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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.2001 n.1 Brasília mar. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000100004 

 

Vigilância ambiental em saúde de acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas

 

Environmental health surveillance of major chemical a ccidents in highway transport of hazardous materials

 

 

Carlos Machado de FreitasI; Andréa Estevam AmorimII

ICentro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana/ENSP/FIOCRUZ
IIDepartamento de Ciências Administrativas e Contábeis/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à saúde dos seres humanos expostos, constituindo uma preocupação para a Saúde Pública. Entretanto, no Brasil, a ausência de algumas informações básicas que permitam avaliar os impactos desses eventos sobre a saúde humana constitui uma das limitações dos dados existentes, atualmente, sobre o transporte de cargas perigosas, reduzindo a capacidade de formulação de políticas públicas de controle e prevenção amplas, adequadas e efetivas, particularmente envolvendo os setores saúde e meio ambiente. O objetivo deste artigo é, no âmbito da Vigilância Ambiental em Saúde, contribuir para a estruturação do sistema de vigilância desse tipo de acidente. A partir do histórico e da caracterização desses acidentes, coloca-se a problemática para o Brasil, tendo como referência estudos realizados nos EUA. A partir daí, são propostos os elementos básicos e iniciais que devem constituir a vigilância em saúde ambiental em relação a esses eventos. Ao final, aponta-se para a urgência da estruturação dessa vigilância, considerando as peculiaridades da realidade brasileira e o grande número de eventos já registrados.

Palavras-Chave: Acidente Rodoviário; Transporte de Carga Perigosa; Vigilância Ambiental em Saúde; Acidente Químico.


SUMMARY

Major chemical accidents in highway transport of hazardous materials have the potential of a multiplicity of damages to health and to the environment and are of Public Health concern. In Brazil the absence of basic information to evaluate the impact of these events on health is one of the limitations of the available data about highway transport of hazardous materials. As consequence, formulation of adequate and efficient public policies to prevent and control these types of accidents, involving health and environment sectors is limited. The objective of this article is to contribute to the building of the environmental health surveillance of these accidents. Based on the available information and on the characterization of these accidents referred in studies done in the United States, the problematic in Brazil is discussed. Basic elements for the urgent implementation of an environmental health surveillance of these accidents are pointed considering the Brazilian reality.

Key Words: Highway Accident; Hazardous Materials Transportation; Environmental Health Surveillance; Chemical Accident.


 

 

Introdução

Os acidentes químicos ampliados, eventos agudos, tais como explosões, incêndios e emissões, individualmente ou combinados, envolvendo uma ou mais substâncias perigosas com potencial para causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à saúde dos seres humanos expostos, constituem uma preocupação para a Saúde Pública. Esses acidentes podem ocorrer em instalações fixas (unidades de produção industrial ou de armazenamento) ou durante o transporte de substâncias químicas (rodoviário, ferroviário, hidroviário, aeroviário e dutoviário), possuindo a capacidade de a gravidade e a extensão dos seus efeitos ultrapassarem os seus limites espaciais - de bairros, cidades e países - e temporais - como a teratogênese, carcinogênese, mutagênese e danos a órgãos alvos específicos.1

No Brasil, a ausência de algumas informações básicas que permitam avaliar os impactos desses eventos sobre a saúde humana2-5 - expostos, lesionados e óbitos - e o meio ambiente6 - contaminação de solos, águas superficiais e subterrâneas, ar e cadeia alimentar, constitui uma das limitações dos dados atualmente existentes sobre o transporte de cargas perigosas. As conseqüências da ausência de dados se refletem diretamente na possibilidade de estimar os custos humanos, ambientais e financeiros desses acidentes e, por conseguinte, na capacidade de formulação de políticas públicas de controle e prevenção amplas, adequadas e efetivas, particularmente envolvendo os setores saúde e meio ambiente.

Os acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas (AQATRCP) são hoje um dos temas de preocupação da vigilância ambiental em saúde (VAS) que vem se desenvolvendo no âmbito do Ministério da Saúde, dentro da Fundação Nacional de Saúde7, com reflexo também em algumas Secretarias Estaduais de Saúde. O objetivo deste artigo, resultado de pesquisas já concluídas, é contribuir para a estruturação do sistema de VAS dos AQATRCPs considerando sua especificidade, pois, além de o país ainda não ter nada estruturado sobre este tema no setor saúde, deve-se considerar ainda que, pelos seus efeitos, possa ser comparado aos acidentes em instalações fixas, dadas as suas características de mobilidade e seus aspectos específicos, que devem ser abordados de modo diferenciado.

 

Breve histórico e características dos acidentes químicos ampliados

A importância dos acidentes envolvendo substâncias químicas está diretamente relacionada à evolução histórica da produção e consumo dessas substâncias em nível internacional e nacional. Nos anos 60, uma planta industrial de grande porte para refino de petróleo possuía capacidade de produzir 50 mil toneladas de etileno por ano. Nos anos 80, a capacidade ultrapassava a escala de 1 milhão de toneladas por ano. O transporte e o armazenamento seguiram o mesmo ritmo. A capacidade dos petroleiros no pós-guerra cresceu de 40 mil toneladas para 500 mil toneladas e a de armazenamento de gás de 10 mil metros cúbicos para 120.000/150.000 metros cúbicos.8,9 A comercialização mundial de produtos químicos orgânicos exemplifica este crescimento, passando de 7 milhões de toneladas em 1950 para 63 milhões em 1970, 250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990.10

O crescimento das atividades de produção, armazenamento e transporte de substâncias químicas no mundo provocou um aumento no número de indivíduos expostos aos seus riscos - trabalhadores e comunidades. Paralelamente, observa-se um aumento na freqüência e gravidade dos acidentes químicos. Os acidentes nessas atividades com cinco óbitos ou mais, os quais são considerados muito severos pela União Européia,11 passaram de 20 (média de 70 óbitos por acidente) entre 1945 e 1951, para 66 (média de 142 óbitos por acidente) entre 1980 e 198612 (Tabela 1).

 

 

Além de serem acidentes de trânsito e de trabalho, esses eventos caracterizam-se por envolver o potencial de explosões, incêndios e vazamentos, individualmente ou combinados, com uma ou mais substâncias perigosas. Possuem, portanto, o potencial de causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à saúde dos indivíduos expostos.

Nas explosões, a súbita liberação de energia pode tomar diversas formas e seus efeitos tendem a ser locais. Porém, as explosões químicas podem ter amplas repercussões sobre a saúde, uma vez que podem resultar em incêndios e emissões de substâncias tóxicas perigosas. Em ambas as formas, há ainda a possibilidade de lançamento de fragmentos. Seus impactos sobre a saúde se manifestam na forma de queimaduras, traumatismos e sufocação pelos gases liberados após as explosões.1

No caso dos incêndios, além da radiação de calor e dos possíveis incêndios e explosões adicionais, existem ainda os riscos associados à própria combustão dos químicos envolvidos, resultando na emissão de múltiplos gases e fumaças tóxicas, atingindo áreas distantes. Além disso, dependendo de vários fatores, entre eles temperatura, a combustão incompleta de substâncias químicas pode gerar inúmeros outros poluentes indiretos. Esta característica dos incêndios químicos torna difícil estabelecer inferências causais entre a possível exposição e os sintomas específicos registrados, tal como evidenciam os estudos sobre bombeiros e populações expostas a esses tipos de eventos. As águas residuais contaminadas dos combates aos incêndios químicos são outra fonte de riscos, tanto para as equipes de emergências que entram em contato com elas durante o combate, como para as populações que obtêm água e peixes para consumo nos rios atingidos.1

As freqüentes emissões líquidas acidentais, que ocorrem diretamente por vazamento ou derramamento, têm sua extensão determinada, entre outros fatores, pela existência de cursos de água e barreiras naturais ou artificiais. As emissões de gases e vapores tóxicos na atmosfera apresentam maiores possibilidades de dispersão. A gravidade e a extensão dessas emissões dependem das propriedades físico-químicas, toxicológicas e ecotoxicológicas das substâncias envolvidas, bem como das condições atmosféricas, geológicas e geográficas. Assim como os incêndios, podem provocar efeitos tanto agudos quanto crônicos, como carcinogenicidade, teratogenicidade, mutagenicidade e danos a órgãos alvos específicos.1

Em síntese, o que caracteriza esses acidentes, denominados de acidentes químicos ampliados, não é somente sua capacidade de causarem conseqüências imediatas e grande número de óbitos em um único evento, embora sejam freqüentemente conhecidos exatamente por isto. É também o potencial da gravidade e extensão dos seus efeitos ultrapassarem os seus limites espaciais - de bairros, cidades e países - e temporais - como a teratogênese, carcinogênese, mutagênese e danos a órgãos alvos específicos, ampliando-se no tempo e no espaço1.

 

Os AQATRCPs e seus impactos sobre a saúde

Em termos globais, os estudos de Glickman e colaboradores,12,13 utilizando-se de diferentes fontes de informações (registros oficiais e bases de dados internacionais, além de jornais, revistas e publicações específicas sobre o tema) demonstram a importância do tema para os setores saúde e meio ambiente. Em um primeiro estudo,12 sobre acidentes químicos ampliados ocorridos no mundo entre 1945 e 1986 e com mais de cinco óbitos, demonstrou que os percentuais para o transporte (incluindo o hidroviário, o ferroviário e o rodoviário) foi de 46% (n=135) do total de eventos (o que inclui dutos e instalações fixas) e de 45% (n=6.808) do total de óbitos. Em um segundo estudo,13 limitando-se aos acidentes ocorridos nos EUA, envolvendo pelo menos um óbito, no período de 1947 a 1991, permitiu desagregar os dados para os AQATRCPs e demonstrar que esses eventos corresponderam a 35% do total de eventos e a 71% dos acidentes envolvendo o transporte de cargas perigosas. Em relação as vítimas fatais, os AQATRCPs corresponderam a 15% do total de vítimas em todos eventos e a 28% dos que envolveram todos os tipos de transporte de cargas perigosas, apresentando o menor indicador de gravidade (1,9 óbitos/acidente) se comparado com os outros (Tabela 2). O transporte marítimo, por exemplo, embora responsável por apenas 8% (n=30) dos eventos, resultou em 55% (n=963) dos óbitos e apresentou o maior indicador de gravidade (32,1 óbitos por acidente).

 

 

Embora haja poucos estudos específicos sobre o tema, avaliações de impactos sobre a saúde provocados pelos acidentes envolvendo o transporte rodoviário de cargas perigosas, todos realizados nos EUA, podem fornecer alguns parâmetros para pensarmos acerca da necessidade de estruturação de um sistema de vigilância ambiental em saúde que incorpore esses tipos de eventos.

Em um estudo realizado por Shaw e colaboradores2 sobre AQATRCPs ocorridos na Califórnia entre janeiro de 1982 e setembro de 1983, registrados na polícia rodoviária (n=485) e no departamento nacional de transportes (n=474), foi encontrada uma média de aproximadamente três vítimas por acidente para os 62 eventos (aproximadamente 13% nos dois sistemas de registros) em que havia informações sobre pessoas expostas.

Binder3 levantou 587 eventos com emissões químicas perigosas em três sistemas de registros no ano de 1986: o Centro Nacional de Respostas à Emergências (n=288), o Sistema de Informações Sobre Materiais Perigosos (n=208) e a Base de Dados de Eventos Agudos Perigosos (n=168). Incluiu o transporte em movimento e também estacionário (operações de carregamento e descarregamento). Alguns eventos eram comuns aos dois sistemas de registros, e apenas 1% era comum aos três sistemas. O autor constatou que os 587 AQATRCPs registrados resultaram em, no mínimo, 115 óbitos, 2.254 lesionados e 111 evacuações emergenciais.

Hall e colaboradores,4 em um estudo para dar início a um sistema ativo de vigilância de emergências envolvendo materiais perigosos (Hazardous Substances Emergency Events Surveillance System - HSEES) na Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR), envolveram instituições similares às secretarias estaduais de saúde, em cinco estados diferentes, na coleta de registros de acidentes químicos ampliados entre 1o de janeiro de 1990 e 31 de dezembro de 1991, utilizando-se de fontes de dados como órgãos ambientais do estado, polícia e bombeiros. Foram encontrados 1.234 eventos, em que apenas 28% (n=349) do total envolveram AQATRCPs. Embora não haja dados específicos para os AQATRCPs no que se refere as outras variáveis, elas servirão como indicadores. Do total de eventos, 16% (n=204) resultaram em 846 pessoas afetadas, predominando irritações do trato respiratório e dos olhos, seguidas de náuseas. Nos AQATRCPs, as conseqüências envolveram também, de modo geral, lesões traumáticas e queimaduras químicas.

Dos sete óbitos registrados, nenhum ocorreu em AQATRCPs. Em relação ao gênero, 76% eram homens. O grupo mais afetado foi o de trabalhadores das próprias empresas (64%), sendo seguidos por aqueles trabalhadores envolvidos nas ações de resposta a este tipo de emergência (14%). Para a população geral o percentual foi de 22%, e especificamente para os AQATRCPs este percentual baixou para 10%. A maioria das vítimas teve entrada e tratamento nos serviços de saúde (70,5%), sendo outras transportadas para observação sem tratamento (18,6%). Em outros casos, 9,9% foram transportadas e tratadas sem registros de entrada nos serviços de saúde e 1% recebeu tratamento na cena do acidente. Evacuações foram registradas em 14% (n=177) dos eventos, com uma média de 210 pessoas - variando de duas a 4.150 pessoas - e com uma média de duas horas de evacuação por evento - variando de uma a 202 horas. Em 92% das evacuações a ordem partiu de um profissional envolvido na resposta (policial ou bombeiro).

Embora os resultados dos estudos citados utilizem diferentes bases em diferentes períodos, ressaltam alguns aspectos relacionados aos AQATRCPs, entendidos como um problema de Saúde Pública. Em média, podemos considerar que esses eventos constituem cerca de um terço dos acidentes químicos ampliados. Não são responsáveis pela maioria das vítimas fatais e não fatais, mas apresentam a característica de afetar mais de uma pessoa, particularmente trabalhadores das empresas envolvidas e das equipes que atuam nestas emergências (polícia rodoviária, bombeiros e técnicos de órgãos ambientais). Em termos de impacto global sobre a saúde das populações, afetam menos o público geral do que os que ocorrem em instalações fixas. Tanto os registros desses eventos, como das suas conseqüências, particularmente sobre a saúde, podem ser encontrados em diferentes sistemas de registros, como polícia rodoviária, corpo de bombeiros, órgãos ambientais e serviços de saúde, além de jornais, revistas e publicações específicas sobre o tema.

 

Os AQATRCPs na realidade brasileira

O Brasil, assim como outros países que já registraram os mais graves acidentes químicos ampliados ocorridos no mundo (México e Índia), sofreu um processo de intensificação de seu crescimento econômico entre os anos 60 e 80, resultando em rápida e desordenada industrialização ao lado de intenso e incontrolado processo de urbanização. Para possibilitar a ampliação e a intensificação da necessária circulação de matérias-primas e produtos associados ao desenvolvimento industrial, o país investiu bastante no desenvolvimento de diferentes meios de transporte, privilegiando o rodoviário. Em raro estudo sobre o tema na Saúde Pública, Amorim14 demonstra que, de meados dos anos 60 a meados dos anos 70, o Brasil chegou a investir no transporte rodoviário quase 90% dos recursos alocados para o desenvolvimento dos meios de transporte, ocorrendo isto em detrimento dos transportes ferroviários, hidroviários e dutoviários comumente utilizados para o transporte de matérias-primas e produtos químicos. Neste período, os EUA, país do qual deriva a maior parte dos estudos utilizados aqui, os investimentos em transporte privilegiaram o ferroviário, com aproximadamente 40%, vindo em seguida os dutoviários e os rodoviários, com aproximadamente 20% cada um.

Considerando-se os estudos realizados em bases de dados sobre esses tipos de acidentes nos EUA, onde foram registrados expostos, evacuados e vítimas (fatais e não-fatais), e a ausência dos mesmos tipos de registros no Brasil, que investiu no transporte rodoviário mais do que muitos outros países, podemos considerar que o quadro atual em nosso país possa ser bastante grave. Em levantamento do histórico de acidentes e incidentes do sistema Anhangüera-Bandeirantes, Estado de São Paulo, no período entre 1o de maio de 1998 e 3 de maio de 2000, para um total de 10.296 acidentes rodoviários, 3.641 (35,36%) envolveram o transporte de cargas, em que apenas 56 (1,54% do total) se relacionaram a AQATRCPs.15 Dos 56 acidentes, 23 (41%) resultaram em derramamento do produto e em conseqüências ao meio ambiente.

Neste artigo, utilizamos como referência para a realidade brasileira o estudo de Amorim.14 A metodologia utilizada pela autora envolveu basicamente as seguintes duas etapas. Na primeira etapa os passos foram os seguintes: 1) criação de um banco de dados para os AQATRCPs registrados pela Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente (FEEMA), no Rio de Janeiro, no período de 1985 a 1994; 2) solicitação para a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) dos AQATRCPs registrados no banco de dados denominado Cadastro de Acidentes Ambientais no Estado de São Paulo (CADAC), no período de 1985 a 1993; 3) comparação e análise dos dados, buscando-se identificar diferenças e similaridades entre elas, a presença ou não do registro de expostos, evacuados e/ou vítimas. Este levantamento dos dados revelou ser inexistente o registro de expostos, evacuados e vítimas.

Assim, tendo como referências os dados citados e os estudos internacionais, que sugerem que há um grande número de vítimas imediatas diretas e indiretas que não têm sido registradas, além dos impactos ambientais (fauna, flora e cadeia alimentar) e das conseqüências humanas (carcinogênese, teratogênese e mutagênese) de longo prazo (que poderão se manifestar somente dias, semanas, meses ou anos após o evento), foi realizada a segunda etapa, que envolveu um exercício teórico para a extrapolação do potencial do número de expostos, evacuados e vítimas nos 760 acidentes registrados (Figura 1) nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo (soma dos dados registrados pela FEEMA e CETESB).

 

 

No estudo de Shaw e colaboradores2 realizado entre o período de janeiro de 1982 a setembro de 1983, na Califórnia (EUA), constatou-se uma média de três vítimas por acidente (fatais ou não) em que havia informações sobre pessoas expostas. Neste estudo, devemos ressaltar que não há distinção entre as vítimas, tanto em nível de gravidade (fatal ou lesionado) como identificação (equipes de emergência, polícia, comunidade, motorista). Tendo como referência essa média, três vítimas por acidente, podemos estimar que os 760 acidentes registrados nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo resultaram em 2.280 vítimas.

Outro estudo que serve como base para mais uma extrapolação é o de Binder,3 que levantou em três sistemas de informações de vigilância nos Estados Unidos, 587 eventos com emissões químicas registradas, que resultaram em 115 óbitos, 2.254 lesionados e 111 evacuações de área. Para cada cinco acidentes ocorridos houve uma média de um óbito, 20 lesionados e uma evacuação. Tentando extrapolar esses dados para os 760 registros dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, podemos estimar um potencial médio de 149 óbitos, 2.918 lesionados/intoxicados e 144 evacuações.

Certamente que estas extrapolações tratam de um exercício teórico, em que ao primeiro olhar trabalhamos com o pior cenário possível. Porém, estudos realizados sobre acidentes ocorridos especificamente nos países em industrialização como o Brasil, demonstram o agravamento de suas conseqüências, o que pode também sugerir que essas extrapolações sejam, por outro lado, conservadoras.1,16 De acordo com esses estudos, até os anos 70, os acidentes químicos ampliados ocorreram predominantemente nos países que concentram maior número de indústrias e hoje ocupam papel central na economia mundial. A partir dos anos 70, ainda que a maioria das indústrias se concentre basicamente em países da Europa e nos EUA, o número de acidentes nos países periféricos começou a aumentar em freqüência e a apresentar maior gravidade do que nos países centrais, apesar de sua recente industrialização no setor químico. Assim, embora a maioria dos acidentes tenha ocorrido nos países industrializados, os que ocorreram nos países periféricos, principalmente na Ásia e América Latina nos anos 80, foram os mais graves em termos de óbitos. Considerando relevante o fato de haver muito sub-registro de acidentes e suas conseqüências nesses países, a situação pode ser ainda pior.

Na Tabela 3, elaborado por Glickman e colaboradores,13 pode-se observar que países, como Índia, Brasil e México, que registraram os acidentes mais graves em termos de óbitos imediatos, são os líderes mundiais em acidentes químicos ampliados com cinco ou mais óbitos por acidente entre 1945 e 1991. Do total de 295 acidentes registrados, 79% ocorreram nos países centrais, e 21% nos países periféricos. Porém, quando se analisam os óbitos, a situação muda bastante, registrando 65% nos países periféricos e 35% nos países centrais. A importância desses dados prende-se sobretudo ao fato de eles cobrirem um longo período (entre 1945 e 1991), considerando-se que os acidentes químicos ampliados começaram a se tornar mais freqüentes após os anos 70.

 

 

Nos estudos realizados por Freitas e colaboradores;1 e Porto e Freitas,16 são comparados os acidentes químicos ampliados ocorridos nos países industrializados e em industrialização, entre os anos de 1974 e 1987, com mais de 50 óbitos ou mais de 100 lesionados. Esse estudo, cobrindo um período mais recente do que o anterior, fornece melhor um quadro do aumento na freqüência e gravidade desses acidentes durante os anos 70 e 80, sendo este último período conhecido na América Latina como a década perdida, dada a crise social e econômica que passaram a sofrer os países desse continente. Na Figura 2, pode-se observar que 62% dos acidentes ocorreram nos países industrializados e 38% nos países em industrialização, demonstrando nítido crescimento nos períodos mais recentes. Dos óbitos, 92% ocorreram neste grupo de países. Observando os acidentes com mais de 100 lesionados, 96% encontravam-se nesses países.

 

 

Proposta de um sistema de vigilância ambiental em sáude para os AQATRCPs

Tomando como exemplo situações dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, cujos dados utilizamos como referência, podemos considerar que já existem experiências acumuladas que possibilitariam a montagem de um sistema de Vigilância Ambiental em Saúde dos AQATRCPs, faltando para tanto uma presença mais ativa do setor saúde.

No Rio de Janeiro, por exemplo, foi assinado, em setembro de 1989, o protocolo de intenções do Plano de Atendimento no Transporte de Produtos Químicos Perigosos (PARE), envolvendo o Governo do Estado do Rio de Janeiro, tendo como representante a FEEMA e a Federação das Industrias do Estado do Rio de Janeiro como representante das sete indústrias participantes localizadas ao longo da BR-116, onde ocorriam grande parte dos AQATRCPs. Posteriormente, a Defesa Civil Estadual e a Polícia Rodoviária Federal foram convidadas a fazer parte do Plano. Cada indústria ficou responsável pelo atendimento num trecho da rodovia e, para tanto, investiram na formação de técnicos especializados no atendimento a emergências envolvendo cargas perigosas, bem como na aquisição de equipamentos.14

Em São Paulo, foi criada, em 28 de abril de 1999, a Comissão de Estudos e Prevenção de Acidentes no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos, tendo como atribuições analisar as causas e conseqüências desses eventos, participando a Coordenação Estadual de Defesa Civil; o Departamento de Estrada de Rodagem; o Comando de Policiamento Rodoviário; o Comando do Corpo de Bombeiros; o Instituto de Pesos e Medidas; a Associação Brasileira dos Transportadores de Cargas Líquidas e Produtos Perigosos; a Associação Brasileira de Concessionários de Rodovias; a Associação Brasileira da Indústria Química; a Companhia de Engenharia de Tráfego; e o Comando de Policiamento de Trânsito.17

Ambos exemplos apontam para a participação ativa dos órgãos ambientais tanto em melhorar a amplitude e a rapidez do atendimento de emergência, como também a capacidade de avaliar as causas e conseqüências para melhor formular estratégias de prevenção. Entretanto, é preocupante que em ambas experiências haja uma ausência do envolvimento do setor saúde, tanto para a atuação na resposta, como na investigação das causas e das conseqüências sobre a saúde humana.

Sendo assim, a montagem de um sistema de Vigilância Ambiental em Saúde para os AQATRCPs envolveria, como primeiro passo a aproximação do setor saúde com as principais instituições públicas que participam do atendimento de resposta a esses eventos, destacando-se os órgão ambientais, a polícia rodoviária, a defesa civil e o corpo de bombeiros. São instituições públicas que constituem a base para qualquer sistema de Vigilância Ambiental em Saúde para esses eventos, de modo que sem este passo, tal tipo de vigilância simplesmente não poderá existir.

O passo seguinte seria, por meio da identificação das áreas em que mais ocorrem estes eventos, preparar os serviços de saúde não só para o necessário atendimento,18 mas também para o registro. Nesta etapa, deve-se observar que a rede de mais de 31 Centros de Controle de Intoxicações espalhados pelo país e que fazem parte do Sistema Nacional de Informações Toxico-Farmacológicas pode oferecer um grande suporte inicial.

Os registros dos serviços de saúde, dos órgão ambientais, da polícia rodoviária, da defesa civil e do corpo de bombeiros constituiriam a espinha dorsal da VAS para os AQATRCPs (Figura 3). Para tanto, deveria em cada estado, particularmente aqueles em que ocorrem grande número desses acidentes, ser desenvolvido um protocolo básico de registros contendo no mínimo as seguintes informações:

 

 

1. Localização do Acidente (Estado/município/rua ou avenida/no);

2. Data de Ocorrência (hora/dia/mês/ano);

3. Nome das Empresas Envolvidas (transportadora/contratante);

4. Tipo de Acidente (exemplos: abalroamento; capotamento; choque com objeto fixo; colisão traseira; engavetamento; queda de carga; queda de talude; tombamento);

5. Tipo de Transporte (simples, caminhão tanque, caminhão baú, etc);

6. Substâncias Envolvidas (especificar a(s) substância(s) com toda(s) as informações disponíveis sobre as mesmas, incluindo nome comercial e número de classificação da ONU e ou guia da ABIQUIM);

7. Conseqüências: A identificação das conseqüências deve conter as seguintes informações:

• óbitos de trabalhadores diretamente envolvidos no transporte (motorista e ajudantes),

• óbitos de trabalhadores das equipes de emergência (exemplo: órgãos ambientais e corpo de bombeiros),

• óbitos entre os membros da comunidade afetada,

• hospitalizados, lesionados e intoxicados entre os de trabalhadores diretamente envolvidos no transporte,

• hospitalizados, lesionados e intoxicados entre os trabalhadores das equipes de emergência,

• hospitalizados, lesionados e intoxicados entre os membros da comunidade afetada (número aproximado quando não for possível especificar ou estimativa de expostos),

• danos ambientais (especificando qual tipo de dano ambiental, se a fauna e/ou a flora, sua extensão e, no caso de poluição/contaminação, que tipos de prejuízos foram identificados; quando a poluição/contaminação ambiental envolver a privação do consumo de um determinado tipo de alimento ou água, se possível especificar, ainda que por aproximação, o número de pessoas atingidas),

• evacuação (estabelecendo o total de membros da comunidade, quando for possível especificar, e o tempo que tiveram de passar fora de casa ou do trabalho),

• interrupção do tráfego de veículos automotores (especificando onde, por quanto tempo e, se possível, número aproximado de veículos retidos e extensão em quilômetros, visto que em tais circunstâncias não só pode aumentar o número de potenciais expostos, como dificultar o acesso das equipes de emergências).

8. Descrição do Acidente (a descrição do acidente deve ser breve contendo as informações necessárias e básicas sobre o que aconteceu e como aconteceu);

9. Causas do Acidente (é importante observar que um acidente dificilmente é o resultado de uma causa apenas, imediata ou subjacente, tornando-se necessário identificar a rede de causas).

É importante observar que mesmo um aparentemente simples protocolo de registros básicos, constantes de um registro comum, envolverá, necessariamente, uma ação integrada e intersetorial com instituições que possuem objetivos e formas de organização diferenciadas, podendo parecer inicialmente um obstáculo. Entretanto, os obstáculos devem ainda ser superados e, para tanto, devem ser realizados estudos multicêntricos envolvendo pelo menos os Estados que concentram a maior parte da produção química do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul), possibilitando a montagem de um primeiro Sistema Nacional de VAS de AQATRCPs.

 

Conclusão

De acordo com o Boletim Desastres,19 da Organização Pan-Americana da Saúde, considera-se que 40% do comércio de produtos químicos de todos os países em desenvolvimento ocorre na América Latina. Deste total, estima-se que cerca de 70% da indústria química do continente está concentrada no Brasil, Argentina e México, em que aproximadamente 50% estão localizadas em áreas densamente povoadas. Este quadro é bastante preocupante quando se considera que para a maioria dos países latino-americanos inexistem ou são incipientes as políticas públicas referentes as estratégias de controle e prevenção desses acidentes.19,20

Assim, não é casual o fato de o Brasil já ter sido cenário de alguns acidentes ampliados considerados graves em termos de óbitos imediatos, como o de Vila Socó em 1984, que podemos encontrar em alguns estudos nacionais e internacionais. No Rio de Janeiro, em 1951, um acidente com transporte de inflamáveis causou 54 óbitos. Em Pojuca, na Bahia, em 1983, o descarrilhamento de um comboio ferroviário transportando combustíveis resultou em explosão e incêndio, provocando o óbito de 43 pessoas, além de grande número de lesionados e desabrigados.20 Em julho de 1997, no Pará, uma carreta transportando 14 toneladas de nitrato de amônio, vinha de Cubatão (SP) com destino a Carajás (PA), explodiu e resultou em aproximadamente 18 vítimas fatais e nove lesionados (entre eles o ajudante da carreta que foi pedir auxilio e um homem de bicicleta que passava pelo local no momento da explosão).14 De acordo com Amorim,14 das 18 vítimas fatais, dois estavam diretamente envolvidos com o transporte de cargas perigosas: os motoristas (carreta e o caminhão tanque que explodiram). O restante, 16 pessoas, eram da comunidade e motoristas de outros veículos que passavam ou pararam para prestar auxílio, em solidariedade.

O denominador comum entre esses acidentes se encontra no fato de eles terem ocorrido em uma realidade social em que ainda predominam análises de acidentes que na grande maioria dos casos responsabilizam as vítimas, no caso os próprios trabalhadores, e de inexistirem planos de emergências. Estes, se acionados, contribuiriam para diminuir o número de vítimas e de danos ambientais. São bastante limitadas as informações básicas para uma avaliação preliminar dos impactos ao meio ambiente e à saúde que podem estar sendo causados tanto para vítimas fatais, como, principalmente, para lesionados e expostos. No Brasil, além de a infra-estrutura institucional dos diversos órgãos nos níveis municipal, estadual e federal ser ainda bastante precária para possibilitar o desenvolvimento de estratégias adequadas para a VAS, de modo a fornecer subsídios para o controle e prevenção, existe ainda uma ausência completa de integração entre eles, tornando-se necessário reverter já esse quadro. Parte dessa integração já vem ocorrendo, mas ainda com a ausência do setor saúde, da qual se exige um papel mais ativo. A montagem de um sistema de VAS dos AQATRCPs pode ser o primeiro passo desta integração, possibilitando o setor saúde preparar-se não somente para o atendimento, o que é necessário e urgente, bem como para a formulação conjunta de estratégias de controle e prevenção, tendo por base a VAS dos AQATRCPs.

 

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