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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.2001 n.1 Brasília mar. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000100001 

EDITORIAL

 

O diálogo necessário entre a epidemiologia e as ciências sociais e humanas na promoção da saúde

 

 

Moisés Goldbaum

Membro do Comitê Editorial - IESUS

 

 

Apresentar o presente número do IESUS impõe uma visita aos dois editoriais imediatamente anteriores da revista, nos quais se estabelece um debate envolvendo a produção de conhecimentos em Saúde Coletiva (2000, 9(3):167-68 e 2000, 9(4):227-28). Essa questão vem mobilizando a comunidade científica, sob múltiplas formas e em diferentes instâncias e níveis, e não é de surpreender que ela venha a ganhar espaço neste periódico.

Cecília Minayo, cujas inquestionáveis credenciais técnicas e científicas são altamente reconhecidas, utilizando de seu habitual zelo com a produção da área de Saúde Coletiva, expõe suas preocupações com as análises oferecidas por Maurício Lima Barreto, cujas qualidades acadêmicas são enaltecidas por ela e dispensam outros comentários.

Ao analisar a Epidemiologia no contexto da globalização, Barreto afirma ser ela uma das disciplinas mais bem preparadas para compreender o ser humano em suas múltiplas dimensões (grifo nosso), o que gera as citadas preocupações de Minayo. Afirma ela que tal assertiva leva à posição de que teorias ligadas ao social ou ao terreno da subjetividade ficariam subsumidas às análises epidemiológicas e, por conseqüência supõe-se a desconsideração de que cabe às ciências sociais a tarefa de problematizar os conceitos tidos como verdades inquestionáveis, desnaturalizar os indicadores, evidenciar os reducionismos e, especialmente trazer para o debate a lógica ocultada pelos números.

Não tenho nenhum mandato de Barreto para defender suas posições, com as quais me identifico, bem como as entendo altamente comprometidas com o desenvolvimento conseqüente e responsável do campo da Saúde Coletiva. Pretendo, isto sim, entender qual a questão posta neste debate e qual seu sentido para o desenvolvimento do campo. Nada a opor ao que se espera dos conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais, lembrando entretanto que, como qualquer campo científico, elas são também compostas por diferentes escolas de pensamento e buscam as verdades segundo suas lógicas respectivas. No caso da afirmação feita sobre a abrangência da epidemiologia, entendo que se quis reafirmar suas características de universalidade; ao se dispor, como tem sido feito no âmbito da Saúde Coletiva Brasileira, a dialogar com diferentes campos, dos quais se destaca as Ciências Sociais e Humanas (e nenhum de nós pode desconhecer os esforços empreendidos para tanto), os epidemiologistas têm respeitado e incorporado os conceitos gerados pelos campos científicos que lhes são interfaces. Depreende-se daí que a epidemiologia brasileira tem procurado (insisto, em especial, no âmbito da Saúde Coletiva) estabelecer as bases interdisciplinares (tão reclamadas pelos nossos pesquisadores) para a produção de conhecimentos comprometidos com as reais necessidades da população brasileira. Longe de abrigar freqüentemente, na sua produção científica, o tratamento da questão social e humana através do senso comum ou de forma "meramente ideológica", a Saúde Coletiva, e aqui no caso específico, a investigação epidemiológica têm contri-buído para a realização, em toda sua plenitude, da saúde humana, quando trabalhada com competência, sensibilidade e ética (os exemplos são muitos, desde a implantação, enquanto área científica reconhecida, da Saúde Pública brasileira no início do século passado).

Trazer esta questão para o debate, sugerindo uma disjuntiva ou uma "competição" entre epidemiologia e ciências sociais e humanas em saúde, vai de encontro às necessidades postas a partir das demonstrações feitas pela sociologia das ciências para a articulação das disciplinas, criando novas propostas científicas, seja colocando-se em aberta colaboração para uma explicação mais abrangente e para uma compreensão mais profunda dos fenômenos e das realidades em jogo. De outro lado, a forma exposta deixa de considerar as conquistas alcançadas pela comunidade científica da área, nesses mais de 30 anos de atuação, e que se consolidam sob a égide da sua repre-sentação institucional, a ABRASCO, com repercussões em todo o seu conjunto de campos disciplinares. Desnecessário enumerar estas repercussões, basta verificar a sua presença nas definições de políticas e legislação em saúde ou na condução dos programas de vigilância epidemiológica, para ficar em dois dos exemplos. Isto não significa que não há desafios pela frente e nem que não existam novos e velhos problemas sem o devido encaminhamento de suas soluções. Estes mostram que o caminho a ser trilhado implica acompanhar atentamente a redefinição das árvores de conhecimento científico, em andamento no CNPq, o reconhecimento das especificidades disciplinares e a efetiva construção do conhecimento multidisciplinar que, praticamente, todas as nossas escolas, a seu modo e vocação, têm buscado alcançar.

Este número do IESUS, coerentemente com sua linha editorial de divulgação da produção técnico-científica junto aos profissionais de saúde e de difusão do conhecimento epidemiológico para o aprimoramento do SUS, reafirma, através das publicações nele inseridas, as múltiplas dimensões da Epidemiologia e reforça o seu caráter multidisciplinar e abrangente. O artigo de Jorge e Gotlieb incorpora novos elementos para o aprimoramento dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS); ao sinalizar e discutir a importância do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) gerado junto ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde e aos Programas de Saúde da Família, as autoras propõem instrumentos para suplementar e enriquecer os dados provindos de outras bases. O tema SIS, sempre presente nas edições do IESUS, evidenciando sua relevância para compreender a distribuição dos fenômenos vitais, se vê ampliado na sua abordagem com a publicação do relatório final da Oficina de Trabalho "Informação para a Gestão do SUS", realizada por ocasião do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; trata-se de documento que traz subsídios para pensar políticas de informações em saúde, com repercussões evidentes sobre a gestão do SUS. O artigo de Scatena e Tanaka se compõe na abordagem desse tema à luz da descentralização da saúde, trazendo uma dupla perspectiva: aponta para a articulação entre os campos disciplinares da Epidemiologia e da Gestão e Planejamento em Saúde, ao mesmo tempo que indicam para as amplas possibilidades abertas ao trabalhar-se com os dados existentes para analisar e estudar os modelos de saúde propostos no Brasil. O artigo de autoria de Freitas e Amorim aborda a "Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados no Transporte Rodoviário de Cargas Perigosas", e valoriza a questão ambiental como tema de interesse do campo da Saúde Coletiva; ao denunciar a ausência de informações mostram as dificuldades que se apresentam para a formulação de políticas para o campo da saúde e ambiente. A nota técnica que completa este número do IESUS, da autoria de Tuboi, Tavares, Ashford e colaboradores, ao lado do conhecimento produzido e das implicações detectáveis sobre o controle doenças febris hemorrágicas, traz à tona a capacidade e potencialidade existente para o desenvolvimento de trabalhos cooperativos, nacional e internacionalmente, bem como mostra um exemplo bem sucedido de articulação entre as diferentes instâncias técnico-científicas, como as instituições universitárias, os institutos de pesquisa e os serviços de saúde, na produção de conhecimentos.