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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.10 n.3 Brasília set. 2001

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000300004 

 

Programa de Controle da Tuberculose no Brasil: situação atual e novas perspectivas

 

Tuberculosis in Brazil: general information and news perspectives

 

 

Antonio Ruffino-Netto

Departamento de Medicina Social/Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho faz um relatório parcial das atividades do programa de controle da tuberculose no Brasil, apresentando algumas informações epidemiológicas da doença e as novas perspectivas com implantação dos programas Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Podemos observar significativa mudança na cobertura das unidades de saúde que adotam tratamento supervisionado. Em 1999, apenas 100 unidades disponibilizavam este tipo de tratamento passando a 1.106 unidades em outubro do ano de 2000, representado um aumento de 1.106%. Houve também, uma elevação no percentual de sintomáticos respiratórios, passando de 13% para 74% após o início do plano.

Palavras-Chave: Tuberculose; Programas Nacionais de Saúde.


SUMMARY

A preliminary report of the control activities of the National Tuberculosis Programme in Brazil is presented. General epidemiologic and operational information are described and the new perspectives with the implementation of the Family Health Programme and Community Health Agents are discussed. An increase in the health unit coverage was observed. In 1999, only 100 health units had adopted the supervised treatment strategy, in comparison with 1,106 units in 2000, representing a 1.106% increase. After the control plan was implemented, an increase of the percentage of respiratory symtomatics was also observed, passing from 13% to 74%.

Key Words: Tuberculosis; National Health Programs.


 

 

Magnitude do problema

A tuberculose é, certamente, uma das mais antigas doenças que afligem a humanidade. No cenário brasileiro, vem se firmando como uma das principais causas de morbimortalidade, atingindo indistintamente diversas faixas etárias e classes sociais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ocorram no mundo cerca de 8 a 9 milhões de casos novos por ano e ao redor de 3 milhões de óbitos pela doença. Para o Brasil, estima a incidência de 124 mil casos por ano.1

Acreditava-se que com os novos adventos tecnológicos as doenças infecto-contagiosas seriam facilmente controladas e banidas do nosso meio. A realidade, porém, mostrou-se contraditória. A epidemia da AIDS e o fantasma da multirresistência tornaram-se grandes desafios a serem vencidos.

Torna-se necessário criar alternativas. Optar por um modelo de assistência voltado a uma prática de saúde participativa, coletiva e ao mesmo tempo integral, permanentemente vinculada à realidade da comunidade, assistida por uma equipe multiprofissional cujos objetivos de trabalho transcendem e ultrapassam as fronteiras das Unidades de Saúde é um passo importante que, espera-se, possa mostrar impacto sobre o problema em pauta.

As equipes de Saúde da Família representam, hoje, uma forma de acesso à saúde para todos os cidadãos. Para sua real implantação, faz-se necessário um árduo e constante trabalho por parte dos gestores e dos condutores do campo operacional para que efetivamente se construa um novo paradigma para a saúde pública brasileira. A perspectiva para os próximos anos é de expansão da implantação do Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF) em todo o território nacional, inclusive nos grandes centros. Até o ano de 2002, pelo menos 50% da população estará coberta com PSF e 20 milhões de pessoas serão assistidas pelo PACS. Para o ano de 2004, a meta é de aumentar a cobertura PSF/PACS para 70% da população brasileira.2 A proposta de se estender a estratégia do PSF/PACS para as grandes capitais brasileiras reforça ainda mais as premissas de regionalização, vinculação e vigilância/avaliação dos processos, de acordo com as características e demandas de cada população.

Diante dos novos horizontes, é necessário definir estratégias de capacitação dos profissionais que estarão na vanguarda deste processo inovador e audacioso, com a premissa de levar a saúde para todos e, mais ainda, transformar o imaginário social da doença. A tuberculose é uma doença velha, mas que precisa urgentemente de um novo olhar. Um olhar capaz de enfrentar tabus e preconceitos, trazer novas alternativas de controle e, acima de tudo, ser capaz de resgatar profissionais e pacientes que estão investidos de uma cultura estigmatizante e perpetuadora de mazelas incalculáveis para a nossa saúde.

Entre os anos de 1996 e 1997, o Ministério da Saúde lançou o Plano Emergencial para o controle da doença, selecionando 230 municípios prioritários, para implementar as atividades de controle da doença. Nestes, concentravam-se 75% dos casos estimados para o Brasil. Os critérios para escolha foram baseados na população e dados epidemiológicos e na operacionalização do programa de controle da doença.

Em 1998, dada a permanência do problema, com altas taxas de abandono do tratamento, com baixo percentual de cura e de detecção dos casos, foi lançado o Plano Nacional de Controle da Tuberculose. Este plano introduziu como novidades: a extensão da cobertura, o tratamento supervisionado (atendendo uma das recomendações da estratégia directly observed treatment short-cause, DOTS, da OMS), nova forma de repasse de recursos para os municípios, que passa a ser feito sob a forma de bônus. Para cada caso de tuberculose descoberto, tratado e efetivamente curado, o município informa o Ministério da Saúde e o repasse é feito automaticamente.3 Deve ficar claro que adotar estratégia do tratamento supervisionado é forçar uma reflexão sobre a estrutura e o processo dos serviços de saúde em geral; a nosso ver, aí reside o ponto fundamental da questão da adesão e/ou abandono do tratamento da tuberculose.

Em janeiro de 2000, a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária foi integrada no Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria de Políticas de Saúde (SPS). Tal integração trouxe como conseqüência a exigência de pensar novas estratégias de controle da tuberculose em harmonia com as atividades já desenvolvidas pelo DAB.

Visando a um salto de qualidade na atenção ao problema, o Ministério lançou o Plano Estratégico para a Implementação do Controle da Tuberculose no Brasil (que será detalhado adiante), destinado a possibilitar aos profissionais de saúde, com atuação na área da Atenção Básica, a elaboração de novos instrumentos de trabalho, capazes de atingir o controle da doença em nível local, e mais que isso, estabelecer mecanismos permanentes de vigilância e avaliação do processo de trabalho. A humanização das práticas de saúde junto à família e seu espaço social passa a ser o referencial desta nova estratégia de enfrentamento, o que certamente será fator de sucesso para os objetivos a serem alcançados.

Apresenta-se, neste momento, como grande aliado, o Projeto VIGISUS, de estruturação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde. Elaborado como uma estratégia para a criação de infraestrutura nas três esferas de governo, é o responsável pelo desenvolvimento de ações de monitoramento, avaliação e controle de variáveis relacionadas ao ambiente, às populações humanas e aos produtos e serviços de interesse para a saúde, por intermédio de suas áreas programáticas e pela efetiva discussão de programas com detalhamento de projetos, especialmente na Região Norte do país, incluindo os Estados que compõem a Amazônia Legal, proporcionando a cobertura de um terço dos municípios prioritários, com aproximadamente 10% da população brasileira.

 

Situação atual

Na Tabela 1, é apresentada a distribuição dos casos notificados de tuberculose em 1999 por Unidade de Federação e por tipo da doença, onde se observa que o problema é grave, no país como um todo; os maiores números de casos notificados ocorreram, em ordem decrescente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em termos de coeficientes de incidência, esta ordem se altera para: Amazonas (82,7 por cem mil habitantes), Rio de Janeiro (78,1 por cem mil habitantes), Roraima (74,6 por cem mil habitantes) e Acre (71,4 por cem mil habitantes).

 

 

Na Figura 1, apresentamos uma série histórica das taxas de detecção, de cura, de sintomáticos respiratórios (SR) examinados e de abandono do tratamento, no período de 1982 a 1999. Podemos verificar que o percentual de detecção de caso é superior aos sintomáticos respiratórios, donde deveríamos esperar o inverso, ou seja, dos SR examinados, seriam detectados os casos de tuberculose não conhecidos.

 

 

Como estímulo para busca ativa de casos a serem feitos por intermédio de um exame de baixo custo, a baciloscopia teve seu valor aumentado, passando de R$ 2,50 para R$ 4,30, havendo de fato uma mudança no número de sintomáticos respiratórios examinados e na quantidade de baciloscopias efetuadas (Figura 2). Em 1999, houve grande elevação do percentual de SR examinados, passando de 13 para 74% sem haver, contudo, aumento correspondente ao número de casos novos detectados.

 

 

No período de 1982 a 1999, houve um declínio constante das taxas de detecção e de SR examinados. A taxa de abandono permaneceu constante em 14%.

Na Figura 3, é apresentada a distribuição dos bônus no período de junho de 1999 (quando efetivamente passou a existir o pagamento) até setembro de 2000, que demonstra ter refletido nos dados epidemiológicos.

 

 

Houve aumento no percentual de curas, passando de 75 para 78%, e a taxa de abandono caiu para 12%. Durante os últimos 20 anos, a taxa de abandono permaneceu ao redor de 14%. Há Estados, por exemplo o da Paraíba, onde a taxa passou de 12% em 1998, para 1,9% em 1999. Exemplos pontuais, como Cuiabá, caiu de 50 para 4%. Na cidade do Rio de Janeiro a região AP4 que corresponde ao bairro Cidade de Deus caiu de 30 para 5% e no hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) passou de 30% para 4%.

Na Tabela 2, mostramos a evolução das Unidades Sanitárias que estão utilizando o tratamento supervisionado, por Unidade Federada.

 

 

Em setembro/outubro de 1999, havia cerca de 100 Unidades Sanitárias fazendo o tratamento supervisionado. No início do ano 2000, eram 687 e, em outubro, 1.106, havendo um incremento de 1.106% em relação ao ano de 1999.

Os Estados tinham como meta para o ano 2000 ampliar este número (unidades com tratamento supervisionado) de 100 para 357. O aumento observado foi de 419, ou seja, o cumprimento das metas de 117%. Atualmente, 18% das Unidades de Saúde (US) do país já têm tratamento supervisionado.

No tocante ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), deve-se assinalar que ele não foi implantado ainda nos Estados do Amazonas, Acre, Amapá e Minas Gerais, e há Estados que estão fazendo a conversão de sistema de informação: Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco. Nos demais, o sistema de informação está ainda em ajustes.

Quanto ao diagnóstico laboratorial, ele aponta para a necessidade de ampliação da rede de laboratórios de Saúde Pública, bem como melhoria da qualidade (das baciloscopias ou do laboratório como um todo). Urge intensificar o controle de qualidade de toda a rede tanto pública como privada.

 

Plano Atual - Novas Perspectivas

Com a integração das ações desenvolvidas pelo DAB, espera-se um salto qualitativo e quantitativo no programa.

Está sendo proposto atualmente o Plano de Eliminação da Hanseníase e Controle da Tuberculose em Municípios Prioritários Através da Atenção Básica.4 Na Tabela 3 é apresentada a distribuição dos municípios prioritários e população alvo do plano.

 

 

O plano se propõe a:

I - Objetivos

Estabelecer ações de controle da tuberculose nos 328 municípios prioritários (Tabela 2) que representam 49,65% da população brasileira e onde se concentram 80% dos casos de tuberculose, com os seguintes objetivos:

a) aumentar a taxa de detecção em 20%;

b) elevar taxa de cura em 13%;

c) reduzir a taxa de abandono em 7%; e

d) diminuir a taxa de letalidade em 10%.

II - Metas

a) implementar ações de controle da doença em 100% dos municípios prioritários;

b) implantar atividades de controle da tuberculose em 80% dos serviços de saúde existentes na rede destes municípios;

c) elevar em pelo menos 20% ao ano o número de sintomáticos respiratórios examinados;

d) implantar o tratamento supervisionado em 100% das unidades básicas de saúde destes municípios;

e) elevar o diagnóstico dos casos esperados de 67 para 87%;

f) elevar a cura dos casos de 72 para 85%; e

g) reduzir o abandono de tratamento de 12,2 para 5%.

III - Principais ações

a) promover mobilização política para a importância da implantação do plano de atuação, com assinatura de carta-compromisso pelos Estados;

b) capacitar as equipes da atenção básica incluindo PSF (2.481 equipes de saúde da família e 39.053 agentes comunitários de saúde), já existentes para detecção precoce, diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose;

c) disponibilizar dados referentes aos agravos de tuberculose, utilizando o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN) / Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) e outras fontes de informações existentes em todos os municípios prioritários;

d) garantir insumos e equipamentos para diagnóstico e tratamento da tuberculose na rede básica;

e) disponibilizar assessoria para a organização da rede de diagnóstico laboratorial estadual, de forma a atender a demanda de baciloscopia referida pelos municípios;

f) implantar / implementar o Bônus para todos os municípios que tenham Unidades Básicas de Saúde (UBS) que desenvolvam ações ligadas ao controle da tuberculose;

g) implantação imediata de 6.120 ACS em 24 municípios e 2.640 PSF em 81 municípios prioritários;

h) promover a ampliação de 25.527 Agentes Comunitários em 150 municípios e 5.183 equipes de saúde da família em 45 municípios, considerando o prazo de dois anos para expansão da cobertura do PSF e um ano para o PACS;

i) disponibilizar, pelo Ministério da Saúde, assessoria técnica aos estados e municípios para acompanhamento e avaliação do Plano; e

j) identificar áreas prioritárias em municípios com mais de um milhão de habitantes.

IV - Avaliação

a) Avaliar os indicadores de processo:

- número de capacitações realizadas/programadas; (observação: esta informação não foi especificada no plano inicial),

- incremento de unidades de saúde com ações de controle da tuberculose,

- número de pacientes curados de tuberculose/total de bônus solicitados,

- redução percentual da taxa de abandono após implantação do tratamento supervisionado pelos agentes comunitários de saúde,

- número de baciloscopias para diagnóstico da tuberculose realizadas/programadas,

- número de unidades básicas de saúde com programa de controle da tuberculose e tratamento supervisionado/programados, e

- número de casos de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva e tratamento supervisionado/detectado.

b) Avaliar os indicadores de impacto:

- taxa de incidência de tuberculose pulmonar bacilífera por cem mil habitantes,

- taxa de incidência de tuberculose todas as formas por cem mil habitantes,

- taxa de incidência de notificação de casos por grupo etário,

- taxa de incidência de meningite tuberculosa em menores de cinco anos por cem mil habitantes, e

- tendência da mortalidade.

 

Conclusões

Os dados expostos mostram que a tuberculose é ainda grave problema de saúde pública no país. O programa necessita de implementação em termos operacionais, principalmente maior detecção dos casos, precisando diminuir o percentual de abandono e aumentar o percentual de curas. Em que pesem as perspectivas do impacto do trabalho integrado com os programas do PSF/PACS, torna-se imperioso atuar urgentemente nos grandes centros urbanos.

 

Referências bibliográficas

1. World Health Organization. Global Tuberculosis Control. WHO Report-2000. WHO/CDS/2000-275.

2. Ministério da Saúde. Plano Estratégico para Implementação do Plano de Controle da Tuberculose no Brasil no Período 2001-2005. Resumo Executivo. Brasília; 2000.

3. Fundação Nacional de Saúde. Plano Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.

4. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Mobilização e Intensificação das Ações para a Eliminação da Hanseníase e Controle da Tuberculose. Brasília; 2001.

 

 

Endereço para correspondência:
Departamento de Medicina Social
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP.
Av. Bandeirantes, 3.900
Ribeirão Preto/SP.
CEP: 14.049-900.
e-mail: aruffino@fmrp.usp.br