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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.2001 n.1 Brasília mar. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000100005 

NOTA TÉCNICA

 

Investigação de surto de doença febril hemorrágica nos municípios de Japeri e Queimados, Rio de Janeiro, 2000

 

Outbreak investigation of hemorragic febrile disease in Japeri and Queimados, Rio de Janeiro, 2000

 

 

Suely Hiromi TuboiI; Lúcia Sayde TavaresI; David AshfordII; Luis Antonio LimaIII; Pedro VasconcelosIV; Marta PereiraV; Luiza Terezinha SouzaVI; Patrícia BrasilVII; Paulo BarbosaVIII; Margarida SouzaVIII; Gualberto JuniorVIII; J. GuranerII; Denise GarrettI,II

ICENEPI/FUNASA
IICenters for Disease Control and Prevention (CDC), Atlanta, Estados Unidos
IIIUniversidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
IVInstituto Evandro Chagas - IEC/FUNASA
VInstituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ
VIInstituto Adolfo Lutz, São Paulo, Brasil
VIIInstituto de Infectologia São Sebastião, Rio de Janeiro, Brasil
VIIISecretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Entre junho e setembro de 2000, 9 pessoas de uma área pobre da zona norte do Rio de Janeiro, Brasil, desenvolveram uma doença febril hemorrágica e morreram. Foi conduzida uma busca ativa para determinar a extensão do surto e um estudo de caso-controle para identificar a etiologia e os fatores de risco para aquisição da doença. Um paciente-caso foi definido como residente da área afetada apresentando febre, cefaléia e um ou mais dos seguintes sintomas - mialgia, artralgia, diarréia, manifestações hemorrágicas ou icterícia - durante o período de junho a setembro de 2000, tendo procurado serviço médico. Quarenta e três pessoas enquadraram-se na definição de caso e foram comparados com 86 controles, pareados por área de residência e faixa etária. Vinte e três (53,3%) eram do sexo masculino e a idade mediana foi de 19 anos. Na análise univariada, contato com esgoto (mOR=2,5; p=0,02); contato com ratos (mOR=3,0; p=0,006), contato com rio (mOR=3,3; p=.009), e mortandade de animais no peridomicílio (mOR=2,7; p=0,04), foram significantemente associados ao desenvolvimento de doença. Na análise multivariada, contato com ratos (OR=5,1; p=0,03) e contato com rio (OR=4,9; 95%; p=0,04) permaneceram como fatores de risco independentemente associados ao desenvolvimento de doença. A imunohistoquímica de uma amostra de tecido de um caso fatal foi positiva para leptospirose. Exames adicionais para outros potenciais agentes estão pendentes. Com base nas evidências epidemiológicas fornecidas pela investigação, recomendamos a implementação de desratização na área afetada e educação em saúde aos residentes, para que evitassem contato com o rio local. Após a implementação das medidas de controle nenhum caso novo foi notificado. Esta investigação ressalta a importância de se instituir recomendações de saúde pública com base em resultados de investigações epidemiológicas quando exames laboratoriais não estão prontamente disponíveis.

Palavras-Chave: Epidemia; Febre Hemorrágica; Rio de Janeiro.


SUMMARY

In June-September 2000, nine persons from a poor area north of Rio de Janeiro, Brazil, developed a febrile hemorrhagic illness and died. We conducted case finding to determine the outbreak size, and a case-control study to identify disease etiology and risk factors. A case-patient was defined as a resident of the affected area who sought medical care during June-September 6, 2000, presenting with fever, headache, and one or more of the following symptoms: myalgia, arthralgia, diarrhea, hemorrhagic manifestations, or jaundice. Forty-three persons met the case definition and were compared with eighty-six controls matched by area of residence and age group. Twenty-three (53.3%) were males with a median age of 19 years. In univariate analysis, contact with sewage (matched Odds Ratio [mOR]=2.5; p=0.02), contact with rats (mOR=3.0; p=0.006), contact with local creek (mOR=3.3; p=0.009), and mortality of household animals (mOR=2.7; p=0.04), were associated with development of the disease. In multivariate analysis, contact with rats (mOR=4.7; p= 0.03), and contact with local creek (mOR=4.8; 95%; p= 0.04) remained as independent risk factors. Immunohistochemical evaluation of tissue samples from one fatal case was positive for leptospirosis. Further laboratory testing for potential etiologies is pending. Based on the epidemiologic evidence provided by our investigation we recommended implementation of rodent extermination in the affected area, and education of residents to avoid contact with the local creek. Following implementation of these control measures, further cases were not reported. This investigation highlights the value of implementing public health recommendations based on results from epidemiologic investigations when laboratory testing is not immediately available.

Key Words: Outbreak; Hemorrhagic Disease; Rio de Janeiro.


 

 

Introdução

No período de junho a setembro de 2000 ocorreram nove casos fatais de doença febril acompanhada de manifestações hemorrágicas em dois bairros vizinhos - São Sebastião e Tricampeões, pertencentes aos municípios de Japeri e Queimados, respectivamente. No dia 31 de agosto, o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) foi notificado. O local situa-se a aproximadamente 80km do município do Rio de Janeiro e a população estimada é de 1.310 pessoas. Os casos ocorreram em indivíduos do sexo masculino, com idade variando de três a 39 anos e caracterizaram-se pelo seguinte quadro clínico: febre (100%); cefaléia (100%); manifestações hemorrágicas (77%); convulsões (66%); icterícia (66%) e mialgia (55%). Evolução para choque e óbito ocorreu em tempo médio de seis dias.

Antes da chegada dos técnicos do CENEPI no local, as seguintes medidas de controle e prevenção já haviam sido adotadas pelas Secretarias de Saúde Municipais de Japeri e Queimados e pela Secretaria Estadual de Saúde do RJ: 1) busca ativa de casos: foram coletadas amostras de sangue de casos suspeitos e de familiares dos óbitos para sorologia de leptospirose e hepatite A; 2) desratização e destruição de 480 ninhadas de ratos; 3) pesquisa de coliformes fecais na água de poços dos domicílios dos óbitos; 4) implantação de rede de água e 5) informação à população através de panfletos explicativos sobre leptospirose.

Os objetivos dos técnicos do CENEPI nesta investigação foram: avaliar a extensão da epidemia, caracterizar a entidade clínica e identificar a etiologia, determinar fatores de risco para desenvolvimento de doença e propor medidas de prevenção e controle.

 

Metodologia

Tendo em vista os objetivos, realizamos uma nova busca ativa de casos na região e um estudo de caso-controle. Também foi realizado um estudo laboratorial, para o qual amostras de sangue de pacientes casos e controles foram coletadas e investigadas para as seguintes patologias: leptospirose, hantavírus, arboviroses, arenavírus e ricketsioses.

Para o estudo de caso-controle, foi utilizado um questionário padronizado e as seguintes variáveis foram analisadas: consumo de carne mal cozida ou crua, de alimentos crus da região e de água do poço; exposições a lixo, lama, esgoto, rio local, ratos, animais, carrapatos, pulgas e mosquitos; mortandade de animais no peridomicílio. A análise estatística foi realizada utilizando-se os softwares Epi Info 6.04 e Epi Info 2000. Um caso foi definido como: indivíduo proveniente dos bairros São Sebastião ou Tricampeões, tendo procurado assistência médica no período de 1o de junho a 13 de setembro, apresentando febre, cefaléia e um dos seguintes sintomas - calafrios, mialgia, artralgia, dor retroocular, icterícia, diarréia, vômitos, manchas no corpo.

 

Resultados

Quarenta e três pessoas enquadraram-se na definição de caso e foram pareadas por idade com 86 controles. A curva epidêmica é mostrada na Figura 1. Entre os pacientes-casos, 23 (53,3%) eram do sexo masculino, com idade mediana de 19 anos.

 

 

Na análise univariada, as variáveis que foram significativamente associadas ao desenvolvimento de doença foram: contato com ratos, rio, esgoto e mortandade de animais no peridomicílio (Tabela 1). Após análise multivariada, utilizando-se o modelo de regressão logística, apenas as variáveis contato com ratos (mOR=5,1; 95% IC: 1,1 - 23,1; p=0,03) e contato com o rio (mOR=4,9; 95% IC: 1,0 - 22,8; p=0,04) permaneceram independentemente associadas ao risco de adoecimento.

 

 

Foram coletadas amostras de sangue de 31 dos 43 pacientes casos e de 78 dos 86 controles, além de 31 amostras de animais (cães e eqüinos): 14 de domicílios onde ocorreram casos e 17 de domicílios de controles.

Das 26 amostras de pacientes-caso, uma (3,8%) foi positiva para leptospirose (ELISA, microaglutinação e imunoistoquímica) e uma (3,8%) foi positiva para dengue (MAC-ELISA). As 26 amostras foram negativas para hantavírus, ricketsias e arenavírus. Entre os controles, quatro amostras (5,8%) foram positivas para leptospirose e uma (0,01%) foi positiva para arenavírus. As amostras resultaram negativas para hantavírus e arbovírus, não sendo testadas para ricketsias. Os resultados encontram-se sumariados na Tabela 2.

 

 

As amostras foram enviadas ao Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para serem retestadas para os mesmos patógenos e para outros, para os quais não dispomos de método diagnóstico.

 

Conclusão

Em conclusão, investigamos um surto de doença febril ocorrido no período de junho a setembro de 2000 nos municípios de Japeri e Queimados, Rio de Janeiro. Embora os resultados dos testes laboratoriais não fossem disponíveis, os resultados do estudos epidemiológicos implicaram fortemente contato com ratos e contato com rio como fatores de risco para o desenvolvimento de doença. Desse modo, foram feitas recomendações de educação em saúde (orientação à população), controle ambiental (desratização e tratamento de água e esgoto) e vigilância de síndrome febril nos bairros sob risco, as quais determinaram o rápido controle do surto.

 

 

Endereço para correspondência:
Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) - Fundação Nacional de Saúde
Setor de Autarquias Sul - Qd 04 Bl N - sala 706
CEP: 70.050-902
Brasília/DF
E-mail: sueli.tuboi@funasa.gov.br