SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue3Quality evaluation of the coding of causes of death in the State of São Paulo, BrazilReflections on Epidemiological Surveillance: Beyond Notifiable Diseases author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Informe Epidemiológico do Sus

Print version ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus vol.9 no.3 Brasília Sept. 2000

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732000000300005 

Acidentes de trabalho referidos por trabalhadores moradores em área urbana no interior do Estado de São Paulo em 1994*

 

Referred work related accidents in workers resident in an urban area of the interior of the State of São Paulo in 1994

 

 

Rita de Cássia Barradas Barata; Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro; José Cássio de Moraes

Departamento de Medicina Social FCM Santa Casa São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta alguns dos resultados de um inquérito domiciliar realizado para estudo das condições de vida da população residente em áreas urbanas de municípios com mais de 80.000 habitantes do interior do Estado de São Paulo. Os resultados aqui apresentados referem-se à prevalência e a algumas características de acidentes de trabalho ocorridos em um ano. Foram informados 41,20 acidentes de trabalho por 1.000 trabalhadores ocupados. Destes, 34,93 foram acidentes típicos e 6,28 foram acidentes de trajeto. As taxas de prevalência são analisadas com relação a características demográficas (sexo e idade) e socioeconômicas (renda, escolaridade e posição na ocupação) dos trabalhadores e também a condições de trabalho (atividade, vínculo, jornada, desgaste e estressores). Discute-se ainda a subnotificação de acidentes de trabalho comparando-se as informações de acidentes para os quais houve a emissão de CAT com os demais. Para os assalariados do setor formal a subnotificação atinge 42% e para a população economicamente ativa, como um todo, chega a 71%.

Palavras-Chave: Acidentes de Trabalho; Subnotificação; Caracteres Epidemiológicos.


SUMMARY

The present article introduces some of the results of a domiciliary survey designed to study the life conditions of the resident population of urban areas of São Paulo interior districts with more than 80.000 inhabitants, in 1994. A prevalence rate of 41.2 work accidents per 1.000 employed workers was estimated. The prevalence rates for typical work accidents and itinerary accidents were of 34.93 and 6.28 per 1.000 employed workers, respectively. The prevalence rates were analyzed with relation to demographic (sex and age) and socioeconomic (income, education and position in the occupation) characteristics of the workers as well as, for work conditions (activity, entail, hours work per day, waste and stressors). Under reporting of work accidents are discussed based on accident information for which there was the emission of CAT, with other information sources. For formal employees the under reporting reaches 42% and for the economically active population as a whole, it reaches 71%.

Key Words: Work Accidents; Under Reporting; Epidemiological Characters.


 

 

Introdução

Os acidentes do trabalho são aqueles ocorridos durante o exercício do trabalho e que provocam lesão corporal ou perturbação funcional que podem causar a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (Lei no. 6.367,19/10/76).

As informações disponíveis nos registros de acidentes do trabalho e doenças profissionais são reconhecidamente subestimadas, uma vez que a CAT (comunicação de acidente do trabalho), o instrumento utilizado para a notificação, nem sempre é preenchido no momento do atendimento. Existem também acidentes leves que não necessitam de atendimento médico e não são registrados. Finalmente, todos os trabalhadores do sistema informal têm seus acidentes e doenças profissionais não registrados.

A realização de um inquérito domiciliar em amostra representativa dos municípios com mais de 80.000 habitantes no Estado de São Paulo deu ensejo à realização de inquérito relativo a acidentes e doenças profissionais, possibilitando a oportunidade única de obter dados diretamente dos trabalhadores. O Inquérito procurou, além da caracterização dos acidentes, identificar a percepção dos trabalhadores acerca de suas condições de higiene e segurança no trabalho e avaliar a prevalência dos acidentes de acordo com atributos dos trabalhadores e características dos locais de trabalho.

As informações obtidas a partir de entrevistas com os próprios trabalhadores têm sido utilizadas por diferentes técnicas de abordagem em saúde do trabalhador como instrumento alternativo às visitas aos locais de trabalho que, habitualmente, dependem de autorização dos empregadores. Essas informações têm sido validadas por observações diretas ou através de confronto com prontuários médicos e têm se mostrado confiáveis e válidas.1,2

O objetivo deste artigo é descrever a prevalência e algumas das características dos acidentes de trabalho ocorridos entre os trabalhadores moradores das cidades do interior do Estado de São Paulo, com população acima de 80.000 habitantes. Serão apresentadas as taxas de prevalência de acidentes típicos e de trajeto no último ano, a taxa de prevalência de acidentes leves nos últimos 30 dias, as taxas de acidentes segundo características demográficas e socioeconômicas dos trabalhadores e segundo as condições de trabalho.

Método

A Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos) com a colaboração do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e com o financiamento da FUNDACENTRO, realizou inquérito domiciliar em amostra probabilística de 8.544 domicílios das cidades do interior do Estado com mais de 80.000 habitantes, em 1994.

Do inquérito constavam seis questionários diferentes aplicados aos moradores desses domicílios, voltados para a caracterização das condições de moradia, emprego, renda, escolaridade e acesso a serviços de saúde e condições de higiene e segurança no trabalho.

Os entrevistadores foram selecionados e treinados pela equipe responsável pela condução da Pesquisa de Condições de Vida da Fundação SEADE.

Neste artigo, serão utilizadas predominantemente, as informações contidas no questionário F referente às condições de higiene e segurança no trabalho acrescidas de dados de identificação, renda e emprego contidos nos demais questionários. Foram entrevistados 10.364 moradores com dez anos e mais de idade e experiência prévia de trabalho, dos quais 6.561 estavam ocupados na época da entrevista, 1.119 estavam desempregados ou inativos há menos de 12 meses e 2.518 estavam desempregados ou inativos há 12 meses ou mais. Para efeito desta avaliação, foram considerados apenas os trabalhadores ocupados residentes no interior (6.561 trabalhadores).

Evidentemente, ao obter as informações de interesse diretamente com os trabalhadores integrantes da amostra, o estudo não permitiu a inclusão dos acidentes fatais ocorridos no período, havendo, portanto, uma parcela de subnotificação inerente ao desenho do estudo. Nesse sentido, optou-se por utilizar a medida de prevalência, embora os acidentes sejam eventos agudos com resultados circunscritos no tempo.

O questionário F continha 35 questões pré-codificadas distribuídas em três blocos: informações relativas a atributos dos trabalhadores e características dos locais de trabalho; condições de higiene e segurança no ambiente de trabalho e caracterização dos acidentes.

A informação acerca dos acidentes ocorridos no último ano foi obtida mediante pergunta aberta. Esperava-se que os trabalhadores fossem capazes de recordar e relatar acidentes mais importantes do ponto de vista de limitações e problemas deles decorrentes, razão da ampliação do período recordatório para um ano. Com relação aos acidentes nos últimos 30 dias, a metodologia utilizada buscou apreender acidentes leves que tendem a ser omitidos quando se recorre a perguntas abertas utilizando um "check list". Os resultados demonstram que, assim como em inquéritos de morbidade em geral, também para os acidentes do trabalho a resposta estimulada fornece mais informações.

Como variáveis explanatórias foram selecionados três grupos:

· variáveis demográficas: sexo e idade;

· variáveis socioeconômicas: renda média mensal em salários mínimos, escolaridade em número de anos cursados e posição na ocupação;

· variáveis de condições de trabalho: ramo de atividade, tipo de vínculo, duração da jornada em horas, tipo da jornada (diurna ou outras), desgaste (físico e mental, físico ou mental, nenhum), grau de desgaste (baixo, médio, alto e muito alto) e presença de estressores no ambiente de trabalho (higiene, ergonomia, iluminação, ventilação, umidade, poeiras, gases e fumaças, ruído, piso, temperatura, substâncias químicas, máquinas, animais, vibração, conforto).

Os dados foram processados e as análises foram feitas utilizando-se o conjunto de programas EPI-INFO, versão 6.04, produzidos pelos Centers of Disease Control and Prevention, de Atlanta, EUA. A significância estatística das associações foi analisada através do teste do χ2 com nível de significância de 5% e a força das associações foi avaliada pelo cálculo da razão dos produtos cruzados (OR) com limites de confiança de 95% pelo método de Cornfield.

Resultados

A taxa de prevalência de acidentes do trabalho no último ano, ocorridos no interior do Estado, foi de 41,20 por 1.000 integrantes da força de trabalho, isto é, os indivíduos maiores de dez anos com experiência anterior de trabalho. Na composição dessa taxa participaram os acidentes típicos com 34,93 acidentes por 1.000 integrantes da força de trabalho e os acidentes de trajeto com 6,28 acidentes por 1.000. Dos acidentes de trabalho ocorridos no último ano, 38,8% não implicaram afastamento do trabalha enquanto 61,2% resultaram em algum afastamento, em que 47,1% demandaram afastamentos inferiores a 15 dias e 14,1% afastamentos iguais ou superiores a 15 dias.

Os acidentes leves ocorridos nos últimos 30 dias apresentaram taxa de 122,60 episódios por 1.000 trabalhadores ativos. Os problemas mais freqüentemente referidos, isto é, aqueles que acometeram mais de 10% da força de trabalho ocupada foram: irritação das mucosas (44%), contusões (24%), irritação da pele (18%), ferimentos (15%), mordidas e picadas (12%) e tonturas e náuseas (10%). Entre os problemas mais freqüentes, pode-se observar a existência de acidentes ou conseqüências para a saúde dos trabalhadores relacionadas com a presença de substâncias irritantes no processo de trabalho e condições inseguras relacionadas com a ocorrência de contusões e ferimentos, além da exposição a animais resultando em mordidas e picadas.

· Subnotificação

Foram notificados através de CAT apenas 28,9% (27,8 - 30,0) dos acidentes de trabalho ocorridos no último ano. Tendo em vista que, do ponto de vista legal, apenas os acidentes ocorridos entre trabalhadores assalariados do setor formal são registrados e que 69% dos assalariados entrevistados pertenciam ao setor formal (com registro em carteira), a proporção de notificações aumenta para 42,1% (39,9 - 44,2). Portanto, haveria, nos dados oficiais, cerca de 57,9% (55,8 - 60,0) de subnotificação de acidentes de trabalho, mesmo que fossem considerados apenas os trabalhadores assalariados do setor formal. Entretanto, se for considerado o conjunto da população economicamente ativa, a subnotificação de acidentes de trabalho atinge a cifra de 71,1% (70,0 - 72,2).

· Características demográficas e socioeconômicas:

As taxas de prevalência de acidentes de trabalho, típico e de trajeto segundo a idade dos trabalhadores é apresentada na Tabela 1 e na Figura 1. Os dados apresentados mostram, para os acidentes típicos, um risco bastante alto para os menores de 14 anos, redução do risco no grupo seguinte (14 a 17 anos) novo aumento do risco entre 18 e 29 anos, estabilização em valores menores entre 30 e 59 anos e outra redução na faixa de 60 anos e mais. Para os acidentes de trajeto o risco é baixo nos menores de 14 anos, mantém-se praticamente constante entre 14 e 59 anos e aumenta entre os maiores de 60 anos.

 

 

 

 

Com relação ao sexo, os acidentes típicos foram 2,5 vezes mais prevalentes no sexo masculino enquanto os acidentes de trajeto apresentaram prevalências praticamente idênticas. Para os acidentes no último ano, a razão de riscos foi de 2,12 em decorrência do peso que os acidentes típicos têm no conjunto de acidentes relatados. Os acidentes leves registrados nos últimos 30 dias apresentaram taxas de prevalência semelhantes para homens e mulheres, com razão de riscos de 1,20.

As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam as taxas de acidentes do trabalho segundo algumas características socioeconômicas dos trabalhadores acidentados.

 

 

 

 

 

 

Para os acidentes típicos, observou-se relação inversa entre a taxa de acidentes e os anos de escolaridade. Tomando-se como referência a taxa observada para os indivíduos com 12 anos ou mais de escolaridade, as razões de risco foram de 4,40 para os indivíduos sem escolaridade formal; 3,75 para aqueles com um a quatro anos de escolaridade ; 3,35 para aqueles com cinco a oito anos e 2,33 para aqueles com nove a 11 anos de escolaridade. Podem-se distinguir três faixas de risco diferentes: alto nos indivíduos sem escolaridade formal ou com escolaridade básica, intermediário nos indivíduos com escolaridade secundária e baixo para aqueles com escolaridade superior. Para os acidentes de trajeto não se observou qualquer tendência. Quanto aos acidentes leves nos últimos 30 dias, as taxas revelaram o mesmo comportamento observado para os acidentes típicos no último ano.

Com relação à renda familiar per capita observou-se que as taxas de prevalência de acidentes no último ano apresentaram valores mais altos para as três primeiras classes de renda, isto é, entre 0,0 e 2,0 salários mínimos. Entre 2,1 e 5,0 salários mínimos, as taxas observadas foram menores que as anteriores, na classe entre 5,1 e 10,0 as taxas voltaram a subir e na classe de rendimentos acima de dez salários mínimos elas caíram pela metade. Para a ocorrência de acidentes nos últimos 30 dias, observaram-se taxas altas em todas as faixas de rendimento, com redução na classe de mais de 10,0 salários mínimos. Embora exista uma relação inversamente proporcional entre rendimentos e taxa de acidentes, ela não parece tão específica quanto, por exemplo, a observada com relação à escolaridade.

Outra variável socioeconômica considerada além da escolaridade e da renda foi a posição na ocupação (Tabela 4).

Chama a atenção a taxa de prevalência extremamente alta para os agricultores. A grosso modo, as posições que correspondem ao subproletariado e ao proletariado apresentam maiores taxas de prevalência, destacando-se, nesses grupos, os assalariados e assalariados com contratos de autônomo com os maiores riscos. É interessante notar a prevalência semelhante entre trabalhadores domésticos mensalistas e empregadores sugerindo, assim, um certo excesso de acidentes entre empregadores que, por sua condição social, deveriam estar menos sujeitos a situações de risco. Os donos de negócios familiares, correspondentes a uma parte da pequena burguesia, apresentam taxas de acidentes relativamente mais baixas, assim como os trabalhadores familiares. Os profissionais liberais apresentaram taxas maiores que a desses dois grupos porém inferiores aos demais.

· Condições de trabalho

A principal variável relativa a condições de trabalho é o ramo de atividade, uma vez que ela condiciona o tipo de atividade desenvolvida e, portanto, o tipo e a quantidade de exposição a situações favorecedoras de acidentes de trabalho.

As atividades produtivas que apresentaram taxas de prevalência de acidentes no último ano mais altas foram as extrativistas e de representação política, seguidas da construção civil e metalurgia, transformação industrial e agropecuária. As atividades que apresentaram menor prevalência de acidentes no último ano foram comércio de mercadorias e prestação de serviços. Não houve menção de acidentes nas outras atividades provavelmente em função do pequeno número de trabalhadores arrolados nesse grupo (Tabela 5).

 

 

Quanto ao tipo de vínculo, a taxa de prevalência de acidente do trabalho, no último ano, foi de 51,79 entre os trabalhadores assalariados registrados, 26,06 entre os trabalhadores assalariados não registrados e 38,87 entre os funcionários públicos.

Observou-se relação diretamente proporcional entre duração da jornada e taxa de prevalência de acidentes de trabalho no último ano, exceção feita aos trabalhadores cuja jornada era habitualmente inferior a 20 horas semanais e que apresentaram risco semelhante ao daqueles que trabalharam entre 41 e 60 horas semanais, risco esse maior do que o registrado para os trabalhadores com jornadas entre 20 e 40 horas semanais (Tabela 6).

 

 

As jornadas de trabalho noturnas, por turnos ou irregulares, foram agrupadas para finalidade de análise. Comparativamente, as taxas de prevalência de acidentes no último ano foram maiores para os trabalhadores com esse tipo de jornadas (54,28 por 1.000 trabalhadores) do que para aqueles em jornadas diurnas (39,64 por 1.000 trabalhadores), com razão de riscos de 1,37.

De acordo com o esperado, observou-se relação diretamente proporcional entre a prevalência de acidentes no último ano e o desgaste referido pelos trabalhadores ao final da jornada de trabalho. Os trabalhadores que referiram sentir-se bem após o trabalho, ou seja, não referiram desgaste, apresentaram taxas menores de acidentes (22,54/1.000 trabalhadores). Aqueles que referiram cansaço físico ou mental e aqueles que referiram cansaço físico e mental mostraram as maiores taxas de acidentes, respectivamente 46,81 e 46,63 (por 1.000 trabalhadores).

As taxas de prevalência de acidentes no último ano também mostraram relação diretamente proporcional ao grau de desgaste referido ao final da jornada. Para os acidentes ocorridos no último ano, tomando-se como referência a prevalência para os indivíduos que referiram baixo grau de desgaste, a razão de riscos variou de 1,18 para o nível médio a 1,62 para o nível alto e 1,96 para o muito alto (Figura 2).

 

 

Foram considerados estressores uma série de condições presentes nos locais de trabalho que poderiam representar maior possibilidade de acidentalidade. As taxas de prevalência de acidentes no último ano foram mais altas entre os trabalhadores que referiram a presença de estressores nos locais de trabalho do que para aqueles que não referiram (63,71 e 23,32/1.000, respectivamente). A prevalência foi 2,73 vezes maior entre os trabalhadores que afirmaram a presença de estressores em seus locais de trabalho. Para os acidentes ocorridos no último mês, a prevalência foi 5,46 vezes maior entre esse grupo de trabalhadores.

As taxas de prevalência dos acidentes no último ano apresentam valores altos para todos os estressores relatados. Entretanto, destacam-se por sua magnitude as taxas observadas em locais de trabalho nos quais há presença de ferramentas ou máquinas perigosas, vibrações, disposição inadequada de móveis e equipamentos, manipulação de substâncias químicas, presença de animais, iluminação inadequada e pisos irregulares ou escorregadios. Estes cinco grupos de estressores corresponderam também às maiores taxas de prevalência dos acidentes nos últimos 30 dias, embora em ordem de importância diferente.

Para os acidentes ocorridos no último ano, as menores taxas foram relacionadas a temperaturas inadequadas, ruído, posições antiergonômicas e poeira. Para os acidentes ocorridos do último mês, as menores taxas foram observadas para temperatura inadequada, poeiras e ruído.

A razão de risco entre as taxas de acidentes ocorridos no último ano para as situações de presença dos estressores e a taxa total de acidentes na ausência deles apresenta valores acima de 2 para todas as situações, com valores variando de 3,0 para presença de poeiras a 6,94 para a presença de ferramentas e máquinas perigosas.

 

Discussão

A taxa de prevalência de acidentes de trabalho entre os trabalhadores residentes no interior do Estado de São Paulo, nas áreas urbanas de municípios com mais de 80.000 habitantes, superou a taxa registrada para o país como um todo que, para o ano de 1990, correspondeu a 30 acidentes por 1.000 trabalhadores registrados.3 Para 1991, na cidade de Barcelona, foram registrados 89 acidentes por 1.000 trabalhadores, correspondendo, assim, a um risco cerca de duas vezes maior.4

Dado que a informação de ocorrência do acidente dependia do relato do trabalhador e que o período de investigação cobria os últimos 12 meses, era de se esperar que tivesse ocorrido maior registro de acidentes com maior gravidade, isto é, os trabalhadores estariam mais propensos a recordar e referir os acidentes que provocaram afastamento do trabalho ou algum tipo de modificação na vida cotidiana.

Os dados relativos ao percentual de acidentes em que não ocorreu afastamento do trabalho bem como a taxa de prevalência de acidentes ocorridos nos últimos 30 dias parecem corroborar a expectativa anteriormente expressa. Dos acidentes referidos, apenas 40% não demandaram afastamento. Para o Brasil, no ano de 1991, apenas 13% dos acidentes notificados não demandaram afastamento.5 A pequena proporção de acidentes mais leves sugere que há subnotificação e subinformação importante, visto que os acidentes leves deveriam ser proporcionalmente mais freqüentes do que os moderados e graves.

A prevalência de acidentes nos últimos 30 dias foi três vezes maior do que a taxa de acidentes referidos no último ano. Tal resultado decorre da técnica de check list empregada para aferição dos acidentes nos últimos 30 dias que fornece, em geral, um número maior de menções do que o relato espontâneo obtido através de pergunta aberta.

Quanto à subnotificação, as cifras registradas foram altas tanto para os trabalhadores inseridos no setor formal da economia quanto para a população economicamente ativa. Não há dados de literatura que permitam a comparação com os dados desse inquérito. A única informação disponível refere-se à comparação entre acidentes de trabalho fatais registrados no sistema de informações de mortalidade, cujo instrumento básico de registro são os atestados de óbito, e as notificações pela CAT. Em trabalho realizado por técnicos do Ministério da Saúde observou-se cerca de 43,2% de subnotificação, isto é, apenas 56,8% dos óbitos registrados como decorrentes de acidentes de trabalho haviam sido notificados por CAT.6

A distribuição dos acidentes por idade e sexo foi semelhante à observada para o país como um todo, no qual 60% dos acidentes concentram-se no grupo de 18 a 35 anos e há cerca de três vezes mais acidentes entre os homens.3,7 Chama a atenção o risco alto, para os acidentes típicos, entre os menores de 14 anos, provavelmente relacionado com o exercício de atividades agrícolas, atividades estas que apresentam riscos altos de acidentes.8

A relação observada entre escolaridade e taxa de acidentes de trabalho foi bastante semelhante à registrada por Barreto5 ao estudar os acidentes fatais entre trabalhadores de uma siderúrgica brasileira. A relação inversamente proporcional entre prevalência de acidentes e escolaridade provavelmente reflete as atividades ocupacionais predominantes nos diferentes estratos de escolaridade, isto é, há uma relação de dependência bastante estrita entre posição na ocupação, ramo de atividade e escolaridade, e destas variáveis com as situações de insalubridade e insegurança no trabalho. A escolaridade também pode contribuir diretamente para a maior percepção de perigo e condições insalubres e para a construção de comportamentos de preservação.

O risco de acidentes de trabalho foi significativamente mais alto para os trabalhadores com renda familiar per capita inferior a dez salários mínimos. A renda per capita, assim como a escolaridade, encontra-se estreitamente associada à ocupação e à inserção do trabalhador no processo produtivo. Barreto5 encontrou diferenças ainda mais marcantes ao estudar os acidentes fatais.

Analisando a distribuição das taxas de acidentes segundo a posição na ocupação, observou-se que, quanto maior a autonomia na execução do trabalho (dono de negócio familiar, trabalhadores familiares e profissionais liberais), menor o risco de acidentar-se. Os dados parecem sugerir que o domínio, pelo trabalhador, da execução de sua atividade, a definição dos ritmos, pausas, etc., representam menor risco para acidentes.

Barreto9, estudando a mortalidade por acidentes fatais e outras causas, em coorte de trabalhadores de siderurgia, encontrou taxas padronizadas de mortalidade inversamente proporcionais à qualificação dos trabalhadores.

A distribuição das taxas de acidentes segundo ramo de atividade foi coerente com os processos de trabalho predominantes em cada grupo de atividades consideradas. De maneira geral, as atividades agrícolas e industriais apresentam, em seus processos de produção, situações mais propícias à ocorrência de acidentes enquanto as atividades comerciais e de prestação de serviços apresentam condições mais seguras. A mesma tendência foi observada no estudo de acidentes fatais nos Estados Unidos,8 em Campinas10 e em Porto Alegre.7

As diferenças observadas na prevalência de acidentes de trabalho entre funcionários públicos e trabalhadores assalariados com ou sem registro refletem também as características dos atividades predominantes em cada grupo. Os funcionários públicos desempenham predominantemente atividades de prestação de serviços e administrativas, havendo apenas um pequeno contingente em atividades de produção industrial, tais como gráficas, usinas de asfalto, concretagem, etc.

No Brasil, em 1990, 23% da população economicamente ativa estava envolvida em atividades agrícolas e cerca de 92% não tinha registro em carteira; 23% estava inserida em atividades industriais; na indústria de transformação e nos transportes, 70% dos trabalhadores eram registrados enquanto na construção civil apenas 37% eram registrados; finalmente 54% estavam envolvidos em atividades do setor terciário onde cerca de 30% dos trabalhadores eram registrados.3

Em São Paulo, entre os assalariados sem registro, predominaram as atividades comerciais e de prestação de serviços que acarretam menor risco de acidentes aos trabalhadores.

O comportamento das taxas de prevalência segundo a duração da jornada de trabalho foi o esperado na medida em que o maior risco correspondeu à maior exposição, exceção feita ao grupo com jornadas de menos de 20 horas semanais. Provavelmente, os trabalhadores com jornadas menores do que 20 horas semanais têm inserções precárias no mercado que poderiam estar associadas a situações de maior exposição, apesar da menor quantidade.

As jornadas noturnas, por turnos ou irregulares, apresentaram maior risco de acidentes, provavelmente pelo tipo de desgaste que provocam no trabalhador. O risco de acidentar-se foi 1,37 vezes maior. Barreto5 encontrou risco 4,6 vezes maior em relação a acidentes fatais, sugerindo que além de maior risco de acidentes há também maiores dificuldades para o atendimento aos acidentados e/ou maior gravidade nos acidentes ocorridos em jornadas diferentes da diurna.

A associação entre prevalência de acidentes e desgaste referido pelo trabalhador encontra explicação em observações anteriores de maior desatenção, diminuição da capacidade de reflexo, diminuição da capacidade d e enfrentamento de situações potencialmente inseguras e, portanto, facilidade para a ocorrência de diferentes agravos entre trabalhadores desgastados física e/ou mentalmente.

A observação de uma relação tipo dose-resposta entre o grau de desgaste referido e a taxa de acidentes de trabalho apenas reforça as considerações anteriores.

Uma das razões fundamentais para o desgaste está na organização do trabalho, na alienação e falta de autonomia. Outra, está na presença de condições inseguras ou insalubres. Foram consideradas como estressoras as condições de exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos presentes no ambiente de trabalho e percebidos como problemáticos por parte dos trabalhadores.

 

Conclusões

Apesar da grande importância dos acidentes de trabalho como causas de morbidade e mortalidade entre os trabalhadores, há relativamente poucas investigações epidemiológicas sobre o tema em nosso meio.

Muitos dos trabalhos referem-se a um local particular de trabalho ou utilizam dados dos atestados de óbitos para a caracterização dos acidentes.

Um problema permanente nesse tipo de investigação tem sido o dos denominadores, isto é, a dificuldade em dispor de informações detalhadas sobre a população exposta.

Os inquéritos populacionais podem vir a constituir uma forma alternativa de caracterizar melhor os acidentes de trabalho, possibilitando ao pesquisador ter acesso às informações do evento de interesse e também da população exposta. Como outros estudos de prevalência, entretanto, tais investigações estão sujeitas ao viés de seleção (exclusão de casos já falecidos e que porventura estejam internados e, portanto, não presentes no momento do inquérito) e aos diferentes tipos de viés de informação (recordatório, viés do entrevistador, instrumento, etc.).

Apesar de todas as limitações apontadas, o inquérito domiciliar mostrou-se um recurso válido para a obtenção de informações suficientes para traçar o perfil epidemiológico dos acidentes de trabalho destacando a importância de características demográficas e socioeconômicas dos trabalhadores e condições de higiene e segurança no trabalho em sua produção.

Finalmente, por meio do inquérito, foi possível avaliar a magnitude da subnotificação que afeta os dados oficiais dos acidentes registrados nas CATs e ultrapassar as limitações impostas pela legislação analisando a ocorrência de acidentes na população economicamente ativa, independentemente de sua forma de inserção no processo produtivo, isto é, sem restringir-se aos acidentes em trabalhadores assalariados do setor formal da economia.

 

Agradecimentos

À equipe de pesquisadores da Fundação SEADE responsáveis pela realização da Pesquisa de Condições de Vida 94: Annez Andraus Troyano, Olavo Viana Costa, Sandra Márcia Chagas Brandão, Wilton de Oliveira Bussab; à equipe técnica e aos entrevistadores, e ao diretor executivo da Fundação SEADE, Pedro Paulo Martoni Branco, pela autorização de utilização do banco de dados.

 

Referências bibliográficas

1. Laurell, AC, Noriega, M. Processo de produção e saúde, trabalho e desgaste operário. São Paulo: HUCITEC; 1989.

2. Facchini LA. Uma contribuição da epidemiologia: o modelo de determinação social aplicado à saúde do trabalhador. In: Buschinelli JTP, Rocha LE, Rigotto RM. Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes; 1994.

3. Wünsch Filho V. Variações e tendências na morbimortalidade dos trabalhadores. In: Monteiro CA (org). Velhos e novos males da saúde no Brasil. São Paulo: HUCITEC; 1995.

4. Sampaio RF, Martin MM, Artazcoz LL. Acidentes de trabalho em Barcelona no período de 1992-1993. Revista de Saúde Pública 1998; 32 (4) : 00-00. (falta no páginas).

5. Barreto S, Swerdlow AJ, Smith PG, Higgins CD. A nested case-control study of fatal work related injuries among brazilian steel workers. Occupational and Environmental Medicine 1997; 54 : 599-604.

6. Beraldo PSS, Medina MG, Borba EA, Silva LP. Mortalidade por acidentes do trabalho no Brasil - uma análise das declarações de óbito, 1979-1988. Informe Epidemiológico do SUS 1993 jan/fev; II (1) : 41-54.

7. Oliveira PAB, Mendes JM. Acidentes de trabalho: violência urbana e morte em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 1997; 13 (supl. 2 ) : 73-83.

8. Bailer AJ, Stayner LT, Stout NA, Reed LD, Gilbert SJ. Trends in rates of occupational fatal injuries in the US (1983-1992) Occuaptional and Environmental Medicine 1998; 55 : 485-489.

9. Barreto S, Swerdlow AJ, Smith PG, Higgins CD, Andrade A. Mortality from injuries and ohter causes in a cohort of 21.800 Brazilian steel workers. Occupational and Environmental Medicine 1996; 53 : 343-350.

10. Lucca S de, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979- 1989. Revista de Saúde Pública 1993; 27 (3):168-176.

 

 

Endereço para correspondência:
Departamento de Medicina Social
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Rua Dr. Cesário Motta Jr., 61 - São Paulo
CEP: 01221-020.
E-mail: chmedsoc@santacasasp.org.br

 

 

* Trabalho apresentado e premiado com menção honrosa no IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia, ABRASCO, Rio de Janeiro, 1998.