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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.2 Brasília jun. 2003

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000200003 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Controle da filariose linfática no Brasil, 1951 - 2000

 

Control of lymphatic filariasis in Brazil, 1951 - 2000

 

 

Zulma MedeirosI; José Alexandre MenezesII; Eduarda Pessoa CesseIII; Fábio LessaII

ICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães-Fiocruz/ICB/UPE
IICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães-Fiocruz
IIISecretaria Estadual de Saúde-PE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No artigo de revisão, são analisadas as ações de controle da filariose no Brasil, no período de 1951 a 2000, avaliando o seu desempenho, na perspectiva da eliminação da doença filarial como um problema de Saúde Pública. Para tal, foi realizada pesquisa histórica a fontes bibliográficas, publicações, relatórios e outros textos referentes às características e à efetividade de campanhas e programas específicos no controle dessa endemia. Durante cerca de cinco décadas, as ações foram estruturadas numa lógica centralizadora, cujas atividades se baseavam na identificação dos indivíduos infectados. Os determinantes que levaram aos insucessos das campanhas e programas foram decorrentes de diversos elementos, entre eles a falta de uma política de saúde; da estrutura do modelo de assistência; da execução de ações nos diversos níveis da rede; além de defender um tipo de intervenção com caráter exclusivamente biológico e verticalizado, e da ausência da participação da comunidade, entre outros. Nova proposta surgiu em 1996 com o Plano Nacional de Eliminação da Filariose Linfática, ainda em fase de execução. O plano mostra-se inovador, uma vez que suas ações são baseadas numa articulação entre as esferas de governo e em obediência ao princípio do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo sua coordenação delegada às Secretarias de Estado de Saúde e a execução às Secretarias Municipais de Saúde. A partir dessa proposta, o estudo das campanhas e programas especiais utilizados nas ações de controle da filariose no Brasil, poderá, ao longo dos anos, fornecer subsídios à melhor adequação do atual plano no país.

Palavras-chave: Wuchereria bancrofti; controle de endemias; filariose linfática.


SUMMARY

In this review article the activities for filariasis control in Brazil are analyzed for the period 1951-2000, evaluating their performance in the context of filiariasis elimination as a public health problem. A historical research was carried out by assessing bibliographic sources, publications, reports, and other texts with the purpose of characterising specific campaigns and programs and evaluating their effectiveness in the control of this endemic disease. For about five decades, control activities were structured in a centralizing manner and were based mainly on the identification of infected individuals. Campaigns and programs proved to be unsuccessful due to several factors, such as:absence of a health policy; the structure of the assistence model; the execution of activities at various levels of the public health structure; besides the predominant type of intervention exclusively biological and verticalized with no participation of the community, among others. A new proposal arose in 1996 with the National Plan for Bancroftian Filariasis Elimination, still in implementation. The plan introduces innovations since it bases the activities on an articulation between the spheres of the government, in accordance with the principles of the National Health System (SUS). Its management has been delegated to the state health departments and the implementation, to the municipal health bureaus. Monitoring this plan will provide information that will contribute to further strengthen the campaigns and programs directed to the control of filariasis in Brazil.

Key words: Wuchereria bancrofti; endemic disease control; lymphatic filariasis.


 

 

Introdução

No Brasil, estima-se que 49 mil pessoas estejam infectadas pela Wuchereria bancrofti e que três milhões de indivíduos residam em áreas consideradas de risco.1 Entre os indivíduos infectados, cerca de 15% tendem a evoluir até as manifestações crônicas.2 A filariose linfática é uma endemia de transmissão vetorial inserida em algumas áreas urbanas brasileiras, representando importante problema sanitário. Sua importância é justificada tanto pelo número de casos como pela morbidade associada ao dano linfático.

As ações governamentais visando ao seu controle começaram em 1951, sendo as campanhas o modelo de assistência utilizado inicialmente, seguido dos programas especiais.3 Um primeiro estudo, realizado na década de 50, constatou sua transmissão em 11 localidades do país.4 Na década de 80, os dados oficiais do Ministério da Saúde mostraram uma redução no número de áreas com transmissão ativa de filariose ao longo dos anos. Em 1985, após as campanhas e durante os programas especiais, a endemia foi considerada restrita a apenas duas áreas tidas como foco ativo: Recife-Pernambuco e Belém-Pará.5

Como, durante sua execução, não houve planejamento nem avaliação, os períodos das campanhas, 1951-1970, e dos programas, 1971-2000, necessitam ser melhor analisados. Um fato decorrente dessas falhas e, também, dos critérios de avaliação adotados no Brasil foi, por exemplo, a classificação da cidade de Maceió (Alagoas) como foco extinto. Entretanto, a partir da identificação de casos autóctones da infecção, em 1991, o Ministério da Saúde reavaliou essa posição, considerando aquela cidade como área endêmica.6,7

Associado a esses fatos no cenário nacional, temos a possibilidade de incluir a filariose como uma das seis doenças infecciosas consideradas erradicáveis ou potencialmente erradicáveis, segundo proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS).8-10

A partir dessa proposta, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) homologaram a Resolução CNS no 190/96, implementando o Plano Nacional de Eliminação da Filariose Linfática.11 Assim, o estudo das campanhas e programas especiais utilizados nas ações de controle da filariose no Brasil poderá fornecer subsídios à melhor adequação do plano de sua eliminação no país.

Este artigo de revisão procura analisar as ações de controle da filariose no Brasil, entre 1951 e 2000, avaliando seu desempenho, na perspectiva da eliminação da doença como problema de Saúde Pública.

 

Campanhas de controle no período de 1951 a 1970

O enfrentamento da filariose como doença, no Brasil, ocorre desde 1910,12 mas seu controle só foi iniciado nos anos 50.13 A campanha nacional pelo seu combate iniciou-se em 1951 e, com 19 anos de atuação, teve suas ações divididas em dois momentos. O primeiro foi coordenado pelo Serviço Nacional de Malária, de 1951 a 1955, e o segundo ocorreu de 1956 a 1970, sob a coordenação do Departamento Nacional de Endemias Rurais.13

O primeiro momento, de 1951 a 1955, contou com atividades pertinentes ao aspecto humano e entomológico da endemia. Os inquéritos hemoscópicos foram realizados por meio da busca ativa, com cobertura populacional censitária em 24 localidades brasileiras. Os indivíduos microfilarêmicos foram tratados com a dietilcarbamazina na posologia de 6 mg/kg/dia durante sete dias, segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde. Em relação ao combate dos mosquitos, utilizou-se inseticida de ação residual, do tipo hexaclorobenzeno (BHC) e dieldrin.13

A população analisada, nessa primeira fase, compreendeu 295.254 pessoas. Esses inquéritos foram realizados sem definição de critérios amostrais, sendo consideradas, com casos autóctones de microfilaremia as cidades de Manaus-AM, Florianópolis-SC, Porto Alegre-RS, Salvador-BA, Belém-PA, Maceió-AL e Recife-PE.13,14

A segunda fase da campanha foi iniciada em 1956, após a criação do Departamento Nacional de Endemias Rurais. Nessa fase, as ações foram expandidas para outras localidades (Tabela 1), mas, só a partir da década de 60, o Departamento Nacional de Endemias Rurais começou a executar as primeiras ações para o controle da endemia noutras áreas, além da cidade de Belém.15

 

 

As ações realizadas pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais foram fundamentadas em três aspectos,13 o primeiro baseado no levantamento da distribuição geográfica da filariose, por meio de inquéritos com busca ativa e com cobertura censitária, visando à descoberta, comprovação e delimitação de áreas com filariose. Os inquéritos entomológicos foram realizados com capturas de mosquitos para o cálculo do índice de infecção e infectividade vetorial, assim como para a identificação da espécie do mosquito envolvida na transmissão local.

O segundo aspecto diz respeito ao fato de que, nas áreas com presença de transmissão ativa, o combate à filariose linfática ocorreria por métodos que visassem agir sobre o agente etiológico ou vetor, conforme indicações técnicas, sociais e econômicas, com a finalidade de reduzir a transmissão e, se possível, erradicar a parasitose.

Como último aspecto, estariam as pesquisas e as investigações, principalmente epidemiológicas e profiláticas, que tinham o objetivo de melhorar o conhecimento epidemiológico da endemia, aperfeiçoar os métodos de diagnóstico e desenvolver outros métodos que permitissem uma profilaxia de massa mais eficiente, econômica e simples.

A população total analisada durante essa segunda fase da campanha foi de 811.361 pessoas, distribuídas em 852 localidades, em 24 unidades da federação. No entanto, apenas 11 dessas localidades foram classificadas endêmicas, pela presença de indivíduos microfilarêmicos e de mosquitos vetores com larvas infectantes de Wuchereria bancrofti. A seguir, as localidades listadas em ordem decrescente conforme os índices de microfilaremia: a) Ponta Grossa-SC (14,5%); b) Belém-PA (9,8%); c) Barra de Laguna-SC (9,4%); d) Recife-PE (6,9%); e) Castro Alves-BA (5,9%); f) Florianópolis-SC (1,4%); g) São Luís-MA(0,6%); h) Salvador-BA (0,4%); i) Maceió-AL (0,3%); j) Manaus-AM (0,2%) e l) Porto Alegre-RS (0,1%).13

Nessa segunda fase da campanha, também foram dissecados 120.339 insetos fêmeas, de diferentes espécies, em 12 dos 24 Estados estudados. A espécie identificada como vetor mais importante foi Culex pipiens fatigans, atualmente denominada Culex quinquefasciatus, e os maiores índices de infectividade vetorial foram encontrados nos Estados do Pará, Pernambuco e Santa Catarina.13 Além da espécie Culex pipiens fatigans, foram evidenciadas mais quatro espécies de mosquitos como vetores secundários, pois estavam infectados com a Wuchereria bancrofti: Aedes scapularis, Anopheles darlingi, Anopheles tarsinaculatis e Anopheles bellator.4

Só a partir dos anos 60, o Departamento Nacional de Endemias Rurais considerou que, entre as áreas trabalhadas, as únicas que ainda representavam problema de Saúde Pública eram Recife, Belém, Salvador e Florianópolis. Ainda segundo esse relatório, as cidades de Barra de Laguna e Ponta Grossa foram consideradas apenas pequenos focos e, em Maceió, a endemia estava sob controle.4

Assim, ao final da década de 60, as campanhas determinaram que os principais focos da endemia no Brasil estavam restritos às cidades de Recife, Belém e Salvador. Portanto, as intervenções realizadas daí para frente deveriam priorizar essas áreas.5,16 Durante a época das campanhas, foi construído um aparato logístico dito capaz de deter focos epidêmicos. A situação sanitária encontrava-se aparentemente sob controle, isto é, o modo de ação das políticas campanhistas era suficiente para garantir a redução do número de pessoas microfilarêmicas.17

O êxito aparente que as campanhas sanitárias mostraram no controle da filariose, pelo fato de ser este um problema focal, não teve durabilidade e não se repetiu em relação a outras endemias. Sendo esta uma endemia de área urbana, os programas verticais foram organizados para atendê-la num período determinado, com o objetivo de causar, em pouco tempo, uma redução do número de pessoas infectadas. Na verdade, houve pouco impacto sobre a interrupção do processo de transmissão e, portanto, sobre o aparecimento de novos casos.18

As campanhas realizadas de 1951 a 1969 tiveram importante papel no mapeamento dos focos endêmicos de filariose no Brasil. Entretanto, apesar de ter ocorrido alguma redução do percentual de casos positivos, os resultados obtidos no tocante ao seu controle não foram significativos, pois foram baseados, prioritariamente, no tratamento dos indivíduos microfilarêmicos diagnosticados nos inquéritos.

 

Programas de controle no período de 1970 a 2000

A partir de 1970, as ações de controle da filariose no Brasil passaram a ser realizadas pela Superintendência de Campanhas em Saúde Pública, sendo denominadas de programas. As estratégias executadas apresentavam poucas diferenças em relação àquelas adotadas anteriormente, com exceção da criação dos postos fixos de coleta, do tipo busca passiva, para atendimento da demanda espontânea.19 Durante quase toda a década de 70, essas ações ficaram restritas ao controle químico do vetor e ao tratamento dos indivíduos infectados nas cidades de Recife, Belém e Salvador, consideradas como os únicos focos de filariose.5

O Ministério da Saúde, em 1977, considerou como áreas endêmicas as cidades de Belém, Vigia, Soure e Cametá, no Pará; Salvador e Castro Alves, na Bahia; e Recife, em Pernambuco.3 Na Bahia, nenhum indivíduo microfilarêmico foi identificado num inquérito realizado em 1981.20 Entretanto, em meados dos anos 60, foram encontrados dois focos em um bairro de Salvador e outro em Castro Alves, com índices de 6,2% e 1,7%, respectivamente.21 Vale salientar que nenhum controle foi realizado nessas áreas, diferentemente do que foi executado em Belém e Recife.20

Os trabalhos desenvolvidos no período de 1979 a 1983 revelaram que a filariose no Brasil não mais apresentava a gravidade do passado. Essa endemia passou a ter uma importância médico-sanitária apenas nos focos residuais de Belém-PA e Recife-PE, e seria possível conseguir, num futuro próximo, seu total controle.19

Na década de 80, o programa de controle no Recife praticamente estagnou, em parte pela ausência de uma política de saúde para enfrentar o problema da filariose na cidade e pela falta de medicação para o tratamento de pessoas infectadas. Além disso, a situação epidemiológica da endemia nessa cidade foi baseada apenas nos dados obtidos pela demanda passiva, ou seja, pelos exames coletados nos postos fixos, e as coletas foram realizadas em horário inadequado.5 O somatório desses fatores colaborou, provavelmente, para uma subestimativa dos índices de positividade apresentados.

Ainda em relação à filariose no Estado de Pernambuco, a endemia foi, durante décadas, considerada restrita ao Recife. No entanto, havia relatos sobre a ocorrência de manifestações agudas e crônicas da doença, assim como descrições de manifestações raras da filariose, como, por exemplo, casos de eosinofilia pulmonar tropical nos municípios circunvizinhos ao Recife.22 Em Olinda, município limite ao Recife, realizou-se um inquérito hemoscópico, onde se examinaram 754 pessoas residentes em três localidades, Triângulo de Peixinhos, Bultrins e Ilha de Santana, sendo encontrados 10,3%, 5,1% e 5,0%, respectivamente, de ocorrência de microfilaremia.23

Em 1989, o Ministério da Saúde considerou que o Recife ainda era o principal foco no país,16 em decorrência do aumento de prevalência, a partir de 1985, de 0,5%;5 e em 1990, de 3,7%.24 Um estudo, identificando a procedência de casos autóctones de infectados e o índice de infectividade vetorial, mostrou que existia transmissão ativa nos três principais municípios da região metropolitana do Recife: Olinda, Recife e Jaboatão dos Guararapes.25 Dessa maneira, verificava-se que a transmissão permanecia ativa em vários bairros recifenses, assim como em processo de expansão na Região Metropolitana do Recife.26

A partir da constatação de que o enfrentamento das endemias no Brasil estava sendo ineficiente, tentou-se estruturar suas ações, como primeiro passo na descentralização das ações de controle, no final dos anos 80. O Ministério da Saúde, nível central articulado com as coordenações das unidades federativas, adotou estratégias baseadas na regionalização dos serviços e dos programas, na perspectiva de torná-los mais adequados para o controle das doenças endêmicas.26

Nesse período, foi consolidado o Movimento Sanitário e, em 1990, foram elaboradas as Leis no 8.080/90 e 8.142/90, propondo e regulamentando o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como princípios a universalidade, o resgate da autonomia municipal e a definição dos papéis nos três níveis de governo.27 Esse momento histórico também foi marcado pela criação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que concentrava, em um único órgão, as competências da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, da Fundação de Serviço Especial de Saúde Pública e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, então extintas.

Contudo, as ações realizadas pela Funasa não surtiram o efeito desejado no controle da filariose nas áreas endêmicas, havendo ainda o desconhecimento da endemia em outras áreas, pois não houve mudanças nas estratégias adotadas até 1996. Até meado da década de 90, alguns municípios já tinham assumido a endemia, como, por exemplo, Recife, Jaboatão dos Guararapes e Olinda, mas o modelo adotado era semelhante ao do Ministério da Saúde. A Fundação Nacional de Saúde tentou readequar o controle das endemias numa lógica de ações descentralizadas, de forma que o programa tivesse como objetivo atingir o controle social, reforçando as atividades de mobilização comunitária e utilizando os componentes de Informação, Educação e Comunicação (IEC).11

Apesar dos avanços alcançados após a implementação do Sistema Único de Saúde, as políticas de saúde brasileiras passaram, nesse contexto, por períodos de incertezas, devido às várias tentativas desmobilizadoras daqueles que não se favorecem de uma Saúde Pública digna. Esse quadro foi observado com relação às ações de controle das endemias, com ênfase para a filariose, não tendo sidos bem apreendidos os papéis das três esferas de governo, com atrasos das medidas que necessitavam ser implementadas e superposições de funções, além de outros problemas com o planejamento das ações e as atividades logísticas. No tocante à munici-palização das ações de endemia, esta ainda não foi concretizada na extensão necessária, nem tampouco o controle popular por meio da sociedade civil organizada, e sua participação na política dos serviços de saúde.

Em 1996, o Ministério da Saúde definiu novas diretrizes de ação com o Plano de Eliminação Nacional da Filariose Linfática. Esse plano teve como parâmetro a descentralização das ações de controle, com base na proposta da Organização Mundial da Saúde, que incluiu a filariose linfática como uma das seis doenças infecciosas consideradas erradicáveis ou potencialmente erradicáveis.8,9 Para tal, o Ministério do Planejamento e Orçamento, de então, teria que assegurar os recursos orçamentários e financeiros necessários à execução do plano.11 Ademais, ele deveria ser implementado de forma imediata e articulada com as demais esferas de governo, em obediência aos princípios do SUS.11

O plano tinha como objetivos estratégicos: a) interromper a transmissão da filariose nos focos endêmicos específicos, usando a quimioterapia e o controle do vetor; b) esgotar as fontes de infecção, c) prover assistência integral aos portadores de morbidade filarial; e, finalmente, d) eliminar essa endemia no território brasileiro.11

Para tal, haveria necessidade de uma reavaliação epidemiológica dos focos ativos, utilizando-se a estratificação dos espaços urbanos a partir de indicadores sintéticos de risco ambiental, com a realização de inquérito hemoscópico e pesquisas entomológicas. Já nas áreas consideradas livres de filariose, poderia ser usada a identificação de eventos sentinelas, seria criado um sistema de informação utilizando-se todas as fases do plano, e a mobilização da comunidade seria uma ação básica para todas as etapas de intervenção. Em relação ao tratamento humano, deveria ser usado o dietilcarbamazina com esquema de tratamento em massa nas áreas com alta endemicidade, associada também ao controle integrado do vetor.28

Assim, os recursos para os municípios foram liberados por meio de convênios celebrados entre eles e a Fundação Nacional de Saúde. Foram alocadas verbas para os seguintes dez municípios: Belém do Pará; Maceió, Alagoas; Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Itamaracá, Moreno, Olinda, Paulista e Recife, em Pernambuco. Cada um desses municípios teve autonomia em relação às estratégias usadas no inquérito.1

Na cidade de Belém, foi realizado o inquérito utilizando-se o diagnóstico pelo antígeno – ICT card-test (teste em cartão, com imunocromatografia rápida), sendo a confirmação dada pela pesquisa parasitológica com a gota espessa de sangue capilar. Foram examinados 26.953 indivíduos, sendo diagnosticados 33 casos; destes, apenas um foi positivo, pela gota espessa.1

No Estado de Alagoas, já se tinha o diagnóstico de que o problema era no Município de Maceió, restrito a três bairros contíguos: Feitosa, Pitanguinha e Jacintinho.29 Foi desenvolvida uma busca ativa, casa a casa, nos três bairros; parcialmente, foram examinadas 4.999 pessoas pela gota espessa, sendo detectados 42 casos de microfilaremia. Em relação aos vetores, a proposta constava em combater as formas imaturas, após o rastreamento minucioso dos criadouros nos bairros em estudo.1

Em Pernambuco, principal foco brasileiro, oito municípios participaram da primeira etapa do plano, em que foram realizados inquéritos utilizando-se a pesquisa de microfilárias pela gota espessa.1 No Recife, o trabalho foi desenvolvido por microrregiões, onde foram encontradas prevalências que variavam de 0,1 a mais de 3%. No Município de Olinda, foram realizadas 3.232 coletas, com uma prevalência média de 1,3%. No entanto, as maiores concentrações de casos ocorreram nos bairros de Águas Compridas (3,6%), Alto Nova Olinda (3,9%), Alto da Conquista (3,6%) e Azeitona (4,3%). Em Itamaracá, foram realizados 7.553 exames, sendo encontrados 13 casos de microfilaremia, distribuídos em sete localidades. Entre os casos, um já havia sido diagnosticado anteriormente e cinco eram autóctones do município. No Município de Camaragibe, analisaram-se 1.554 pessoas, com o diagnóstico de dois microfilarêmicos, alóctones em relação ao município. Em Moreno, examinaram-se 2.504 indivíduos, sendo identificados dois indivíduos portadores de microfilaremia, ambos casos provenientes do Recife. Entretanto, foram relatadas nas entrevistas diversas queixas clínicas. Em Cabo de Santo Agostinho, foram examinados 8.018 residentes, sendo diagnosticados seis microfilarêmicos. No caso de Jaboatão dos Guararapes, os trabalhos não foram concluídos em decorrência do retardo no início do inquérito. Os dados do Município de Paulista não foram apresentados na referida reunião.1

No caso da Bahia, não se tem qualquer diagnóstico situacional diferente dos observados no inquérito de 1981. Contudo, "há necessidade de esclarecimentos, uma vez que existem pacientes portadores de edemas de membros em Salvador e na Ilha de Itaparica".1 Nesse segundo encontro, não estava presente o representante de Santa Catarina, mas, de acordo com as informações do primeiro encontro e das disponíveis na literatura,30 examinaram-se 21.639 pessoas em 1976, e nenhum microfilarêmico foi detectado. Em 1993 e 1994, foram analisadas, por gota espessa, 206 e 1.154 pessoas residentes em Ponta Grossa e Barra, respectivamente. Entre essas, examinaram-se 65 por técnicas de concentração parasitológica e outras 69 pela pesquisa de antígeno circulante utilizando-se ensaio imunoenzimático (ELISA), teste Og4C3; todos esses tiveram seus resultados negativos. A pesquisa de formas larvares de Wuchereria bancrofti em 624 mosquitos fêmeas foi negativa.11,30

Durante o período dos programas, o Ministério da Saúde passou a tratar a filariose como se ela estivesse sob controle. Isso possibilitou o aumento de casos e a expansão da endemia para outras áreas, com é o caso da Região Metropolitana do Recife. Outros fatores que contribuíram para esse aumento foram o número reduzido de ações de controle vetorial, a ausência de ações integradas de saneamento e de educação sanitária, além do crescimento urbano desordenado.

 

Perspectivas da filariose no Brasil

A partir dos resultados apresentados da Região Metropolitana do Recife, tem-se como proposta o tratamento em massa em algumas áreas dos Municípios de Olinda e Recife. Já o caso de Jaboatão dos Guararapes, dependerá dos resultados a serem apresentados. As cidades de Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Itamaracá serão merecedoras de maiores cuidados, pela ausência de informações das duas primeiras cidades e pela possibilidade de transformação do Município de Itamaracá em área foco da doença. Em Maceió, utilizar-se-á o tratamento seletivo e serão realizados inquéritos censitários periódicos. Em Belém e em Florianópolis, a situação da endemia deverá ser analisada com vistas ao certificado de eliminação ou da interrupção de transmissão.1,30

No caso de Santa Catarina, Schlemper e colaboradores30 relataram, entre os indivíduos residentes em Ponta Grossa e Barra, a ausência de transmissão ativa, de novos casos de infecção e de recidiva dos casos de filariose da década de 50. Para tal, foram realizadas a pesquisa de infecção e infectividade vetorial e, entre os indivíduos, a técnica de Knott e o teste Og4C3.30

Existe a exigência da construção de um sistema de informação que preencha as necessidades do plano e que gere indicadores essenciais às avaliações, em especial visando ao processo de certificação de eliminação.31,32 O programa de morbidade deverá ser implantado, assim como deverá ser avaliada a prevalência da morbidade filarial em cada área endêmica.2 As estratégias para o controle vetorial terão como ações prioritárias o saneamento; o levantamento, o mapeamento e a caracterização dos criadouros; a execução de intervenções físicas e biológicas; e a vigilância e monitoramento do controle. Existirá a necessidade de utilização dos meios de comunicação para esclarecimentos, a fim de sensibilizar as comunidades para a adoção de medidas de proteção individual contra mosquitos, e estimular a educação popular.33 Contudo, esse plano deverá ser avaliado após o primeiro ano de intervenção.

Deverá ser dada atenção aos municípios que apresentem casos de microfilaremia alóctones, mas que tenham condições de manter o ciclo de transmissão, ou seja, apresentem vetores e condições ambientais adequadas. A experiência de Jaboatão dos Guararapes não deve ser repetida, uma vez que, em 1959, foram encontrados casos de microfilaremia, mas, por serem todos procedentes do Recife,34 não foi criado nenhum sistema de vigilância epidemiológica para o município, sendo hoje considerado uma das áreas de maior prevalência de filariose na Região Metropolitana do Recife.25

Vale salientar, ainda, que problemas políticos poderão dificultar a execução do plano, como já ocorreu em outras endemias – por exemplo, a dracunculíase.35 Um outro problema poderá ser a escolha da equipe técnica que irá realizar o trabalho, devendo ser criadas instâncias que minimizem o risco de que a seleção seja feita atendendo apenas a conveniências políticas.

A Organização Mundial da Saúde sugere que o controle da filariose linfática seja realizado pelo sistema de atenção primária à saúde, tanto municipal como estadual, ou a ele integrado. A utilização dessa estratégia poderá transformar o atual modelo de assistência no controle de endemias em áreas urbanas, em razão dos critérios de eficiência e eficácia das novas propostas de ações intersetoriais, em uma proposta descentralizada e menos assistencialista.28

Alguns avanços referentes às experiências no controle das endemias já foram conseguidos. Observa-se entretanto, claramente, a necessidade de elaborar novas formas de abordar tais programas, de forma que se permitam as mobilizações técnica, política e cultural capazes de gerar mudanças efetivas.

Dessa forma, a reformulação dessas ações assume importância diante da compreensão atual das endemias enquanto processo coletivo e não apenas como agravo individual. Na questão da municipalização, é necessário reformular e redimensionar as ações de saúde como processo e expressão coletivos dentro de uma área endêmica, sem limitar-se à identificação de indivíduos microfilarêmicos, – no que concerne ao diagnóstico das formas crônicas e agudas da doença –, mas requerendo análise e intervenção de caráter multidisciplinar.

Assim, o plano em pauta deve possibilitar que as instituições responsáveis pelo controle da filariose procurem modelos de organização que combinem a centralização das decisões e o repasse da execução das medidas para os diferentes níveis da rede, procurando alcançar a maior cobertura possível das populações expostas ao problema; e que a disseminação do conhecimento e os recursos técnicos, em conjunto, viabilizem a análise da situação da endemia, apontando os locais onde devam interferir. É necessária, ainda, a avaliação do impacto conseguido com a implementação das ações, assim como dos custos sociais e econômicos representados pelos doentes portadores das diversas manifestações clínicas. Para tal, as ações deverão ser avaliadas sistematicamente, considerando-se novas abordagens disponíveis e factíveis para o município e para sua população.

 

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