SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número4Participação da população em projeto de controle de dengue em Belo Horizonte, Minas Gerais: uma avaliaçãoAvaliação de riscos como ferramenta para a vigilância ambiental em Saúde índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Informe Epidemiológico do Sus

versión impresa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.11 n.4 Brasília dic. 2002

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732002000400004 

 

Utilização de informações hospitalares do sistema único de saúde para vigilância epidemiológica e avaliação de serviços ambulatoriais em São José dos Campos-São Paulo*

 

Use of hospital information from the unified health system for epidemiological surveillance and assessment of outpatient services in the municipality of São José dos Campos - São Paulo

 

 

Luís Paulo Rodrigues Melione

Prefeitura Municipal de São José dos Campos

Endereço para correspondencia

 

 


RESUMO

A notificação regular de altas hospitalares para acompanhamento ambulatorial é uma rotina de difícil implantação nos serviços de saúde. Muitas vezes são oportunidades perdidas para ações de prevenção que possam evitar complicações e seqüelas de doenças. A necessidade de informações desagregadas sobre morbidade hospitalar levou ao desenvolvimento de uma metodologia que utilizou o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) como fonte de informação epidemiológica, em São José dos Campos, São Paulo. O objetivo foi subsidiar ações descentralizadas de vigilância e avaliação de serviços ambulatoriais. A territorialização do sistema municipal de saúde e a introdução da décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) foram condições importantes para o desenvolvimento da metodologia. Foram implantadas listagens de notificação mensal de altas hospitalares por área de abrangência das unidades de saúde. O SIH-SUS também pode ser utilizado como fonte de informação complementar às tradicionais fontes utilizadas para os sistemas de vigilância epidemiológica e avaliação de serviços de saúde.

Palavras-Chave: Sistemas de informação;Vigilancia Epidemiológica; Avaliação de Serviços.


SUMMARY

The regular notification of hospital discharges for outpatient accompaniment is a routine difficult to implement in the health services. Many times there are lost opportunities for preventive actions that could avoid complications and sequele of diseases. The need of disaggregated information on hospital morbidity led to the development of a methodology that utilizes the Hospital Information System from the Unified Health System (SIH-SUS) as the source of epidemiological information, for the city of São José dos Campos, in the state of São Paulo, Brazil. The objective was to subsidize decentralized actions of epidemiological surveillance and evaluation of outpatient services. The territory delimitation of the municipal health system and the introduction of the tenth revision of the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (CID-10) were important conditions for the development of the methodology. Listings of monthly notification of hospital discharges were established in the health units. The database of SIH-SUS may also be used as a complementary source of epidemiological information, in addition to the traditional sources used for epidemiological surveillance and evaluation of health services.

Key Words: Information Systems; Epidemiological Surveillance; Evaluation of Health Services.


 

 

Introdução

As internações hospitalares são uma importante fonte de informação para o aperfeiçoamento da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS).

Embora a morbidade hospitalar não seja representiva da morbidade da população, 1 as complicações de muitas doenças e agravos que a atenção básica deve prevenir podem refletir-se na morbidade hospitalar. Além disso, a prevenção da evolução do processo patológico após a alta hospitalar, por meio de ações terapêuticas, pode evitar seqüelas e mortes.

A notificação regular dessas altas hospitalares para acompanhamento ambulatorial básico ou especializado tem sido um problema para os gestores em saúde. É difícil implantar um fluxo regular de notificação para as unidades de saúde responsáveis pelo seguimento ambulatorial de pacientes egressos de internação. Depende mais da iniciativa de alguns serviços hospitalares, de alguns profissionais de saúde ou do próprio paciente.

No Brasil, perdem-se, diariamente, milhares de oportunidades de captação, para a atenção básica, de pessoas que estiveram internadas e que poderiam ter acesso às ações de prevenção de complicações de doenças e agravos de relevância epidemiológica. Alguns problemas de saúde pública como doenças infecciosas, doenças respiratórias, hipertensão arterial e diabetes poderiam ser minimizados mediante adequada abordagem preventiva e curativa.

Uma das finalidades dos sistemas de informação em saúde é notificar os gestores de serviços para intervenções que possam prevenir sofrimento, incapacidade e morte. Outra finalidade é fornecer subsídios para a implantação de metodologias de avaliação de serviços de saúde. O Ministério da Saúde gerencia grandes sistemas nacionais de informação que podem atender a essas finalidades: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) e Sistema de Informações Hospitalares (SIHSUS).

O SIH-SUS é um sistema de informação básica que pode ser utilizado regularmente pelos municípios, e é pouco utilizado como fonte de informações epidemiológicas. É um sistema primariamente utilizado para coleta, crítica e pagamento de todas as internações pelo SUS. A unidade de registro usada é a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Os dados sobre diagnósticos médicos colhidos com finalidade de pagamento são conflitantes. A codificação de doenças é feita por médicos que atenderam o paciente ou por pessoal administrativo, ambos não preparados para a função.1 A confiabilidade dos dados para uso em estudos epidemiológicos fica comprometida.

Outras limitações das AIH são, segundo Pereira,2 o fato de ter como unidade de análise a internação e não o indivíduo e terem sido criadas para controle financeiro. Isso poderia levar a irregularidades dos hospitais na medida em que os diagnósticos são adequados para obtenção de vantagens financeiras. Assim, a capacidade resolutiva dos serviços hospitalares tanto pode limitar o acesso aos procedimentos como induzir ao uso desnecessário, interferindo no perfil da morbidade hospitalar. Não obstante fatores como esses, a agilidade do sistema torna as informações disponíveis aos gestores locais com defasagem inferior a um mês, e qualifica a AIH, conforme afirma Carvalho,3 como fonte de informação para vigilância epidemiológica e avaliação e controle de ações de saúde.

Com o avanço da implantação do SUS, aumentou a demanda para descentralização da produção de informações em saúde de modo a possibilitar a gestão e a definição de prioridades em nível municipal.4A Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/2001)5 prevê repasse de recursos financeiros para municípios com capacidade de operar os sistemas de informações básicas em dia.

Alterações promovidas pelo Ministério da Saúde no registro de dados do SIH-SUS demonstraram uma política de qualificação das informações. Foram mudanças importantes, embora fossem insuficientes para viabilizar o uso das informações epidemiológicas do sistema nos municípios. Uma das mudanças foi a obrigatoriedade de registro da causa externa de lesão no campo "diagnóstico secundário" sempre que o "diagnóstico principal" da internação for uma lesão externa.6

O Município de São José dos Campos, localizado no Vale do Paraíba (São Paulo), está entre os mais industrializados do país. Apesar da alta arrecadação que possui, os indicadores socio-econômicos e de saúde apontam desigualdades sociais semelhantes a outros municípios do mesmo porte. Tem uma população de cerca de 550 mil habitantes e foi um dos primeiros a entrar em gestão semiplena (1994) e plena (1998) dos serviços de saúde. Conta com rede própria de atendimento dividida em três distritos sanitários e é composta por 37 unidades básicas de saúde (UBS), 14 unidades especializadas, uma unidade laboratorial, cinco unidades de pronto atendimento e um hospital municipal com 197 leitos. Os demais leitos hospitalares e recursos de consultas e apoio à diagnose e terapia são contratados dos serviços filantrópicos e privados.

A necessidade de informações sobre morbidade hospitalar para subsidiar o planejamento local de saúde e a busca pela superação de obstáculos antigos ao acompanhamento de egressos de internações, como a falta de referência sistemática dos hospitais para as unidades de saúde, motivaram o desenvolvimento de outras soluções locais.

A vigilância à saúde também pode ser feita por meio de listagens de notificação dos pacientes egressos de internação hospitalar por área de abrangência das unidades de saúde. As notificações são emitidas mensalmente a partir de informações do SIH-SUS.

Com essa metodologia, a unidade de análise passa a ser o indivíduo. A avaliação individual contorna problemas do sistema como a não identificação de reinternações, transferências e codificação errada de diagnósticos. Torna-se possível uma verificação dos dados quando da investigação epidemiológica.

A disponibilização de informações atualizadas sobre a ocorrência de agravos ou complicações de doenças é útil para os gestores locais de saúde na avaliação da qualidade do atendimento prestado aos usuários que evoluíram para internação hospitalar. A captação e acompanhamento ambulatorial dos pacientes que foram internados pelo SUS, que não eram usuários das unidades de saúde, também constitui uma estratégia para o aumento da cobertura da atenção básica.

O objetivo deste trabalho foi apresentar uma metodologia para disponibilizar informações de internações hospitalares do SUS, de forma desagregada, para subsidiar ações descentralizadas de vigilância epidemiológica de doenças e agravos à saúde e avaliação de serviços ambulatoriais de saúde.

 

Material e métodos

Para difundir informações desagregadas do SIH-SUS, duas medidas foram essenciais. A primeira foi introduzir no sistema uma forma de referenciar o local de residência para desagregação posterior das internações por área de abrangência das UBS. A segunda foi melhorar a qualidade da codificação dos diagnósticos principal e secundário da AIH. O diagnóstico principal é definido como a afecção primariamente responsável pela necessidade de tratamento ou investigação do paciente. O diagnóstico secundário pode ser definido como outra afecção que existe ou se desenvolve durante a internação e que afeta as condições do paciente.7

Foi aproveitada a oportunidade criada por dois eventos, especialmente propícios para implantar as medidas mencionadas. O primeiro foi a territorialização do Sistema Municipal de Saúde de São José dos Campos, em 1994. A territorialização permite o reconhecimento das relações entre condições de vida, saúde, acesso às ações e serviços de saúde.8,9

Segundo Teixeira e colaboradores,9 a partir do reconhecimento do território do município, o processo de planejamento e programação local deve ir além da racionalização da oferta de serviços ambulatoriais e hospitalares e avançar em um enfoque que incorpore os problemas da saúde e seus determinantes como objeto de intervenção. Localizar a área de risco, isto é, onde reside um indivíduo que foi internado, e correlacioná-la com a doença ou o agravo é uma necessidade no processo de diagnóstico da situação de saúde e de atuação dos serviços de saúde.

Os sistemas de informação geográfica são ferramentas fundamentais neste processo. Todavia, o município não dispunha desse recurso e a necessidade de informação em saúde fez com que outra opção fosse procurada.

As microáreas de risco dentro do território não seguem necessariamente a distribuição espacial das unidades de referência geralmente usadas, como o código de endereçamento postal (CEP), o bairro ou o setor censitário. Segundo Barcellos e Santos,10 a escolha da unidade espacial de agregação em geoprocessamento define a escala de observação dos fenômenos. A territorialização feita no município identificou microáreas de risco, mas não as delimitou dentro de uma unidade de referência. A lógica da definição do território foi o acesso às unidades de saúde. Desde o início, descartou- se a utilização do CEP como unidade de referência.

Essa variável tinha baixa qualidade, pela insuficiente prestação da informação por parte do usuário. Em 1997, cerca de 85% dos CEP foram registrados com o código básico do município, ou seja, 12200-000, o que inviabilizou a desagregação. A unidade de referência escolhida foi o bairro pelo costume da população com esta unidade, sendo mais confiável no registro de endereços do município. Como o objetivo das listagens é delimitar as internações dentro da área de abrangência das unidades de atendimento ambulatorial, a delimitação do território por bairros foi utilizada. A localização dos pacientes nas microáreas de risco ocorreu nas unidades por busca ativa ou análise do endereço.

Uma codificação de bairros foi implantada. O endereço de logradouros apresenta grande variabilidade no seu preenchimento necessitando de uma fase de avaliação crítica dos dados.10 Com o registro dos bairros ocorreu o mesmo. Foi necessária uma revisão dos códigos dos bairros antes de sua utilização para redução da perda de informação desagregada. Nos casos de bairros que foram subdivididos, sendo cada subdivisão referenciada para uma UBS diferente, dificuldades foram enfrentadas. Na entrada dos dados nos hospitais, não foi codificada corretamente a subdivisão dos bairros em 6% das internações. A correção do problema foi feita por meio da emissão de listagens de igual conteúdo para as unidades básicas de saúde com bairros em comum. Cada serviço identificava pelo endereço se o paciente residia em sua área de abrangência.

Todos os níveis da Secretaria Municipal de Saúde necessitavam de informação desagregada para o planejamento de suas ações. Os sistemas SIM, SINASC, SINAN e SIA-SUS foram supridos com a codificação de bairros.

No SIH-SUS, a codificação foi implantada na rotina de digitação dos arquivos de AIH apresentadas (programa SISAIH01- Sistema de AIH em disquete) desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). As unidades hospitalares próprias, filantrópicas e contratadas no município foram orientadas a digitar no campo NÚMERO os códigos de bairros. Passou a ser digitado juntamente com o nome do logradouro (campo LOGR - logradouro) o número da residência, que antes era digitado no campo NÚMERO. Assim, sem prejuízo ao sistema, preservaram-se os dados referentes ao endereço e foi possível implantar uma codificação descentralizada que permitiu a desagregação das informações por Distrito Sanitário e área de abrangência das UBS. Cada internação dos pacientes teve registrado o código do bairro do seu endereço de residência, podendo ser relacionado à UBS de abrangência.

O segundo evento foi a implantação, no SIH-SUS, da décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) a partir de janeiro de 1998.11 No último bimestre de 1997, foi realizado um treinamento de codificadores de morbidade em CID-10. O treinamento foi aplicado segundo metodologia preconizada pelo Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para Classificação de Doenças em Português. 7,12

A codificação de doenças nos hospitais não era feita por codificadores treinados, mas por funcionários administrativos dos hospitais, lotados no setor de faturamento, sem qualquer treinamento. Eram utilizados códigos de doenças sugeridos em publicações não oficiais de tabelas de procedimentos do SUS. Diante dessa realidade, optou-se por treinar esses "faturistas" como codificadores e supervisionar o seu trabalho.

São José dos Campos teve 23.371 internações pagas pelo SUS, em 1997. Seis unidades eram próprias (uma grande e cinco pequenas) três filantrópicas e duas contratadas. Foram treinados inicialmente dois codificadores por hospital.

Uma vez implantadas as duas medidas, foi desenvolvido um programa gerador de relatórios no Epi-info (versão 6.04b) a partir de uma cópia do banco de dados de AIH (programa SISAIH01). Passaram a ser emitidas listagens de pacientes internados pelo SUS até o dia 15 subseqüente ao mês de competência anterior.

Cada listagem é composta, com algumas variações específicas, de campos descritivos como: nome do paciente, nome do segurado, sexo, idade, hospital, prontuário, diagnóstico principal, diagnóstico secundário, procedimento realizado, data de internação, data de alta, evolução e endereço. Foram encaminhadas diretamente aos gerentes das unidades de saúde e coordenadores de programas de saúde, preservando o sigilo das informações.

As variáveis selecionadas foram:

a) idade em anos: criada a partir da diferença em dias entre os campos data de internação (DT_INT) e data de nascimento (DT_NASC);
b) diagnóstico principal (DIAG_PRI);
c) diagnóstico secundário (DIAG_SEC);
d) procedimento realizado (PROC_REA);
e) motivo de cobrança (MOT_COB);
f) caráter da internação (CAR_INT); e
g) município de residência (MUN_PAC).

A prioridade de escolha de variáveis para seleção dos agravos de monitoramento foi para o diagnóstico, devido ao trabalho de qualificação do dado junto aos hospitais. Pode-se optar, nesta fase, pela seleção de procedimentos realizados, que guardam correspondência com diversas patologias ou agravos, alvo de monitorização. O Ministério da Saúde recomendou a escolha de procedimentos para cálculo de alguns indicadores da atenção básica, como internações pelo SUS por "acidente vascular cerebral agudo" e proporção de "parto e curetagem pós-aborto" de 10 a 19 anos.13

Para a monitorização das internações por parto, aborto e intercorrências da gravidez, por exemplo, é possível selecionar tanto o diagnóstico principal com código da CID-10 entre O00.0 e O99.8, como os procedimentos do grupo 35 (cirurgias obstétricas) da tabela de procedimentos hospitalares do SUS.14 Ao optar-se pela seleção dos diagnósticos principal e secundário podem-se perder as internações de "cesariana com laqueadura tubária" já que, nestes casos, o programa SISAIH01 não aceita código CID-10 de cesariana como diagnóstico principal, restando a opção de colocá-lo no diagnóstico secundário.

A forma mais segura de captar o maior número possível de internações pela causa correta é estabelecer critérios de seleção concomitantes para diagnóstico principal, diagnóstico secundário e procedimentos realizados.

Essa é uma das vantagens da metodologia. Ao tratar o indivíduo como unidade de análise, listando caso a caso, a confiabilidade da informação sobre a causa da internação é maior, as reinternações podem ser identificadas nas listagens seqüenciais e erros de endereço podem ser corrigidos.

 

Resultados

O resultado deste trabalho foi a disponibilização, a partir de maio de 1998, dos dados desagregados referentes aos pacientes internados pelo SUS para os serviços locais de saúde. São dez listagens básicas, emitidas mensalmente pelo setor de informações da Secretaria Municipal de Saúde. Elas foram implantadas gradualmente conforme verificava-se seu potencial de aproveitamento. Até maio de 1999, eram enviadas as listagens impressas aos responsáveis técnicos dos distritos sanitários que, por sua vez, as distribuíam aos gerentes das unidades de saúde. A partir de junho de 1999, a distribuição das informações foi agilizada por meio de encaminhamento eletrônico das listagens aos distritos sanitários.

Com a implantação dos indicadores para avaliação da atenção básica no município,15,16 por intermédio do termo de compromisso assinado entre os Secretários Municipal e Estadual de Saúde (junho de 1999), as metas de monitoramento das internações foram estabelecidas. Foram pactuados indicadores como coeficientes de internação por diabetes, por acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio, por doenças respiratórias em menores de cinco anos e em maiores de 60 anos. Assim, por determinação da Secretaria Municipal, foram alteradas as listagens, que passaram a incluir apenas os pacientes internados pelas doenças que compunham os indicadores de morbidade hospitalar pactuados.

A alteração nos critérios de seleção gerou um grupo bem menor de pacientes cuja internação foi informada às unidades de saúde. Por outro lado, a seletividade definida pelas metas pactuadas fez com que as UBS priorizassem a vigilância dos pacientes egressos de internação cujas doenças interferiam nos indicadores da atenção básica pactuados. A crônica deficiência de recursos humanos nas unidades para visitas domiciliares dificultou o processo. Naquele momento, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde não estava implantado no município. A partir de janeiro de 2001, as listagens para as UBS voltaram a ser constituídas por todos os paciente internados, aumentando a possibilidade de monitorização de eventos de interesse epidemiológico localizados.

As listagens com sua configuração atual serão descritas a seguir, com seu conteúdo, variáveis e códigos selecionados, destino e objetivo.

Listagem 1

Conteúdo: menores de um ano de idade, internados por todas as causas.

Variáveis e códigos selecionados: menores de um ano.

Destino: Unidades Básicas de Saúde.

Objetivo: acompanhar, no Programa de Vigilância da Morbi-mortalidade do Recém-nascido de Risco do município, os casos de internação ainda não identificados, já que um dos critérios de risco para inclusão na vigilância epidemiológica dos recém-nascidos é internação com menos de um ano de vida.

Listagem 2

Conteúdo: gestantes, de todas as idades, internadas por parto, aborto e intercorrências da gravidez e puerpério.

Variáveis e códigos da CID-1012 e da tabela de procedimentos do SUS:14diagnóstico principal ou secundário: O00.0 a O99.8.

Procedimentos realizados: grupo 35 (cirurgias obstétricas).

Destino: Unidades Básicas de Saúde e Casa da Gestante.

Objetivo: captar gestantes para acompanhamento em pré-natal de alto risco, aumentar cobertura de pré-natal e prevenir mortalidade materna.

Listagem 3

Conteúdo: pacientes internados por transtornos mentais.

Variáveis e códigos da CID-10:12 diagnóstico principal: F00.0 a F99.

Destino: Unidades de Atenção Integrada em Saúde Mental.

Objetivo: captar egressos de internação em instituições psiquiátricas para seguimento ambulatorial e prevenção de reinternação.

Listagem 4

Conteúdo: pacientes internados por todas as causas e idades exceto menores de um ano, transtornos mentais e gestantes.

Variáveis e códigos selecionados: diagnóstico principal, secundário e procedimento realizado diferentes das listagens 1, 2 e 3.

Destino: Unidades Básicas de Saúde.

Objetivo: captar egressos de internação para seguimento ambulatorial, subsidiando a avaliação da qualidade e o aumento da cobertura de programas de controle de diabetes, hipertensão arterial, doenças respiratórias na infância e na terceira idade, neoplasias malignas da mama, colo de útero, pulmão, próstata e outros agravos de relevância epidemiológica.

Listagem 5

Conteúdo: pacientes internados por todas as doenças infecciosas e parasitárias e de notificação compulsória.

Variáveis e códigos selecionados da CID-1012 e da tabela de procedimentos do SUS:14 diagnóstico principal: A00 a B99; G37.3, G61, P35, G83 a G83.9, K73 a K73.9, E40 a E43, G00 a G03.9, J60 a J65; e diagnóstico secundário: W53.0 a W59.9, X20.0 a X22.9, X48.0 a X49.9, Y58.0 a Y59.9.

Procedimento realizado: grupo 70 (tratamento da síndrome da imunodeficiência adquirida - AIDS), 74 (doenças infecciosas e parasitárias) e 91 (AIDS em hospital-dia).

Destino: Coordenação do Serviço de Vigilância Epidemiológica Municipal. Objetivo: confrontar casos de internação por doenças de notificação compulsória no município com as registradas no SINAN, para detecção de casos não notificados e monitorização dos casos de doenças infecciosas e parasitárias de relevância epidemiológica no município.

Listagem 6

Conteúdo: pacientes internados que evoluíram para óbito.

Variáveis e códigos selecionados: motivo de cobrança: códigos de 41 a 53. Destino: Coordenação do SIM do município.

Objetivo: informar sobre diagnóstico de internação, procedimento realizado, data de internação e número de prontuário para complementar os dados da declaração de óbito, subsidiar a redução dos óbitos de causa mal definida e a investigação dos óbitos infantis e maternos.

Listagem 7

Conteúdo: pacientes internados por doenças sexualmente transmissíveis (DST) e AIDS, linfomas, sarcoma de Kaposi e demais doenças infecciosas e parasitárias.

Variáveis e códigos selecionados da CID-1012 e da tabela de procedimentos do SUS:14 diagnóstico principal ou secundário: A00.0 a B99.9, C46.0 a C46.9, C81.0 a C88.9.

Procedimentos realizados: grupo 70 (tratamento da AIDS) e 91 (AIDS em hospital-dia).

Destino: Coordenação do Programa de Controle de DST-AIDS.

Objetivo: Verificar casos internados por síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e doenças suspeitas de associação com AIDS para acompanhamento e redução da sub-notificação de casos.

Listagem 8

Conteúdo: pacientes internados por acidentes de trabalho declarados, doenças ocupacionais, dorsopatias e causas externas de 10 a 65 anos. Variáveis e códigos selecionados:

a) idade de 10 a 65 anos;

b) caráter da internação: 6 a 7; e

c) diagnóstico principal:12 D70, F38.8, G24.9, G56, G57.5, H83.3, J30.0 a J30.4, J45.0, J45.9, J60.0 a J69.8, L23.0 a L25.9, M51.0 a M54.9, M65.0 a M65.9, M70.0 a M70.9, M71.3, M75.0 a M75.9, M77.0 a M77.9, Z02.8, Z20.9, S00.0 a T98.3.

Destino: Centro de Referência Especializado em Saúde Ocupacional do município.

Objetivo: identificar os casos internados em que não ocorreu abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho para reduzir a subnotificação.

Listagem 9

Conteúdo: pacientes internados por acidentes de trânsito.

Variáveis e códigos selecionados da CID-10:12 diagnóstico secundário: V01 a V99.

Destino: Departamento de Trânsito da Secretaria Municipal de Transportes. Objetivo: permitir o cruzamento dos dados de local de ocorrência de acidentes de trânsito com a gravidade e as causas das lesões provocadas de forma a subsidiar a adoção de medidas de segurança no trânsito.

Listagem 10

Conteúdo: pacientes internados residentes nos municípios vizinhos por todas as causas.

Variáveis e códigos selecionados: código do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos municípios da região.

Destino: Direção Regional de Saúde de São José dos Campos - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Objetivo: informar aos municípios vizinhos sobre as internações de seus pacientes e subsidiar ações de vigilância e avaliação de serviços de saúde.

O conteúdo e o destino das listagens de notificação podem ser alterados de acordo com a sua utilidade para a vigilância à saúde. Os agravos prioritários para o município podem ser adaptados a qualquer momento do processo.

 

Discussão

As listagens mensais de notificação de pacientes internados pelo SUS, por unidade de saúde de abrangência, foram incorporadas ao sistema de informação da secretaria municipal de saúde.

Existem duas limitações para o melhor aproveitamento das notificações. A primeira é a periodicidade mensal, já que o banco de dados de AIH é gerado uma vez ao mês pelos hospitais. No entanto, esta é, na maioria das vezes, a única forma de obtenção da informação por parte das unidades ambulatoriais de saúde. A segunda é o universo de internações que se referem somente àquelas pagas pelo SUS. Em 1999, as internações pelo SUS representaram 51,8% do total em São José dos Campos. Muitas pessoas residentes em áreas de risco, internadas por meio do sistema de saúde suplementar, também são potenciais usuários do SUS e deveriam ser objeto de ações de vigilância à saúde no território da autoridade sanitária local.

Algumas vantagens importantes da aplicação da metodologia podem ser apontadas. Uma delas foi o acesso dos trabalhadores de saúde e da comunidade às informações locais sobre morbidade hospitalar e coeficientes de internação pelo SUS pactuados com o Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde. As informações são regularmente disseminadas por área de abrangência das unidades de saúde. É um subsídio importante para o planejamento local e a programação em saúde.

A metodologia apresentada também pode subsidiar a avaliação da qualidade das intervenções nas unidades básicas de saúde. A identificação das razões pelas quais um usuário de uma unidade de saúde evoluiu para complicação de sua doença é uma questão que pode ser estudada. A avaliação da qualidade da atenção pode ser feita pela revisão do prontuário do da percepção do paciente e dos familiares, de possíveis razões de seu estado de saúde: dificuldade de acesso geográfico, falta de acolhimento na unidade, falta de medicamentos, insuficiência de médicos, entre outras.

A avaliação da qualidade do atendimento ambulatorial também pode ser realizada a partir da compreensão das razões pelas quais um indivíduo, residente na área de abrangência de uma unidade de saúde que evoluiu para uma internação hospitalar, não é usuário dela. Permite uma reflexão da equipe local de saúde sobre o impacto que suas intervenções podem ter numa população que tem pouco acesso ao serviço.

A cobertura de programas de saúde para doenças crônicas pode aumentar pela captação daqueles que não são usuários das unidades básicas de saúde. Poderá ser um aumento pequeno para causar impacto nos indicadores da saúde em municípios com alta cobertura ambulatorial, mas importante para reduzir danos maiores à saúde de cada cidadão.

O sistema de notificação compulsória de doenças transmissíveis, doenças ocupacionais e acidentes de trabalho pode ser aperfeiçoado com a ajuda da metodologia. Ferreira e colaboradores17 encontraram 34,8% de subnotificação de AIDS em pacientes que utilizaram a rede hospitalar vinculada ao SUS, comparando o SIH-SUS com o SINAN. Patologias de notificação compulsória que exigem um maior grau de internação como raiva humana, tétano acidental, sífilis congênita, febre amarela, difteria e febre tifóide apresentaram maior freqüência de internações pelo SUS do que notificações pelo SINAN, em estudo realizado por Mendes e colaboradores.18

Recentes publicações nacionais têm avaliado o SIH-SUS como fonte de informação epidemiológica complementar para os sistemas de informação em saúde. 17-22 As análises foram realizadas por meio de tabulação de dados, comparando- se os resultados encontrados com os de outros sistemas de informação, como o SINAN.

A metodologia aqui apresentada complementa o conhecimento proporcionado pela literatura sobre o assunto, pois se caracteriza por uma abordagem individualizada das informações. É uma forma adequada para utilização em vigilância epidemiológica e avaliação da qualidade de serviços.

Análises de dados do SIH-SUS têm demonstrado sua utilidade como fonte complementar de informação epidemiológica, apesar de problemas de qualidade dos dados.23

A captação pelo serviço de saúde, de um paciente que esteve internado, cuja intervenção ambulatorial posterior possa interromper a cadeia que poderia levá-lo a uma morte evitável, é uma forma de utilização epidemiológica da base de dados de internações hospitalares.

Com a implantação do SUS, os gestores locais de saúde têm, progressivamente, a responsabilidade de gerenciar os serviços, assim como obter informações de qualidade do perfil epidemiológico da população. O SIH-SUS também pode ser utilizado como uma fonte de informações desagregadas complementar às tradicionais fontes de informação utilizadas para os sistemas de vigilância epidemiológica e avaliação de serviços de saúde.

A aplicação de técnicas simples de desagregação de dados aos sistemas de informação em saúde implantados nos municípios, bem como esforços constantes para melhorar a qualidade dos registros de dados nesses sistemas, viabilizam a obtenção de informações epidemiológicas a partir de bancos de dados secundários. A metodologia apresentada neste trabalho, de baixo custo operacional e pouca complexidade tecnológica, apresenta-se como uma ferramenta complementar para vigilância e monitorização de doenças e agravos à saúde para os municípios.

 

Referências bibliográficas

1. Lebrão ML. Estatísticas hospitalares. In: Lebrão ML. Estudos de morbidade. São Paulo: USP; 1997. p.59-72.

2. Pereira MG. Morbidade. In: Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. p.76-104.

3. Carvalho DM. Grandes sistemas nacionais de informação em saúde: revisão e discussão da situação atual. Informe Epidemiológico do SUS 1997;6(4):7-46.

4. Almeida MF. Descentralização de sistemas de informação e o uso das informações a nível municipal. Informe Epidemiológico do SUS 1998;7(3): 27-33.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 95, de 26 de janeiro de 2001. Aprova a Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/2001. Diário Oficial da União, Brasília, v.139, n.20, p.23, 29 jan. 2001. Seção 1.

6. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 142, de 13 de novembro de 1997. Dispõe sobre o preenchimento de Autorização de Internação Hospitalar - AIH, em casos com quadro compatível com causas externas. Diário Oficial da União, Brasília, v.135, n.222, p.26499, 17 nov. 1997. Seção 1.

7. Organização Mundial da Saúde. Centro Colaborador da OMS para Classificação de Doenças em Português. Manual de treinamento no uso da CID-10 em morbidade. São Paulo: EDUSP; 1997. [mimeo].

8. Unglert CVS. Territorialização em sistemas de saúde. In: Mendes EV. Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo: HUCITEC; 1993. p.221-235.

9. Teixeira CF, Paim JS, Vilasbôas AL. SUS, modelos assistenciais e vigilância da saúde. Informe Epidemiológico do SUS 1998;7(2):7-28.

10. Barcellos C, Santos SM. Colocando dados no mapa: a escolha da unidade espacial de agregação e integração de bases de dados em saúde e ambiente através do geoprocessamento. Informe Epidemiológico do SUS 1998; 6(1):21-29.

11. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1311, de 12 de setembro de 1997. Define a competência janeiro de 1988, para que a CID-10 vigore, em todo território nacional, em morbidade hospitalar e ambulatorial. Diário Oficial da União, Brasília, v.135, n.178, p.20518, 16 set. 1997. Seção 1.

12. Organização Mundial da Saúde. CID- 10. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. 10a Revisão. São Paulo: EDUSP; 1996.

13. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 723, de 10 de maio de 2001. Aprova a relação de indicadores a serem pactuados no ano 2001 pelos estados e municípios. Diário Oficial da União, Brasília, v.138, n.107, p.139, 4 jun. 2001. Seção 1.

14. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1258, de 9 de julho de 2002. Redefine valores e aprova a tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde - SIH/SUS. Diário Oficial da União, Brasília, v.139, n.131, 10 jul. 2002. Seção 1.

15. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Manual para a organização da atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.

16. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Indicadores para avaliação da atenção básica: resumo informativo. Brasília: Ministério da Saúde; 1999. [mimeo].

17. Ferreira VMB, Portela MC, Vasconcellos MTL. Fatores associados a subnotificação de pacientes com Aids no Rio de Janeiro, RJ, 1996. Revista de Saúde Pública 2000;34(2):170-177.

18. Mendes ACG, Silva Júnior JB, Medeiros KR, Lyra TM, Melo Filho DA, Sá DA. Avaliação do Sistema de Informações Hospitalares-SIH/SUS como fonte complementar na vigilância e monitoramento de doenças de notificação compulsória. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(2): 67-86.

19. Lyra TM, Mendes ACG, Silva Júnior JB, Duarte PO, Melo Filho DA, Albuquerque PC. Sistema de Informações Hospitalares: fonte complementar na vigilância e monitoramento de doenças imunopreveníveis. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(2):87-110.

20. Mendes ACG, Medeiros KR, Farias SF, Lessa FD, Carvalho CN, Duarte PO. Sistema de Informações Hospitalares: fonte complementar na vigilância e monitoramento das doenças de veiculação hídrica. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(2):111-124.

21. Mendes ACG, Albuquerque PC, Lessa FD, Maciel Filho R, Farias SF, Montenegro TO. Sistema de Informações Hospitalares: fonte complementar na vigilância e monitoramento das doenças de transmissão vetorial. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(2):125-136.

22. Silva Júnior JB, Mendes ACG, Campos Neta TJ, Lyra TM, Medeiros KR, Sá DA. Sistema de Informações Hospitalares: fonte complementar na vigilância e monitoramento das doenças transmitidas entre pessoas. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(2): 137-162.

23. Lessa FJD, Mendes ACG, Farias SF, Sá DA, Duarte PO, Melo Filho DA. Novas metodologias para vigilância epidemiológica: uso do sistema de informações hospitalares - SIH/SUS. Informe Epidemiológico do SUS 2000;9(Supl.1):3-27.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua José de Alencar, 123, 5º andar, sala 1
São José dos Campos/SP.
CEP: 12.209-530.
E-mail:lpmelione@usa.net

 

 

*Artigo divulgado em: Anais do VI Congresso Paulista de Saúde Pública 1999;2:69-78.