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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.10 n.2 Brasília jun. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000200004 

 

Crianças internadas por traumatismo crânio-encefálico, no Brasil, 1998: causas e prevenção

 

Children hospitalized due to traumatic brain injury in Brazil, 1998: causes and prevention

 

 

Maria S. KoizumiI; Maria Helena P. Mello JorgeII; Lucimara R. B. NóbregaIII; Camila WatersIII

IEscola de Enfermagem - Universidade de São Paulo
IIFaculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo
IIIUNIFESP - EPM - Departamento de Enfermagem

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Utilizando o Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), que parte das Autorizações de Internações Hospitalares (AIH), detectou-se que, entre as vítimas de TCE atendidas na rede hospitalar pública do Brasil, as crianças menores de dez anos vêm alcançando percentuais elevados (20,7%) de internação. Assim, este estudo teve como objetivo analisar as internações dessas crianças segundo variáveis consideradas importantes do ponto de vista epidemiológico. Utilizaram-se dados de pacientes internados nos hospitais próprios ou conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS) por lesões de crânio (códigos S02 e S06 a S09 da CID-10, excluídos os casos de traumatismo de face). Os resultados mostraram que, do total de 16.376 internações, houve predominância do sexo masculino (62,6%) e das idades de 0 a 4 anos (56,8%, sendo 15,4% em menores de 1 ano); o tempo de permanência de até 3 dias correspondeu a 75,9% (2% saíram nas primeiras 24 horas). A taxa de letalidade hospitalar foi de 2%. Como natureza da lesão, os traumatismos intracranianos foram os mais freqüentes (67,6%) e como tipos de causa externa, as quedas (61,2%), seguidas dos acidentes de transporte (21,1%). Embora os dados não tenham permitido conhecer detalhadamente os diferentes tipos de queda e acidentes de transporte, os resultados obtidos permitem indicar importantes sinalizadores para programas de prevenção dessas lesões.

Palavras-Chave: Vigilância Epidemiológica; Traumatismos Cerebrais; Hospitalização.


SUMMARY

Utilizing the Hospitalization Information System (SIH-SUS), which is based on the Hospital Internship Authorizations (AIH), it was detected that, among TBI victims hospitalized in the government hospitals in Brazil, the percentage of children under ten years of age (20.7%) has been increasing. Therefore, the objective of this study is to analyze the hospitalizations of these children according to epidemiologically important variables. Data on patients admitted to hospitals of the Unified Health System (SUS) for brain injury (codes S02 and S06 to S09 of CID-10, face injury cases excluded) were used. Of a total of 16,376 hospitalizations, 62.6% were male, 56.8% were children with ages between 0 and 4 years (15.4% were under one year of age), and 75.9% remained in hospital up to three days, while 2% left the hospital within 24 hours. Hospital case mortality rate was 2%. With respect to the nature of the injuries, intracranial lesions were the most frequent (67.6%), and among the external causes, falls were responsible for 61.2%, followed by transportation accidents (21.1%). Although the data do not permit identification of the types of falls and transportation accidents, the results obtained provide important informations for prevention programs for this type of injury.

Key Words: Epidemiologic Surveillance; Traumatic Brain Injury; Hospitalization.


 

 

Introdução

No estudo sobre morbimortalidade hospitalar, no município de São Paulo, no ano de 1997, tendo como base de dados o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), verificou-se que 29.717 pacientes foram internados devido a lesões e envenenamentos. Destes, 3.635 (12%) pacientes tinham traumatismo crânio-encefálico (TCE) como diagnóstico principal.1 Um fato que chamou a atenção, nos internados por TCE, nesse mesmo ano e local, foi a faixa etária de maior incidência. Ela recaiu sobre as crianças menores de dez anos, alcançando 20,3% do total, superando aquelas faixas de 20 a 29 anos e 30 a 39 anos (16,9 e 16,1%, respectivamente).1 Colli e colaboradores2, analisando pacientes hospitalizados por essa mesma causa, em um hospital-escola do Estado de São Paulo, também detectaram a incidência mais alta na faixa etária de 0 a 10 anos, seguida daquela de 21 a 30 anos.

Usando a mesma fonte (SIH-SUS), verificou-se que situação equivalente se repete nos dados do Brasil, do ano de 1998. Do total de 78.981 vítimas de TCE internadas na rede hospitalar pública, 20,7% corresponderam a crianças de menos de dez anos.

Examinando principalmente as publicações da década de 90, observa-se que há uma crescente preocupação dos autores com a alta incidência de TCE em crianças, enfocando a análise de suas causas e prevenção,2-9 a gravidade do TCE, tratamento e prognóstico,5,8,9-12 e os custos decorrentes do TCE.3,4,7 A maioria desses trabalhos, entretanto, refere-se a estudos feitos fora do Brasil.

Assim, considerando a lacuna existente no nosso meio, relativamente a esse assunto, determinou-se como objetivo deste estudo a análise das internações, por TCE, de crianças menores de dez anos, segundo variáveis consideradas importantes do ponto de vista epidemiológico. Procura-se obter subsídios para programas de prevenção deste agravo, em crianças, tendo como base, suas causas externas, responsáveis por esses traumatismos.

 

Material e métodos

Utilizou-se o banco de dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS). Esse Sistema está baseado em um instrumento - Autorização de Internação Hospitalar (AIH) - que é de preenchimento obrigatório para a internação de pacientes e posterior recebimento dos pagamentos referentes a essas internações. As informações dizem respeito, entretanto, somente às internações pagas pelo SUS (em hospitais próprios ou conveniados) que, segundo estimativas são relativas a cerca de 80% do total de internações do país.13

O material estudado refere-se às internações de crianças menores de dez anos que tiveram como causa traumatismos de cabeça, excluídas as lesões da face. Foram selecionadas as internações, ocorridas em instituições do país, em 1998, cujo diagnóstico principal pôde ser codificado em S02.0; S02.1; S02.7; S02.8; S02.9; S06.0 a S06.9; S07.1; S07.9; S08.0; S08.9; S09.7; S09.8 e S09.9, da Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), 14 totalizando 16.376 internações.

 

Resultados e discussão

No ano em estudo, de acordo com os dados das AIH, foram internados, devido a traumas, 608.269 pacientes. Destes, 78.981 casos foram decorrentes de TCE. As crianças menores de dez anos, internadas devido a essa causa, totalizaram, por sua vez, 16.376 (20,7%) internações.

Do total de crianças internadas por TCE, 56,8% eram da faixa etária 0 a 4 anos e, destes, 15,4% eram menores de um ano. Houve predomínio do sexo masculino (62,6%), numa relação aproximada de 1,7:1. Contudo, esta relação não foi tão grande como naquela correspondente aos adultos jovens e verifica-se que esta leve preponderância dos meninos ocorreu principalmente na faixa dos maiores de cinco anos (Figura 1).

 

 

O predomínio do sexo masculino, também nas crianças com TCE, é corroborado pela literatura, mas há variações proporcionais e estas oscilam entre 56 e 73%.3,5,7,11

Com relação às faixas etárias, houve dificuldade para compará-las, pois o recorte utilizado pelos diversos pesquisadores não é igual, alguns dos quais incluem crianças de até 15-17 anos.3,7,10 Arnarson e Haldorsson,3 estudando 359 crianças de 0 a 14 anos, detectaram predomínio do sexo masculino (62%) equivalente ao do presente estudo e maior freqüência na faixa de 5 a 9 anos (44%), seguida por 32% na de maiores que dez anos e 24% nos de 0 a 4 anos. Mas, se considerados apenas aquelas crianças de até dez anos, no total de 256 crianças, os maiores de cinco anos somariam 54,7%, ou seja, o inverso do obtido neste estudo.

Quanto à natureza da lesão, os traumatismos intracranianos foram os mais representativos (67,6%), seguidos pelo grupo das "outras lesões" (21,4%). As fraturas de crânio somaram 11%. Esse mesmo panorama ocorreu em todas as faixas etárias, verificando-se, entretanto, ser maior a ocorrência de fraturas quanto mais baixa a idade das crianças (Tabela 1).

 

 

A inespecificidade decorrente do uso do diagnóstico médico principal, e não do conjunto de lesões sofridas pela vítima, além da falta de outros dados necessários para definir a gravidade do trauma, prejudicaram as análises deste aspecto.

Diversificações para categorizar a gravidade do TCE podem ser constatadas, também, na literatura, nos estudos em crianças. Arnarson e Halldorsson3 selecionaram somente crianças com trauma intracraniano (CID-9 códigos: 850 - trauma moderado; 851-854 - trauma grave).15 Durkin e colaboradores4 para definir lesões crânio-encefálicas como mínimas e máximas, associaram aos códigos de classificação da natureza da lesão da CID-9 alguns parâmetros mutuamente exclusivos relacionados com perda ou não da consciência e sua duração, tempo de hospitalização por TCE e alta ou óbito hospitalar. Emanuelson, Wendt5 associaram aos códigos da CID-9 relativos a TCE, a presença de uma hora ou mais de inconsciência ou dados clínicos, neurofisiológicos ou neurorradiológicos para definir a gravidade do trauma. Outros autores utilizaram os escores da Escala de Coma de Glasgow para classificar a gravidade do TCE.6,8 Tais categorizações não puderam ser usadas no presente estudo, porque dados sobre estado de consciência do paciente não estão contemplados na fonte utilizada (AIH).

Também, a precisão quanto aos diferentes graus de gravidade demandaria sistemas classificatórios que exigem, além do diagnóstico principal, a identificação e a pontuação de todas lesões do paciente ou dados do seu estado de consciência. Seria, por exemplo, o caso de utilização de sistemas de base anatômica como o AIS/ISS (Abbreviated Injury Scale/Injury Severity Score) ou de sistemas de base fisiológica como a Escala de Gama de Glasgow (ECGl), testados em uma grande base de dados de cerca de 160 mil pacientes e capazes de determinar a gravidade do trauma.16 Mas, para isso, seriam necessárias outras fontes de dados, como o próprio prontuário do paciente ou protocolos especificamente projetados para obter tais dados.

Quanto ao tempo de permanência no hospital, a maioria das crianças ficou internada entre um e três dias (73,9%) valor que, somado ao correspondente aos menores de um dia, ultrapassou o correspondente a três quartas partes das internações (Tabela 2).

 

 

Embora o tempo de permanência no hospital mostre variações de um estudo para outro, com médias oscilando de 6 a 15,7 dias,5,7 ou predominando os hospitalizados por tempo menor que uma semana,6 chama a atenção, a curta permanência da presente população, nos hospitais.

Este fato pode estar relacionado à gravidade do trauma que, conforme referido, não pôde ser analisado neste estudo. No presente trabalho, entretanto, foi possível verificar que crianças que ficaram internadas menos que um dia apresentaram taxa de letalidade hospitalar bastante mais elevada que as demais. Essa constatação pode parecer absurda, na medida em que deveriam permanecer internados menos tempo, os portadores de lesões menos graves. O que ocorre, entretanto, é que as crianças internadas por pouco tempo, em geral, foram as que, pela gravidade de suas lesões, em geral, tiveram o óbito como tipo de saída hospitalar.

Aspecto de suma importância, que é possível de ser analisado nos dados de morbidade hospitalar a partir de 1998, como já salientado, diz respeito ao tipo de causa externa responsável pelo trauma e considerado motivo da internação.

Como já mencionado, a maioria das crianças internadas apresentou traumatismo intracraniano (67,6%). Se considerada a causa externa, verifica-se que as quedas constituíram o mais importante grupo de acidentes, com 61,2% do total de internações, seguida pelos acidentes de transporte com 21,1% (Tabela 3).

 

 

Analisando separadamente esses dois principais grupos de causas, verifica-se que eles preponderaram em todas as faixas etárias estudadas, inclusive entre os menores de um ano, como mostram os dados da Figura 2.

 

 

Infelizmente, devido a dados incompletos quanto à qualidade da informação, não foi possível determinar, na maioria dos casos, o tipo de queda. Destacam-se, entretanto, nos menores de um ano, as quedas no mesmo nível (11,4%), quedas de cama (14%), cadeira ou outro tipo de mobília (3,5%), bem como outras, de níveis diferentes. No grupo de um a quatro anos, aparecem as quedas de janela (5,4%), de escada (8,7%), bem como cama e cadeira (7%). Na faixa dos cinco a nove anos, quedas de janela (5,2%), árvore (3,3%), bem como quedas de níveis diferentes, não especificados (10,2%) e algumas referidas como queda de equipamentos de parquinho (play-ground).

Os acidentes de trânsito, por sua vez, totalizando 21,1% das internações, mostraram proporções crescentes à medida que aumenta a idade dos pacientes, preponderando, em todas as faixas, o atropelamento das crianças, enquanto pedestres ou ciclistas.

Distribuição semelhante à deste estudo foi encontrada por Arnarson e Haldorsson.3 Outros detectaram os acidentes de trânsito como mais freqüentes e, a seguir, quedas, oscilando, respectivamente, entre 38 e 30% nos primeiros e nas quedas, entre 34 e 22%.4,5 Acidentes de trânsito ocorrendo em primeiro lugar, com grande predomínio (83 e 57,2%), seguidos pelas quedas em menor proporção (22,5 e 11%), foram também verificados.6,8 Como já mencionado, os recortes utilizados pelos autores, bem como a abrangência da faixa etária em análise, apresentam diferenças e, conseqüentemente, as possíveis comparações ficam, às vezes, prejudicadas.

Quanto a agressões, embora em pequeno número, chama a atenção o fato de ter havido 297 internações que tiveram como causa traumatismos de crânio decorrentes de agressões (na linguagem da CID-10) ou "tentativas de homicídio" (como referia a CID-9). Dessas causas, embora também grande número não tivesse podido ser mais detalhada, algumas observações são importantes: cerca de 10% foram codificadas como decorrentes de maus tratos na infância, o mesmo percentual ficando por conta de agressão por arma de fogo e por objetos contundentes. Relativamente à idade das crianças agredidas, verificou-se que 145 casos (48,8%) corresponderam às idades de 5 a 9 anos, 86 (29%) à faixa etária de 1 a 4 anos e 66 (22,2%) aos menores de um ano. Cumpre esclarecer que as 297 crianças internadas em decorrência de agressões não corresponderam exatamente a vítimas de maus tratos; nessa categoria estiveram, como se frisou, cerca de 10%, sabendo-se, entretanto, que essa causa é bastante subestimada.

Analisando causas externas e idade, Zukerman e Conway9 mostraram que crianças de até dois anos têm como causa o chamado "abuso" e acidentes de trânsito (passageiro); de 2 a 5 anos, têm as mesmas causas, porém os atropelamentos começam a aparecer; de 6 a 12 anos são comuns as quedas, os atropelamentos e os acidentes, nos quais as crianças aparecem dirigindo bicicletas ou ciclomotores ou ainda patinando. Nos adolescentes, predominam os acidentes de trânsito (às vezes, já na qualidade de condutores), as agressões e o trauma no esporte.

Enfeixados sob a epígrafe de "outros acidentes" estão alguns tipos especiais de causas, como "impacto causado por objeto lançado" e "colisão entre duas pessoas". Fica, entretanto, a maioria dos casos, rotulados como "acidentes não especificados".

Em relação à letalidade hospitalar, a taxa foi de 2%, sendo mais elevada entre os menores de um ano (2,3%). Quanto aos tipos de causa externa, levando à alta ou ao óbito, a taxa de letalidade hospitalar foi maior nas agressões (5,7%), seguida dos acidentes de transporte (4,2%), como pode ser visto na Tabela 4.

 

 

Taxas de mortalidade hospitalar apresentaram grandes variações e certamente estão relacionadas aos critérios de seleção da população estudada, sendo, portanto, temerário qualquer tipo de comparação.

É interessante assinalar, porém, que Arnarson e Haldorsson3 encontraram incidência anual de crianças mortas, devido a TCE, de 0,03 por mil habitantes, comentando que houve similaridade com outros países como os Estados Unidos da América, onde a taxa encontrada foi de 0,10 e Israel, que foi de 0,03.

Como salientado nos vários aspectos epidemiológicos aqui analisados, os fatores limitantes estiveram relacionados com dados disponíveis na fonte utilizada (AIH) e diferenças metodológicas, particularmente na seleção da população de estudo, adotada pelos autores, dificultando as possíveis comparações.

Contudo, quedas e acidentes de trânsito mostraram-se evidentes como causas predominantes de TCE em crianças internadas, indicando caminhos para prevenção, dados que são, em geral, eventos preveníveis.

 

Considerações Finais

A Organização Mundial da Saúde (OMS), ao trabalhar com dados de mortalidade, instituiu, em 1946, o conceito de causa básica de morte,14 em vigor até hoje, definindo-a, no caso de óbitos por acidentes e violências, como o tipo de lesão que iniciou a cadeia de eventos e que veio a terminar com a morte. Na realidade, com base na idéia de que, para evitar o êxito letal, é necessário instituir a cura em algum momento dessa cadeia, propôs, exatamente, que esse momento deveria corresponder à causa precipitante, ou seja, para evitar que a sucessão de eventos acontecesse, o melhor era prevenir que o acidente ou a violência ocorresse. Essa é a razão pela qual todos os estudos de mortalidade são feitos com vistas à causa básica da morte.

Do ponto de vista da morbidade, a lógica da OMS era buscar conhecer, em detalhe, a natureza das lesões ocasionadas, a fim de poder melhor tratá-las.

A Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças trouxe à luz a determinação de que, no caso específico da mortalidade por lesões, considera-se importante descrever tanto a natureza da lesão como as circunstâncias que a originaram.14 Em termos de estudos populacionais, este fato não era possível no Brasil, visto que as estatísticas de morbidade hospitalar trabalhavam somente com a natureza das lesões apresentadas. Em fins de 1997, Portaria do Ministério da Saúde17 determinou que, quando se tratasse de internação por causa externa, as AIH deveriam ser preenchidas com a dupla óptica de permitir conhecer tanto a natureza da lesão quanto o tipo de causa externa que originou essa lesão.

Considera-se, assim, que os achados do presente trabalho, dando a possibilidade de estudar os dados de ocorrência da distribuição dos TCE em crianças, sua análise segundo variáveis como tempo de permanência e tipo de saída, ao lado de conhecimento dos tipos de acidentes/violências que ocasionaram esses traumatismos e sua relação com variáveis como sexo e idade, constituem elemento absolutamente fundamental quando se pensa em prevenção.

É importante salientar que a verdadeira medida da importância desses traumatismos não é mostrada somente pelas internações, devido ao fato de que, para os atendimentos de Pronto Socorro não são preenchidas as AIH. Da mesma forma, os casos de acidentes e violências que originaram óbito imediato sem, portanto, qualquer tipo de atendimento médico, estão excluídos desta apresentação. Contudo, a massa de dados é de tal ordem que permite uma visão bastante ampla desse panorama.

Aos epidemiologistas é oferecido um instrumento sobre o qual vários outros estudos poderão ser feitos. De outra parte, enfatiza-se que a melhoria da qualidade da informação - no sentido de um maior detalhamento dos tipos de acidentes/violências sofridos - representa uma meta a ser alcançada, a fim de que o quadro epidemiológico relativo à morbidade hospitalar das nossas crianças possa ser melhor delineado. Conhecer quem é vulnerável, em que grau e por que motivos, representará com certeza subsídio importante para que políticas de prevenção e de redução da morbimortalidade por acidentes e violências venham a ser estabelecidas.

Aos pediatras, é oferecida especificamente a oportunidade de, com conhecimento de causa, poderem contribuir na transmissão de medidas educativas seguras, como por exemplo, a relativa ao uso de equipamentos visando bloquear escadas e janelas, para que as crianças não venham a ser vítimas de quedas que levam a traumas de crânio.

Dessa forma, unidos nesse trabalho conjunto, almeja-se que os resultados possam contribuir para evitar que a chamada epidemia silenciosa9 continue a fazer vítimas entre as nossas crianças.

Importante aspecto a ser vislumbrado é a possibilidade de, com melhores informações, poder vir a se conhecer, certamente, mais detalhes sobre o problema de maus tratos na infância.9

Finalmente, considera-se que, maiores detalhamentos quanto aos tipos de causas externas e sua relação com a gravidade do trauma podem e devem ser melhor investigados e que, também, seria oportuno estender a faixa etária das crianças de forma a abranger também os adolescentes.

 

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