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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.9 n.2 Brasília jun. 2000

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732000000200004 

Sistema de informações hospitalares fonte complementar na vigilância e monitoramento das doenças de veiculação hídrica

 

Hospital information system - Complementary source for surveillance and monitoring of water-borne diseases

 

 

Antônio da Cruz Gouveia Mendes; Kátia Rejane Medeiros; Sidney Feitosa Farias; Fábio Delgado Lessa; Carolina Novaes Carvalho; Petra Oliveira Duarte

Departamento de Saúde Coletiva-NESC/CPqAM/FIOCRUZ

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Os Sistemas de Informações em Saúde são importantes ferramentas para definição de prioridades no setor saúde, embora não sejam utilizados de forma sistemática. Este trabalho tem por objetivo avaliar as potencialidades do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) como sistema complementar para vigilância de doenças de notificação compulsória de veiculação hídrica (febre tifóide, cólera e leptospirose), relacionando as internações com as notificações, segundo estados e regiões do país de 1984 a 1998. Trata-se de estudo transversal, utilizando bases de dados do SIH/ SUS, e registros de notificações de casos fornecidos pelo Centro Nacional de Epidemiologia-CENEPI. Os resultados apontam o SIH/SUS como uma fonte complementar para vigilância epidemiológica, já que os mesmos apresentaram comportamento semelhante aos registrados pelo SINAN/CENEPI: tendência de redução destas doenças em todo país, com predomínio das internações nas Regiões Nordeste e Norte, registro de momentos epidêmicos das patologias de veiculação hídrica e um gráfico com registro da doença ao longo do tempo semelhantes nos dois sistemas de informação. As freqüências encontradas no SIH/SUS, revelam a presença de uma política de saneamento em que a oferta e o acesso são desiguais nas Regiões e Estados do Brasil que, por suas características ambientais, fornece cenário favorável ao surgimento de surtos epidêmicos, ou manutenção das doenças em níveis endêmicos.

Palavras-chave: Sistema de Informações Hospitalares; Doenças de veiculação Hídrica; Vigilância Epidemiológica; Monitoramento.


SUMMARY

Health Information Systems are important tools for the definition of priorities for the health sector, although they are not used in a systematic way. This paper has as objective to evaluate the potentialities of the Hospital Information System - SIH/SUS as a complementary system for surveillance of notifiable water-borne diseases (typhoid Fever, cholera and leptospirosis). Hospital admittances were related to case reports, for states and regions of the country, from 1984 to 1998. A cross-sectional study was performed, using the SIH/SUS data bases and case reports provided by the National Center of Epidemiology - CENEPI. The results points SIH/ SUS as a complementary source for epidemiologic surveillance, since similar epidemiologic behavior patterns were observed between the SIH/SUS data and those reported by the Notifiable Diseases Information System - SINAN/CENEPI: tendency of reduction of these diseases in the whole country, with a predominance of admittances in the Northeast and North regions; registration of epidemic moments of water-borne infections and a similar graphic distribution of the diseases along time, for both information systems. The disease frequencies found in SIH/SUS, reveal a sanitation policy that favors unequal offer and access for the regions and states of Brazil. Because of the environmental characteristics of the country, the described situation provides a favorable scenery for the appearance of epidemics or the maintenance of these diseases in endemic levels.

Key Words: Hospital Information Systems; Water-borne Diseases; Epidemiologic Surveillance; Monitoring.


 

 

Introdução

O processo de organização econômica e social do Brasil tem, historicamente, se refletido no processo de adoecimento e morte da população. Com a criação e a manutenção das condições necessárias ao desenvolvimento do capitalismo no país, verifica-se, desde o início do século XX, que o Estado brasileiro atuou nas políticas públicas de maneira fragmentada e pontual, atrelando suas ações às necessidades colocadas pelo contexto econômico do país, ou seja, formulando políticas de saúde que evitassem qualquer perda de produtividade no trabalho, seja por doença ou morte.1

Como política social, as ações de saúde seguiram essa tendência: escassez na oferta de serviços com predomínio de seu caráter individual-curativo em detrimento de medidas coletivas, restritas a intervenções residuais e de baixo impacto. Assim é o caso da política de saneamento, determinante das condições de saúde e vida, que não foi implementada pelo Estado de modo equânime em todas as regiões brasileiras, contribuindo para perpetuar a produção de doenças ligadas ao "atraso", como as doenças transmissíveis que aliadas às doenças e agravos advindos com a "modernidade" compõem o chamado "mosaico epidemiológico", situação que se distancia do que se poderia chamar "transição epidemiológica".

O saneamento é considerado, universalmente, como uma política que muito contribui para melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida. Portanto, é necessário investir no aumento de sua cobertura.2,3

No Brasil, a presença de patologias como a cólera, febre tifóide e leptospirose, vinculadas à escassez de acesso a saneamento básico, refletem a história de uma política de saneamento vinculada ao desenvolvimento institucional do Estado, à economia, ao modo de produção, ao desenvolvimento tecnológico e à distribuição de renda.4

Embora partindo de situações diferenciadas de risco, pois de um lado temos a cólera e a febre tifóide associadas à escassez de recursos hídricos e qualidade da água e, de outro, a leptospirose vinculada à precipitação pluviométrica, verifica-se que, entre elas, há um elemento unificador: uma política de saneamento com baixa cobertura.

No Brasil, onde a oferta de serviços de saneamento básico e abastecimento de água é bastante desigual entre as Regiões,5 observa-se uma importante disparidade no acesso, o que se tem refletido no perfil de adoecimento da população, já que, nas Regiões Norte e Nordeste, há manutenção de níveis endêmicos de patologias que já estão quase superadas em outras Regiões do país.

Apesar da identificação de problemas no campo do acesso a serviços sanitários, verificando-se a permanência de casos destas patologias, observa-se que há uma tendência de redução, seja nos registros de internação, seja através da notificação. Entretanto, cabe ressaltar que é preocupante a manutenção destes casos, inclusive com registro de algumas epidemias como a de cólera, no período de 1991 a 1994, e a de leptospirose, em 1996, esta última localizada, basicamente, na Região Sudeste.

Ressalta-se, também, a predominância dos casos de cólera, febre tifóide e leptospirose, nas Regiões Nordeste e Norte, revelando a receptividade dessas Regiões para as doenças de veiculação hídrica: escassez de serviços de saneamento e extrema pobreza de suas populações que ampliam o risco de adoecimento.

Ao setor saúde cabe aprimorar seus sistemas de informações de maneira que capte epidemias com maior agilidade, além de vigiar e monitorar situações endêmicas, possibilitando intervenções mais adequadas. Neste sentido, esta investigação tem como objetivo comparar o comportamento das internações, registradas pelo Sistema de Informações Hospitalares - SIH e das notificações, registradas pelo Centro Nacional de Epidemiologia - CENEPI, dos casos de doenças de notificação compulsória que tenham na veiculação hídrica o seu mecanismo de transmissão.

Questões Metodológicas Específicas

A descrição das doenças de notificação compulsória de veiculação hídrica no Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS) exigiu a definição de alguns critérios metodológicos, objetivando dispor-se dos dados num maior intervalo de tempo, com melhor qualidade nas informações. Por isso, no caso da cólera, optou-se em trabalhar as internações por diagnóstico, entre os anos de 1984 a 1998.

Nas internações por febre tifóide, entre 1984 e 1992, os dados foram obtidos através do seu diagnóstico. A partir de 1993, identificou-se que a descrição por procedimento realizado oferecia uma maior consistência, determinando sua utilização a partir daí. Já nas internações por leptospirose, o SIH-SUS revela que, somente a partir de 1991, a doença passa a apresentar registros de internações, ou seja, entre 1984 e 1990 o sistema não disponibilizava este diagnóstico para internação. Neste sentido, nos primeiros dois anos, 1991 e 1992, trabalhou-se com diagnóstico e, a partir de 1993, com procedimentos realizados.

Os dados de notificação foram fornecidos pelo CENEPI. Para os casos de cólera, as séries foram construídas para o período de 1991 a 1997, para febre tifóide o intervalo foi maior já que havia registros de notificação de 1980 a 1997 e para leptospirose o período foi de 1985 a 1997.

 

Resultados

A observação do grupo de doenças de notificação compulsória de veiculação hídrica, segundo dados do SIH-SUS e CENEPI, demonstra que as Regiões Nordeste e Norte são as mais atingidas por estas doenças, uma vez que nesses espaços se encontram presentes as maiores carências de saneamento. Como doenças associadas ao baixo acesso a estes serviços, a cólera e a febre tifóide encontram nestas áreas um cenário socioambiental favorável ante a extrema pobreza da população e a escassez de água, aguçada freqüentemente pelo fenômeno da seca. Já a leptospirose encontra uma permanente freqüência, com momentos epidêmicos nos períodos de maior precipitação pluviométrica.

Entretanto, ainda que considerados os reflexos políticos, sociais e ambientais, verifica-se uma redução nas freqüências dessas doenças, seja por internação, seja por notificação, possivelmente relativa a adoção de medidas de controle, disponibilizadas pelos serviços de saúde, principalmente para cólera e febre tifóide.

Cólera

O cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda, que tem como agente etiológico o Vibrio cholerae, um bacilo gram-negativo com flagelo polar, aeróbico ou anaeróbico facultativo. Tem como reservatório o homem, embora alguns estudos, a partir de 1970, tenham sugerido a possibilidade de reservatórios ambientais, tais como plantas aquáticas e frutos do mar. Sua transmissão ocorre sobretudo através da ingestão de água contaminada por fezes e/ou vômitos do doente ou portador. Os alimentos e utensílios podem ser contaminados pela água, pelo manuseio e por moscas.

As maiores complicações da patologia resultam da depleção hidrossalina ocasionada pela diarréia e pelos vômitos, observada com maior freqüência em indivíduos idosos, diabéticos ou com problemas cardíacos prévios.6

O cólera consta da lista internacional de doenças de notificação compulsória, dada a magnitude, potencial de sua disseminação e transcendência.7

O Brasil, em 1991, após um século sem registro de qualquer caso notificado8, participa da sétima pandemia mundial da doença. Introduzida nas Américas através do Peru, a epidemia difundiu-se rapidamente no resto do continente, quando, em 1993, praticamente todos os países da América do Sul e Central e os Estados Unidos passam a ser considerados áreas de transmissão. As exceções foram apenas o Uruguai e a região das Antilhas, que não apresentaram casos autóctones, ou seja, até o final daquele ano foram considerados como áreas livres de transmissão.9

Os primeiros casos da doença, em 1991, ocorreram na fronteira com o Peru, em Benjamim Constant, alastrando-se através do curso dos rios Solimões e Amazonas, quando chegaram ao litoral do Pará e Amapá. A partir daí, o cólera atinge São Luís (MA), quando, em 1992, detecta-se a doença no Sertão da Paraíba distribuindo-se então pelos demais Estados nordestinos. Em sua rota, através dos principais eixos rodoviários, a doença seguiu para o Sudeste, Espírito Santo, e Rio de Janeiro.10 Atualmente, seu comportamento sugere um padrão endêmico, com a presença regular de casos e flutuações cíclicas de maior ou menor gravidade.

No SIH-SUS, o cólera repete o comportamento descrito na literatura, já que o movimento de internações no país, passa a ser expressivo, em 1991, apresenta um comportamento epidêmico, em 1992, com incidência máxima em 1993, mantendo uma freqüência elevada até 1994. Observa-se uma queda, entre 1995 e 1996, embora se identifique uma tendência de aumento, em 1997, tanto no número de internações como das notificações de casos (Figura 1 ).

 

 

Na descrição dos dados por Regiões (Tabela 1 ), destaca-se a elevada freqüência de casos no Nordeste e no Norte, com valores máximos, em 1993, sendo estas duas Regiões responsáveis pela quase totalidade dos casos no país. Em 1993, ano de maior freqüência nos dois sistemas de informações, a Região Nordeste representou 96,23% das internações por cólera no país, e 94,60% dos casos confirmados pelo CENEPI; enquanto a Região Norte representou 3,22% e 4,43%, respectivamente.

 

 

Quando se descreve o coeficiente de internação de casos de cólera por 100.000 habitantes (Tabela 2 ), observa-se que, em 1993, seu valor foi de 29,61 para o Brasil e de 98,59 para o Nordeste, destacando-se nesta Região os Estados do Ceará (229,15), de Alagoas (204,04), da Paraíba (147,45) e Pernambuco (99,94). A Região Norte vem em segundo lugar, com 29,61 internações por 100.000 habitantes, destacando-se nesta Região o Amazonas, que apresentou coeficiente de internação de 39,05.

 

 

Quanto aos dados de notificação de casos, no ano de 1993, o coeficiente para o Brasil foi de 39,81 por 100.000 habitantes, com o Nordeste apresentando 133,45 casos por 100.000 hab. O Estado com maior coeficiente foi o Ceará com 347,35, seguido pelos Estados da Paraíba, Alagoas e Pernambuco, respectivamente, com coeficientes de notificação de 246,94, 208,30 e 134,17 por 100.000 habitantes (Tabela 2 ).

A evolução da epidemia de cólera apresentou-se de forma diferenciada no interior do país. O estado do Ceará assistiu a uma queda no coeficiente de notificação por 100.000 habitantes de 347,35 casos, em 1994, para 0,00 caso em 1997. Os demais estados do Nordeste também apresentaram reduções significativas, porém permaneceram sempre com os maiores coeficientes de notificação no âmbito nacional. observa-se como destaque principal, o Estado de Alagoas que apresentou um recrudescimento da doença, quando o coeficiente de notificação sobe de 15,23 em 1996, para 60,31 por 100.000 habitantes em 1997.

Na comparação entre os dados do SIHSUS e do CENEPI, observa-se uma grande simetria das informações. A razão internação/ notificação se aproxima de 1,0 nas regiões Norte, Sudeste e Nordeste em 1993. Neste ano, entretanto, vários estados apresentaram uma razão superior a 1,0 (Amapá, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo), sugerindo a existência de subnotificação de casos confirmados neste estados. Esta grande semelhança entre os dois sistemas de informações é, provavelmente, decorrente das internações serem a principal fonte de notificação do cólera no Brasil.

Febre Tifóide

A febre tifóide é uma doença bacteriana aguda, distribuída no mundo associada a baixos níveis socioeconômicos, relacionando-se com precariedade nas condições de higiene pessoal e ambiental.11 Portanto, nas áreas onde o acesso ao saneamento básico e ao abastecimento de água é limitado, estima-se que há uma maior freqüência da doença. A Salmonella typhi é seu agente etiológico e o homem (doente ou portador), seu reservatório. Sua transmissão ocorre sobretudo de forma indireta mediante água e alimentos, especialmente leite e seus derivados contaminados com fezes ou urina de paciente ou portador. Em crianças o quadro clínico é mais benigno do que em adultos. Nos casos onde ocorre perfuração intestinal, hemorragia ou toxemia severa, a doença pode levar à morte.12

Caracterizada como doença que se relaciona com escassez de acesso a saneamento básico e abastecimento de água, identifica-se que sua distribuição no mundo é tanto menor quanto maior for a capacidade que os Estados apresentem em superar problemas quanto à oferta destas políticas públicas. Sendo assim, na maior parte dos países do Continente Europeu a doença tem mortalidade em torno de zero. Já na América Latina, verifica-se a persistência da doença na forma endêmica, sobrepondo-se ainda algumas epidemias.1 Nos continentes asiático e africano, no bloco de países subdesenvolvidos, é ainda uma importante causa de mortalidade, onde apresenta taxas de letalidade que variam entre 12% e 32%.12

No Brasil, onde a oferta de serviços de saneamento básico e abastecimento de água é bastante desigual entre as regiões do país,5 observa-se que no Nordeste e no Norte, o comportamento da febre tifóide é bastante expressivo no conjunto de patologias relacionadas à disponibilidade de recursos hídricos.

Apesar de seu tratamento ocorrer fundamentalmente no nível ambulatorial, e só quando houver necessidade a internação deve ser feita,7 o estudo no SIH-SUS revelou aspectos bastante relevantes quanto à freqüência das internações no período de 1984 a 1998, bem como sua distribuição no país.

Na Figura 2 , observa-se, a partir de 1991, um grande aumento no número de internações de casos de febre tifóide, mas isto se deveu ao incremento de rede no sistema, atingindo sua freqüência máxima em 1993. No período de 1994 a 1998, verifica-se uma grande redução no número de internações, que passou de 13.746, em 1994, para 5.589, em 1998. Esta tendência de declínio já havia sido apontada por Godoy,11 que descreveu a distribuição espacial e temporal da doença no período de 1970 a 1990.

 

 

Os dados quanto à distribuição da febre tifóide no país (Tabela 3 ) refletem a característica de proliferação da doença, encontrando na Região Nordeste condições socioambientais favoráveis, ante a escassez de fontes de abastecimento de água estáveis e com tratamento adequado, esta Região produziu, no período de 1993 a 1998, 71,51% das internações no país.

 

 

Na Tabela 4 , tem-se que o coeficiente de internação médio durante o mesmo período foi de 15,26 para cada 100.000 habitantes, quando a média nacional foi de 6,11. Porém, o maior coeficiente médio de internação por Estados foi registrado no Acre (42,26), seguido da Bahia (36,60), Ceará (13,87) e Sergipe (10,08). Em termos absolutos, o maior número de internações foi verificado na Bahia, com 48,10% do total obtido para o país, vindo a seguir os Estados do Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina.

 

 

A descrição dos dados do CENEPI ficou bastante prejudicada em função da irregularidade de sua notificação desde o ano de 1997. Apesar disto, os dados disponíveis no período 1993 a 1996 apresentam o Nordeste com 5.125 casos (62,33% dos casos detectados no período, dos quais 3.348 casos na Bahia, representando 40,72% dos casos notificados do país).

Destacam-se as diferenças entre internações e notificações. As primeiras são bastante superiores, o que sugere uma grande subnotificação de casos pelo CENEPI, inclusive, com irregularidade na própria alimentação do banco de dados.

Leptospirose

A leptospirose é uma doença infecciosa aguda de caráter sistêmico que se instala em homens e animais. Seu agente é o microorganismo do gênero Leptospira. A doença é distribuída no mundo, embora sua ocorrência esteja associada a condições ambientais de regiões de clima tropical e subtropical. Nos períodos de altos índices pluviométricos, identificam-se condições favoráveis a epidemias, donde o caráter sazonal desta doença.

Trata-se de uma importante zoonose, visto que é capaz de causar elevados prejuízos, pois, com grande incidência nos homens, implica ônus por ser de alto custo hospitalar. Os roedores são os principais reservatórios da doença, que eliminam a leptospira através da urina. A infecção nos homens resulta da exposição direta ou indireta à urina de animais infectados.7

A doença classicamente descrita como bifásica apresenta como manifestação mais grave a icterícia, que precede o período septicêmico, decorrendo daí a maioria dos óbitos pela infecção. Ressalta-se que apenas 5 a 10% dos pacientes evoluem para icterícia.13

No Brasil, a leptospirose é endêmica, apresentando picos epidêmicos nos momentos de maior precipitação pluviométrica.14 Nas áreas urbanas, a deficiência de saneamento básico torna-se o principal fator para proliferação de roedores. Os grupos sociais com maiores problemas de saneamento, residentes às margens de córregos ou esgotos a céu aberto, em períodos de enchentes, estão mais propensos às infecções, embora também seja considerada de risco ocupacional para algumas categorias profissionais, trabalhadores de arrozais e canaviais, minas, abatedouros e saneamento.14

Os dados referentes às internações por leptospirose (SIH), revelam a existência desse diagnóstico no sistema, somente a partir de 1991. No entanto, em relação aos casos notificados pelo CENEPI, existem registros desde 1985.

A Figura 3 apresenta a comparação entre internações e notificações de casos de leptospirose (SIH e CENEPI).

 

 

Identifica-se uma certa semelhança no comportamento da doença nos dois sistemas, com exceção para 1996 que apresentou um distanciamento, havendo aumento dos casos notificados, enquanto o número de internações foi reduzido com relação a 1995.

Nos dados contidos na Tabela 5, também é possível observar as semelhanças entre o SIH e CENEPI, pois existe coincidência entre a classificação dos estados com relação ao número de casos de leptospirose. Nas duas fonte de dados, os estados com maiores registros, por exemplo, são: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Pará e Paraná.

 

 

No período de 1993 a 1997, a média anual de casos de leptospirose no Brasil foi de 3.124 internações e 3.548 notificações de casos. Neste período, a Região Nordeste apresentou o maior número das internações (38,38%), seguida do Sudeste com 31,95% das internações do país. Em relação às notificações registradas pelo CENEPI, verificou-se, no mesmo período, a presença da Região Sudeste com 38,69% dos casos nacionais, e o Nordeste com 27,07% dos casos notificados. Ressalta-se que, em 1996, foram registados 5.555 casos no Brasil, sendo que 60,30 % originaram-se do Sudeste, em decorrência de uma epidemia no Rio de Janeiro, com 2.564 casos notificados.

Em 1998, o maior número de internações por leptospirose concentrou-se na Região Sul, representando 38,38% do total de internações do país, com destaque para o Rio Grande do Sul, que registrou 595 internações (Tabela 5 ).

A Tabela 6 apresenta os coeficientes de internações e de notificações de casos de leptospirose. No período de 1993 a 1997, os maiores coeficientes médios de internações por 100.000 habitantes, foram registrados no Amapá (21,92), Pernambuco (5,15), Pará (4,71) e Rio Grande do Norte (4,65). A Região Sul merece atenção, em 1998, por apresentar um coeficiente de internação de 4,74 por 100.000 habitantes, destacando-se o estado do Rio Grande do Sul com 6,03. Quanto aos coeficientes de notificação, no mesmo período, os estados com destaques foram: Amapá (45,33), Pará (7,00), Rio de Janeiro (5,48) e Distrito Federal com 3,63 casos de leptospirose por 100.000 habitantes.

 

 

Como a leptospirose tem como determinante as condições de saneamento e de precipitações pluviométricas, seu comportamento endêmico decorre dessas condições e seu comportamento epidêmico possivelmente também está associado às grandes precipitações pluviométricas. Portanto, estas epidemias podem ter um comportamento focal. Comparando o número de internações com as notificações de casos de leptospirose, verifica-se, no período de 1993 a 1997, que, em média, as internações corresponderam a 88% das notificações, o que é um resultado bastante satisfatório, reforçando a qualidade do SIH como sistema de informação complementar na vigilância epidemiológica.

Comentários Finais

Os dados da cólera sugerem que esta doença vem apresentando um comportamento endêmico-epidêmico no Brasil, reforçando a necessidade de vigiar e monitorar surtos de diarréias. O acompanhamento dos internamentos por diarréias e/ou com diagnóstico de cólera deve ser um indicador de alerta para busca de casos que estejam ocorrendo ainda de forma insidiosa.

A razão entre internações/ notificações deve ser considerada um bom indicador, pois, identificando um número maior de casos internados com diagnóstico de cólera em relação aos casos notificados/confirmados, pode sugerir um alerta de recrudescimento da doença de forma epidêmica.

A febre tifóide apresentou uma concentração de casos na Região Nordeste, estando o maior número de internações nos Estados da Bahia e Ceará. Identifica-se uma redução das internações por febre tifóide no Brasil nos últimos anos, apesar de não haver melhoria substancial nas condições sanitárias. Contudo, apesar desta redução, há de se considerar uma provável subnotificação, haja vista que, nos últimos anos, observa-se uma agudização do fenômeno da seca no Nordeste, que tornam mais escassos os reservatórios de água. Neste contexto, poder-se-ia esperar o incremento no número de internações.

O SIH-SUS demonstra uma maior potencialidade para explicação do comportamento da febre tifóide, quando comparado aos dados do CENEPI que apresenta uma provável subnotificação dos registros. Sugere-se que a cada diagnóstico de febre tifóide confirmado nos hospitais se proceda ao registro de notificação. Com isso espera-se aumentar a capacidade dos dados da informação epidemiológica expressando a tendência de comportamento da doença.

Na descrição dos casos de leptospirose, demonstrou-se que as freqüências de internações apresentam sempre números muito próximos daqueles encontrados nas notificações. Destaca-se que, a partir de 1995, os registros de notificações passam a superar os totais de internações no país. Em 1996, houve a maior diferença na razão entre o número de casos registrados nos dois sistemas, o que no restante do período apresentou valores muito aproximados de 1, ou seja, para cada internação havia uma notificação. A coerência do traçado das curvas do SIH-SUS e do CENEPI é mantida ao se descrever por Regiões do Brasil. A exceção fica para o caso do Rio de Janeiro, em 1996, que apresentou uma grande epidemia de leptospirose, mas com um número de internações não correspondente, interferindo nos resultados não só da Região como do país. A Região Sul, que sempre apresentou freqüência baixíssima de internação, foi responsável, em 1998, pelos maiores registros de internação do país.

Considerando a gravidade da leptospirose onde se espera uma alta taxa de hospitalização e necessidade do diagnóstico diferencial com outras patologias (dengue hemorrágica, hepatites, hantavírus, etc.), parece ser de extrema utilidade o emprego do SIHSUS como fonte complementar na investigação epidemiológica.

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência:
Depto de Saúde Coletiva-NESC / Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães / FIOCRUZ
Rua dos Coelhos, 450 - 1o andar
Coelhos - Recife/PE
CEP: 50.070-550
E-mail:nesc@cpqam.fiocruz.br