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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.2 Brasília jun. 1999

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000200006 

Anos potenciais de vida perdidos e os padrões de mortalidade por sexo em Santa Catarina, 1995*

 

 

Heloisa Côrtes Gallotti Peixoto; Maria de Lourdes de Souza

Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho analisa as diferenças no padrão da mortalidade por sexo segundo causas de óbito, para Santa Catarina, em 1995, sob a ótica do indicador APVP. A magnitude do indicador nos homens é 1,91 vezes maior que nas mulheres (IC= 1,87-1,95). As "causas externas" são as principais responsáveis pelas diferenças encontradas, visto que esse grupo tem um peso maior na mortalidade masculina. Também chama atenção a sobremortalidade masculina por doença crônica do fígado e cirrose hepática, com um risco de morte prematura quase sete vezes maior do que o observado entre as mulheres. A sobremortalidade masculina pode ser verificada, mesmo nas faixas de idade iniciais, quando outros fatores, que não os biológicos, ainda não estão atuando. O grupo das "neoplasias malignas", 4a causa de APVP entre os homens, sobe para 2a posição no sexo feminino, possivelmente porque as principais localizações de neoplasias neste sexo (mama e colo de útero), ocorrem em idades mais jovens.

Palavras-Chave: Anos Potenciais de Vida Perdidos; Mortalidade; Padrões por Sexo.


SUMMARY

This study analyzes the differences in the mortality profile according to gender and death causes, in Santa Catarina, during the year of 1995, using the PYLL indicator. The magnitude of the indicator for men is 1.91 times greater than for women (IC = 1.87-1.95). External Causes" are mainly responsible for the observed differences, considering the greater weight this group has in male mortality. Also to be noticed is the excessive male death due to chronic liver disease and cirrhosis of the liver, with a premature death risk almost 7 times greater than that observed among women. This excess of male deaths can be seen even at early ages, when factors other than the biological ones, have not a significant role. The group of "malignant neoplasias", the fourth cause of PYLL among men, moves to the second position among women, probably due to the fact that the main neoplasia locations in this gender (breast and uterus cervix) seem to happen at younger ages.

Key Words: Potential Years of Lost Life; Mortality; Standards per Gender.


 

 

Introdução

O indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) vem sendo apontado como uma alternativa para comparar diferenças no padrão de mortalidade por sexo.1, 2, 3, 4 A utilização do referido indicador na ordenação das principais causas de óbito observadas em cada sexo permitiria identificar melhor a sobremortalidade por algumas causas, contribuindo assim para o estabelecimento de prioridades de grupos populacionais específicos.

Com o objetivo de comparar os padrões de mortalidade por sexo, são apresentados e analisados, neste artigo, os resultados encontrados para Santa Catarina, em 1995.

 

Metodologia

Utilizou-se a base de dados dos óbitos de residentes no Estado de Santa Catarina, ocorridos durante o ano de 1995 e processados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM, na Gerência de Estatística e Informática da Secretaria de Estado da Saúde.

As causas de morte foram analisadas com base na Nona Revisão de Classificação Internacional de Doenças,5 considerando-se as categorias da lista CID-BR2, que permite uma agregação mais voltada para a capacidade de atuação, fornecendo uma melhor compreensão do perfil da mortalidade e das possibilidades de intervenção.

Neste artigo, o método do cálculo de APVP por uma determinada causa foi obtido por uma adaptação da proposta de Romeder e McWhinnie,6 cuja expressão matemática é dada como:

 

 

ai = número de anos que faltam para completar a idade correspondente ao limite superior considerado, quando a morte ocorre entre as idades de i e i + 1 anos;

di = número de óbitos ocorridos entre as idades de i e i + 1 anos.

Embora a maioria dos autores utilize esse método, existem muitas divergências em relação à escolha do limite potencial de vida. Neste trabalho consideraram-se todos os óbitos, ocorridos até os 69 anos.

Na análise dos APVP segundo sexo, não é aconselhável utilizar somente as proporções em relação ao total, porque o peso específico de cada causa, analisado através deste procedimento, pode distorcer-se quando os totais são diferentes em função dos riscos.

O procedimento mais adequado é o cálculo do indicador como quociente dos APVP sobre a população dentro do intervalo de idade e no sexo considerado, pois, desta forma, pondera-se o risco de morrer por uma causa específica e a idade de ocorrência das mortes, permitindo que a importância de uma causa seja apreciada, sem interferência da magnitude das outras.

Apesar de alguns autores utilizarem como denominador o total da população residente para cada sexo estudado, nesse caso, como lembra Marlow,7 enquanto o numerador incorpora ambos, a idade no momento da morte e o número de mortes, o denominador não é sensível à estrutura etária da população, isto é, se o denominador incluir também as pessoas com idade acima do limite potencial de vida considerado, estará incluindo os que não estavam expostos ao risco de morte prematura.

Para demonstrar os diferenciais da mortalidade prematura por causas específicas, segundo a variável sexo, utiliza-se o indicador APVP por 100.000 habitantes (homens ou mulheres) menores de 70 anos.

Foram calculadas, ainda, para cada grupo de causas, as razões de APVP homem/mulher, que permitem melhor compreensão do "excesso" de mortes prematuras em determinado sexo.

Para estabelecer a significância estatística das diferenças encontradas, foram calculados os intervalos de confiança das razões, para um nível de confiança de 99% (p<0,01), utilizando a fórmula proposta por Dever,8 cuja expressão matemática é:

 

 

Resultados e Discussão

A Tabela 1 permite apreender o excesso de mortalidade masculina, refletindo funções sociais e riscos diferentes na idade produtiva.

 

 

Com exceção das meningites e das doenças do aparelho urinário, todas as diferenças encontradas foram significantes, com um p < 0,01.

A magnitude do indicador nos homens é 1,93 (IC=1,91 - 1,94) vezes maior que nas mulheres, observando-se que a quantidade de APVP/100.000 habitantes por todas as causas é 47% maior para os homens. Isto indica que no sexo masculino, além de ocorrerem mais óbitos, a morte prematura se apresenta com maior freqüência.

Quando comparamos a ordenação e a importância relativa das principais causas de óbito entre homens e mulheres, verificamos que são as "causas externas" as principais responsáveis pelas diferenças encontradas, visto que esse grupo tem um peso consideravelmente maior na mortalidade masculina, ou seja, os homens estão mais expostos ao risco de morrer por acidente, homicídios e suicídios. Enquanto no sexo masculino 37,7 % do total de APVP se devem aos acidentes, homicídios e suicídios, no caso das mulheres representam somente 18,4%.

Os "acidentes de trânsito", que mantêm o 1o lugar quando se aplica o critério dos APVP no sexo masculino, caem para 3a colocação entre as mulheres, em parte pelo fato de que a proporção desse grupo em relação ao total de óbitos é quase a metade no sexo feminino (7% contra 13,8% no sexo masculino). Comparando-se os riscos de morte prematura entre os dois sexos, observa-se que a razão homem/mulher por esta causa foi de 3,43 (IC= 3,35 - 3,52).

No caso dos "outros acidentes", que incluem os afogamentos, quedas acidentais, acidentes por corrente elétrica, fogo e outros, observa-se uma diferença na idade média no momento da morte. Enquanto as mulheres faleceram em média aos 21,7 anos, os homens morreram aos 28,6 anos, ou seja, quase sete anos depois. No entanto, a quantidade de óbitos por esta causa, proporcionalmente muito maior no sexo masculino (7,9% contra 3,2%), se reflete na ordenação das causas de morte por APVP de cada sexo, fazendo que o grupo apareça como a 3a causa entre os homens e a 7a entre as mulheres.

Os "homicídios" e "suicídios" assumem lugar de destaque na mortalidade masculina, principalmente quando se consideram os anos potenciais de vida tolhidos por essas causas. Considerados os APVP, os homicídios que ocupavam o 9o lugar pela freqüência de óbitos, passam para a 5a posição em APVP. Os suicídios, bem menos freqüentes, aparecem em 10o lugar.

Na mortalidade feminina, os homicídios caem para a 16a colocação, com um número de APVP menor do que o observado para os suicídios. É interessante notar que, apesar de ter uma magnitude muito menor entre as mulheres, esse tipo de óbito ocorre, nesse sexo, numa idade mais jovem.

Pesquisa realizada com base nos dados do México, para 1983,9 encontrou uma razão homens/mulheres de APVP por homicídio igual a 12. Em Santa Catarina, a sobremortalidade masculina por essa causa parece bem menor, correspondendo a 6,83 (IC=6,40-7,27) APVP por homicídio no sexo masculino para cada APVP pela mesma causa no sexo feminino. Para os suicídios, a razão de APVP homem/mulher, diminui um pouco, assumindo o valor de 4,30 (IC=4,02-4,58).

Como conseqüência da perda da importância relativa das mortes violentas, na mortalidade feminina, as "perinatais" e as "anomalias congênitas" sobem na ordenação. Para comparar o risco de morte por afecções originadas no período perinatal, calculamos os APVP por 1.000 menores de um ano, para cada sexo, encontrando uma razão de 1,43 (IC=1,40- 1,47). Isso mostra que a sobremortalidade masculina pode ser verificada, mesmo nas faixas de idade iniciais, quando outros fatores, que não os biológicos, ainda não estão atuando, o que pode ser também observado na razão de APVP por doenças imunopreveníveis, que mostrou um risco 3,6 vezes maior para o sexo masculino.

Chama atenção a sobremortalidade masculina por doença crônica do fígado e cirrose hepática, com um risco de morte prematura quase sete vezes maior do que o observado entre as mulheres (IC=6,19-7,42). O grupo das "doenças do esôfago, estômago e duodeno" também apresenta um excesso de mortalidade masculina e a explicação dessas diferenças seguramente está relacionada com hábitos comportamentais, como o uso do álcool e fumo, o que se confirma observando o comportamento do grupo "transtornos mentais", onde a maioria das mortes é devida a dependência de drogas, que também mostra uma perda 5,78 vezes maior para os homens (IC=4,92-6,64).

Os riscos de morte prematura por doenças do aparelho circulatório revelaram-se sempre maiores no sexo masculino, com exceção dos subgrupos "doença hipertensiva" e "febre reumática e doença reumática do coração", sendo estes, inclusive, dos poucos grupos onde a razão de APVP homem/mulher é inferior a 1, o que sugere a necessidade de investigações para descobrir as causas desse fenômeno.

Outro grupo que mostrou uma sobremortalidade feminina foi o das deficiências nutricionais e anemias, cuja razão encontrada foi de 0,77.

O diabetes também afeta preferencialmente as mulheres. Enquanto a perda de anos potenciais por esta causa foi de 86,1 para cada 100.000 mulheres, entre os homens, foi de 76,5. A razão de APVP por esta causa foi de 0,89 (IC=0,82-0,96).

Os "neoplasmas malignos", 4a causa de APVP entre os homens, sobem para a 2a posição no sexo feminino. Esse grupo foi responsável por 931 mortes de mulheres menores de 70 anos, em Santa Catarina. Excluídas as mal definidas, esta é hoje a principal causa de morte de mulheres no Estado, representando 19,6% do total de óbitos femininos. Considerando a dinâmica de crescimento populacional, esse número tende a aumentar se o risco de morrer por esta causa não mudar, o que justifica um olhar mais atento sobre este grupo de causas, na busca de subsídios que possam orientar medidas preventivas visando à sua redução. Nesse sentido, conhecer as principais localizações e tipos de câncer, comparando a sua importância relativa, é fundamental para o estabelecimento de prioridades.

 

Comentários Finais

As discrepâncias observadas no padrão da mortalidade por sexo de Santa Catarina são relevantes, mas coerentes com o referencial de trabalhos relacionados com a sobremortalidade masculina, medida em termos de APVP. A informação obtida a partir das razões de APVP por sexo pode constituir-se em instrumento importante do planejamento em saúde, orientando de forma mais eficaz as ações de saúde, pois, como o indicador APVP combina a magnitude das causas com a idade em que ocorreram os óbitos, ficam melhor evidenciadas as diferenças no padrão da mortalidade por sexo, as quais freqüentemente estão relacionadas a uma interação de fatores, refletindo funções sociais e riscos distintos, que por sua vez parecem estar ligados à condição de gênero do indivíduo.

O uso do indicador APVP na análise da mortalidade por sexo pode contribuir ainda para o direcionamento de investigações epidemiológicas sobre possíveis fatores de risco envolvidos com algumas causas de óbito. Neste trabalho, por exemplo, a sobremortalidade feminina por "febre reumática e doença reumática do coração", e "deficiências nutricionais e anemias carenciais" sugere a necessidade de investigações que ampliem o conhecimento sobre os fatores de risco de mortalidade por estas causas, os quais, aparentemente, podem estar relacionados com a variável sexo.

 

Bibliografia

1. Mahoney MC. Years of potencial life lost among a Native American population. Public Health Reports 1989; 104 (3):279-285.

2. Reichenheim ME, Werneck GL. Anos potenciais de vida perdidos no Rio de Janeiro, 1990. As mortes violentas em questão. Cadernos de Saúde Pública 1994: 10(1):188-198.

3. Rodriguez LAC, Motta LC. Years of potencial life lost: Application of an indicator for assessing premature mortality in Spain and Portugal. World Health Statistics Quarterly 1989; 42:50-56.

4. Silva MGC. Anos potenciais de vida perdidos segundo causas em Fortaleza (Brasil), 1978-80. Revista de Saúde Pública 1984; 18:108-121.

5. Classificação Internacional de Doenças, Lesões e causas de óbitos:9a revisão, 1975. São Paulo: Centro da OMS para Classificação de Doenças em Português; 1978.

6. Romeder JM, McWhinnie JR. Años de vida potencial perdidos entre las edades de 1 y 70 años: un indicator de mortalidad prematura para la planificatión de la salud. In: Buck, C. (org). El Desafio de la Epidemiología. Washington: OPAS; 1988.

7. Marlow AK. Potencial Years of life lost: what is the denominator? Journal of Epidemiology Community Health 1995; 49(3):320-322.

8. Dever GEA. A epidemiologia na administração dos serviços de saúde. São Paulo: Pioneira; 1988.

9. Ortega-Cavasos N et al. Años de vida potencial perdidos: su utilidad en análisis de la mortalidad en Mexico. Salud Pública Mexico 1989; 31 (5):610-624.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua 23 de Março, 312
Itaguaçu
Florianópolis - Santa Catarina
CEP: 88085-440
E-mail:helo@saude.sc.gov.br

 

 

*Este artigo é parte da dissertação de mestrado "Mortalidade em Santa Catarina. Aplicação do Indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos".