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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.1 Brasília mar. 1999

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000100005 

Vigilância de exposição ocupacional a substâncias tóxicas

 

 

Hélio Neves

Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó. Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Exposições ocupacionais a substâncias tóxicas constituem relevante problema de saúde pública na atualidade. Este trabalho tem como objetivo discutir a prioridade, utilidade e viabilidade da vigilância em saúde pública como instrumento para caracterizar a ocorrência de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, com vistas ao desenvolvimento de ações de controle. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a vigilância em saúde pública, sua aplicação em saúde do trabalhador e especificamente em condições de risco em saúde ocupacional. Para ilustrar a potencialidade dos laboratórios atuantes em toxicologia ocupacional como fontes de informação para a identificação de conglomerados de trabalhadores sobre-expostos a determinadas substâncias tóxicas, apresentaremos alguns dados sobre a produção de um laboratório atuante na área, no Estado de São Paulo. Foram identificadas diversas características que conferem prioridade e utilidade a sistemas de vigilância nos moldes aqui discutidos e apontam sua viabilidade; foi discutida a necessidade de ações para melhorar a qualidade das práticas laboratoriais nesta área.

Palavras-Chave: Vigilância; Exposição Ocupacional; Monitorização Biológica; Substâncias Tóxicas; Limites de exposição.


SUMMARY

Occupational chemical exposure is currently a relevant public health problem. This paper discusses the priority, usefulness and feasibility of public health surveillance as a tool to monitor the problem and guide the development of control measures. The use of public health surveillance in occupational hazards is discussed. To demonstrate the usefulness of toxicology laboratory data as potential sources of information to identify clusters of occupational exposure to toxic substances, data from a laboratory located in São Paulo is presented. Several features that suggest priority, usefulness and feasibility of a surveillance system like were identified; the development of actions to improve the laboratory practices in this area was discussed.

Key Words: Surveillance; Occupational Exposure; Biological Monitoring; Chemicals; Exposure Limits.


 

 

Introdução

Um vertiginoso crescimento de síntese e uso de substâncias químicas vem se verificando desde a II Guerra Mundial. Atualmente, estão registradas no Chemical Abstract Service (CAS) aproximadamente 10.000.000 de substâncias.1 No Registry of Toxic Effects of Chemical Substances (RTECS), estão documentados efeitos negativos à saúde de cerca de 116.000 substâncias.2 Landrigan3 estima a existência de informações toxicológicas para cerca de 20% das 60.000 substâncias em uso nos processos produtivos. Estima ainda que a cada ano 350.000 trabalhadores norte-americanos adoecem em decorrência de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, com cerca de 60.000 óbitos pela mesma causa. Em 1988, a rede de centros de controle de intoxicação dos EUA registrou 25.368 casos de intoxicações ocupacionais.4 No Brasil, em 1995, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas registrou 5.331 casos de intoxicações em circunstâncias ligadas ao trabalho.5 Em 1997, foram registrados 6.035 casos.6

Um instrumento bastante utilizado para verificar a ocorrência de exposição ocupacional a substâncias tóxicas é a dosagem de marcadores biológicos de exposição. Em nosso meio, é obrigatória a monitorização de exposição ocupacional a 26 substâncias ou grupos delas, conforme norma emitida pelo Ministério do Trabalho.7 Para cada uma destas substâncias, está determinado um limite de tolerância.

Embora tais limites de tolerância venham sendo questionados quanto à garantia de condições saudáveis de trabalho e estejam disponíveis para poucas centenas de substâncias, podem se constituir em importante instrumento para a identificação de condições adversas de trabalho, se utilizados como parte de uma prática efetiva de prevenção de agravos e promoção à saúde.

Garantir que as regras estabelecidas sejam obedecidas, adequando-as aos atuais conhecimentos científicos, deve fazer parte de uma política de prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores por parte das instituições públicas com responsabilidade nesta área, especialmente do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis.

Um sistema de vigilância de base laboratorial, com a utilização das análises de marcadores biológicos de exposição, pode constituir excelente instrumento para o reconhecimento da realidade, possibilitando identificar empresas e ramos de atividade onde ocorrem exposições elevadas a determinadas substâncias, indivíduos ou grupos de indivíduos mais expostos, monitorizar tendências na ocorrência destas exposições, desencadear ações de controle e avaliar sua eficácia e efetividade.

Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizada revisão bibliográfica sobre temas como: magnitude do problema; instrumentais utilizados para melhorar os conhecimentos sobre o assunto e gerar informações para ações de prevenção; programas de rastreamento médico e monitorização biológica em saúde ocupacional; práticas laboratoriais existentes na área e sua regulamentação para ampliar a confiabilidade dos resultados; e uma breve descrição da evolução das práticas e conceitos de vigilância em saúde pública e sua recente incursão no campo da saúde do trabalhador e, especificamente, em toxicologia ocupacional.

Foram apresentados alguns elementos relativos à produção de análises de biomarcadores no Estado de São Paulo e descrição dos resultados das análises de um laboratório sediado no Município de São Paulo, para demonstrar as potencialidades dos laboratórios de toxicologia ocupacional enquanto fonte de informação - conveniente e adequada - para que sejam eleitos como o principal suporte de dados de um sistema de vigilância com este escopo.

 

Vigilância de base laboratorial para exposições ocupacionais a substâncias tóxicas

Sistemas de vigilância epidemiológica, desenvolvidos para o controle de doenças infecto-contagiosas,8,9,10,11,12,13 vêm sendo utilizados em diversas outras circunstâncias e condições de saúde, relacionados ou não a infecções e doenças,9,12,14 ganhando progressiva aplicação em saúde do trabalhador a partir da década de 80, com enfoque inicial nos acidentes de trabalho,15,16,17,18 nas doenças ocupacionais,19,20,21,22,23,24,25 e, mais recentemente, nas condições de risco.26

Vigilância de condição de risco (hazard surveillance) é a avaliação de tendências seculares de exposição a agentes químicos e outros agentes agressivos, responsáveis por doenças e lesões. Em saúde do trabalhador, vigilância de condição de risco possibilita identificar processos de trabalho que geram níveis elevados de exposição a agentes agressivos ou indivíduos expostos a estes agentes, em determinadas empresas ou categorias de trabalho.27

Uma vez que não lida com excesso de mortalidade ou de agravos, a vigilância de condição de risco tem o condão de vincular-se diretamente ao desenvolvimento de ações de prevenção primária, através da detecção precoce das exposições a potenciais agentes nocivos, identificação de grupos de expostos e disseminação das informações aos que estejam em posição de tomada de decisão para interromper o processo.28

Note-se que, para agravos que têm nas condições de trabalho uma entre suas múltiplas causas, costuma ser pouco útil organizar sistemas de vigilância de doenças, em função das dificuldades para diagnosticar a condição e para definir a importância relativa dos fatores não ocupacionais na etiologia dos agravos. Neste caso, o controle de tais agravos obtém melhores resultados através de sistemas de vigilância de condições de risco, que podem se utilizar, por exemplo, das informações de análises de marcadores biológicos de exposição proporcionadas pelos laboratórios de toxicologia ocupacional, com baixo custo adicional.29

Em funcionamento no Estado de Nova Iorque (EUA) desde a década de 80, um sistema de vigilância de base laboratorial para a detecção de casos de exposição elevada a metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio e arsênico) registrou 3.309 casos no período de 1982 a 1986, entre trabalhadores de 328 empresas localizadas naquele estado. Notificações de exposições elevadas ao chumbo representaram 59% dos casos e 75% das empresas e exposições ao mercúrio representaram 36% dos casos e 14% das empresas. Atividades de manufatura responderam por 80% dos casos e 40% das empresas. Serviços e construção representaram 23% e 17% das empresas, respectivamente.30

Entre outras vantagens da vigilância de base laboratorial estão seu baixo custo de operação, a elevada certeza a respeito dos casos identificados, a eliminação da necessidade de cooperação individual de médicos e de instituições de saúde, além da sua capacidade de identificar trabalhadores expostos e empresas passíveis de intervenção para o controle de condições adversas de trabalho.

 

Utilidade de um sistema de vigilância de exposição ocupacional a substâncias tóxicas

Com as características de um sistema de vigilância de base laboratorial, tal tipo de sistema tem o potencial de instrumentalizar as autoridades locais e estaduais de saúde no planejamento de intervenções para o controle de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, à medida que possibilita:

a) identificar empresas onde haja trabalhadores ocupacionalmente expostos a determinadas substâncias tóxicas, em concentrações superiores àquelas consideradas como aceitáveis, conforme limites estabelecidos pela autoridade sanitária, considerando os conhecimentos científicos sobre suas toxicidades;

b) identificar, através de estudos estatísticos e por comparação da base de dados do sistema com as informações censitárias existentes, tendências de ocorrência de elevadas exposições, em função de ramo de atividade, porte, localização geográfica ou outras características das empresas;

c) monitorizar tendências gerais ou conforme ramo de atividade, porte localização geográfica das empresas, quanto ao uso da monitorização biológica de exposição a substâncias tóxicas quanto ao comportamento de tais exposições;

d) identificar pessoas ou grupos de pessoas particularmente mais expostos ou mais suscetíveis diante de tais exposições, como mulheres em idade reprodutiva e crianças;

e) recomendar, com bases científicas e legais, medidas para o controle das condições indesejáveis de trabalho identificadas;

f) estimar a magnitude da ocorrência das exposições aos xenobióticos monitorizados pelo sistema, bem como das conseqüências destas exposições sobre a saúde da comunidade;

g) avaliar o impacto e a adequação das estratégias desenvolvidas por municípios ou regiões do estado com vistas ao controle das condições inadequadas de trabalho identificadas.

Mesmo assumindo que a cobertura de monitorização de exposições tende a ser baixa, a exemplo do que ocorre nos EUA31 , a utilização dos conceitos de matriz de exposição32 torna possível realizar projeções e identificar empresas e ramos de atividade onde potencialmente ocorrem graves violações das normas de segurança no que tange às exposições ocupacionais a determinadas substâncias tóxicas. Isto é possível pela associação de bases de dados que caracterizam o parque produtivo instalado com os conhecimentos empíricos a respeito dos processos produtivos e informações geradas por um sistema de vigilância de exposições de base laboratorial como este que ora discutimos.

 

Substâncias a monitorizar e definição de caso

Diante da existência de elevado número de substâncias nos processos produtivos, deve-se estabelecer critérios para a colocação de determinada substância no rol daquelas que serão monitorizadas. Dentre os critérios deve figurar a difusão do uso da substância, sua toxicidade em condições normais de uso nos processos produtivos, a existência de bons marcadores biológicos de exposição, dentre outras.

Para a definição de caso em sistemas de vigilância como este deve-se tomar como referência os conhecimentos científicos existentes sobre a toxicidade de cada xenobiótico a ser monitorizado e sobre os níveis seguros de exposição a cada um dos agentes listados. Para isto, é conveniente a realização de ampla revisão da legislação nacional e internacional sobre o assunto, bem como profunda revisão bibliográfica da produção científica sobre toxicidade e limites de exposição, de modo a proporcionar sólidas bases técnicas e legais para a tomada de decisões quanto a adoção dos melhores valores limites, com vistas à maior proteção da saúde dos trabalhadores.

Note-se que há um intenso questionamento a respeito da validade dos valores estabelecidos como limites de tolerância para exposições ocupacionais, com fortes evidências de fraude nas definições dos limites de tolerância mais amplamente utilizados na atualidade, cujas definições teriam sido assumidas sob influência de empresas interessadas na definição de valores mais elevados.33,34

Como ponto de partida, podem-se utilizar as normas em vigor, elaboradas pelo Ministério do Trabalho, que proporcionam um amplo conjunto de elementos para identificar condições altamente adversas de trabalho referentes a exposições ocupacionais às 26 substâncias ou grupos delas listadas na Norma Regulamentadora de no 7, e que devem ser submetidas a ações de controle,7 e que já fazem parte dos programas de rastreamento desenvolvidos por muitas empresas em obediência aos preceitos legais estabelecidos pelo Ministério do Trabalho.7

Outras substâncias e respectivos marcadores, podem ser acrescidas à lista, à medida que a autoridade de saúde considerar adequado e viável.

Limites de tolerância podem ser revisados diante da existência de informações adequadas.

 

A sustentação legal para tal sistema

Desde a promulgação da Constituição, em 1988, e da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, ao Sistema Único de Saúde (SUS) vêm-se atribuindo maiores responsabilidades na atenção à saúde do trabalhador, cabendo a ele organizar ações de assistência, vigilância e intervenção nas condições nocivas de trabalho, com vistas ao controle de agravos específicos neste grupo populacional.35,36 Ao atribuir responsabilidades ao SUS, estas leis outorgam ao sistema prerrogativas para a obtenção das informações de que ele necessita para o planejamento das suas ações.

No Estado de São Paulo, em particular, foi promulgada em 1997 a Lei da Saúde do Trabalhador, que obriga os laboratórios a notificarem à autoridade sanitária os resultados de análises de marcadores biológicos de exposição.37 Porém, a autoridade sanitária estadual, interessada em desenvolver um sistema de vigilância como este, pode tornar obrigatória a notificação destas variáveis sem depender da promulgação de leis específicas, valendo-se da legislação existente, regulamentando a obrigatoriedade do mesmo modo como se faz com as doenças infecciosas de notificação compulsória.

 

Abrangência de sistemas de vigilância de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas

Tal assunto pode constituir relevante problema de saúde pública em determinadas regiões de um estado mas não em outras, em determinados estados e não em outros. O que nos leva a concluir que sistemas de vigilância como este podem ser de elevado interesse em determinadas regiões do país e de menor relevância em outras. O que não desqualifica o assunto enquanto problema de saúde pública de abrangência nacional, diante do fato de que há diversos estados com parque industrial, agrícola e de serviços bastante desenvolvidos, onde o problema manifesta-se de modo mais exuberante.

Por outro lado, as análises de marcadores biológicos de exposição em saúde ocupacional são realizadas por número relativamente pequeno de instituições e as informações produzidas podem interessar a serviços de saúde de municípios ou estados diferentes daqueles em que estão localizados os laboratórios. Poucos municípios dispõem de pessoal habilitado para desenvolver e manter sistemas de vigilância com estas características, e os custos de desenvolvimento e manutenção de sistemas de vigilância nesta área são proibitivos para muitos municípios. Seu desenvolvimento a partir dos municípios geraria grande multiplicidade de esforços, à medida que cada município interessado teria de recorrer, em princípio, a diversos laboratórios, muitas vezes localizados em outros estados para obter as informações de empresas localizadas em seu território.

Considerando as questões anteriormente levantadas, o desenvolvimento da legislação anteriormente apontado, a experiência desenvolvida nos EUA, país cuja dimensão e organização federativa assemelha-se à nossa, e as questões relativas à experiência e potencialidades das instituições atuantes em saúde pública, acreditamos que um sistema de vigilância como este tem melhores chances de ser operacionalizado se desenvolvido ao nível das secretarias estaduais de saúde, notadamente dos estados onde o problema é percebido como de maior importância.30,38

Ao Ministério da Saúde, considerando as disposições legais relativas à organização do Sistema Único de Saúde,39 compete contribuir com os estados, estimular o desenvolvimento de tais sistemas de vigilância, conforme as escalas estaduais de prioridades, articular a cooperação entre estados para a troca de informações e realizar as necessárias consolidações e análises no plano nacional.

 

Variáveis a serem coletadas

Na busca da maior simplicidade possível, sem prejuízo da utilidade e da capacidade de atingir seus objetivos, e considerando que um sistema de vigilância nestes moldes manuseia elevado volume de registros, deve-se centrar a busca de informações em variáveis que possibilitem identificar e caracterizar as fontes de exposição, as características das exposições e os indivíduos expostos. Procedendo deste modo, favorece-se maior aceitabilidade e se garante maior quantidade e melhor qualidade das notificação dos eventos que estejam ocorrendo na comunidade, ampliando-se assim a sensibilidade e representatividade do sistema.

Deste modo, apontamos como variáveis fundamentais de serem coletadas as seguintes:

Relativas às empresas - razão social, ramo de atividade de acordo com a Classificação Nacional de Atividade Econômica, número de empregados, endereço completo e Cadastro Geral de Contribuintes (CGC).

Relativas às pessoas - nome, sexo e idade.

Relativas aos exames realizados - marcadores biológicos analisados, xenobióticos correspondentes, valores obtidos, data da realização das análises.

Instrumentos de notificação - este tipo de sistema opera, presumivelmente, com elevado volume de notificações. E pode operar com relativamente pequena quantidade de variáveis. Para garantir maior agilidade ao sistema, a notificação pelos laboratórios de toxicologia deve ser realizada, preferentemente, através de mídia eletrônica, em programa de entrada de dados definido pela autoridade sanitária. Este programa deve ser de simples manuseio e, se possível, capaz de proporcionar consistência a alguns campos da base de dados, especialmente aqueles relativas à caracterização das empresas. Tal consistência pode ser obtida pela utilização do CGC como informação chave, uma vez que tal variável dispõe de consistência interna, que possibilita impedir a entrada de valores espúrios, com a vantagem de que a cada empresa corresponde um único número.

Disseminação das informações - dois processos de disseminação de informações devem ser considerados. O primeiro relaciona-se às necessidades da autoridade local de saúde em identificar de modo rotineiro as condições adversas de trabalho existentes na sua área de responsabilidade. Neste caso, é desejável que receba oportunamente a base de dados bruta sobre eventos que estejam ocorrendo na sua comunidade, preferentemente por mídia eletrônica, acompanhada de uma breve análise impressa, que possibilite reconhecer a necessidade de análise mais detalhada dos dados recebidos, e identificar as ocorrências de acordo com as características de tempo, lugar e pessoa. Esta análise deve-se fazer acompanhar de pertinentes recomendações técnicas relativas aos eventos encontrados, métodos de controle, toxicologia dos diferentes agentes químicos, medidas terapêuticas eventualmente disponíveis, instrumentos legais para o desenvolvimento de ações de prevenção nesta área, dentre outras.

O segundo caso refere-se à apresentação de análises mais detalhadas quanto às tendências históricas das práticas de biomonitorização e das ocorrências de exposições a cada um dos xenobióticos de interesse, conforme ramo de atividade, porte e localização geográfica das empresas; da identificação de ramos de atividades com cobertura deficiente de monitorização das exposições dos seus trabalhadores, apesar de haver evidências de que submetem seus trabalhadores a exposições mais elevadas do que outros; de condições especiais que mereçam maior atenção da autoridade local e da comunidade, como crianças e mulheres em idade reprodutiva expostas a determinados agentes tóxicos; das possibilidades de uso das informações existentes para o desenvolvimento de medidas de controle; sobre as medidas de controle possíveis de serem adotadas diante de cada tipo de situação; sobre o desenvolvimento e necessidade de aperfeiçoamento da legislação sobre o assunto, seja em âmbito municipal, estadual ou federal, entre outras. Para dar conta deste papel, pode ser interessante a manutenção de um boletim epidemiológico com periodicidade semestral ou anual, por exemplo, destinado à comunidade em geral, mas especialmente voltado às autoridades locais e regionais de saúde.

Suporte técnico - à semelhança do que ocorre com os sistemas de vigilância já em operação em nosso meio, é desejável que a agência gerenciadora proporcione suporte técnico-científico para as instituições executoras de ações de controle, notadamente as secretarias municipais de saúde, e às empresas cujas condições de trabalho estejam inadequadas.

Tal suporte pode ser proporcionado através de documentos de orientação técnica, com informações relativas à toxicidade, toxicocinética, avaliação clínica dos expostos, condutas terapêuticas para intoxicações pelos xenobióticos constante da lista do sistema de vigilância, normas técnicas existentes a respeito do problema, orientações gerais sobre medidas de controle reconhecidas como mais adequadas e legalmente determinadas e indicação de instituições de apoio para cada tipo de situação identificada.

 

Fiscalização, assistência e educação em saúde pública

Quanto à participação das autoridades locais de saúde diante do problema, notar que a elas, além de receber informações e colaborar para o bom funcionamento do sistema de vigilância, compete um papel bem definido de desenvolver ações de prevenção primária, secundária e terciária, com participação subsidiária das esferas estadual e federal, sempre que necessário.38,39 Tais ações, que se realizam através da fiscalização das condições de trabalho, da atenção à saúde daqueles que já adoeceram e de ações educativas dirigidas à comunidade envolvida diretamente com o problema e à comunidade em geral, não se confundem com vigilância em saúde pública, conforme defendem LANGMUIR 9,10 e THACKER & BERKELMAN,14 embora com ela relacionem-se de modo muito estreito.

O desenvolvimento das práticas de intervenção em ambientes de trabalho, de atenção à saúde de trabalhadores portadores de agravos decorrentes das condições de trabalho e de educação em saúde pública voltada para este segmento da população, é assunto assumido recentemente pelo nosso sistema de saúde,39 mas já existem diversas experiências de abordagem destes problemas por instituições de saúde em diversos estados brasileiros.

 

Fontes de informação e resultados encontrados

Embora não disponhamos de informações sobre as práticas de biomonitorização no Brasil como um todo, sabemos que no Estado de São Paulo operam atualmente algumas dezenas de laboratórios na produção de análises de cerca de 30 diferentes marcadores biológicos de exposição ocupacional a substâncias tóxicas, com produção superior a 160.000 análises por ano; ao que tudo indica, com freqüência não desprezível de exames cujos resultados indicam exposições elevadas a diversas substâncias.

Conforme se pode ver em NEVES,40 estudo de amostra da produção de um destes laboratórios (Setor de Toxicologia Industrial do SESI - Leopoldina, entre julho de 1995 e junho de 1996), com 4.992 análises, de 2.652 trabalhadores, de 32 empresas, revelou a existência de 17 empresas, de diversos ramos de atividade econômica, com pelo menos um resultado de exame superior aos valores utilizados como limites, em que 14 delas apresentaram dosagens elevadas dos marcadores de exposição ao chumbo (25μg/dl de chumbo no sangue), duas ao mercúrio (20 μd/l de mercúrio na urina), uma ao ácido hipúrico (2,5g/g de creatinina, de ácido hipúrico urinário) e ao fenol (250mg/g de creatinina, de fenol urinário).40

No universo amostrado verificou-se a existência de 731 indivíduos com pelo menos um resultado de análise cujo valor foi superior ao estabelecido como limite, para cada um dos quatro marcadores acima. Os valores utilizados como limites para o chumbo e mercúrio são aqueles definidos pelo registro de exposições em operação no estado norte-americano de Nova Iorque.30 A Tabela 1 mostra como as análises de chumbo no sangue realizadas se expressam conforme as empresas e resultados obtidos.

 

 

Note-se que, de acordo com a definição do que seja valor seguro de exposição, teremos variações bastante expressivas na freqüência de "casos", como se pode ver na Tabela 1, onde são apresentadas as freqüências de análises sangüíneas de chumbo com resultados superiores ao IBMP adotado em nosso meio (60mg/dl de sangue) e ao valor estabelecido como "limite" no Estado de Nova Iorque (25 mg/dl de sangue), com 81 trabalhadores no primeiro caso e 720 no segundo.

O mesmo se passa com o mercúrio, cujo número de trabalhadores com resultados "alterados" passa de dois para nove, dependendo da utilização do IBMP (33 μg/dl de sangue) ou do valor adotado como limite para o Estado de Nova Iorque (20 μg/dl de sangue). Os exames de mercúrio "alterados" estão localizados em duas empresas, sob quaisquer dos dois critérios.

 

Considerações Finais

A provavelmente baixa adesão das empresas aos programas de monitorização de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, com substanciais diferenças de práticas conforme os ramos de atividade, porte das empresas, regiões e estados, deve conduzir, ao que tudo indica, a uma baixa representatividade deste tipo de sistema de vigilância. O que não reduz sua importância e não impede que se realize, por extrapolação através de estudos comparativos, a identificação de empresas inadimplentes com os programas de monitorização, mas potencialmente grandes violadoras das normas de segurança. Tais estudos tendem a ser favorecidos pela abundância de dados existentes, pois somente no Estado de São Paulo são realizados mais de 160.000 exames de biomonitorização por ano.

Quanto à qualidade das análises realizadas em nosso meio, não temos razões para crer que as análises aqui realizadas sejam, na grande maioria das vezes, da melhor qualidade. Porém, as experiências de outros países indicam que é possível modificar este panorama com a adoção de rígidas medidas de controle de qualidade e exigência de credenciamento dos laboratórios sob demonstração de proficiência para que possam atuar nesta área.41,42,43,44,45 Para o desenvolvimento de tal tipo de controle as autoridades públicas devem valer-se das competências desenvolvidas por diferentes instituições, tais como a Fundacentro, os diversos laboratórios de saúde pública localizados nos estados, o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia e Qualidade Industrial), as universidades.43

Uma vez que conta com informações existentes, produzidas com outras finalidades, por poucas instituições, este tipo de sistema pode dispor de um fluxo de informações bastante simples, sem necessidade do envolvimento de um grande grupo de pessoas para mantê-lo. Além do mais, tal sistema prescinde de análises rotineira de dados, que podem ser realizadas em periodicidade semestral ou anual, a título de verificar tendências e contribuir para a identificação de condições-alvos para programas de prevenção.

Um sistema de vigilância como este dispõe de uma série de características que lhe possibilita ser flexível, uma vez que eventuais redefinições de casos, fluxo ou conteúdos das informações demandadas se fazem às custas de esforço relativamente pequeno dos envolvidos, e a quantidade de informações necessárias é relativamente reduzida.

Quanto aos custos, à medida que opera com informações produzidas com outra finalidade e funciona como um sistema de vigilância do tipo passivo, tal sistema demanda poucos recursos em termos de pessoal e equipamentos para manter-se em operação. Assim sendo, pode ser desenvolvido e mantido a custo relativamente baixo, se comparado com outros sistemas de vigilância.

Diversos estados, notadamente os mais industrializados, dispõem de laboratórios operantes nesta área, como se pode verificar na lista de instituições que participaram do Programa Interlaboratorial de Controle da Qualidade Analítica de Fenol Urinário, patrocinado pela Fundacentro.45 Laboratórios estes que podem ser tomados como fontes de informação das ocorrências de exposições nos respectivos estados e regiões, à medida que vários destes laboratórios prestam serviços para empresas localizadas em estados diferentes daqueles em que se localizam.

O desenvolvimento de sistemas de vigilância como este certamente proporcionará um robusto conjunto de elementos a respeito da ocorrência do problema em nosso meio e estabelecerá, de modo insofismável, a obrigatoriedade de planejar intervenções sistemáticas e abrangentes para o controle deste tipo de condição nociva nos ambientes de trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
Hélio Neves
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó.
Secretaria Municipal de Saúde
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Av. Itaberaba, 1218
Freguesia do Ó São Paulo (SP)
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