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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.1 Brasília mar. 2003

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000100005 

ARTIGO ORIGINAL

 

A utilização do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) como instrumento para caracterização das ações de saúde bucal

 

Use of the outpatient information system (SIA-SUS)to assess oral health activities

 

 

Sandra Garrido de BarrosI; Sônia Cristina Lima ChavesII

IPólo de Capacitação em Saúde da Família-ISC/UFBA
IIInstituto de Saúde Coletiva e Faculdade de Odontologia/UFBA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo buscou analisar o processo de reorganização das ações de saúde bucal em municípios habilitados na gestão plena do sistema municipal de saúde, utilizando dados do SIA-SUS, com o objetivo de subsidiar uma proposta metodológica de avaliação da atenção odontológica em municípios brasileiros. Para isso, foi construída uma série histórica (1995-2001) da produção ambulatorial de dois municípios do Estado da Bahia (A e B). Os procedimentos foram classificados em consultas, Procedimentos Coletivos (PC), preventivos individuais, restauradores, cirúrgicos e periodontais. Observou-se um aumento geral da produção ambulatorial odontológica para ambos os municípios (de 0,18 para 0,43 procedimento/habitante/ano em A; e de 0,21 para 0,33 procedimento/ habitante/ano em B), bem como um incremento dos procedimentos coletivos na população entre 5 e 14 anos (de 0,00 para 0,58 PC/hab./ano em A; e de 0,00 para 2,33 PC/hab./ano em B). O município B apresentou maior ênfase nos procedimentos coletivos, quando comparado ao município A. Observou-se uma regularidade na alimentação dos dados de procedimentos clínicos individuais, ao contrário do observado nos procedimentos coletivos, indicando a necessidade de padronização no registro destes. A metodologia adotada possibilitou a análise quantitativa da produção odontológica nos municípios estudados e pode constituir um importante instrumento para avaliação futura dos modelos de atenção em saúde bucal.

Palavras-chave: descentralização; serviços odontológicos; sistema de informação; políticas de saúde bucal.


SUMMARY

This study assessed the process of decentralization of oral health activities in Brazilian municipalities using data from the Outpatient Information System (SIA-SUS). A strategy for the evaluation of oral health care is proposed. A historical series (1995 to 2001) of oral health attendances was constructed for two Brazilian municipalities (A and B ) of Bahia State. Oral procedures were classified as: dental appointments, oral health community actions (OHCA), preventive individual procedures, dental fillings, surgery and periodontal procedures. An increase of outpatient attendances was observed for both municipalities (from 0.18 to 0.43 procedures/ person/year and from 0.21 to 0.33 procedures/person/year, respectively), as well as an increase of OHCA targeted to groups aged 5 to 14 years (from 0.00 to 0.58 OHCA/person/year for A and from 0.00 to 2.33 OHCA/person/year for B). Oral health community actions predominated in Municipality B. Regular registration of individual clinical procedures was observed but OHCA were not, showing the need of register standardization. The proposed methodology permitted an assessment of oral health activities in the study areas and could be useful for the evaluation of oral health care programs.

Key words: decentralization; oral health services; information system; oral health policy.


 

 

 

Introdução

O processo de consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem ampliado a discussão acerca da organização da atenção à saúde, visando alcançar a universalização do acesso, a integralidade das ações, a eqüidade, a descentralização, a hierarquização dos serviços e o controle social. A dinâmica de consolidação do SUS tem-se pautado na reorientação da Atenção Básica, por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde(PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF). Em dezembro de 2000, o Ministério da Saúde estabeleceu um incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal por meio do PSF, com os objetivos de expandir o acesso e reorganizar as ações.1

Na maioria das vezes, tem-se observado uma expansão da oferta de serviços sem planejamento e programação das atividades. O ímpeto de implantar essa estratégia com rapidez e a falta de normatização programática têm levado os gestores a incorporar as Equipes de Saúde Bucal (ESB) pautados no ensaísmo programático ou na ausência de programação.2

Apesar de a proposta ser de reorganização, o que tem ocorrido é a expansão do serviço operada mediante atendimento de livre demanda, na distribuição de lotes diários de fichas de atendimento. A prática profissional ainda continua amarrada a uma demanda reprimida crescente de atendimento cirúrgico-restaurador, sem perceber melhorias nas condições de saúde da sua comunidade. A mera incorporação das ESB ao PSF, sem a adaptação da proposta à realidade local, torna-a uma ação verticalizada. A programação e o planejamento de ações devem estar baseados no diagnóstico das condições de saúde e necessidades de tratamento da população adscrita, bem como do modelo de atenção em saúde bucal vigente, permitindo estabelecer prioridades e alocar recursos de forma direcionada à modificação positiva das condições de saúde da população, por meio de práticas mais efetivas.3 A informação é essencial à tomada de decisões e orienta as ações na atenção à saúde. É importante, para a promoção da saúde, melhorar a prevenção de agravos e a organização dos serviços oferecidos.

O processo de descentralização da Saúde tem ampliado a utilização dos sistemas de informação como instrumentos de planejamento e gestão. A consulta a bancos de dados sobre desenvolvimento social (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M e censo) e saúde (Sistemas de Informação em Saúde –SIM,SINASC,SINAN,SAI,SIA-SUS,SIAB etc.)permite recuperar informações relacionadas à esfera municipal que são importantes na implementação de políticas sociais e programas de saúde, bem como na reorganização e controle das ações de saúde bucal.4

Dos sistemas de informação de saúde de abrangência nacional, apenas o Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS) e o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) registram procedimentos realizados pelas equipes de saúde bucal, este último ainda em processo de implantação no que se refere às ações odontológicas.5,6

O SIAB foi criado em 1998, a partir da ampliação do Sistema de Informações do Programa de Agentes Comunitários (SIPACS). Este inclui instrumentos de cadastramento das famílias acompanhadas, da atenção à saúde e das condições mórbidas como hipertensão arterial, diabetes, tuberculose e hanseníase, e de acompanhamento da gestante e da criança. Além disso, o SIAB consolida a produção de serviços pela Equipe de Saúde da Família (ESF). Os procedimentos coletivos realizados pela ESB são registrados na ficha D. Os demais procedimentos da ESB devem ser registrados na Ficha D – Saúde Bucal, a se implantar em 2002.4 Sendo assim, os aspectos específicos à programação em saúde bucal dos municípios ficam restritos ao SIA- SUS.6

O SIA-SUS foi implantado em 1991, dentro de uma lógica predominantemente contábil de controle de gastos com a assistência ambulatorial. A unidade de registro de informações é o procedimento ambulatorial realizado, de acordo com os atos profissionais (consulta, aplicação de flúor, escariação, restauração, exodontia etc.); portanto, não há dados sobre o diagnóstico, faixa-etária da população atendida ou motivo do atendimento.3,6 A utilização do sistema de informação ambulatorial (SIA-SUS) é proposta para a análise quantitativa da descentralização das ações de saúde.7 Dessa forma, a consulta ao SIA-SUS permite um acompanhamento da programação da produção ambulatorial odontológica e a construção de alguns indicadores quantitativos das ações desenvolvidas,6 orientando a avaliação da organização da saúde bucal nos municípios.

Este estudo buscou realizar uma análise quantitativa do processo de reorganização das ações de saúde bucal a partir de dados secundários da produção ambulatorial (SIA-SUS), associados à descentralização da Saúde no Brasil no período de 1995-2001, a fim de caracterizar e detectar mudanças no modelo de atenção em saúde bucal e propor uma metodologia para avaliação futura da descentralização das ações de saúde bucal em municípios brasileiros.

 

Metodologia

Foram estudados dois municípios do Estado da Bahia (A e B) – locais de estágio do curso de especialização em Medicina Social sob a forma de residência multiprofissional em Saúde da Família do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia –, com mais de 160.000 habitantes, habilitados na gestão plena do sistema municipal de saúde, segundo a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde, NOB-SUS 1996.8 Ambos apresentavam continuidade político-administrativa nos últimos seis anos. Para os dois municípios, foi levantada a população residente por ano, segundo faixa etária, e a quantidade aprovada de produção ambulatorial odontológica da Atenção Básica por ano, segundo procedimento, englobando os anos de 1995 a 2001.

Os dados foram compilados do SIA-SUS, no banco de dados do Ministério da Saúde – o Datasus –, no site http://www.datasus.gov.br. Os dados referentes ao ano de 1994 não foram incluídos por estarem disponíveis no sistema apenas a partir de junho.9

Para fins de avaliação de ênfase em determinado tipo de ação, os procedimentos odontológicos foram classificados em seis grandes grupos, conforme a tabela de procedimentos ambulatoriais do SIA-SUS:

1. Consulta odontológica – refere-se ao primeiro exame do paciente com finalidade de diagnóstico e/ ou plano de tratamento, caracterizando de alguma forma o acesso ao sistema (uma consulta por ano e por paciente).

2. Procedimentos coletivos – conjunto de procedimentos de promoção e prevenção em saúde bucal, de baixa complexidade, dispensando equipamentos odontológicos e incluindo: levantamento epidemiológico; grupo de educação em saúde; e atividades profissionais com flúor e higiene bucal supervisionada, devendo ser registrado um procedimento por criança/indivíduo no mês, realizadas, no mínimo, a cada três meses. Prática comumente realizada em escolas, mas podendo se estender a outros grupos específicos e em comunidade.

3. Procedimentos Preventivos Individuais – neste item, foram agrupados: aplicação tópica de flúor; aplicação de cariostático ou selante; controle de placa bacteriana; e escariação. O aumento nesse grupo significaria uma maior ênfase da gestão nos aspectos relacionados à prática preventiva, realizada individualmente.

4. Procedimentos restauradores – capeamento pulpar direto e indireto; selamento de cavidade com cimento provisório; restaurações de compósito, silicato, resina fotopolimerizável, amálgama ou cimento de ionômero de vidro; e restauração a pino em dentes decíduos ou permanentes.

5. Procedimentos cirúrgicos – exodontia de dente permanente ou decíduo; remoção de resto radicular; frenectomia; ulotomia; tratamento de hemorragia; tratamento conservador de osteomielite; curetagem periapical; e pulpotomia.

6. Procedimentos periodontais – procedimentos de raspagem, alisamento e polimento coronário ou radicular; curetagem subgengival; gengivectomia; e tratamento periodontal em situação de emergência.

Os procedimentos de média complexidade ou da atenção básica ampliada, segundo a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS 2001,10 não foram incluídos por se tratar de municípios ainda habilitados na NOB-SUS 1996.8

Os dados foram organizados numa série histórica para avaliar a ênfase em cada tipo de procedimento, buscando-se caracterizar os modelos de atenção em saúde bucal em cada município.

Para o cálculo dos procedimentos coletivos por habitante/ano, a quantidade aprovada de procedimentos coletivos (código 0301101-1 do SIA-SUS) de um ano foi dividida pelo total da população com faixa etária entre 5 e 14 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o mesmo ano, no município em questão. O cálculo dos procedimentos ambulatoriais por habitante/ano seguiu a mesma fórmula, sendo o numerador o total de procedimentos odontológicos aprovados no ano, exceto os procedimentos coletivos; e no denominador, o total de habitantes daquele ano. Para avaliar a participação de cada tipo de procedimento no total de procedimentos odontológicos, também foi calculado o número de procedimentos/habitante/ano para cada tipo de procedimento.

Para avaliar a produção de serviços, foram considerados como parâmetros mínimos: quatro procedimentos coletivos/habitante/ano em 60% da população de 5-14 anos; e um procedimento ambulatorial/ habitante/ano. Para os procedimentos coletivos, o parâmetro foi estabelecido considerando a descrição do Procedimento Coletivo na tabela de procedimentos do SIA-SUS, segundo a qual as ações de educação em saúde e higiene bucal supervisionada devem ser realizadas, no mínimo, a cada três meses ao longo do ano (quatro por ano). Quanto à população-alvo, foi escolhida a faixa-etária de 5-14 anos, por se tratar do grupo priorizado para realização dessas atividades no Estado da Bahia.11 Para avaliar a produção de procedimentos ambulatoriais, o parâmetro foi sugerido dentro do intervalo proposto pela portaria do Ministério da Saúde GM/MS no 1.101/02 (0,5 a 2,0 procedimentos/ habitante/ano).12

 

Resultados

Perfil administrativo dos municípios

O município A está situado na região metropolitana de Salvador, habilitado à gestão plena do sistema municipal de saúde (NOB-SUS 1996)8 desde 05/ 01/1999. No que se refere aos aspectos políticos e de organização do setor, na década de 80, houve uma expansão da rede assistencial e, desde então, há contextos políticos diferenciados, com recuos e avanços na Saúde. O Programa de Saúde da Família foi implantado no município em 1998. Atualmente, conta com 20 equipes de composição mínima (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde), sem a inclusão do cirurgião-dentista. Com uma população de 158.148 residentes, possui uma rede de 18 consultórios odontológicos (8.786 habitantes para cada equipo), 26 cirurgiões-dentistas (CD) e 25 auxiliares de consultório dentário (ACD). A saúde bucal ainda não foi incorporada às ações do PSF; contudo, o município dispõe de um Programa de Saúde do Escolar que incorpora ações de saúde bucal e do qual participam oito cirurgiões-dentistas e agentes de saúde bucal (profissionais da Secretaria Municipal de Educação, identificados e capacitados para acompanhar atividades de enfermagem e odontologia dentro das escolas em que estão inseridos). Desde a década de 80, são realizadas atividades de higiene bucal supervisionada, bochecho fluorado, ações educativas pontuais e encaminhamento para atendimento cirúrgico-restaurador, abrangendo parte das escolas municipais. A rede municipal, até o final do ano de 2001, contava apenas com ações de atenção básica na assistência odontológica, não dispondo de serviço de radiologia odontológica, endodontia ou outras ações de média complexidade.

O município B, localizado na região sudoeste do Estado e incluído no polígono das secas, é um importante pólo regional pela sua localização às margens de uma importante rodovia federal. Está habilitado na gestão plena do sistema municipal desde 23/03/1999. Este município vem buscando implementar um modelo de vigilância à saúde, utilizando a estratégia de saúde da família como porta de entrada do sistema de saúde e organizando o sistema de referência e contra-referência. O município possui 267.186 habitantes e conta com uma rede de 44 consultórios odontológicos (6.072 habitantes para cada equipo odontológico), 28 cirurgiões-dentistas (CD) e 14 auxiliares de consultório dentário (ACD). Desde a implementação do PSF no município (1998), equipes de saúde bucal formadas por CD e ACD foram incorporadas às Equipes de Saúde da Família, inicialmente com um CD e um ACD para cada ESF e uma carga horária de 20 horas semanais; depois da publicação da Portaria GM/MS no 1.444/00,13 foi mantida uma ESB com carga horária de 40 horas para cada duas ESF. Ao final do ano de 2001, o município B oferecia, inclusive, serviços de média complexidade – como endodontia e ortodontia – aos seus munícipes.

 

Produção de serviços

A série histórica do volume de procedimentos ambulatoriais mostrou uma expansão da oferta de serviços para ambos os municípios, principalmente no município A, que apresentou um aumento de 138,8% (de 0,18 para 0,43 procedimentos/habitante/ano) de 1995 a 2001. Contudo, o município A apresenta uma irregularidade na quantidade de procedimentos aprovados ao longo desses anos, não existindo registros para o ano de 1996 e apresentando uma queda na produção de serviços odontológicos em 1997 e 1998, quando comparados a 1995. A partir de 1998, é observado um aumento progressivo da quantidade de procedimentos aprovados. No município B, a expansão da oferta de serviços ambulatoriais foi de 57,1% (de 0,21 para 0,33 procedimentos/habitante/ano), para o período de 1995 a 2001, e pode-se observar uma regularidade na freqüência de registros; exceto para os procedimentos preventivos individuais, que apresentaram um aumento importante em 1998, registrando uma quantidade de procedimentos dez vezes maior que a do ano de 1999, provavelmente em decorrência do registro inadequado de procedimentos coletivos como preventivos individuais (Tabela 1, Figuras 1 e 2).

 

 

 

 

O registro de procedimentos coletivos passou a ser significativo a partir de 1999, ano da habilitação na gestão plena do sistema municipal de saúde. O município A, apesar de contar com ações de saúde bucal no Programa de Saúde do Escolar desde os anos 80, também não apresenta registro significativo de procedimentos coletivos para os anos de 1995 a 1998, fato que, mais uma vez, provavelmente, está relacionado ao registro dos procedimentos coletivos como procedimentos preventivos individuais; ou à ausência de registros dos procedimentos coletivos. Desde 1999, o município B possui registro de procedimentos coletivos, apresentando uma proporção de procedimentos coletivos/ habitante/ano para a população de 5 a 14 anos superior à do município A. Essa diferença ampliou-se no período entre 2000 e 2001, podendo ser explicada pela ausência de Equipes de Saúde Bucal no PSF do município A, onde esses procedimentos estão restritos ao ambiente escolar; e pela ênfase da gestão da saúde no município B na implementação de práticas coletivas e preventivas (Figura 3).

 

 

As ações de saúde bucal coletiva do Programa de Saúde do Escolar do município A não têm apresentado aumento. A partir da gestão plena do sistema municipal de saúde, parece ter havido uma melhora nos registros que, desde então, vêm mantendo níveis estáveis, em torno de 0,5 procedimentos coletivos/habitante/ano para a população de 5-14 anos. O município B apresentou um aumento na produção de procedimentos coletivos de 1999 a 2001, passando de 0,05 a 2,34 procedimentos coletivos/habitante/ano para a população residente de 5 a 14 anos (Tabela 2, Figura 4).

 

 

 

 

Quanto à participação percentual de cada grupo de procedimentos na produção odontológica ambulatorial em ambos os municípios, há um predomínio e crescimento das consultas odontológicas, podendo ser caracterizado como um aumento no acesso a esse serviço por parte da população. Contudo, sobre os procedimentos restauradores,preventivos individuais e cirúrgicos,háuma inversão no município B a partir do início do período analisado, em relação ao município A. Em 2001, o município A apresentou maior participação das consultas (37,2%), seguidas dos procedimentos cirúrgicos (23,3%) e restauradores (18,6%), e menor participação dos procedimentos preventivos individuais (11,6%) e periodontais (9,3%); entretanto, no mesmo ano, o município B já apresentou a mesma proporção entre consultas, procedimentos preventivos individuais e restauradores (21,2%); e uma menor proporção de procedimentos cirúrgicos e periodontais (18,2%) (Figuras 4 e 5). Chama a atenção o crescimento, no período, da pro- porção de procedimentos periodontais (desenvolvidos tipicamente sobre a população adulta) no município B, o que pode indicar um aumento do acesso desse grupo populacional à atenção odontológica, apesar de ainda apresentar uma baixa proporção. Observou-se uma expansão da oferta de serviços odontológicos (Tabela 1). Contudo, a expansão dos procedimentos coletivos foi mais significante no município B. O município A, apesar de apresentar uma produção ambulatorial por habitante/ano maior que a do município B, quando avaliada toda a produção odontológica, possui uma menor produção, evidenciando o investimento ainda incipiente em ações coletivas de promoção à saúde e prevenção de doenças bucais (Figuras 1 e 2).

 

 

Discussão

Segundo o parâmetro mínimo de quatro procedimentos coletivos/habitante/ano para 60% da população entre 5-14 anos e um procedimento ambulatorial/habitante/ano, proposto por este estudo, ambos os municípios ainda apresentam produção aquém das metas estabelecidas. O município B alcançou melhores resultados com relação aos procedimentos coletivos, enquanto o município A apresentou maior incentivo aos procedimentos ambulatoriais. Dessa forma, pode-se verificar um modelo mais centrado em ações curativas individuais no município A, enquanto o município B, apesar de indicar menor percentual do parâmetro de procedimentos ambulatoriais, apresenta maior ênfase nas ações coletivas.

Quanto às limitações do SIA-SUS, cabe destacar que os dados desse sistema são relativos aos procedimentos realizados, limitando a análise à utilização dos serviços e não permitindo um levantamento de perfis de morbidade. A tabela de procedimentos ambulatoriais sofreu alterações em outubro de 1999 (Portaria SAS/MS no 35/99), fazendo-se necessário estabelecer uma correspondência entre alguns procedimentos que tiveram suas definições modificadas, uma vez que se tratou de um estudo de série histórica. Além disso, o SIA-SUS foi implantado para fins de pagamento dos procedimentos realizados, o que pode interferir no registro dos dados, uma vez que quanto maior a produção de serviços, maior o repasse, podendo-se supor que houve sobre-registro de procedimentos nos primeiros anos da série-histórica. Contudo, o advento do Piso da Atenção Básica (PAB) estabeleceu um valor per capita para o custeio das ações e serviços da Atenção Básica e, presumivelmente, uma maior confiabilidade dos dados, visto que o registro da produção ambulatorial não mais interfere no repasse de recursos.

O estudo pôde constatar que a alimentação da base de dados dos procedimentos ambulatoriais da produção odontológica, considerados de maior tradição na área – como consultas, exodontias e restaurações –, apresenta uma certa constância e confiabilidade no registro. Entretanto, os procedimentos coletivos, considerados como práticas mais recentes, ainda apresentam sérios problemas de registro e padronização, comprometendo a sua confiabilidade. O aumento da produção de procedimentos coletivos deve considerar que o registro destes procedimentos nem sempre corresponde à definição referida nos manuais do SIA-SUS, sendo registrados, algumas vezes, não o conjunto de procedimentos por indivíduo/mês, mas cada procedimento individualmente, podendo ocorrer uma superestimação da quantidade de procedimentos coletivos realizados.

Pode-se evidenciar que a metodologia adotada permitiu avaliar a produção odontológica dos municípios em questão e delinear o modelo de atenção à saúde bucal vigente em cada município, bem como as mudanças ocorridas durante o período estudado. O uso Sandra Garrido de Barros e Sônia Cristina Lima Chaves de séries históricas pode propiciar uma avaliação complementar e constituir-se em um componente importante nos estudos, permitindo a previsão de cenários de intervenção da gestão sobre as práticas desenvolvidas e a evolução dessas mudanças.14

Pode-se perceber uma expansão da oferta de serviços odontológicos em ambos os municípios a partir da habilitação na gestão plena do sistema municipal. Contudo, ainda não é possível determinar uma mudança de prática na atenção à saúde bucal desses municípios. Com a municipalização das ações de saúde, municípios que possuíam nenhuma ou quase nenhuma assistência odontológica, caracterizada por ações centradas na exodontia e uma demanda reprimida pela ausência de serviços restauradores, passaram a contar com uma equipe de saúde bucal acompanhando cada duas equipes de saúde da família. A inovação contribuiu para um aumento da oferta, mas nem sempre para uma reorientação das ações de saúde bucal e da construção de modelos de atenção baseados na vigilância à saúde.15

Quando se busca a consolidação de novas práticas, é comum uma maior lentidão no seu processo de assimilação e reconhecimento das mesmas, da sua legitimidade e registro como "trabalho" profissional. Outro aspecto importante refere-se à qualidade (adequação técnico-científica)16 do procedimento executado, podendo essa implantação variar entre os municípios, sendo necessária, portanto, a definição de padrões nacionais que possam nortear a execução dessas ações de responsabilidade do nível local. O Pacto da Atenção Básica 2002 é uma tentativa nesse sentido, na medida em que estabelece três indicadores de saúde bucal: 1) a cobertura da primeira consulta odontológica; 2) a razão entre os procedimentos coletivos e a população de 0-14 anos; e 3) a proporção entre as exodontias e as ações básicas individuais.17 O primeiro indicador está relacionado à tentativa de ampliar o acesso aos serviços odontológicos; o segundo, de aumentar a cobertura e realização dos procedimentos coletivos nos municípios; e o terceiro, de incentivar ações menos mutiladoras. Quanto à população de referência para os procedimentos coletivos, não está claro, porém, se será a de 0-14 anos ou apenas aquela de 5-14 anos, conforme utilização neste estudo. Outro aspecto refere-se à definição de parâmetros nacionais de consulta e/ou procedimento/ habitante/ano, bem como ao número adequado de procedimentos coletivos/habitante/ano. A realização de um comitê de experts, como propõe Donabedian,16 seria uma estratégia bastante útil para se buscar uma adequação técnico-científica aos novos indicadores propostos pelo Pacto da Atenção Básica, bem como por este estudo em particular.

As informações só podem contribuir para o desenvolvimento de modelos de atenção à saúde mediante a análise dos seus dados, se há um adequado preenchimento dos instrumentos, registro e armazenamento seguros, fluxo de dados até o processamento no tempo estabelecido, sua consolidação, análise e difusão.3 Faz-se necessário o treinamento dos profissionais de saúde para o correto preenchimento dos instrumentos de registro de dados de saúde, sua sensibilização sobre a importância dos sistemas de informação e de como utilizar esses dados na análise e difusão das informações; e, finalmente, a capacitação dos gestores dos serviços, profissionais de saúde e usuários para a tomada de decisões.

 

Referências bibliográficas

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