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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.3 Brasília set. 2003

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000300004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Custos das internações de adolescentes em unidades da rede hospitalar integrada ao SUS em Salvador, Bahia

 

Costs of adolescent admission to units of the hospital network integrated into the SUS – Salvador, Bahia

 

 

Estela Maria Ramos do NascimentoI; Eduardo MotaII; Maria da Conceição Nascimento CostaII

ISecretaria de Estado da Saúde da Bahia, Salvador-BA
IIInstituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Informações sobre os custos da atenção aos agravos à saúde da população são de fundamental importância para avaliar a aplicação de recursos, tanto na área assistencial como na orientação para a prevenção dos problemas de saúde. Este artigo tem como objetivo descrever os custos dos principais grupos de causas e causas específicas de internações de adolescentes nos hospitais da rede integrada ao SUS no Município de Salvador, Bahia, em 1999, classificados segundo a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças. As Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) foram utilizadas como fonte de dados para levantar a idade, o sexo, os custos totais, médios e de alguns de seus componentes (serviços hospitalares, de pessoal e de apoio diagnóstico e terapêutico, o tempo médio de permanência e a taxa de mortalidade hospitalar), entre outras variáveis. As principais causas de internações foram aquelas relacionadas a gravidez, parto e puerpério, causas externas e doenças do aparelho digestivo. Os dois primeiros grupos absorveram 32,3% e 14,7% das AIH pagas; e seus custos unitários foram de R$ 248,00 e R$ 649,22, respectivamente. Concluiu-se que medidas preventivas de maior abrangência populacional podem reduzir essa demanda e favorecer a aplicação de recursos em outros agravos que necessitem grandes investimentos.

Palavras-chave: custos em saúde; adolescentes; internações.


SUMMARY

Evaluation of health care costs relying on information and on hospitalization is important to direct resource allocation and to adopt preventive measures. Hospitalization of 10 to 19 year old adolescents was analyzed, using data from the Brazilian Hospital Information System (SIH-SUS), to evaluate costs according to group and specific causes as classified in the Tenth Review of the International Classification of Diseases, including all hospital admissions registered for public health units in 1999 in Salvador, Bahia, Brazil. Data on age, sex, total and mean costs of some components such as hospital personnel and services, diagnostic and therapeutic resources, mean duration of hospital stay and mortality, among other variables were obtained from Hospital Admission Authorization (AIH). Main causes of hospitalization were those related to pregnancy, delivery and postpartum time, external causes and digestive diseases. The first two groups represented 32.3% and 14.7% of all admissions and their mean costs were, respectively, R$248,00 and R$649,22. It was observed that preventable causes corresponded to a greater proportion of hospitalization costs. In conclusion, the adoption of preventive measures might reduce this demand and could contribute to the application of those resources to other health problems that require major investments.

Key words: health costs; adolescents; hospital admissions.


 

 

Introdução

Informações acerca do impacto econômico representado pelos problemas de saúde mais prevalentes na população vêm sendo cada vez mais necessárias, visto serem de fundamental importância para nortear a aplicação de recursos, tanto na área assistencial como na programação das ações de prevenção daquelas condições. Todavia, é grande a dificuldade para determinar os custos da atenção a um agravo à saúde, dada a complexidade e diversidade dos fatores envolvidos no processo.

A determinação dos custos não médicos diretos (como os gastos relacionados com deslocamentos para tratamento e reabilitação e despesas com acompanhantes), dos custos indiretos (como a perda de produtividade dos pacientes, dos familiares e de outras pessoas envolvidas) e daqueles relacionados aos fatores psicossociais, de difícil aferição, também constitui alguns dos entraves encontrados quando se busca quantificar as despesas com os agravos à saúde.1

Questões éticas e aquelas relativas à disponibilidade de recursos técnico-científicos, quando da escolha do tratamento mais adequado ao paciente, confrontam-se com preocupações de natureza econômica. A freqüência e o tipo dos agravos também influenciam no delineamento do volume e distribuição de recursos, uma vez que alguns demandam maiores investimentos do que outros.2

No Brasil, embora os registros da morbidade de demanda sejam estruturados a partir de uma lógica voltada para o pagamento de produção, as estatísticas hospitalares encontram-se melhor sistematizadas que as ambulatoriais. Isso, de algum modo, possibilita o seu emprego como marcadores de ações preventivas em determinado segmento populacional, mesmo de problemas que exigem maior investimento hospitalar.

Sob essa perspectiva, destacam-se entre os custos médicos diretos, que correspondem às despesas com prescrições e orientações médicas – de mais fácil levantamento –, os gastos decorrentes de hospitalizações, cuja avaliação constitui uma forma aproximada para obtenção de uma estimativa do impacto econômico de um agravo à saúde. Esses gastos são, igualmente, influenciados não só pelas patologias mais prevalentes como também pelas tendências observadas na sua distribuição em um período (determinadas pelas políticas de saúde), o que pode afetar a procura por determinados serviços.2

Algumas das limitações decorrentes da utilização de dados dessa natureza, sobretudo no que se refere às demandas solucionadas em nível ambulatorial, às que não se converteram em procura de serviços médicos e às que foram atendidas fora da rede integrada ao SUS, foram destacadas por Nunes e Piola3 em investigação sobre o estado geral de saúde da mulher no Brasil e procedimentos de maior custo para o SUS.

É possível que, pelo menos em parte, essas restrições sejam responsáveis pela carência de estudos de custos da assistência aos agravos à saúde da população no Brasil, apesar de sua relevância. Principalmente no que se refere à adolescência, nenhum trabalho direcionado aos custos da atenção à saúde desse grupo populacional foi publicado em anos recentes. A relativa escassez de verbas públicas para o setor Saúde, o baixo poder aquisitivo da população e a prioridade constitucional da universalização da atenção à saúde no país vêm tornando imprescindível a racionalização no uso dos recursos disponíveis visando otimizar a sua aplicação, em que pesem essas dificuldades.

Por essas razões e a necessidade de obter dados relativos aos adolescentes, este trabalho tem como objetivo descrever os custos das principais causas de internações de adolescentes nos hospitais da rede integrada ao SUS no Município de Salvador, Bahia, em 1999.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo que aborda os custos das internações hospitalares de adolescentes na rede hospitalar integrada ao SUS no ano de 1999, no Município de Salvador, capital do Estado da Bahia. Os valores pagos registrados representam uma parcela dos custos com internações hospitalares e referem-se aos recursos federais do SUS. As Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) processadas pelo Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), disponíveis em CD-rom pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), Ministério da Saúde, constituíram a fonte de dados utilizada.

Foram levantados e analisados: os números de internações segundo faixa etária, sexo e grupos de causas , de acordo com os capítulos da 10a Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID 10); o número de AIH com seus respectivos valores totais pagos, valores médios e de alguns componentes (serviços hospitalares, de pessoal e de apoio diagnóstico e terapêutico, órtese e prótese, hemoterapia e UTI); o tempo médio de permanência; e a taxa de mortalidade hospitalar. Para os grupos de causas e causas específicas que apresentaram maior participação percentual no número de internações ou se destacaram por outras características, tais como maiores valores totais ou médios de AIH (mesmo não estando entre as mais freqüentes), analisaram-se os custos segundo valores pagos pelas AIH e alguns dos seus componentes.

No caso das internações devidas a lesões e envenenamentos (Grupo XIX da CID 10), estudaram-se os custos das causas externas que as motivaram, obrigatoriamente referidas como diagnóstico secundário, a partir de 01/01/1998, em todas as internações de quadro compatível com acidentes de trabalho e de trânsito; ou com outros tipos de lesões e envenenamentos por agentes químicos ou físicos, conforme portaria da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde.4 Não foram analisados os custos das causas externas referidas como diagnóstico principal, que representaram apenas 0,4% do total de internações.

Neste estudo, considerou-se a adolescência como o período da vida entre 10 e 19 anos de idade, estratificado nas faixas etárias de 10 a 14 (adolescência precoce) e 15 a 19 anos (adolescência tardia).

Para tabulação dos dados e sua distribuição nas faixas etárias de adolescentes, após as adaptações apropriadas,5 foi utilizado o aplicativo Tabwin 32, versão beta 1.

 

Resultados

Das 184.251 internações registradas no SIH-SUS em 1999, no Município de Salvador, 23.388 (12,2%) foram de adolescentes, com predomínio (72,0%) do sexo feminino. Essas AIH representaram 9,3% do total pago por internações na rede hospitalar integrada ao SUS no Município.

Observa-se, na Tabela 1, que três grupos de causas foram responsáveis por cerca de 70,0% das internações: aquelas relacionadas a gravidez, parto e puerpério (54,9%); as lesões e envenenamentos e outras conseqüências de causas externas (9,5%); e as doenças do aparelho digestivo (6,0%).

 

 

Os problemas relativos a gravidez, parto e puerpério, principais causas de internação, motivaram 76,4% das hospitalizações femininas, sendo 85% na faixa etária de 15 a 19 anos (Tabela 1 e Figura 1). Essas causas de internações absorveram 12.284 AIH, ou seja, 52,0% das hospitalizações de pacientes de 10 a 19 anos, representando 32,3% do valor total pago para as internações nessa faixa etária. Em média, cada AIH desse grupo custou R$248,00, em que o parto único (R$113,80) e o aborto (R$272,47) consumiram 91% do valor total pago para esse grupo de causas; e cerca de 28,0% do total pago para todos os grupos (Tabela 2).

 

 

 

 

As lesões e envenenamentos predominaram nos adolescentes do sexo masculino (24,6%), sobretudo entre 15 e 19 anos (28,8%). Para os indivíduos do sexo feminino, esses agravos constituíram o segundo principal motivo de internação (3,6%), destacando-se entre as pacientes de 10 a 14 anos (11,6%). Em ambos os sexos, as fraturas de ossos dos membros e os traumatismos intracranianos responderam por 53,7% das internações desse grupo.

Entre as causas externas referidas como diagnósticos secundários motivadores das lesões, os acidentes e as agressões apareceram com maior freqüência, ambos predominando no sexo masculino (Tabela 1 e Figura 2). Esse foi também, entre os principais grupos de causas de internações, o que apresentou os maiores tempos de permanência – média de 4,4 dias –, o mesmo ocorrendo com a taxa de mortalidade hospitalar, cujo valor médio foi de 3,8 óbitos por 100 internações. Para esse grupo de causas, foram pagas 2.140 AIH, que representaram 9,1% das hospitalizações de adolescentes. Essas AIH representaram 14,7% dos recursos gastos com hospitalizações de adolescentes na rede integrada ao SUS e os maiores valores médios entre os três grupos (R$649,22). Os acidentes absorveram cerca de 85,0% do total e determinaram o perfil do grupo, sobretudo as quedas acidentais. As agressões, com 13,0% das AIH, apresentaram das AIH, apresentaram os maiores valores médios (R$890,29) e de quase entre todas as causas externas – tendo, como única exceção, órtese e prótese, com valor inferior ao apresentado pelos acidentes (Tabela 2).

 

 

As doenças do aparelho digestivo apresentaram maior freqüência no grupo masculino, com 13,6% das internações e predomínio de pacientes entre 10 e 14 anos (16,5%) (Figuras 1 e 2, Tabela 1). As hérnias abdominais e as doenças do apêndice foram as patologias registradas com mais freqüência. Apesar de as internações por esse grupo de causas serem as de menor custo total entre as de maior volume de hospitalizações, elas apresentaram AIH com valores médios superiores aos daquelas relacionadas com gravidez, parto e puerpério, sendo os serviços de pessoal os únicos componentes com custo inferior; para as hérnias abdominais, patologias com maior número de AIH pagas, o item transfusão de sangue também absorveu menos recursos (Tabela 2).

Embora não pertencendo aos principais grupos de causas de internações, algumas doenças do aparelho circulatório apresentaram, em ambos os sexos, os mais elevados valores médios de AIH, que variaram de R$4.619,17 nas malformações congênitas dos septos cardíacos, a R$9.175,81 nas endocardites e transtornos valvulares decorrentes de doenças extracardíacas. As psicoses não orgânicas e a esquizofrenia sobressaíram-se pelos elevados valores totais pagos, às custas de um maior número de AIH liberadas em razão da longa permanência hospitalar (Tabela 3).

 

 

 

Discussão

Em Salvador, os valores pagos aos hospitais integrados à rede SUS com internações de adolescentes, no ano de 1999, corresponderam a cerca de 9,0% do total dos gastos registrados, proporção esta bastante semelhante às médias desses gastos no Brasil e nas demais capitais, no mesmo ano, cujos valores foram de 9,4 e 8,9%, respectivamente.6

Apesar do custo individual relativamente baixo, chamou atenção a elevada proporção de hospitalizações por causas relacionadas a gravidez, correspondente a mais de 50,0% das AIH pagas e a cerca de 32,0% do valor total das AIH de adolescentes. Mesmo excluindo-se as internações relacionadas à gravidez de jovens de 18 a 19 anos, consideradas mais “aceitáveis”, do ponto de vista biológico, pelo fato de não acarretarem tantas complicações médicas como as ocorridas em idades inferiores, esse grupo de causas continuou representando, aproximadamente, a metade das hospitalizações, sendo 4,0% delas relativas a gravidez na adolescência precoce – ou seja, de menores de 15 anos. Embora gravidez e parto sejam naturais na vida de uma mulher, são eventos que não podem ser interpretados da mesma forma na adolescência, período em que ainda está em desenvolvimento a definição de identidade pessoal, sobretudo entre 10 e 14 anos de idade.

A gravidez, nessa etapa do desenvolvimento, principalmente na adolescência precoce, pode constituir uma fonte de complicações não só para a saúde da gestante, como também para a do concepto. Trata-se de uma fase da vida em que, sob vários aspectos, a mulher ainda é um ser em formação. Esse estado facilita o surgimento de fenômenos hemorrágicos, eclâmpsia e pré-eclâmpsia, prematuridade e baixo peso ao nascer, que demandam intervenções médicas e de serviços de saúde mais estruturados, conseqüentemente mais onerosos, também favorecendo a elevação da mortalidade infantil e materna.7-9

Vale salientar que, em 1999, 29,0% dos óbitos maternos ocorridos em Salvador foram de adolescentes de 15 a 19 anos, devidos a aborto, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, infecção puerperal e complicações de doenças pré-existentes – o que representa um risco de 39 óbitos por 100.000 nascidos vivos de mães nessa faixa etária, consideravelmente superior ao apresentado para mães de 20 a 29 anos (20,4 óbitos por 100.000 nascidos vivos).10

Tais ocorrências não são apenas explicadas pela imaturidade biológica. São resultantes, sobretudo, da interação de fatores socioeconômicos e culturais – baixos níveis de escolaridade e renda, vícios alimentares, famílias uniparentais – que levam essas gestantes a terem menos consultas de pré-natal, alimentação de baixa qualidade nutricional e menor nível de atenção pessoal. Na maioria desses casos, a gravidez acontece fora de relação conjugal estável, quase sempre não planejada, escondida pelo maior tempo possível e, pelo menos na fase inicial, rejeitada pela família – ou, quando aceita, implicando alteração da dinâmica familiar em aspectos financeiros e afetivos. Nesse quadro, ocorre reforço tanto da dependência familiar como de outros fatores de risco que já incidiram no aparecimento da gravidez e que podem se reproduzir em nova gravidez, um dos grandes problemas da paridade precoce no Brasil.9,11,12

Quanto às doenças do aparelho digestivo, elas apresentaram um custo intermediário entre os três mais representativos grupos de causa de internação e suas principais causas, as hérnias abdominais e as apendicites, foram as únicas que poderiam ser consideradas não evitáveis, dentro desse universo. Embora mais caras que as internações por causas relacionadas a gravidez, parto e puerpério, e apresentarem tempo médio de permanência semelhante, seu baixo volume numérico levou a um dispêndio menor de recursos.

Destacou-se, no presente estudo, o fato de as internações por causas externas terem sido responsáveis pelo maior desembolso de recursos do SUS para as internações do adolescente masculino; e, também, pelo segundo maior valor, tanto de internações como de recursos pagos, para o sexo feminino. Possivelmente, esse achado resulte dos custos mais elevados dos seus componentes, sobretudo dos serviços hospitalares, dos de apoio diagnóstico e terapêutico e de tratamento intensivo, bem como de seus maiores tempos de ocupação de leitos hospitalares. Essas causas apresentaram os maiores valores médios e as AIH de maior valor, entre os principais grupos de internação. Ademais, elas também foram responsáveis pelas maiores taxas de mortalidade, tornando ainda mais evidente a importância desse grupo de causas nos agravos à saúde do adolescente, reforçando as observações de estudos que revelam a participação crescente das causas externas nas estatísticas de mortalidade nesse grupo populacional no Brasil – que já constituem as principais causas básicas de óbito, sobretudo nos nossos grandes centros urbanos.13,14

Em Salvador, no ano de 1999, a mortalidade por causas externas foi de 48,3 óbitos por 100.000 habitantes adolescentes (10 a 19 anos), valor 700% superior ao da segunda principal causa de mortes, as doenças do aparelho circulatório, que correspondeu a 5,9 óbitos por 100.000 no mesmo período.10 Entretanto, as internações por esse último grupo de causas ocuparam apenas a oitava posição em número de hospitalizações, encontrarando-se entre as mais onerosas. Possivelmente, a baixa oferta de leitos e profissionais credenciados junto ao SUS para o atendimento hospitalar a patologias cardíacas – sobretudo as cirúrgicas, que exigem maiores recursos técnicos e humanos especializados – tenha contribuído para o seu pequeno percentual de internações.

O ônus financeiro do atendimento emergencial às conseqüências das causas externas recai, principalmente, sobre os serviços públicos de saúde, por se tratar de atendimentos muitas vezes complexos, que exigem elevados investimentos em termos de insumos físicos e de recursos humanos, sendo baixa a oferta desses serviços pela rede de custeio exclusivamente privada. Além desses fatores, o baixo poder aquisitivo da população mais atingida não favorece a demanda por serviços privados de saúde. Mesmo em países como os Estados Unidos, 70% a 90% dos custos de atendimento à violência recaem sobre os cofres públicos.15

Quando a demanda de apenas dois grupos de causas concentra quase metade do valor pago para o total de internações, não sobra muito da atenção dos gestores em saúde, nem dos recursos financeiros para serem despendidos no cuidado a outros tipos de agravos. Essa distribuição é ainda mais cruel quando se verifica que os principais motivos de internação são evitáveis.

Ambos os grupos estão inseridos em um contexto social que interfere na vida dos adolescentes, modificando e marcando caminhos, mutilando ou roubando anos de vida desses jovens. O efeito das seqüelas físicas e psicológicas, a interferência na dinâmica familiar e as realizações não concretizadas pelos anos potenciais de vida perdidos são impossíveis de ser inteiramente quantificados. E seu custo é imensurável. Um grande volume de verbas públicas é aplicado no atendimento às suas conseqüências, mas as medidas preventivas não têm recebido o mesmo nível de atenção, uma vez que demandam amplas alterações de políticas econômicas e sociais.

Nos Estados Unidos, programas de saúde voltados para a prevenção da gravidez na adolescência conseguiram redução acentuada dessas ocorrências, mas não impediram que esse continuasse a ser um dos grandes problemas da Saúde Pública nacional. As medidas de controle da epidemia de aids também têm contribuído para a redução dessas ocorrências naquele país, tendo em vista o reforço de ações voltadas à promoção de sexo seguro, com ênfase entre a população jovem. Entretanto, talvez pela suspeita de que se estejam alcançando os limites de influência do setor Saúde e sejam necessárias atuações mais eficazes fora dessa esfera, estão sendo estimulados e desenvolvidos programas visando à promoção do desenvolvimento global de jovens sem a abordagem de fatores de risco de comportamento sexual, demonstrando, nas avaliações realizadas, êxito na redução de gravidez na adolescência. Merece destaque o Youth Incentive Entitlement Employment Program (YIEEP), o Teen Outreach Program (TOP), o Seatle Social Development, e o Quantum Oportunities Programs.16,17

Ações têm-se mostrado com poder resolutivo na prevenção desses eventos, eficientes em grupos restritos, tais como oferta de bom nível de educação formal, de profissionalização, do primeiro emprego e de lazer, bem como acesso a serviços multiprofissionais especialmente planejados para o atendimento de adolescentes.11,18 Se aplicadas com maior cobertura populacional, integrando as políticas públicas, favoreceriam a elevação da auto-estima, dariam perspectiva de futuro, reduziriam os conflitos sociais e, provavelmente, levariam à modificação do perfil de internações aqui observado, permitindo aos planejadores voltarem suas atenções aos agravos que exigem investimentos específicos e que podem estar com sua importância sendo mascarada pela excessiva demanda dos problemas aqui apresentados.

 

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4. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria No 142, de 13 de novembro de 1997. Dispõe sobre o preenchimento de AIH em casos com quadro compatível com causas externas. Diário Oficial da União, Brasília, v. 135, n. 222, p. 26499, 17 nov. 1997. Seção 1.

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