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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.10 n.3 Brasília set. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000300002 

 

Fatores de risco para o baixo peso ao nascer, com base em informações da Declaração de Nascido Vivo em Guaratinguetá, SP, no ano de 1998

 

Risk Factors for Low Birth Weight, Based on Information from Live Birth Certificates, in Guaratinguetá, SP, 1998

 

 

Luiz Fernando Costa NascimentoI; Sabina Léa Davidson GotliebII

IDepartamento de Medicina da Universidade de Taubaté
IIDepartamento de Epidemiologia / Faculdade de Saúde Pública / USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo avaliar a associação entre as variáveis presentes na Declaração de Nascido Vivo do Ministério da Saúde (DN) e o baixo peso ao nascer. É um estudo transversal onde foram analisadas 2.018 DN referentes a nascimentos vivos não gemelares de 1998, ocorridos em Guaratinguetá, SP. A análise estatística baseou-se nas técnicas do Qui quadrado e Razão de Prevalência. Foi feita análise estratificada para testar interação e confusão entre variáveis. Foram construídos intervalos de 95% de confiança e adotado nível de significância de 5% (α = 0,05). Observou-se associação estatisticamente significativa (p<0,05) entre baixo peso ao nascer e idades maternas menor que 19 anos e maior que 35 anos, mães com menor escolaridade, menor número de consultas no pré-natal e gravidez anterior com desfecho desfavorável, isto é, com relato de aborto ou natimorto. Conclui-se que a DN é um instrumento útil e de fácil acesso para avaliar a atenção dedicada à mãe e ao recém-nascido. Sugere-se a inclusão de novos campos com outras informações sociais e clínicas da mãe.

Palavras-Chave: Baixo Peso ao Nascer; Neanatologia; Recém-nascidos; Doenças de Recém-nascidos; Fatores de Risco; Declaração de Nascido Vivo.


SUMMARY

The aim of this research was to detect associations between low birth weight and some variables that are present in the Live Birth Certificate of the Brazilian Ministry of Health. A cross-sectional study was performed using a set of 2,018 records of single live births which occurred during 1998, in Guaratinguetá, a midsize city of the State of São Paulo, Brazil. Analyses included the calculation of prevalence ratios and χ2 test to detect statistical associations. Confidence intervals for the prevalence ratios were constructed. Stratified analyses was performed to test for interaction and to control for confounding. Statistically significant associations (p<0.05) were detected between low birth weight and maternal age (less than 19 and greater than 35 years of age), low educational level, low number of pre-natal visits and presence of previous pregnancy with unfavorable outcomes (abortion or stillbirth). It was possible to conclude that the Live Birth Certificate is a useful and readily available instrument to evaluate maternal and newborn care. Suggestions are made to inckude fields in the form to collect data about maternal social and medical conditions.

Key Words: Low Birth Weight; Risk Factors; Live Birth Certificate.


 

 

Introdução

O baixo peso ao nascer (RNBP), definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1 como aquele inferior a 2.500g, contribui de forma muito importante para a mortalidade e morbidade infantis, principalmente para a mortalidade neonatal;2 a mortalidade ocorre por mecanismos ainda não totalmente conhecidos e a morbidade se refere a problemas de retardo do desenvolvimento, risco aumentado de paralisia cerebral, convulsões3 e, mais recentemente, alguns estudos têm mostrado testes de avaliação de inteligência comprometidos em RNBP, quando comparados aos de crianças normais.4 O aleitamento materno, neste grupo de crianças, também pode ficar comprometido.5

A ocorrência de RNBP varia entre países, sendo, inclusive, um indicador geral de nível de saúde de uma população, por estar altamente associado às condições socioeconômicas. Assim, na Índia, segundo dados da OMS,6 a freqüência de recém-nascidos de baixo peso era de 30% e, por outro lado, dados do Banco Mundial7 reportam, para a Alemanha unificada e Canadá, em 1992, respectivamente, 5,7 e 6%. Estimou-se, para 1989, no Brasil,8 uma taxa de 10%, com grande variação entre áreas; assim, em Pelotas, em 1982, era 8,1%,9 em Florianópolis, em 1987, era de 5%10 e 12% em Salvador, em 1992.11 Silva e colaboradores12 estimaram prevalência de 10,6%, em Ribeirão Preto, em 1994.

Vários fatores têm sido associados ao RNBP, entre eles, mães com menos de 20 anos ou mais de 35 anos,13-15 desnutrição materna,16 infecção do trato geniturinário durante a gestação,17-19 outros filhos com baixo peso ao nascer ou gestações anteriores com resultados desfavoráveis,9,20,21 intervalo interpartal menor do que 18 meses, parto prematuro,15 consumo de cigarros durante a gravidez, 9,14,15,17,21-23 parto cesáreo24 e escolaridade materna.25

A Declaração de Nascido Vivo (DN) é um documento instituído em 1990 pelo Ministério da Saúde, com várias informações de caráter demográfico, epidemiológico e clínico da gestante, do parto e do recém-nascido, preenchida nos hospitais. No caso de parto hospitalar, uma das vias é entregue à família para proceder ao registro do nascido vivo, nos Cartórios de Registro Civil. Para os partos domiciliares, no momento do registro, o Cartório preenche a DN. Os hospitais e os Cartórios encaminham às autoridades de saúde as DN originais para que seus dados sejam incluídos no Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC), do Ministério da Saúde.

Utilizando-se desses dados, este estudo tem por objetivo verificar a presença de possíveis associações entre baixo peso ao nascer e as variáveis demográficas, epidemiológicas e médicas contidas na DN.

 

Material e métodos

Trata-se de um estudo do tipo transversal com dados secundários obtidos de 2.018 DN arquivadas na Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Guaratinguetá, correspondentes aos partos hospitalares aí ocorridos, em 1998.

Guaratinguetá, cidade com cerca de 100 mil habitantes, situada no Vale do Paraíba paulista, dispõe de dois hospitais filantrópicos conveniados com o Sistema Único de Saúde, com cerca de 300 leitos, no total.

Os critérios de inclusão na população de estudo foram as DN de partos únicos e que apresentassem preenchido o campo referente ao peso do recém-nascido. Baixo peso ao nascer foi considerado aquele abaixo de 2.500g.1

As variáveis estudadas e suas respectivas modalidades foram sexo, número de consultas no pré-natal - até 6 e mais de 6 consultas -, tipo de parto - normal e cesáreo-, idade materna - até 19 anos, de 20 a 34 anos e de 35 anos e mais -, instrução materna - analfabetas e aquelas com primeiro grau incompleto, com primeiro grau completo e aquelas com segundo e terceiro graus -, paridade - zero, um e dois filhos e três e mais filhos -, duração da gestação - de termo (37 semanas ou mais) e pré-termo (menos de 37 semanas). Foi criada a variável desfecho desfavorável ausente (quando houvesse zero abortos e zero filhos mortos) e presente (se uma destas variáveis fosse diferente de zero).

Não foram incluídas, na análise, as DN que apresentassem anotada a modalidade "Ignorado" ou que o campo estivesse em branco, isto é, não preenchido; como conseqüência, há totais menores para distribuições de algumas variáveis.

Os dados foram compilados em um banco de dados e analisados pelo programa Epi-Info 6.01.26 A análise estatística baseou-se nas técnicas do quiquadrado, qui-quadrado de tendência, razão de prevalência (RP) e análise estratificada, para testar interação e confusão entre variáveis. Foram construídos intervalos de 95% de confiança (IC95%) e adotado nível de significância de 5% (α = 0,05).27

 

Resultados

Em 1998, ocorreram 2.018 partos não múltiplos nos dois hospitais de Guaratinguetá. O peso ao nascer dessas crianças variou de 1.420g até 4.780g, com peso médio de 3.203,5g e desvio padrão igual a 446,7g. Segundo o critério adotado neste trabalho, para o RNBP, houve 165 nascidos vivos com peso abaixo de 2.500g, representando 8,2% do total.

Quanto ao tipo de parto, houve 30,7% de nascidos vivos por via vaginal, mostrando haver altíssima taxa de cesáreas (69,3%). A taxa de ocorrência de RNBP foi de 10,6%, entre os partos normais e de 7,1%, entre os cesáreos. Foi detectada associação estatisticamente significativa e positiva entre parto normal e baixo peso ao nascer (χ2=7,07; p=0,008) (Tabela 1).

 

 

Em relação ao sexo, apesar de a prevalência de baixo peso ter sido maior no feminino, não houve diferença estatisticamente significativa entre as taxas (RP=1,17; IC 95% = 0,85-1,61 e χ2=3,54; p=0,06).

Em relação à paridade, foi detectada associação estatisticamente significativa (χ2=8,19; p=0,016) com prevalências maiores quando a mãe era nulípara ou tinha três filhos ou mais; essas grandes multíparas constituíam 7,8% desta população enquanto 45,9% eram nulíparas (Tabela 1).

Mães que nunca tinham tido aborto ou natimorto apresentaram associação positiva com nascidos vivos de peso normal (χ2=4,27; p=0,04). Houve portanto, maior prevalência de RNBP entre as mães com alguma gravidez anterior com desfecho desfavorável (RP=1,49; IC 95%:0,98 - 2,29) (Tabela 1).

A instrução materna também revelou uma associação estatisticamente significativa (χ2=15,84; p<0,01), com riscos maiores de ocorrência de RNBP nas camadas com menor escolaridade (Tabela 1).

Ao ser comparado o número de consultas no pré-natal maior que seis com a situação de seis ou menos consultas, houve menor prevalência de RNBP, mostrando, mais uma vez, o papel importante do pré-natal na prevenção de RNBP (Tabela 1). Com relação a esta variável, houve associação estatisticamente significativa (p<0,001).

A variável idade materna encontra-se associada com o RNBP (χ2=12,95; p<0,002) (Tabela 1). Cabe ressaltar que a adolescência respondeu por 21,96% dos partos ocorridos em Guaratinguetá no ano de 1998, valor acima da taxa média do Estado de São Paulo.

Quanto à duração da gestação, houve uma forte associação entre RNBP e parto prematuro, isto é, duração da gestação menor de 37 semanas (χ2=377,23; p<0,001), fato já descrito na literatura (Tabela 1).

Dada a importância da gravidez precoce e baixo peso ao nascer, foi elaborada a Tabela 2, na qual constam as prevalências de baixo peso ao nascer segundo as idades maternas e as variáveis instrução materna, paridade e número de consultas no pré-natal. Pode ser notada importância do pré-natal e baixa escolaridade maternas na prevalência de recém-nascido de baixo peso nas mães adolescentes.

 

 

Quanto à qualidade de preenchimento da DN, pode ser observado que as variáveis instrução materna apresentou 0,4% de classificados como Ignorados e 0,8% de não preenchimento, número de consultas no pré-natal apresentou 0,7% de Ignorados e 4,8% de não preenchimento e idade materna 1,7% de não preenchimento.

 

Discussão

Dentre as variáveis associadas ao baixo peso ao nascer, a DN contempla algumas delas como paridade, idade materna, abortos e/ou natimortos anteriores, duração da gestação, tipo de parto, sexo do recém-nascido, número de consultas e instrução materna, variáveis estas consideradas socio-demográficas e clínicas.

A paridade, categorizada em 0, 1 ou 2 filhos e 3 filhos ou mais, mostrou-se associada estatisticamente com RNBP, havendo maiores prevalências tanto em mães nulíparas como em grandes multíparas, quando comparadas com aquelas com um ou dois filhos. Estes dados são semelhantes aos de Costa e Gotlieb28 e Meis e colaboradores.29 As razões explicativas da primiparidade com maiores riscos para o RNBP ainda são pouco discutidas. Estratificando-se pelo número de consultas, não houve diferença entre as distribuições.

A idade materna é considerada fator de risco quando igual ou menor que 19 ou igual ou maior que 35 anos; a prevalência de adolescentes grávidas (21,9%) foi maior do que as encontradas por Silva e colaboradores,14 Costa e Gotlieb28 e Meis e colaboradores29, mas foi menor que a descrita por Mariotoni.30 Neste estudo, foi detectada associação entre idade materna e RNBP, na qual a prevalência de RNBP em adolescentes foi estatisticamente maior que a do grupo de referência (mães na faixa etária de 20 a 34 anos). Da mesma forma, aquelas com 35 anos e mais apresentaram risco maior de ter RNBP.

Não foram encontrados fatores modificadores de efeito entre esta variável e o número de consultas, escolaridade e número de gestação com desfecho desfavorável, permanecendo ainda contraditório o papel da idade materna como fator de risco para recém-nascido de baixo peso.

Neste estudo, foi criada a variável desfecho desfavorável, a partir das informações sobre gestações anteriores, com evolução não favorável (aborto ou natimorto). Houve diferenças entre as taxas de prevalência de baixo peso, sem, entretanto, ser detectada associação estatisticamente significativa (RP=1,49; IC 95%: 0,98 - 2,29).

O fator de risco talvez esteja mais ligado à presença de natimorto como mostraram Meis e colaboradores29 e Maruoka e colaboradores,31 pois aborto prévio, isoladamente, não se apresentou associado ao RNBP. A menção de natimorto na história gestacional pode estar relacionada tanto a fatores médico-clínicos como a complicações maternas do tipo infecções do trato geniturinário; e hipertensão e início tardio do pré-natal como a fatores socio-econômicos.

O tipo de parto que ocorreu com maior freqüência nesta amostra foi o cesáreo, com taxa muito elevada (cerca de 70%); a prevalência de RNBP foi maior entre aqueles recém-nascidos de parto via vaginal do que de cesariana, havendo associação significativa entre RNBP e parto normal, como encontrado por Silva e colaboradores.12 Uma possível explicação para os resultados aqui encontrados seria o fato de que mães com menor escolaridade também dariam à luz através de parto normal em maior proporção do que aquelas com maior escolaridade. Silva e colaboradores,24 em São Luís, Maranhão, onde a taxa de cesareana é menor, encontraram associação entre o parto cesáreo e baixo peso ao nascer.

O sexo feminino tem sido associado ao baixo peso ao nascer. Neste trabalho, porém, a significância estatística foi representada por p=0,06. Quanto à razão de prevalência, que foi maior no sexo feminino de 1,17 em relação ao sexo masculino, seus resultados estão de acordo com a literatura.12,28 No entanto, este valor encontrado não mostrou significância estatística (IC 95%: 0,85 - 1,61).

Associação estatisticamente significativa entre RNBP e o número de consultas realizadas pelas mães também foi encontrada. É de esperar-se que um número maior de consultas no pré-natal possa prevenir a presença de RNBP; Solla32 não encontrou associação entre número de consultas e RNBP, tomando como valor de corte um número menor do que seis consultas.

Não foi testada a associação entre o número de consultas no pré-natal menor que três, pois a cobertura de pré-natal com mais de seis consultas foi de 90%, restando poucas mães com menos de três consultas realizadas.

A variável instrução materna pode ser entendida como socioeconômica e mostra que um estrato mais diferenciado na comunidade, isto é, aquelas mães que freqüentaram por mais de oito anos a escola, têm na maior escolaridade um fator protetor para a ocorrência de recém-nascido de baixo peso. Estes dados vão ao encontro dos apresentados por Silva e colaboradores,12 Haidar e colaboradores25 e Meis e colaboradores29, porém não foram identificados por Benício e colaboradores14 no estudo de partos ocorridos no município de São Paulo. Na presente pesquisa, não houve associação entre esta variável e baixo peso ao nascer.

Quando testadas, não foram encontradas interação ou confusão entre a escolaridade materna e o número de consultas realizadas no pré-natal, já que esta última poderia ser variável modificadora de efeito, pois a mãe, com maior escolaridade, tenderia a fazer mais consultas no pré-natal. Também não foi detectada interação e confusão entre escolaridade materna e as outras variáveis.

Assim, pode-se concluir que o baixo peso ao nascer é uma entidade complexa que tem vários fatores potencialmente de risco para seu aparecimento. Os resultados apontados na literatura não são uniformes em mostrar estes fatores, dependendo do tipo de estudo e do local onde foi realizado.

A DN é um instrumento válido, de fácil manuseio e análise, que poderia contemplar outros campos de informação, como o intervalo interpartal, pois há descrição de possível associação desta variável com RNBP14, 32 e também o local de realização do pré-natal, em que pese a falta de estudos que correlacione esta variável com o baixo peso; a inclusão desta última poderia servir como forma de avaliação dos atendimentos nas áreas privadas e públicas.

Além disto, é necessário ressaltar junto aos Hospitais e Órgãos Gestores o cuidado no preenchimento de todos os campos da DN, pelo seu importante papel para a análise de dados obstétricos e infantis.

 

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