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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.9 n.3 Brasília set. 2000

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732000000300004 

Avaliação da qualidade da codificação das causas de morte no Estado de São Paulo, Brasil

 

Quality evaluation of the coding of causes of death in the State of São Paulo, Brazil

 

 

Augusto Hasiak Santo

Faculdade de Saúde Pública / Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foi avaliada a qualidade da codificação das causas de morte para a elaboração das estatísticas de mortalidade pelo Sistema ACME ("Automated Classification of Medical Entities") usado na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados no Estado de São Paulo. O material de estudo constituiu-se de uma amostra sistemática de 3.313 Declarações de Óbito de 1992, correspondente a 1,6% do total dos respectivos óbitos. A revisão da codificação das causas de morte realizada por perito dependente orientou-se pela Classificação Internacional de Doenças e pelos manuais de instrução do Sistema ACME. Foram observados 179 erros, dos quais 116 comprometeram a causa básica e 63 a causa associada de morte. A porcentagem de erros para a causa básica foi de 3,5% em relação aos óbitos analisados da amostra. A porcentagem de erros para causas múltiplas foi de 1,9%, obtida pela relação dos 179 erros totais com 9.272 códigos processados nas declarações de óbito analisadas. Os capítulos da Classificação Internacional de Doenças e os grupos etários em que os erros se concentraram foram identificados. Verificou-se que numerosos erros poderiam ser prevenidos e recomenda-se a introdução de um programa de controle da qualidade da codificação das causas de morte no Sistema de Informações sobre Mortalidade.

Palavras-Chave: Causas de Morte; Nosologia; Classificação; Controle de Qualidade; Validade; Processamento Automático de Causas de Morte; Teoria dos Erros.


SUMMARY

This study evaluated the medical coding quality of causes of death for the compilation of mortality statistics by the ACME System (acronym for Automated Classification of Medical Entities) used by the Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, in the State of São Paulo, Brazil. The study data was obtained by systematic sampling of 3,313 death certificates, corresponding to 1.6% of the total deaths reported in 1992. The revision of the coding of the causes of death was done by a dependent verifier based on the International Classification of Diseases and on the instruction of the ACME System manuals. A total of 179 errors were identified of which, 116 were related to the underlying cause and 63, to the associated causes of death. The proportion of errors for the underlying cause of death was of 3.5%, considering the total sampled number of death certificates. The proportion of errors for multiple causes was of 1.9%, considering 9,272 codes processed in the death certificates that were analyzed. The chapters of the International Classification of Diseases and the age groups that concentrated the majority of the errors were identified. It was noticed that several errors might be prevented and the introduction of a quality control program for the coding of causes of death for the Mortality Information System of Brazil is recommended.

Key Words: Causes of Death; Nosology; Classification; Quality Control; Validity; Automatic Processing of Causes of Death; Theory of Errors.


 

 

Introdução

As estatísticas de mortalidade derivadas do registro civil de óbitos constituem uma das mais importantes fontes de dados para o monitoramento do estado de saúde de populações e caracterização da situação demográfica do país. Nesse sentido, são lembrados os atributos quantitativos e qualitativos que tais estatísticas devem apresentar, respectivamente relativos à cobertura dos óbitos ocorridos em determinada área geográfica e à fidedignidade das variáveis contidas na Declaração de Óbito.1

Dentre os fatores que contribuem para a qualidade desses dados, reveste-se de maior importância a identificação da causa básica e das causas associadas de morte. Esta atividade, designada como de codificação, é realizada por técnico em órgãos que processam as declarações de óbito. O codificador interpreta as informações contidas no Modelo Internacional de Atestado Médico de Causas de Morte à luz das disposições correlatas da revisão em vigor da Classificação Internacional de Doenças, as chamadas "regras de mortalidade", e assim classifica as causas de morte.2 Alguns autores consideram que a codificação das afecções informadas como causas de morte no Atestado Médico é uma das atividades mais difíceis e complicadas dentre aquelas para o processamento dos dados de mortalidade e, conseqüentemente, trabalho sujeito a falhas.3,4,5 Assim, num estudo baseado em óbitos hospitalares, Laurenti verificou que em 1.827 atestados de óbito codificados separadamente por dois codificadores experientes, houve a codificação de causas básicas em grupos diferentes da Classificação em 6,73% das vezes.6 Curb, em 766 atestados de óbito de pessoas que participavam de programa de diagnóstico e seguimento de hipertensão, verificou a não concordância em 9,8% de causas básicas segundo categorias de três algarismos da Classificação, quando codificados por três codificadores em separado.3

Os sistemas de processamento automático foram criados em parte para resolver alguns dos problemas que ocorrem no processo de identificação manual das causas de morte desde que aplicam as regras de mortalidade por meio de comandos e tabelas de decisão incorporadas.5,7,8 No entanto, as decisões desses sistemas automáticos dependem da entrada de dados por meio de códigos que reproduzem as causas de morte informadas no Atestado Médico segundo forma e sintaxe específicas aos mesmos sistemas, atividade esta de responsabilidade também do codificador. Procedimentos de controle de qualidade, por meio de verificação dependente ou independente, avaliam a codificação desses dados de entrada.4

Este trabalho tem o objetivo de avaliar a qualidade da codificação atribuída às afecções e demais causas informadas no Atestado Médico da Declaração de Óbito para a entrada de dados ao Sistema "Automated Classification of Medical Entities" (ACME), utilizado na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) de São Paulo para o processamento das causas de morte.

 

Metodologia

Os dados para o trabalho provieram de uma amostra sistemática de 3.313 declarações de óbito de residentes no Estado de São Paulo e registradas no ano de 1992, correspondendo a 1,6% dos óbitos totais processados na Fundação SEADE. Esta amostra foi retirada dos 202.141 óbitos correspondentes, utilizando um inicio casual escolhido no óbito de número 38 com intervalo 61, óbitos esses que estavam incluídos no banco de dados final daquele ano. As Tabelas 1 e 2 apresentam os óbitos totais e da amostra, respectivamente, segundo a idade e o sexo e segundo a causa básica de morte e o sexo, para evidenciar a representatividade da amostra em relação à distribuição dessas variáveis nos óbitos totais.

 

 

 

 

Os registros dos dados dos óbitos da amostra foram impressos e copiados em meio eletrônico e as correspondentes declarações de óbito identificadas e obtidas delas, cópias xerográficas. Não foram encontradas sete declarações de óbito. Foram revistas 3.306 declarações de óbito, sendo os códigos referentes aos dados do Atestado Médico confrontados com os campos correspondentes dos registros dessas declarações que foram impressos a partir do arquivo final de óbitos. O autor realizou a avaliação crítica da codificação das causas de morte de forma dependente, isto é, tendo conhecimento dos códigos atribuídos pelos codificadores da Fundação SEADE. A crítica e a avaliação da forma de entrada de dados e da codificação tiveram como base as disposições dos manuais de instrução para o uso do sistema ACME publicados pelo National Center for Health Statistics (NCHS), dos Estados Unidos,9,10,11,12 quando eram observados o código propriamente dito, sua colocação em relação aos demais códigos e o uso de convenções para a transcrição desses dados. Cópias de 24 Atestados Médicos foram encaminhadas ao NCHS para discussão em face das dificuldades específicas de codificação.

A avaliação crítica da codificação das causas de morte na amostra estudada permitiu a identificação de erros que comprometiam a causa básica, as causas associadas de morte ou a ambas. Mais de um tipo de erro poderia ocorrer na mesma declaração de óbito. Entretanto, convencionalmente, a declaração de óbito foi considerada a unidade de erro e não o número de códigos incorretos. Se erros tivessem sido observados na identificação da causa básica e de causas associadas numa mesma declaração, o erro era computado como sendo da causa básica.

A análise dos erros da causa básica neste trabalho foi realizada segundo as subcategorias de quatro dígitos e os 17 capítulos da Nona Revisão da Classificação Internacional de Doenças,2 excluindo-se as subcategorias e o capítulo da natureza da lesão que incluem códigos não válidos para causa básica. Essas classes permitem evidenciar valores extremos de erros, respectivamente, o maior valor por meio das subcategorias de quatro dígitos e o menor por meio dos capítulos, dado que as causas codificadas erradamente podem ser recodificadas no mesmo capítulo.

O número total de códigos processados foi obtido pelo programa Tabulador de Causas Múltiplas de Morte (TCM).13 A diferença entre o número médio de códigos por atestado foi testada por meio da comparação de médias pela análise de variância incluída no programa Epi Info ,versão 6.04b/c, 1997 (Centers for Disease Control and Prevention - CDC).

 

Resultados

A Tabela 3 mostra que em 3.127 atestados médicos todas as afecções mencionadas foram codificadas e processadas corretamente e que ocorreram 116 erros comprometendo a causa básica e 63 as causas associadas de morte, valores esses que correspondem, respectivamente, a 94,6%, 3,5% e 1,9%, porcentagens calculadas em relação a 3.306 atestados médicos cujas declarações de óbito foram revistas. A proporção de erros para as causas múltiplas foi de 1,9%, obtida pela divisão dos 179 erros totais por 9.272, número de códigos processados nessas declarações de óbito. Verificou-se que o número médio de códigos por atestado médico foi significativamente maior (p<0,001) naquelas declarações de óbito em que foram observados erros de causa básica ou da causa associada de morte.

 

 

A Tabela 4 mostra que, relativamente ao número de óbitos, ocorreu uma concentração de erros que comprometeram a causa básica de morte nos capítulos da Classificação Internacional de Doenças intitulados "Doenças Infecciosas e Parasitárias", "Neoplasias", "Doenças do Sangue e dos Órgãos Hematopoéticos", "Doenças do Sistema Nervoso e dos Órgãos dos Sentidos", "Doenças do Aparelho Respiratório", "Doenças do Sistema Geniturinário", "Anomalias Congênitas", "Algumas Afecções Originadas no Período Perinatal" e na Classificação Suplementar de Causas Externas de Lesões e Envenenamentos.

 

 

Ao se proceder à tabulação cruzada dos erros que comprometeram a causa básica segundo os capítulos da Classificação Internacional de Doença e a idade dos falecidos, verificou-se que para os óbitos decorrentes de neoplasias e de doenças do aparelho circulatório ocorreu certa concentração de erros nas idades mais avançadas. Para óbitos por causa das afecções originadas no período perinatal, tal concentração ocorreu no grupo etário de menores de um ano de idade e que os erros incluídos na Classificação Suplementar de Causas Externas coincidiram com os grupos etários dos adolescentes e adultos jovens. Não foram observadas diferenças significativas para erros da causa básica de morte entre os sexos masculino e feminino nas respectivas tabulações cruzadas.

 

Discussão

A introdução do sistema ACME para o processamento das causas de morte no Estado de São Paulo ocorreu em 1983, graças ao elevado espírito de colaboração científica presente no National Center for Health Statistics, dos Estados Unidos.5,14 Naquela ocasião, os codificadores foram treinados em serviço para a atribuição de códigos para todas as afecções, naturezas de lesão, causas externas, procedimentos médicos e todos outros dados mencionados no atestado médico da Declaração de Óbito. Considerando que todos os manuais de instrução estavam disponíveis apenas em inglês, a orientação específica era apresentada oralmente aos codificadores e os exercícios práticos realizados com atestados traduzidos a partir do material de treinamento original recebido dos Estados Unidos. Algumas partes do manual de instruções também foram traduzidas para o português, tais como a orientação para codificar óbitos devidos a febre reumática e a causas de morte relacionadas à gravidez, ao parto e ao puerpério, as chamadas causas de morte materna.1

A introdução do Sistema ACME no Estado de São Paulo não foi acompanhada da implementação de atividades para o controle e avaliação da qualidade do trabalho de codificação de causas de morte tal como se fez nos Estados Unidos. O controle da qualidade do processamento dessas causas era realizado por meio da codificação manual de uma amostra de 10% das declarações de óbito seguida da análise das discordâncias verificadas entre a causa básica resultante do processamento pelo sistema ACME e a causa básica manual, atividade esta que perdurou até o ano de 1990, em que os óbitos de 1989 foram processados.1

Neste estudo, o método de seleção da amostra de declarações de óbito assegurou a representatividade dos aspectos relacionados às dificuldades da codificação das causas de morte mencionadas no atestado médico e, por conseguinte, os resultados podem ser considerados representativos da atividade de codificação desde que o padrão das causas de morte varia muito pouco de ano para ano. O trabalho de todas as codificadoras pode ser avaliado na amostra que incluiu óbitos ocorridos em um ano, embora não tenha sido possível identificar isoladamente cada uma das codificadoras responsáveis pela codificação das causas de morte.

Ressalve-se que a avaliação crítica da codificação das causas de morte foi realizada com as características de uma verificação dependente, isto é, tendo o perito verificado a oportunidade de tomar conhecimento da codificação realizada na Fundação SEADE. A verificação independente resulta em estimativas mais precisas sobre os índices de erros de dados analisados do que a realizada por meio de verificação dependente. O perito dependente tende a ser influenciado pelo trabalho do codificador original e a subestimar a verdadeira quantidade de erros. Considera-se que esta subestima de erros é devida à influência sofrida pelo perito, acima citada, e ao maior trabalho e tempo envolvidos na mudança de um código ao invés de se manter o código original.4

A proporção verificada de erros que comprometem a causa básica de morte de 3,5% foi maior que as encontradas por Harris e French em estudo metodológico de qualidade da codificação realizado no NCHS com 8.973 atestados médicos processados entre julho de 1974 e março de 1975.4 Nesse estudo, o trabalho do codificador original foi comparado com a codificação realizada por três peritos verificadores com características distintas. O primeiro perito realizava uma verificação dependente por ter tido acesso à codificação original; o segundo perito teve acesso à codificação original e à codificação de um controle independente de rotina, atuando como verificador dependente de uma verificação independente dupla. O terceiro perito realizava a codificação independente das causas de morte que posteriormente foi comparada com a codificação original. As proporções de erro para a causa básica encontradas nesse estudo foi de 1,87%, 2,21% e de 1,89%, respectivamente para os peritos acima apresentados. Esses valores referem-se a erros segundo subcategorias de quatro dígitos da Classificação Internacional de Doenças. As correspondente proporções de erro da causa básica, apuradas segundo os 17 capítulos da Classificação Internacional de Doenças, foram de 1,36% para a amostra da codificação dos óbitos de São Paulo e de 0,79%, 0,94% e de 0,77% para os respectivos peritos do estudo de Harris e French. Diferenças metodológicas não permitem a comparação entre a proporção de erros totais verificados para as causas múltiplas de morte. Os erros de codificação da causa básica de morte se revestem de uma importância maior desde que comprometem as chamadas estatísticas de mortalidade primárias, extensamente utilizadas para monitoramento das condições de saúde de populações. Os erros das causas associadas, conquanto comprometam os estudos de causas múltiplas de morte, não prejudicam necessariamente o processamento e identificação da causa básica. O código aposto erradamente para uma causa associada poderá eventualmente manter relações etiológicas e relacionadas às regras de mortalidade análogas àquelas relações próprias do código verdadeiro.

O número médio de códigos nos 3.127 atestados corretos foi de 2,78 e as médias correspondentes para atestados com erros da causa básica e da causa associada de morte foram, respectivamente, 3,00 e 3,63, valores estes que levam à conclusão estatisticamente significativa de que os erros ocorrem nos atestados mais complicados e com maior número de causas mencionadas.

Vários fatores foram responsáveis pelos erros de codificação, dentre os quais a grafia incorreta de diagnósticos médicos, a letra ilegível do médico atestante, os problemas de sintaxe na transcrição de códigos para a entrada de dados, o uso inadequado de códigos especiais criados para processamento de causas de morte com relações ambivalentes, a aplicação imprópria de convenções para a interpretação de questões de formato no atestado médico, uso de códigos inadequados para grupos etários e sexo específicos, presença no atestado médico de diagnósticos e epônimos não previstos na Classificação Internacional de Doenças, falta de aposição de código de restrição de tempo decorrido entre as afecções informadas nas linhas da Parte I do atestado médico, interpretação incorreta de siglas de causas de morte e interpretação insuficiente e incompleta da intenção do médico atestante ao informar a seqüência etiológica das causas de morte.1

As razões mais importantes para explicar os erros cometidos pelas codificadoras podem ser aventadas: a falta de um manual de instruções em português apresenta-se como uma razão evidente; a entrada de dados para o processamento das causas de morte pelo Sistema ACME é condicionada por numerosas orientações pormenorizadas que foram transmitidas oralmente aos codificadores, sendo admissível que aquelas instruções mais complexas ou menos comuns possam ser esquecidas na falta de manuais impressos de consulta; a falta de manuais em português alia-se à ausência de procedimentos de controle de qualidade, pois tais erros tornam-se sistemáticos uma vez que não são corrigidos quando ocorrem. Além disso, a falta de controle de qualidade favorece que causas de morte de difícil codificação e mesmo os atestados de óbito que incluem causas comuns sejam tratados com menor cuidado pelas codificadoras por saberem que seu trabalho não será revisto e avaliado por outro codificador. A interrupção do controle do processamento das causas de morte em 1990, por meio da codificação manual da causa básica em amostra de 10%, única atividade em que, de modo paralelo, um controle da qualidade da codificação se realizava, pode também ser admitida como uma das razões para os erros de codificação. Tais razões agravam-se quando somadas à premência de realizar tarefas com tempo determinado.1

A relativa concentração de erros de causas de morte incluídas nos capítulos acima descritos aponta para a necessidade de se dispensar maior atenção e tempo ao ensino da codificação dessas causas, durante os cursos de formação de codificadores. Em geral, correspondem a causas de morte para as quais as regras de mortalidade reservam disposições especiais, por vezes extensas e complexas, como aquelas para a codificação de neoplasias. Ressalve-se que as instruções contidas nas regras de mortalidade e suas disposições correlatas podem eventualmente estar redigidas de forma vaga, confusa ou mesmo conflitante, o que dificulta a sua interpretação. Além disso, nota-se na Tabela 4 que os erros que comprometem causas menos freqüentes determinam mudanças sensíveis na sua magnitude proporcional. Estas causas são consideradas raras e os codificadores não estão satisfatoriamente familiarizados com elas.

Monteiro , em análise da confiabilidade da codificação da causa básica em amostra de 394 das 12.615 declarações de óbito por neoplasias, em 1990, no Rio de Janeiro, comparou a causa básica original com a recodificada por perito independente e verificou a concordância simples de 90,1% segundo categorias de três dígitos da Classificação Internacional de Doenças.15 Essa concordância é menor que a de 95,9% verificada para a codificação das neoplasias neste trabalho, considerando: subcategorias de quatro dígitos da Classificação; ter sido a recodificação realizada de modo dependente; e a diferença da codificação manual da causa básica nos óbitos do Rio de Janeiro e o processamento automático delas no Estado de São Paulo.

A entrada de dados a partir das causas de morte mencionadas no Atestado Médico para o Sistema ACME é análogo ao utilizado pelo Sistema de Seleção de Causa Básica (SCB), utilizado desde 1996 para o processamento das declarações de óbito no Brasil, com algumas diferenças e vantagens, a favor do SCB.8 A máscara para digitação dos códigos no SCB, que reproduz o Modelo Internacional de Atestado Médico, é muito mais amigável que a transcrição sintática exigida pelo ACME para posterior digitação. Todos os códigos são criticados no momento da digitação por arquivos de consistência para sexo, idade e freqüência, que estão incorporados no programa. Outras peculiaridades de processamento, tal como a interpretação da intenção do médico atestante, são resolvidas por meio de janelas de diálogo, por exemplo a substituição de um código original da Classificação Internacional de Doença por outro código criado para processamento interno do SCB. Também por meio de janelas de diálogo o codificador é orientado para aplicar de modo ordenado as disposições das regras de mortalidade durante o processamento das causas de morte, tal como ocorre em atestados nos quais os procedimentos médicos são mencionados.

Em que pese a existência destes procedimentos que visam assegurar a qualidade da codificação, erros podem ocorrer no SCB e em sua adaptação para o processamento em lote, que é o Sistema Declarações de Óbito de São Paulo (DOSP).7 Muitos dos fatores e das razões responsáveis pelos erros verificados neste trabalho ainda persistem e são passíveis de prevenção por meio d e instruções programáticas para consistência interna. Estes fatos levam a conclusão de que o controle da qualidade da codificação deve ser realizado mesmo na vigência do processamento automático das causas de morte.

 

Conclusões e Recomendações

A avaliação crítica da codificação das causas de morte para entrada de dados para o Sistema ACME permitiu a identificação de numerosos erros de codificação, muitos dos quais podem ser qualificados como simples e que poderiam ser prevenidos por meio de um programa de controle de qualidade. A entrada em vigor, em janeiro de 1996, da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde para a elaboração das estatísticas de mortalidade no Brasil, tornou obsoleto o Sistema ACME usado para a Nona Revisão. Considerando a adoção nas Unidades da Federação do Sistema de Seleção de Causa Básica ou de sua adaptação para processamento em lote, o Sistema Declarações de Óbito de São Paulo, recomenda-se a introdução de um programa de controle da codificação das causas de morte no Sistema de Informações sobre Mortalidade no Brasil.

 

Referências bibliográficas

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10. National Center for Health Statistics. Instruction manual. Part 2c: ICD-9 ACME decision tables for classifying underlying causes of death. 1992. Hyattsville, Md.; 1992.

11. National Center for Health Statistics. Instruction Manual. Part 2d: NCHS procedures for mortality medical data system file preparation and maintenance, effective 1979. Hyattsville, Md.; 1979.

12. National Center for Health Statistics. Instruction manual. Part 2e: Nonindexed terms, standard abbreviations, and State geographic codes used in mortality data classification, 1984. Hyattsville, Md.; 1983.

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