 2 mostram o indicador calculado para Santa Catarina e os valores estimados para 1990 para outras regiões do mundo, encontrados por Murray e Lopez,8 que sugerem o uso desta razão como um indicador aproximado da transição epidemiológica.

 

 

 

 

Pode-se observar grande variação entre as regiões analisadas. Enquanto as regiões desenvolvidas apresentam em conjunto uma razão de quase 17 mortes por doenças não transmissíveis para cada óbito do Grupo I - Doenças Transmissíveis, maternas e perinatais, na África subariana a relação se inverte, fazendo com que as mortes por causas do Grupo I sejam três vezes mais freqüentes do que as devidas às causas do Grupo II.

Quando comparamos esse indicador, estimado "países europeus antes socialistas" e "países com economia de mercado consolidada", chama a atenção o fato de, nos primeiros, a razão ser de 24 mortes por doenças não transmissíveis para cada óbito do Grupo I, enquanto para os segundos o resultado foi de somente 14,2. Fica a pergunta: que fatores estariam determinando um diferencial dessa ordem?

Na América Latina e Caribe, a razão foi estimada para 1990, em 1,8, valor que se aproxima do indicador calculado para o estado de Santa Catarina, em 1980.

A análise do indicador para Santa Catarina em 1995 evidencia um deslocamento das causas de morte do Grupo I para os outros grupos, caracterizado pela razão de 4,0 e que pode ser entendido como um indicativo da transição epidemiológica que o indicador tenta medir.

Diante das mudanças na estrutura etária da população no período analisado e com o objetivo de verificar o que poderia ter ocorrido com a mortalidade e os APVP de 1995 caso a população tivesse ficado exposta aos riscos de morte observados 15 anos antes, calculamos, para cada grupo de causa selecionado, os óbitos, APVP e coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes, que se esperaria para o ano de 1995, nessa situação hipotética. Foram ainda calculadas as Razões Estandardizadas de Mortalidade e APVP (REM e RAPVP), expressas em percentual e as mortes e APVP evitados. Os resultados estão apresentados, de forma resumida, nas Tabelas 4 e 5.

 

 

 

 

Enquanto a Razão Estandardizada de Mortalidade (óbitos observados/ esperados) foi da ordem de 83%, a Razão de APVP mostra que os APVP por 1.000 habitantes, observados em 1995, representaram menos da metade dos esperados se as probabilidades de morte fossem mantidas. É possível que isso ocorra porque a redução do número de mortes tenha se dado de forma mais acentuada nos grupos etários mais jovens. Se, entre os menores de um ano, foram evitadas 2.311 mortes, as quais "pouparam" 2.291 APVP para cada 1.000 habitantes, nos outros grupos etários o ganho foi significativamente menor, e que, em alguns deles, como o de 20 a 29, e principalmente o de 15 a 19, observa-se um "excesso" da mortalidade e APVP observados, em relação ao esperado.

A Tabela 6 tem dados para analisar o comportamento de cada grupo de causa separadamente e novamente verificamos que o maior ganho, em termos de redução da mortalidade e dos APVP, ocorreu no grupo das doenças transmissíveis, maternas e perinatais, cuja REM foi de 54%.

 

 

O Grupo II, das não transmissíveis, também apresentou redução, apesar de não tão acentuada como a verificada no Grupo I, mas o grupo das causas externas, que inclui os óbitos por acidentes, homicídios e suicidios, mostra uma clara tendência de aumento.

Considerando as taxas de mortalidade observadas em 1980, o Grupo III foi responsável por 434 óbitos a mais do que se esperaria e "roubou", de cada 1.000 habitantes, 4,3 anos potenciais de vida do que "roubaria" se a probabilidade de morte por acidentes, homicídios e suicídios se mantivesse constante.

 

Comentários Finais

A maioria dos trabalhos que utilizam dados de mortalidade faz referência à influência de possíveis fatores que estariam distorcendo os resultados. Dentre eles, é bastante salientada a influência da qualidade das informações relativas a causa básica do óbito e de diferentes estruturas etárias. No entanto, as técnicas utilizadas para corrigir esses problemas são pouco divulgadas. Neste trabalho, procurou-se demonstrar o uso de algumas dessas técnicas na análise temporal da mortalidade.

A alternativa de trabalhar com "grandes grupos de causas" que forneçam uma visão ampliada das transformações ocorridas, quando o que se pretende é analisar tendências temporais, também nos pareceu de grande utilidade.

Aparentemente, os resultados encontrados colocam a situação de mortalidade de Santa Catarina em um padrão de transição, com a redução de mortes por doenças transmissíveis e um aumento relativo das não transmissíveis e das causas externas.

No entanto, vários autores, como Araújo,11 têm demonstrado que esse modelo linear de transição epidemiológica, observado nas nações centrais, e que supõe a passagem de um nível a outro, não pode ser aplicado aos países periféricos, onde o que se observa são processos interrompidos e até de retrocessos.

A análise mais atenta dos padrões de mortalidade desses países aponta para a chamada "polarização epidemiológica", em que se observa, ao lado da permanência e mesmo do agravamento das doenças infecciosas e parasitárias, o aumento das doenças crônico-degenerativas e das causas externas. A diferença é que, nos países industrializados, quando essas últimas assumiram destaque na mortalidade, as primeiras já estavam sob controle.

Em Santa Catarina, o "excesso" de mortalidade por doenças transmissíveis observado no grupo etário de 20 a 49 anos parece estar relacionado com o aparecimento da AIDS, de certa forma ratificando essas colocações.

A utilidade do indicador APVP nos estudos de tendência fica explicitada, bem como da distinção deste em relação aos indicadores tradicionalmente utilizados, lembrando que não são antagônicos, mas complementares.

 

Bibliografia

1. Mah oney MC, Michalek AM, Cummimngs KM, Hanley J, Snyder RL. Years of potencial life lost among a Native American population. Public Health Reports 1989; 104(3): 279- 285.

2. Marlow AK. Potencial Years of life lost: what is the denominator? Journal of Epidemiology and Community Health 1995; 49(3): 320-322.

3. Romeder JM, McWhinnie JR. Años de vida potencial perdidos entre las edades de 1 y 70 años: un indicator de mortalidad prematura para la planificatión de la salud. In: Buck, C.(org). El Desafío de la Epidemiología. Washington:OPAS; 1988.

4. Rodriguez LAC, Motta LC. Years of potencial life lost: Application of an indicator for assessing premature mortality in Spain and Portugal. World Health Statistics Quarterly 1989; 42: 50-56.

5. Organización Panamericana de la Salud. Mortalidad según criterios de evitabilidad. Cuba. Adaptado de Ríos Massabot, NE. e Tejeiro Fernandez: Perfis de salud; investigación de mortalidad. Boletín Epidemiológico 1990; 11(1):9-14.

6. Organización Panamericana de la Salud. Mortalidade Evitable: indicador o meta? Aplicación en los países en desarrollo. Boletín Epidemiológico 1990; 11(1): 1-9.

7. EUA. Center for Diseases Control. Leads from the Mortality patterns-United States. MMWR 1990; 35(12): 193-201.

8. Murray CJL, Lopes AD. Patrones de distribuición mundial y regional de las causas de defunción en 1990. Boletin de la Oficina Sanitaria Panamericana 1995; 118(4): 307-345.

9. BRASIL. Classificação Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Óbitos: 9a revisão, 1975. São Paulo: Centro da OMS para classificação de Doenças em Português; 1978. 815 p.

10.Becker RA. Análise de mortalidade: delineamentos básicos. Brasília: Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Coordenação de Informações Epidemiológicas; 1991. 85 p.

11.Araújo JD. Polarização epidemiológica no Brasil. Informe Epidemiológico do SUS 1992; 1(2): 6-15.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua 23 de Março, 312
Itaguaçú
Florianópolis - Santa Catarina
CEP: 88085-440
E-mail:helo@saude.sc.gov.br

 

 

*Artigo originado da dissertação de mestrado "Mortalidade em Santa Catarina. Aplicações do Indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos".