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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.9 n.4 Brasília dez. 2000

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732000000400004 

Investigação do retardo mental e doenças genéticas a partir de um estudo transversal em escolas do Estado do Rio de Janeiro

 

A cross sectional study to investigate mental retardation and genetic disorders in schools of Rio de Janeiro

 

 

Juan Clinton Llerena JrI; Antônio Abílio Santa-RosaII; Patrícia CorreiaII; Dafne HorovitzIII; Eduardo Jorge Custódio da SilvaIV; Edicléia Fernandes MascarenhasV; Raquel da SilvaVI; Luis CamachoVII; Ronir RaggioVIII

IDepartamento de Genética Médica/IFFIFIOCRUZ
IIInstituto de Biologia -Departamento de Genética, CCS/UFRJ
IIIInstituto de Medicina Social/UERJ
IVSaúde da Mulher e da Criança/IFF/FIOCRUZ
VSaúde da Mulher e da Criança/IFF/FIOCRUZ e CERAPD/SUS
VIDepartamento de Biologia Celular e Genética/Instituto de Biologia/UERJ
VIIDepartamento de Epidemiologia/ENSP/FIOCRUZ
VIIINúcleo de Estudos de Saúde Coletiva/UFRJ

Endereço para correspondência

 


RESUMO

De 1994 a 1997, uma equipe médica itinerante em visita a escolas de educação especial no Estado do Rio de Janeiro iniciou uma investigação genética em alunos com retardo mental (RM) com o objetivo de identificar fatores clínicos e epidemiológicos associados a deficiência mental em uma população escolar: 673 alunos foram examinados e suas famílias entrevistadas nas próprias escolas com uma adesão superior a 80%. Foram constatados: maior freqüência de indivíduos do sexo masculino (1,5M:1F; p<0,001), história familiar de RM em 25% das famílias entrevistadas, uniões consangüíneas em 5,5% (p<0,01) dos pais e aumento da idade parental ao nascimento, incluindo os alunos com síndrome de Down. Uma freqüência maior de partos domiciliares (p<0,00001), especialmente entre os alunos com mais de 20 anos, foi identificada juntamente a uma menor freqüência de partos cesarianos no total de alunos (27,6%; p<0,0001) comparado à população geral do Estado do Rio de Janeiro(46,84%). Em cerca de 20,3% dos alunos havia história de internação no berçário logo após o nascimento e convulsão não febril em 19,8% dos examinados. Os alunos com RM foram clinicamente classificados de acordo com uma hipótese etiológica, compreendendo 36,9% como possível causa genética, 21,1% de causa ambiental e 41,9% de causa idiopática. Tais resultados indicam a necessidade de uma revisão das estratégias de planejamento familiar atual, especialmente com relação às gestantes idosas onde o aconselhamento genético e métodos de diagnóstico pré-natal poderiam ser estendidos. Uma revisão das práticas obstétricas ao período pré, peri e pós-parto com o intuito de reduzir as complicações ao recém-nascido e uma real efetivação dos serviços de prevenção terciária voltados para o atendimento do deficiente tornam-se necessários através das recomendações da Coordenação de Atenção a Grupos Especiais pelo Programa de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência do Ministério da Saúde (1993).

Palavras-Chave: Retardo Mental; Desordem Genética.


SUMMARY

From 1994 to 1997, an itinerant medical research group initiated a genetic screening program in governmental funded schools for lhe mentally handicapped individuals in the state of Rio de Janeiro, Brazil. ln arder to identify clinical-epidemiological factors among The mentally retarded students, 673 pupils with mental retardation (MR) were examined and their families interviewed (compliance rate of 80%). A predominance of affected males (1,5M:1F - p<0,001) was observed. Familial history of MR was present in 25% of the interviewed families and 5,5% of lhe parents were consanguineous (p<0, 01). Advanced parental age at birth, including Down syndrome pupils, was observed. A significantly higher frequency of domicile labours (p<0,0001), especially for those over 20 years of age, was reported, and a low prevalence for caesarean sections (27,8%) compared to lhe general population in lhe state of Rio de Janeiro (46,84%; p<0,0001) was registered. Furthermore, 20,3% of pupils were hospitalised immediately after birth and 19,8% had a history of non-febrile convulsions. An etiological classification was attempted for each examined individual with lhe following results: 36,9% genetic, 21,1 % acquired and 41,9% idiopathic. Our results point out for lhe necessity of a review of medical practice essentially towards family planning and especially related to advalced maternal age pregnancies, where genetic counselling and prenatal diagnostic tests could be extended. Perinatal medical supervision should be intensified in arder to reduce complications related to labour and effective efforts should be put in practice to implement tertiary prevention for lhe handicapped individual as recommended by official governmental departments of lhe Brazilian Ministry of Health (1993).

Key Words: Mental Retardation; Genetic Disorders.


 

 

Introdução

O retardo mental (RM) é considerado uma questão de saúde pública pela Organização Pan-Americana da Saúde1, desde 1974, solicitando uma ação mais direta por parte dos diversos setores da administração pública. Em uma ampla revisão sobre o assunto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Comissão Conjunta Internacional sobre os Aspectos do Retardo Mental2 reconhecem que pessoas portadoras de RM possuem necessidades especiais que podem ser atendidas através de uma combinação de serviços gerais e especializados. O Ministério da Saúde no Brasil, por meio da Coordenação de Atenção a Grupos Especiais da Secretaria de Assistência à Saúde,3 reconhecendo as diretrizes propostas pela OMS, recomendam que o planejamento e organização de serviços no Sistema Único de Saúde seja um determinante social para a integração na sociedade, além de ações de detecção precoce, reabilitação e prevenção terciária promovendo a saúde do deficiente.

A prevalência do RM no Brasil é apenas uma estimativa. De acordo com um censo realizado pela Organização das Nações Unidas & Confederação Nacional dos Bispos do Brasil,4 cerca de 5% da população brasileira (130.000.000 habitantes em 1987) apresentavam algum tipo de RM. Estima-se que 10% da população mundial tenha algum tipo de deficiência, sendo 2-3% de deficientes mentais. Por outro lado, a grande heterogeneidade etiológica do RM, muitas vezes, dificulta o planejamento familiar e aconselhamento genético.5

Este trabalho teve como objetivo o estudo das características clínico-epidemiológicas de 673 alunos com RM inseridos em programas governamentais de educação especial sob coordenação das Secretarias de Educação do Estado do Rio de Janeiro e Município de Duque de Caxias (RJ). A partir deste referencial de estudo foram abordadas as principais diretrizes para a formulação de programas de saúde voltados ao indivíduo com RM utilizando os documentos oficiais da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil.

 

Metodologia

Em 1994, iniciou-se uma parceria entre o Departamento de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ-RJ) e a antiga Coordenação de Educação Especial da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de conhecer o perfil clínico-epidemiológico de alunos portadores de RM e seus familiares inseridos no programa governamental de ensino especial sob coordenação dessa Secretaria (CGP/COEE).6 Em 1996, o Município de Duque de Caxias (RJ) ingressou no projeto. O objetivo inicial da pesquisa foi identificar doenças genéticas entre os alunos com RM inseridos em escolas públicas.

Neste sentido, uma equipe itinerante do Departamento de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ-RJ) realizou visitas semanais a diferentes escolas de educação especial sob coordenação da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro [Niterói (EEEE Alvaro Caetano de Oliveira), Nova Iguaçu (CIEsp), Rio de Janeiro (EEEE Antônio F Lisboa, EEEE Marly Fróes), Duque de Caxias (EE Irineu Marinho), Cabo Frio (CE Miguel Couto, CE 31 de Março] e da Secretaria de Educação do Município de Duque de Caxias/RJ (Distritos de Duque de Caxias, Campos Elíseos, Imbariê e Xerém). Foram examinados 673 alunos portadores de RM e seus responsáveis foram entrevistados. Dois protocolos clínicos de investigação foram seguidos em cada família: genético e neurológico.7.8 O grupo de alunos com diagnóstico de RM inseridos nas escolas especiais foi delimitado pelas Coordenadorias de Educação Especial.

As avaliações foram realizadas nas próprias escolas por uma equipe composta por geneticista, neurologista e assistente social. Representantes das secretarias de educação e os professores participaram da avaliação. A avaliação neurológica foi realizada pelo mesmo investigador em todos os casos, consistindo em exame neurológico clássico e do exame neurológico evolutivo (ENE).9 O questionário genético e o exame morfológico dos pacientes foram realizados por mais de um pesquisador. No entanto, todos tiveram o mesmo treinamento em serviço, supervisionados por um dos pesquisadores e baseados em conceitos e orientações preconizadas por Jones,10 facilitando, desta forma, a homogeneidade da coleta de informações. A presença de um responsável do aluno foi sempre exigida para autorização do exame e assinatura do termo de consentimento para a pesquisa.

Diante da complexidade de estabelecer diagnósticos etiológicos numa população tão heterogênea quanto a dos deficientes e cientes das limitações existentes nesse tipo de investigação exploratória, descritiva e retrospectiva, a amostra foi classificada em três grandes grupos: genético, ambiental e idiopático. Categorizaram-se como integrante do grupo genético os alunos que apresentavam um conjunto de dismorfias faciais peculiares associadas ou não a outras malformações congênitas, doenças genéticas com diagnóstico baseado em critérios clínicos (síndromes de Down, Williams, Esclerose Tuberosa, entre outras), consangüinidade parental na ausência de associação com fatores ambientais adversos, dois indivíduos do sexo masculino afetados na mesma família, ou dois indivíduos com dismorfias faciais peculiares na mesma família, ou, ainda, apresentando a deficiência em questão em mais de duas gerações. Também foi utilizado, em poucas ocasiões, o relatório médico do aluno com o diagnóstico etiológico definitivo (eg: Síndrome do "miado do gato" - perda segmentar do braço curto do cromossomo 5). No grupo ambiental foi classificado o indivíduo com história patológica pregressa de eventos externos ao concepto, não constitucionais, identificados pelos questionários como, por exemplo, infecção congênita, exposição a drogas ou agentes abortivos, descolamento prematuro de placenta, prematuridade, asfixia perinatal, tocotraumatismo, meningoencefalites, traumatismo craniano, baixa motivação social, entre outros. No grupo idiopático foram incluídos alunos cujos questionários, anamnese e exame físico não identificaram nenhuma alteração.

As informações clínicas coletadas em campo constituíram um banco de dados e foram analisadas através dos testes estatísticos do Programa Epitab/e e do Programa Statcalc inseridos no pacote de programas EPI-INFO 6.0 compreendendo as freqüência simples, intervalos de confiança com os testes t de Student e Qui-quadrado. As freqüências foram apresentadas com intervalo de 95% de confiança.

Os dados da população geral brasileira referentes ao sexo, tipo de parto, taxa de gemelaridade, idade materna ao nascimento do aluno e consangüinidade parental foram obtidos a partir de duas fontes: Declaração de Nascido Vivo do Município do Rio de Janeiro fornecida pela Secretaria Municipal de Saúde (96.147 registros de 1994)11 e duas maternidades do grupo ECLAMC (Estudio Colaborativo Latino-Americano de Malformaciones Congenitas)1213 em dois períodos distintos (1982 a 1990 e 1988 a 1994) (18.337 registros ).

 

Resultados e Discussão

A realização da pesquisa clínica nas próprias escolas permitiu alta adesão por parte das famílias, alcançando participação superior a 80% das famílias através da assinatura do termo de consentimento informado.

A idade dos alunos de nossa amostra variou de seis a 71 anos, com um predomínio para a faixa etária dos 11 a 20 anos (56,7%), média 15±7,3 anos e mediana de 14 anos (Tabela 1).

 

 

Houve uma maior prevalência do sexo masculino sobre o sexo feminino (1,5M:1F)(p<0,001), replicando dados já conhecidos da literatura para o RM14 e, possivelmente, indicando a contribuição de genes ligados ao cromossomo X na etiologia do RM. Em nossa pesquisa, esta contribuição pode ser avaliada nos casos familiares de RM (25% das famílias), onde o irmão (24,4%) freqüentemente era o afetado comparado à irmã (5,1%) (Tabela 1). Outro fator relevante no aumento da prevalência do sexo masculino é a maior ocorrência da síndrome de Down no sexo masculino. Em nossa pesquisa, a síndrome de Down foi a causa mais importante de RM no grupo genético (28,1% -Tabela 2). Esta maior prevalêncja da síndrome de Down no sexo masculino também é corroborada por uma maior mortalidade perinatal no sexo feminino.15

 

 

O Brasil é caracterizado por populações com diferentes taxas de casamentos consangüíneos, variando de 9% nas Regiões Norte e Nordeste a 0,62% nas Regiões Sul e Sudeste.14 Se tomarmos por base as estimativas da freqüência de consangüinidade parental obtidas para todo o país como sendo 1,28% (calculada a partir de 2.328 registros de nascimentos hospitalares de recém-nascidos não malformados em sete maternidades brasileiras),16 o observado no nosso grupo de alunos torna-se estatisticamente significativo (Yates X2= 20,14; p<0,01) (Tabela 1). Tais dados poderão indicar um efeito das uniões consangüíneas associado à ocorrência de RM, possivelmente decorrente de genes autossômicos recessivos.

A média das idades materna e paterna ao nascimento na amostra foi de 28,2 ± 7,4 e 31,0 ± 8,6 anos, respectivamente. A comparação com os dados da declaração de nascidos vivos (25,24 ± 0,04 e 30,6 ± 7,7 anos, respectivamente)11 indicou um aumento na idade tanto paterna como materna na população de alunos com RM (p<0,001) (Tabela 3). Ao analisarmos separadamente a idade parental para o grupo de alunos constituídos pela síndrome de Down (n=70), observa-se um aumento maior da idade parental ao nascimento, especialmente para o grupo das mães dos alunos mais jovens (Tabela 3). Tais resultados reforçam para o efeito da idade parental, especialmente a materna, como fator de risco para a síndrome de Down.17.18

 

 

Observou-se uma freqüência aumentada de partos domiciliares (p<0,0001)11 na amostra, principalmente no grupo de alunos com mais de 20 anos. Esta prática reduziu-se consideravelmente em tempos mais recentes (Tabela 4). Observou-se, também, uma maior tendência a indicação de partos cesáreos no grupo etário mais jovem de alunos, semelhante à encontrada na população geral no Estado do Rio de Janeiro11 (Tabela 4).

 

 

à significância estatística encontrada no estudo para consangüinidade, baixo peso ao nascimento (resultados não mostrados), déficit motor, aquisição tardia da fala, convulsões, alterações comportamentais e presença de uma doença genética que apontavam para a possibilidade de RM moderado a grave nestes alunos.

Na grande maioria das entrevistas, a informante principal foi a mãe e a confiabilidade no relato dos eventos pré, peri e pós-natais, muitas vezes ocorridos há muitos anos, teve que ser considerada pelos pesquisadores diante da falta de documentação ou relatórios médicos. Entre as diversas intercorrências descritas pelas famílias, consideramos apenas eventos que não deixavam margens de dúvida quanto a sua veracidade. Nestas circunstâncias, identificou-se em cerca de 20,3% dos alunos examinados uma história pregressa de internação no berçário logo após o nascimento, independentemente da faixa etária dos alunos (Tabela 4).

Uma importante questão a ser abordada neste estudo foi a falta de categorização do grau de RM. Não havia nenhum registro de avaliações psicométricas por parte da equipe escolar como normalmente relatadas em qualquer investigação desta natureza. Portanto, tivemos a impressão de que o grupo de alunos examinados era bastante heterogêneo quanto à gravidade do RM e o desenho metodológico de estudos clínico-epidemiológicos de caráter descritivo, seccional e retrospectivo não permite, em regras gerais, inferir causas etiológicas. Contudo, como um mero exercício de diagnóstico clínico, realizamos uma classificação do RM em três grupos nosológicos de acordo com um possível agente causal: Genético, Ambiental e Idiopático. Este último grupo foi considerado como não associado a nenhuma doença genética clássica (ou ausência de dismorfias ou recorrência familiar), ou a algum evento e/ou agente detectado nas entrevistas com os responsáveis. Cerca de 37,0% dos alunos foram enquadrados no grupo genético, 21,1% no grupo ambiental e 41,9% dos alunos no grupo idiopático (Tabela 2). Tais resultados são compatíveis com dados da literatura para trabalhos não hospitalares semelhantes ao deste estudo. 19,20 É de se ressaltar que o grupo considerado ambiental apresentou uma maior associação clínica com alterações no exame neurológico.

Uma análise comparativa entre os resultados obtidos nas escolas sob coordenação da Secretaria Estadual do Rio de Janeiro e a Secretaria Municipal de Duque de Caxias foi realizada e não apontou para diferenças estatísticas para as variáveis analisadas.

A maior disponibilidade de refinadas técnicas laboratoriais na investigação das causas genéticas do RM,5 vem garantindo a possibilidade de se estabelecerem novos diagnósticos etiológicos. Com a crescente implementação dessas investigações no cotidiano da investigação genética e a delineação de inúmeras condições genéticas21, muitas vezes em descrições isoladas, tem-se ampliado o conhecimento e identificação de novos processos biológicos envolvidos na gênese do RM22,23,24,25 (Tabela 5). Este avanço tecnológico vem permitindo, inclusive, a criação de modelos animais como referencial de estudo no RM.26,27

 

 

Um total de 827 doenças associadas ao RM está cadastrado no Catálogo McKusick de Doenças Mendelianas,21 incluindo as microaberrações cromossômicas e doenças mitocondriais, constituindo um grande acervo de doenças genéticas classificadas em autossômica dominante (#201), autossômica recessiva (#425), ligadas ao cromossomo X (#135), herança mitocondrial (#6) e entradas mistas (#50).

Duas importantes observações a respeito do RM devem ser consideradas:2

1. Embora um número maior de crianças com RM leve e grave tenha sido encontrado nas classes sociais mais baixas, estas tendem a ser as mais desfavorecidas pela falta dos progressos nos cuidados com a saúde, educação e oportunidades de treinamento.

2. A adaptação social de pessoas com retardo mental está fortemente influenciada por fatores históricos, sociais e econômicos, tais como tradição, estrutura familiar, atitudes em relação aos menos capazes, equilíbrio de mão-de-obra e existência ou não de escolarização universal, bem como pelo grau de maturação do indivíduo e a presença de dificuldades crônicas adicionais.

No estudo colaborativo realizado entre OMS e a Comissão Conjunta Internacional sobre Aspectos do Retardo Mental,2 foram formuladas perguntas básicas a serem respondidas como uma etapa preliminar no planejamento de serviços e formulação de políticas públicas concernentes ao indivíduo com RM. As questões mais pertinentes se seguem: pode ser feita alguma estimativa do número de pessoas com RM no país? Quantas pessoas com RM estão sendo atendidas pelos serviços existentes (escolas, hospitais e oficinas de trabalho)? Existe alguma informação sobre a demanda de serviços para pessoas que não estão sendo presentemente atendidas? Quantas pessoas com RM estão atualmente sendo atendidas por serviços comuns, disponíveis para outros na comunidade? Quantas pessoas com RM estão sendo cuidadas pelas famílias em casa? Qual é a ajuda disponível para essas famílias? Até que ponto profissionais de saúde locais e outros agentes comunitários estão conscientes das necessidades dos indivíduos com RM e suas famílias, e estão familiarizados com os métodos básicos de assistência? Até que ponto é possível ajudar os indivíduos com RM a obter e manter empregos em nível adequado, através de treinamento e assistência apropriados? O que se sabe das atitudes comunitárias em relação a pessoas com RM? Qual o contato estabelecido com organizações voluntárias e particulares que prestam, ou desejam prestar, serviços a pessoas com RM, com a finalidade de determinar maneiras pelas quais seu trabalho possa ser ajudado e sua experiência, motivação e mão-de-obra aproveitadas?

No documento da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde do Brasil denominado Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência no SUS: planejamento e organização de serviços3 e sua resolução publicada numa portaria pela Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio de Janeiro no Diário Oficial em maio/1996 (Resolução n° 1.094/SES/RJ)28 foram introduzidas as diretrizes para o planejamento e organização de serviços ao portador de deficiência no SUS e nota-se a escassez de informações referentes à maioria das questões acima. Em qualquer nível de organização social e, mais precisamente, para um ajuste orçamentário visando a implantação destes serviços, torna-se inquestionável e essencial a necessidade de se saber qual a demanda existente (incluindo o número de indivíduos institucionalizados ou em domicílios) para se considerar um avanço na Saúde e Educação.

Existem hoje no Brasil cerca de 33 serviços de Genética Médica distribuídos nas principais cidades urbanas do país [Rio Grande do Sul (4), Santa Catarina (1), Paraná(2), São Paulo (16), Rio de Janeiro (3), Minas Gerais (2), Distrito Federal (1), Alagoas(1), Pernambuco (2), Ceará (1)] e cerca de 35.000 famílias foram atendidas no ano de 1995 visando a orientação genética29. A grande maioria dos serviços de Genética Médica está localizada em hospitais universitários e fundações públicas, estando ao alcance da população normalmente por demanda passiva. Seria de fundamental relevância a integração destes centros de assistência e pesquisa em Genética Médica aos Programas Municipais de Saúde e Educação como interlocutores para as estratégias de saúde voltadas para a prevenção das doenças genéticas e patologias clínicas correlatas, especialmente as associadas ao RM, de acordo com as recomendações vigentes.30

Em decorrência da maior sobrevida dos indivíduos portadores de deficiência, de uma maneira geral, haverá, conseqüentemente, um maior contingente de indivíduos alcançando a idade escolar e, por sua vez, a vida adulta, tomando-se um desafio reverter a situação atual com novas práticas de políticas de saúde e de educação, especialmente voltadas para o RM. Da mesma forma, com o aumento da demanda hospitalar associada ao inevitável avanço tecnológico na caracterização das raras patologias congênitas, muitas vezes de caráter crônico, familiar e sem tratamento, justifica-se o empenho na formação de agentes de saúde, pesquisa básica e recursos humanos na área de Genética Médica.

Este trabalho investigou fatores epidemiológicos associados ao RM em uma população de alunos inseridos em programas governamentais de educação especial no Estado do Rio de Janeiro. Os resultados obtidos ressaltam a necessidade de uma revisão dos programas de planejamento familiar, especialmente para as gestantes acima dos 35 anos, onde o aconselhamento genético e esclarecimento dos métodos de diagnóstico pré-natal, sejam estes os indiretos (transluscência nucal, teste triplo sérico) ou os invasivos (biópsia do vilocorial, amniocentese, cordocentese), devam ser considerados; evidenciou, também, uma alta freqüência de intercorrências perinatais associadas possivelmente ao parto alertando para a necessidade e disponibilidade de um acompanhamento obstétrico mais propedêutico no curso do trabalho do parto; identificou-se também uma freqüência relevante de alunos considerados de causa idiopática, justificando a necessidade de um apoio técnico-científico especializado na investigação etiológica do RM; e, finalmente, apontou para a necessidade de uma real efetivação dos programas de atenção à saúde, seja ela primária (Prevencion Primaria de los Defectos Congénitos)18 ou terciária (Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência no SUS: planejamento e organização de serviços)3 como forma de garantir uma medicina preventiva e, em conseqüência, redução do ônus ao indivíduo, família e a sociedade em geral atribuído às doenças genéticas e patologias clínicas correlatas, entre elas o RM.

 

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Endereço para correspondência:
Departamento de Genética Médica, IFF/FIOCRUZ
Av. Rui Barbosa, 716
Rio de Janeiro/RJ
CEP: 22.250-020
E-mail:llerena@iff.fiocruz.br