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Informe Epidemiológico do Sus
Print version ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus vol.11 no.3 Brasília Sept. 2002
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732002000300001
EDITORIAL
Saúde e ambiente: uma necessária reflexão
Maria Cecília de Souza Minayo
Membro do Comitê Editorial - IESUS
Este número do Informe traz a colaboração de um grupo de discussão por internet sobre Saúde e Ambiente, grupo gerado na Fundação Oswaldo Cruz e que ganhou dimensões nacionais, desde 1999. A iniciativa continua até hoje, dando fundamento a um tema interdisciplinar que exige construção teórica e implementação prática. Já gerou dois grandes seminários nacionais e promete continuar referência para muitas pessoas, ações e debates intelectuais. Por ter um caráter de construção coletiva, os artigos aqui publicados são assinados por vários autores.
Os leitores notarão que a conceitualização integrada dos dois temas não é fácil e nem se esgota nos resultados ora apresentados. Tanto “saúde” como “ambiente” são noções imprecisas e polissêmicas, comportando, na sua configuração, fortes elementos de subjetividade e de visão da interface entre o campo natural e o social. Tais noções se constroem na dialética entre teoria e prática. Portanto, para desenvolver esse campo de intercessão, de complexidades simultâneas e sucessivas é preciso investir em ambas e não, ao contrário, acreditar que basta agir, reduzindo a realidade ao problema concreto mais próximo.
Um trabalho acadêmico que visa a subsidiar ações práticas de Saúde e Ambiente precisa duvidar, criticar, desvendar, esclarecer e especificar de que se está falando, que mediações são possíveis e que indicadores existem para promover o fundamental abraço entre ambos os termos. Como este número do Informe trata do resultado de uma busca coletiva, certamente o material não traz verdades: traz esforço, traz caminhada, traz a idéia de processo e a certeza de que alguns pressupostos já podem ser considerados teses.
Todo o debate sobre o tema ambiente parte de dois pressupostos básicos: o primeiro é a essencialidade da relação entre o ser humano e a natureza; o segundo, derivado do primeiro, é de que o conceito de ambiente, tal como o entendemos, é construído pela ação e reflexão humana, carregando, portanto, elementos de ideologia e de historicidade. A consciência de responsabilidade planetária, promovida pelo novo paradigma ambiental que vem se afirmando desde a década de 70 do século que findou, tenta superar a ideologia antropocêntrica de domínio do ser humano sobre a natureza, presente em todas as teorias sociológicas e biomédicas anteriores, e propor uma relação de convivência, de respeito e de integração entre ambas, em busca de um desenvolvimento sustentável.
No campo da saúde, geralmente três modelos de relação entre saúde e ambiente estão presentes. O naturalista-reducionista, que fundamenta as teorias tradicionais das ciências da vida, particularmente nas ciências biológicas e biomédicas, considera o social e o ambiental apenas como variáveis a serem levadas em conta no aparecimento das enfermidades. Toda a ênfase é dada ao contexto e ao conhecimento biológico. O chamado paradigma Flexneriano se fundamenta nesse modelo.
O modelo tecnológico-tecnocrático que apenas considera a questão ambiental do ponto de vista gerencial, como resultado dos avanços tecnológicos utilizados para intervir em mudanças a favor da saúde. Esse possui um forte componente normativo que vem sendo ampliado por diretrizes internacionais, como a recente ISO 14000.
Há ainda o chamado modelo sociológico, impregnado pela idéia da dicotomia entre ser humano e natureza, dando ênfase especial à visão antropocêntrica do desenvolvimento e dos projetos futuros da humanidade. Cada um desses reducionismos tem estado presente, com ênfases diferenciadas, nas crenças do biologicismo, das soluções da engenharia ou na visão idealizada, seja do ser humano, seja da natureza. Só o sentido integrador da promoção da saúde, superando tais idealizações, vai nos levar a construir uma prática teórica integrada entre saúde, ambiente e condições-relações sociais. Esse sentido vem, progressivamente, se expressando em visões ecossistêmicas de saúde.
Que a leitura deste número do Informe sirva para nos ajudar a levantar mais perguntas e encaminhar outros debates sobre novas práticas que conduzam a construção de pessoas saudáveis, vivendo numa sociedade saudável.