Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.2 Brasília jun. 2003
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000200005
Anos potenciais de vida perdidos por causas evitáveis, segundo sexo, em Fortaleza, em 1996-1998
Potential years of lost life from avoidable causes by gender - Fortaleza (Brazil), 1996-1998
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Hospital do Câncer/Instituto do Câncer do Ceará (ICC)
RESUMO
O objetivo do presente trabalho foi determinar e analisar a mortalidade por causas evitáveis em Fortaleza no período de 1996 a 1998, identificando o seu impacto em vida útil, medido em Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP). Foi realizado um estudo descritivo a partir do banco de dados da Secretaria de Estado de Saúde do Ceará, remetido para inclusão em CD-rom do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, baseado nas declarações de óbitos dos residentes em Fortaleza, referentes ao período de 1996 a 1998 e processadas pela Secretaria. As declarações de óbito, após a seleção da causa básica de morte, foram codificadas e apuradas por causas, em nível de categorias, segundo sexo e grupo etário; em seguida, foram distribuídas em grupos de causas, segundo critérios de evitabilidade propostos por Taucher. As mortes por causas mal definidas foram redistribuídas nos grupos de causas, proporcionalmente à participação por sexo e faixa etária. Os dados populacionais foram baseados no Censo Demográfico de 1991 e na Contagem Populacional de 1996, mediante projeção geométrica da população de Fortaleza em 1o de julho de 1997. Para analisar o impacto da mortalidade dos grupos de causas evitáveis em APVP, foi utilizada a técnica de Romeder e McWhinnie. Os principais resultados apontaram para o limite de esperança de vida em 65 anos, 236.660,5 e 113.956 APVP, em homens e mulheres, no triênio analisado. Entre eles, a mortalidade por causas evitáveis participou com 58 e 41% para cada sexo, respectivamente, tendo sido registrada a proeminente colaboração do Grupo F (causas externas).
Palavras-chave: mortalidade evitável; vida potencial perdida; anos potenciais de vida perdidos.
SUMMARY
The objective of the present study was to determine and analyze mortality from avoidable causes in the city of Fortaleza, Ceara State, Brazil for the period 1996-98, identifying its impact upon active life, measured in potential years of lost life (PYLL). A descriptive study was performed using the mortality database of Ceara’s State Health Department obtained from processed death certificates issued for the residents of Fortaleza in the period 1996-98, and ready-to-send to the Ministry of Health for inclusion in the Mortality Information System (SIM) in CD-rom format. Death certificates were selected by the underlying cause of death, separated by cause according to sex and age, and finally classified according to criteria of avoidability as proposed by Taucher. Undefined causes of death were distributed among the diverse groups of avoidable deaths, proportionately to sex and age participation. Populational projection was estimated using the geometric method, determining the number of inhabitants of Fortaleza for July 1st, 1997, based on the demographic census of 1991 and the population count of 1996. The Romeder and McWhinnie technique was used to analyze the impact of the groups of avoidable mortality on PYLL. The main results indicated an upper limit of life expectancy at 65 years, and 236,660.5 PYLL for men and 113,956 PYLL for women, with avoidable causes contributing to 58% and 41%, respectively. Violent causes of death (Group F) contributed substantially to these figures
Key words: avoidable mortality; potential life lost; potential years of lost life.
Introdução
A morte em si mesma não pode ser prevenida; porém, pode ser postergada. A importância desse fato está, há muito tempo, respaldada na análise da estatística de mortalidade, tradicionalmente um dos principais instrumentos usados no planejamento e na administração de saúde para avaliação do nível de saúde, na definição de prioridades e alocação de recursos, e na vigilância de problemas específicos de saúde.1
A análise da mortalidade é de grande relevância em demografia e no campo de saúde. As estatísticas de óbitos representam, muitas vezes, praticamente o único instrumento para medir o nível de saúde da comunidade e avaliar programas de saúde.
Técnicos envolvidos com a política da saúde de países em desenvolvimento sentem uma crescente necessidade de indicadores que possam avaliar a freqüência das mortes preveníveis e prover simples medidas de eficiência dos programas de saúde que objetivam reduzir tais mortes. Todavia, deve-se salientar que as mortes preveníveis ou evitáveis dependem do estado da arte médica, da disponibilidade dos recursos e da oportunidade de execução das medidas terapêuticas ou preventivas.
Diversos estudos têm enfocado a mortalidade por causas tratáveis com nítido interesse na tendência histórica dessas causas ou na comparação entre países,2,3 e também como proposta de um indicador da qualidade dos serviços de saúde.1 Trabalhos outros enfocaram causas redutíveis em determinados segmentos etários, a exemplo do neonatal.4,5
Com relação à efetividade dos serviços sanitários, Alonso6 destaca dois indicadores: as taxas ajustadas de mortalidade por todas as causas (que são usadas na elaboração de uma fórmula de necessidade de atenção, para alocação de recursos sanitários na Inglaterra e País de Gales) e as taxas de mortalidade por causas suscetíveis de tratamento médico, que podem ser consideradas desnecessariamente prematuras, a exemplo do modelo de Rutstein e colaboradores7 e da adaptação de Ortún e Gispert.8
Esses indicadores têm suscitado a feitura de “Atlas da Mortalidade Evitável”, a exemplo dos de Holland e colaboradores,9-11 cobrindo vários países europeus; do de González e colaboradores,12 referente à Espanha e que aponta o declínio da taxa de mortalidade evitável de 271,78 por cem mil habitantes em 1975, para 232,05 em 1983; e do de Lopez-Abente e colaboradores,13 que fizeram um mapa da ocorrência do câncer na Espanha.
Desde 1980, o Institut Municipal de Salut Publica del Ajuntament de Barcelona14 realiza e publica, anualmente, estudo descritivo da mortalidade em Barcelona e seus distritos. São fornecidas taxas de mortalidade por idade, sexo e causa de morte, além de outros indicadores complementares, como esperança de vida e mortalidade prematura expressa em APVP de 1 a 74 anos, por meio da técnica de Romeder e McWhinnie;15 nos últimos anos, passou a incluir também a mortalidade evitável baseada em 17 causas da classificação de Rutstein e colaboradores,7 das quais 14 são sanitariamente evitáveis por prevenção secundária e/ou tratamento médico e três são fundamentalmente evitáveis por prevenção primária.
Em publicação que tratava da mortalidade chilena de 1955 a 1975, Taucher,16 baseada nos resultados obtidos, julgou conveniente elaborar uma classificação das causas de morte com a finalidade de explicar as alterações dos níveis de mortalidade por meio de alguns fatores contribuintes; no seu entender, isso permitiria, ao mesmo tempo, descrever a situação atual e possíveis ações corretivas no futuro.
Para a autora,16 como primeira aproximação, pareceu útil dividir as causas de morte em evitáveis e não evitáveis. As causas evitáveis foram agrupadas em quatro categorias de ações que poderiam ter maior influência em sua redução ou supressão.
A classificação de Taucher das causas evitáveis foi introduzida no Brasil em 1981, já contemplando sete grupos, e sob essa nova forma tem sido operacionalizada por vários autores, segundo Silva.1 A indicação de agrupar as causas evitáveis segundo eixo de medidas de controle tem tido boa receptividade no Brasil, tanto que a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação SEADE) de São Paulo emprega-a em suas publicações.
Recentemente, a mortalidade por causas evitáveis foi assunto enfocado por Silva,1 que destacou a elevada participação das mortes passíveis de redução na capital cearense; e que a série histórica de 1978 a 1995, anteriormente reportada, refletiu a tendência de queda para a mortalidade evitável e certa estabilização para as inevitáveis.
Continuando o trabalho anterior, o objetivo deste estudo foi determinar e analisar a mortalidade por critérios de evitabilidade, segundo sexo, em Fortaleza, no período de 1996 a 1998, identificando o seu impacto em vida útil sacrificada, medido em Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP).
Metodologia
População
Os dados populacionais foram gerados a partir de resultados do Censo Demográfico de 199117 e da Contagem Populacional de 1996,18 mediante projeção pelo método geométrico para a obtenção da população de Fortaleza em 1o de julho de 1997, que correspondia à população central do período de 1996 a 1998. A composição da população projetada, segundo sexo e grupo etário, seguiu as mesmas percentagens do último censo.
A Tabela 1 relaciona a população projetada de Fortaleza, segundo sexo e grupo etário, adotada neste estudo.
Mortalidade
O material básico foi extraído do banco de dados da Secretaria de Estado de Saúde do Ceará (SESA), remetido para a inclusão em CD-rom do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, baseado nas declarações de óbitos dos residentes em Fortaleza referentes ao período de 1996 a 1998 e processadas pela SESA.
Para todos os óbitos objeto do estudo, houve o idêntico cuidado de selecionar e codificar a causa básica de morte, observando-se as disposições e as regras de seleção de causa da morte da Classificação Internacional de Doença-Revisão 1995 (CID-10),19 sendo a codificação efetuada no nível de subcategorias.
A apuração dos dados foi computadorizada. Para cada ano, as declarações de óbito foram contabilizadas segundo causa de morte, sexo e grupo etário. Para o cálculo dos APVP, foram descartadas as mortes de menores de um ano, as de 65 anos e mais, assim como os casos de idade ignorada.
Depois dessa apuração no nível de categorias, os resultados foram consolidados para apresentação por grupos de causas evitáveis em acordo com a classificação Taucher,16 que foi adaptada aos códigos da CID-1019 (Figura 1). Considerando a elevada contribuição das mortes por causas mal definidas, estas foram redistribuídas nos demais grupos de causas com base na participação relativa desses grupos segundo sexo e faixa etária.
A consolidação dos dados dos três anos para a composição do triênio 1996-98 também foi feita por computação eletrônica, tendo sido utilizado o Centro de Processamento de Dados do Instituto do Câncer do Ceará.
Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP)
A técnica aplicada foi a de Romeder e Whinnie,15 que estabelece uma idade limite para o cálculo dos APVP com base na vida média da população. A obtenção dos APVP por uma causa específica ou um grupo de causas consiste em somar os produtos do número de mortes em cada idade – entre 1 e 64 anos; ou 1 e 69 anos – pelos anos de vida restantes até a idade de 65 ou 70 anos, respectivamente.
A fórmula geral é expressa por:
Onde:
ai = anos de vida restantes até a idade m, quando as mortes ocorrem entre i e i+1 = m - (i + 0,5) = m - i - 0,5
di =número de mortes entre as idades i e i + 1
No caso de Fortaleza, a fórmula ficou assim:
As Taxas de Anos Potenciais de Vida Perdidos (TAPVP) recebem a seguinte expressão:
n = número de homens ou mulheres de 1 a 64
Outra medida obtida foi a de APVP proporcional, segundo a causa ou grupo de causas e sexo, mediante a relação:
Os valores dos anos de vida restantes (ai), considerando o limite de 65 anos, são retratados na Tabela 2. Note-se que cada morte ocorrida entre 1 e 4 anos corresponde a 62 APVP, ao passo que para a incidente na faixa de 60 a 64 anos debita-se 2,5 APVP à sociedade.
Resultados
Mortalidade por Causas Evitáveis
Foram registrados 33.326 óbitos de residentes em Fortaleza, no período 1996-98, dos quais 18.756 do sexo masculino e 14.570 do feminino, que retrataram um risco específico de 6,65 por mil homens e 4,55 por mil mulheres. Como a análise empreendida neste trabalho foi efetuada segundo sexo, as 80 perdas em que não foi possível especificar a que sexo pertenciam foram excluídas do estudo; elas representaram menos de 0,25% do montante dos óbitos. As tabulações específicas por idade não tomaram em consideração as mortes cujas idades eram ignoradas.
Depois da apuração segundo causa básica, sexo e idade, as declarações de óbitos foram classificadas por grupos de causas evitáveis, da classificação de Taucher,16 resultando em distribuição preliminar que identificou a substancial participação das afecções mal definidas e das causas não evitáveis. Os valores definitivos para os grupos de causas evitáveis e não evitáveis, após redistribuição das causas mal definidas, foram os figurados nas Tabelas 3 e 4.
Nessas tabelas, verifica-se que, na faixa etária de 1 a 64 anos, seriam mortes evitáveis, aproximadamente, 47 e 31% – contra 53 e 69% de inevitáveis, em homens e mulheres, correspondentemente; as causas violentas, com 38 e 11%, assumem a primeira posição na responsabilidade pela ocorrência dos óbitos.
Anos Potenciais de Vida Perdidos em Fortaleza
Estipulando o limite de vida útil em 65 anos, houve, em Fortaleza, de 1996 a 1998, um total de 350.616,5 Anos Potenciais de Vida Perdidos, dos quais 236.660,5 nos homens e 113.956 nas mulheres, o que oferece uma taxa de APVP de 89,13 por mil homens e de 38,26 por mil mulheres, na faixa etária de 1 a 64 anos.
Considerando esses valores, as causas evitáveis contribuíram com 136.788,5 (57,80%) e 46.228 (40,57%) APVP, correspondendo às taxas de APVP de 51,51 por mil homens e de 15,69 por mil mulheres entre 1 e 64 anos; enquanto isso, as não evitáveis participaram com 99.872 (42,20%) e 67.728 (59,43%) APVP, correspondendo às taxas de APVP de 37,61 por mil homens e de 22,74 por mil mulheres entre 1 e 64 anos (Tabelas 5 a 7).
Nos homens, o maior número de APVP foi nas faixas etárias de 15 a 39 anos entre as causas evitáveis, e de 40 a 49 anos nas não evitáveis; nas mulheres, o maior número limitou-se às idades compreendidas entre 1 a 4 anos, em ambos grupos de causas, demonstrando a mais expressiva contribuição das inevitáveis nas demais faixas etárias, excetuando a de 15 a 29 anos (Tabelas 5 e 6).
Quanto à participação dos APVP proporcional por idade, as causas evitáveis assumiram mais da metade das perdas compreendidas de 5 a 39 anos nos homens, ao passo que as não evitáveis tiveram a proeminência de 1 a 4 anos e acima dos 40 anos; nas mulheres, as causas evitáveis predominaram apenas na faixa etária de 15 a 29 anos. Notou-se, também, uma clara tendência de aumento da participação das causas inevitáveis a partir dos 45 anos em ambos os sexos (Tabelas 5 e 6).
No que concerne às taxas de APVP, em geral, os valores masculinos superam os femininos para as causas evitáveis e não evitáveis em todas as faixas etárias. Taxas igualmente altas são vistas para ambos os sexos de 1 a 4 anos, sendo as das não evitáveis um pouco superiores às das evitáveis (Tabelas 5 e 6).
No sexo masculino, taxas mais elevadas são vistas entre 15 e 39 anos para as causas evitáveis enquanto para as não evitáveis há uma tendência de crescimento de risco com avanço etário dos 5 aos 59 anos. Nas mulheres, além de taxas mais baixas, existe uma tendência de incremento do risco em causas evitáveis dos 5 aos 54 anos; tal comportamento também é observado para as causas não evitáveis, cujo pico é alcançado na faixa de 55 a 59 anos (Tabelas 5 e 6).
Coube às causas externas – Grupo F – a maior responsabilidade nas perdas proporcionais em ambos os sexos – sobretudo no sexo masculino, onde arcou com 49,24 contra 18,06% no feminino, compondo taxas de APVP de 43,89 e 6,91 por mil (Tabela 7).
Já as segundas colocações ficaram com os Grupos B (por “diagnóstico e tratamento médico precoces”) nas mulheres e G (restantes dos óbitos evitáveis) nos homens; o Grupo D (devido a “infecções das vias respiratórias”) foi o 3o maior responsável pela perda em vida útil em ambos os sexos. As duas últimas posições foram ocupadas pelos Grupos A (por “vacina ou tratamento preventivo”) e E (devido a “doenças próprias da primeira infância”) (Tabela 7).
Os maiores responsáveis por APVP foram acidentes de trânsito, homicídios, pneumonias, câncer de mama e câncer cervical.
A relação APVP por óbito foi de 24,68 e 21,80, das quais 30,47 e 28,09 para as causas evitáveis e 19,58 e 18,90 para as não evitáveis, respectivamente para homens e mulheres. Merece ser assinalado que as maiores perdas por cada morte ocorreram nos Grupos D (devido a “infecções das vias respiratórias”) e C (por “medidas de saneamento ambiental”) (Tabela 7).
A razão das taxas de APVP por sexo foi de 2,33; foi igual a 3,28 para as causas evitáveis, e de 1,65 para as não evitáveis. Observou-se a sobremortalidade masculina, principalmente nas causas externas – Grupo F – com 6,35. Em mulheres, houve um excedente de risco nos Grupos A (por “vacina ou tratamento preventivo”), B (por “diagnóstico e tratamento médico precoces”) e C (por “medidas de saneamento ambiental”) (Tabela 7).
Discussão
A distribuição da mortalidade por causas em Fortaleza, no período de 1996 a 1998, manteve o padrão observado no triênio anterior.1 Esse resultado apontou o rompimento da coexistência, entre as primeiras causas responsáveis por óbitos, das doenças infecciosas (destacadamente representadas pelas gastroenterites e pneumonias), das crônico-degenerativas, (e.g. câncer e doenças cardiovasculares), e daquelas que são provocadas pelo homem, (e.g. acidentes de trânsito e homicídios). Os três últimos triênios da série foram marcados pela regressão das gastroenterites e pela progressão de processos crônico-degenerativos.
Azcorde com o insatisfatório nível de saúde de Fortaleza, foi observada, entre 1978 e 1980, a maior participação da mortalidade por causas evitáveis, com valores mínimos de 42% no sexo masculino e 36% no feminino. Dado o acréscimo das perdas por causas mal definidas com base na contribuição relativa por sexo e idade de cada grupo de causas, atingiriam 61% dos óbitos em homens e 58% daqueles em mulheres, patenteando que mais da metade das mortes poderiam ser evitadas.2
Comparando-se esses dados aos do triênio 1996-98, houve uma retração da participação das causas evitáveis – 38% nos homens e 25% nas mulheres –, e implemento das não evitáveis – 62% em homens e 75% nas mulheres –, praticamente uma inversão das contribuições relativas entre essas causas (Tabela 7).
Os 324.448,5 APVP de Fortaleza em 1984-86 representaram um aumento absoluto de 2,38%, comparativamente a 1981-83;20 porém, em termos de taxas de APVP, houve reduções de riscos de 2,58% nos homens e de 4,40% nas mulheres, visto que, nesses triênios, as taxas passaram de 103,4 para 100,8 por mil homens, e de 59,3 para 56,8 por mil mulheres; com relação às causas evitáveis, as taxas caíram de 69,1 para 67,9 e de 34,9 para 29 por mil homens e mil mulheres, respectivamente.21
Silva,1 em sua série histórica, constatou que, no triênio inicial (1978-80), foram computados 370.545 APVP;enoderradeiro(1993-95),337.930,5 APVP,com uma redução de apenas 8,9% entre esses dois períodos extremos da série. No curso dos triênios, notou-se uma tendência de declínio até o triênio 1990-92. Contudo, em 1993-95, houve um incremento relativo de 25,5% em relação ao triênio precedente.1 Neste trabalho, os números absolutos são semelhantes aos identificados há quase duas décadas; porém, as taxas apontam substancial redução de risco.
Em taxas de APVP por mil habitantes, na vigência da série histórica, notou-se redução desses coeficientes até 1990-92 e aumento de 19,36% para homens e 8,71% para mulheres em 1993-95, com evidências de declínio dos riscos.1 Esse fenômeno, que permeia toda a série de 1978 a 1998, reproduziu-se para as causas evitáveis, em ambos os sexos; e para as não evitáveis entre os homens, especialmente, porque a diminuição de taxa no sexo oposto foi muito discreta.
A comparação com estudos realizados em outros países fica em parte prejudicada, porque não foi utilizada classificação de causas de óbito semelhante à deste trabalho. Contudo, os valores globais prestam-se para a análise comparativa direta; e os mais específicos permitem parâmetro de confronto diante dos achados de Fortaleza, aqui retratados.
Para o Centers for Disease Control and Prevention (CDC),22 foram computados 12.276.000 APVP (limite de 65 anos) em 1988 e 12.370.499 em 1989 nos Estados Unidos, com decréscimo de 0,2% nas taxas de APVP (49,94 para 49,83 por mil habitantes). As principais causas de APVP em 1989, segundo participação relativa, foram: lesões não intencionais (18%), câncer (15%), suicídios e homicídios (12%), doença do coração (11%), anomalias congênitas (5%) e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) (5%); de 1988 para 1989, a participação da aids nos APVP cresceu25%.
Ainda segundo o CDC,23 o tabagismo foi a principal causa de doenças associadas com mortalidade prematura nos Estados Unidos, tendo respondido por, estimadamente, 390 mil mortes prematuras em 1985. Em 1988, aproximadamente 434 mil mortes e 1.199 mil APVP (limite de 65 anos) foram atribuídos ao uso de cigarro. Embora a mortalidade atribuível ao tabagismo em negros representasse 11% desse total, a taxa de mortalidade atribuível ao tabagismo nos negros foi 12% mais alta que a dos brancos, enquanto a taxa para homens foi duas vezes maior que a das mulheres. Quanto às taxas de APVP atribuíveis ao tabagismo, a dos negros foi duas vezes a dos brancos, enquanto a dos homens foi quase três vezes a das mulheres.
Em Barcelona,15 em 1995, foram computados 71.347,5 APVP, sendo 5.080 em homens e 21.267,5 em mulheres, com taxas de APVP de 71,21 por mil homens e 28,81 por mil mulheres. As cinco principais causas de APVP, considerando proporções e taxas por mil, foram: aids (22,1% e 15,72), causas externas (19,4% e 13,8), câncer de pulmão (7,5% e 5,31), doença isquêmica do coração (6,4% e 3,28) e cirrose hepática (4,5% e 3,24), nos homens; e causas externas (16,8% e 4,84), aids (13,6% e 3,91), câncer de mama (13,2% e 3,48), doença cerebrovascular (3,3% e 0,99) e cirrose hepática (3,1% e 0,91), nas mulheres.
Da mesma forma que em Fortaleza, as causas externas assumiram a proeminência em APVP no Rio de Janeiro em 1990;24 e em Santa Catarina em 1995.25 Vale salientar que a evolução dos APVP em Fortaleza, apontando a redução da participação de causas evitáveis e o implemento das não evitáveis, é compatível com as mudanças na transição epidemiológica identificadas por Nedel e colaboradores26 para o Brasil e a Região Sul, em especial.
Lai e Hardy27 afirmam que medir o impacto de riscos competitivos de mortes na sociedade é importante para a política de Saúde Pública e para a alocação de recursos. Esses autores compararam a esperança de vida líquida, obtida mediante tábuas de vida de múltiplo decremento, com a técnica de Anos Potenciais de Vida Perdidos da população em idade ativa (15-64 anos) dos EUA (1987-92) para aids, câncer e doenças do coração, segundo sexo e raça. Os autores concluíram que APVP superestima HIV/aids em detrimento das outras causas, ao passo que, nas tábuas de vida de múltiplo decremento, as doenças do coração superam HIV/aids, e esta o câncer.
Acrescentam que as tábuas de vida de múltiplo decremento levam em conta riscos competitivos na população e podem ser comparadas, facilmente, entre as populações; enquanto a técnica de APVP não leva em consideração riscos competitivos e também é fortemente influenciada pela estrutura etária da população e seu tamanho, de forma que a técnica de tábuas de vida de múltiplo decremento é melhor para avaliar morte prematura de 15 a 64 anos.27
Estudos mais recentes têm conferido especial atenção ao impacto da mortalidade por causas, sobretudo as evitáveis, como problema de Saúde Pública, expresso em vida potencial sacrificada e sua repercussão econômica para a sociedade.28-30
Conclui-se que, com o limite superior de vida média fixado em 65 anos, aconteceram 236.660,5 e 113.956 anos potenciais de vida perdidos (APVP), em homens e mulheres, para os quais a mortalidade por causas evitáveis participou com 57,80% e 40,57% nesses sexos, tendo sido registrada a maior colaboração do Grupo F – mortes violentas (49,24% e 18,06%); as taxas totais de APVP, na faixa de 1 a 64 anos, foram de 89,13 por mil homens e de 38,26 por mil mulheres, cabendo às causas evitáveis as taxas de APVP de 51,51 e de 15,69; e às causas não evitáveis, 37,61 por mil homens e 22,74 por mil mulheres, na mesma ordem.
Em suma: a mortalidade evitável, em que pese a sua redução em termos de riscos, permanece com expressivo impacto sobre a vida útil sacrificada, medida em Anos Potenciais de Vida Perdidos, merecendo ênfase a forte contribuição das mortes violentas.
Referências bibliográficas
1. Silva MGC. Mortalidade por causas evitáveis em Fortaleza de 1978 a 1995. Fortaleza: Uece; 1998.
2. Gaizauskiene A, Gurevicivs R. Avoidable mortality in Lithuania. Journal of Epidemiology Community Health 1995;49:281-284.
3. Gaizauskiene A, Westerling R.A Comparison of avoidable mortality in Lithuania and Sweden 1971-1990. International Journal of Epidemiology 1995;24(6):1124-1131.
4. Carvalho ML, Silver LD. Confiabilidade de declaração da causa básica de óbitos neonatais: implicação para o estudo da mortalidade prevenível. Revista de Saúde Pública 1995;29(5):342-348.
5. Leite AJM, Marcopito LF, Diniz RPD, Silva AVSE, Souza LCB, Borges JC, et al. Mortes perinatais no município de Fortaleza, Ceará: o quanto é possível evitar. Journal of Pediatrics 1997;73(6):388-394.
6. Alonso Caballero J. La medición del estado de salud: metodologia de la encuesta de salud. In: Martínez Navarro F, et al, editors. Salud Publica. Madrid: McGraw-Hill; 1998. p.342-361.
7. Rutstein DD, Berenberg W, Chalmers ThC, Child III CG, Fishman AP, Perrin EB. Measuring the quality of medical care: a clinical method. New England Journal of Medicine 1976;294:582-588.
8. Ortún Rubio V, Gispert Magarolas R. Exploración de la mortalitad prematura como guía de política sanitária o indicador de calidad asistencial. Medicina Clinica (Barcelona) 1988;90(19):399-403.
9. Holland WW. European community atlas of avoidable death. Oxford: Oxford University Press; 1988.
10. Holland WW. European community atlas of avoidable death. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 1991.
11. Holland WW. European community atlas of avoidable death. 3rd ed. Oxford: Oxford University Press; 1997.
12. Gonzalez J, Cerda T, Regidor E, Medrano MJ. Atlas de la mortalidad evitable. Madrid: Ministério de Sanidad y Consumo; 1989.
13. Lopez-Abente Ortega G, Pollán Santamaria M, Escolar Pujolar A, Errizola Saizar M. Atlas de mortalidad por cáncer y otras causas en España 1978-1992. Atlas of cancer mortality and other causes of death in Spain 1978-1992. Madrid: Fundación Cientifica de la Asociación Española contra el Cáncer; 1996.
14. Ajuntament de Barcelona. Institut Municipal de Salut Pública. Mortalitat i natalitat a la ciutat de Barcelona – 1995. Barcelona: Institut Municipal de Salut Pública; 1997.
15. Romeder JM, McWhinnie JR. Le Développement des années potentielles de vie perdues comme indicateur de mortalité pré-maturée. Revue D’Epidemiologie et de Santé Publique 1978;26(1):97-115.
16. Taucher E. Chile mortalidad desde 1955 a 1975: tendencias y causas. Santiago de Chile: Celade; 1978.
17. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico do Ceará: dados preliminares de 1991. Rio de Janeiro: IBGE; 1995.
18. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população, Brasil - 1996. Rio de Janeiro: IBGE; 1997.
19. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10). São Paulo: OMS; 1995.
20. Silva MGC. Anos potenciais de vida perdidos, segundo causas, em Fortaleza, em 1978-80. Revista de Saúde Pública 1984;18:108-121.
21. Silva MGC. Mortalidade por causas evitáveis em Fortaleza de 1984-86. Fortaleza: Uece; 1995. Relatório de pesquisa apresentado ao CNPq. Mimeo.
22. Centers for Disease Control and Prevention. Years of potential life lost before age 65. United States, 1988 and 1989. MMWR 1991b;40(4):60-62.
23. Centers for Disease Control and Prevention. Attributable mortality and year of potential life lost. United States, 1988. MMWR 1991a;40(4):62-71.
24. Reichenheim ME, Werneck GL. Anos potenciais de vida perdidos no Rio de Janeiro, 1990: as mortes violentas em questão. Cadernos de Saúde Publica 1990;10 (supl.1): 188-198.
25. Peixoto HCG, Souza ML. Anos potenciais de vida perdidos e os padrões de mortalidade por sexo em Santa Catarina, 1995. Informe Epidemiológico do SUS 1999; 8(2):47-52.
26. Nedel FB, Rocha M, Pereira J. Anos de vida perdidos por mortalidade: um dos componentes da carga de doenças. Revista de Saúde Pública 1999;33:61-69.
27. Lai D, Hardy RJ. Potential gains in life expectancy or years of potential life lost: impact of competing risks of death. International Journal of Epidemiology 1999;28(5):894-898.
28. Arnold MW, Neto GH, Figueiroa RN. Years of potential life lost by children and adolescent victims of homicide, Recife, 1997. Journal of Tropical Pediatrics 2002;48(2):67-71.
29. Semerl JS, Sesok J. Years of potential life lost and valued years of potential life lost in assessing premature mortality in Slovenia. Croatia Medical Journal 2002; 43(4):439-445.
30. Centers for Disease Control and Prevention. Annual smoking-attributable mortality, years of potential life lost, and economic costs – United States, 1995-1999. MMWR 2002;51(14):300-303.
Endereço para correspondência:
Hospital do Câncer-Instituto do Câncer do Ceará;
Rua Papi Júnior, 1222,
Rodolfo Teófilo,
Fortaleza-CE.
CEP: 60430-230;
E-mail:marcelo@hospcancer-icc.org.br