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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.3 Brasília sep. 2003

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência de marcadores sorológicos e moleculares do vírus da hepatite B em gestantes do Estado do Amazonas, Brasil*

 

Prevalence of serologic and molecular markers of hepatitis B virus infection among pregnant women in Amazonas State, Brazil

 

 

Dagmar KiesslichI; Nelson Abrahim FraijiI; Myuki Alfaia CrispimII; Fernanda Ramos PereiraII; Ana Cristina MartinhoII; Sônia Cordeiro CampelloII; Tatiana Amaral AlmeidaII; Lorena dos Santos VásquezII

IFundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas e Universidade Federal do Amazonas, Manaus-AM
IIFundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas, Manaus-AM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) constitui um importante problema de Saúde Pública na Amazônia brasileira, onde a exposição precoce, durante a infância, ocorre em áreas de maior endemicidade. Com a finalidade de contribuir para as políticas regionais de controle do VHB na região, foi conduzido um inquérito de prevalência de marcadores sorológicos e moleculares do VHB entre 1.460 gestantes atendidas pelo Programa Pré-Natal, nas nove sub-regiões do Estado do Amazonas, Brasil. Entre essas sub-regiões, a prevalência do antígeno de superfície (HBsAg) variou de 0% a 8,7%; dos anticorpos anti-core (anti-HBc), de 5,3 a 75,9%; e de anticorpos anti-superfície (anti-HBs), de 10,6 a 73,4%. Entre as 46 gestantes reativas para o HBsAg, 36 (78,3%) foram positivas para VHB-DNA na reação em cadeia da polimerase (PCR). A carga viral de VHB-DNA foi menor que 1x103 cópias/ml em 73,9% das gestantes HBsAg-reativas; porém, 8,7% apresentavam níveis superiores a 1x105 cópias/ml, indicando infecção ativa. Os resultados encontrados mostram sub-regiões do Amazonas com elevada prevalência de VHB entre mulheres grávidas e, embora a maioria apresente baixa viremia, algumas podem representar risco potencial de transmissão mãe-filho, devido à elevada carga viral.

Palavras-chave: VHB-DNA; VHB em gestantes; marcadores sorológicos do VHB; carga viral do VHB.


SUMMARY

Hepatitis B virus (HBV) infection represents a serious health problem in Brazil´s Amazon basin, where early exposure during childhood occurs in areas with highest endemnicity. With an aim to contribute to the regional policies for HBV control in this region, a survey was conducted to determine the prevalence of serologic and molecular HBV markers among 1,460 pregnant women who attended prenatal health-care in nine sub-regions of Amazonas State (Brazil). In these sub-regions, the prevalence of HBV surface antigen (HBsAg) ranged from 0% to 8.7%, the prevalence of antibodies to HBV core antigen (anti-HBc) ranged from 5.3 to 75.9% and of antibodies to HBV surface antigen (anti-HBs) from 10.6 to 73.4%. Among 46 HBsAg-positive women, 36 (78.3%) were reactive for HBV-DNA using a polymerase chain reaction (PCR). HBV-DNA load was less than 1x103 copies/ml in 73.9%, but 8.7% had more than 1x105 copies/ml, indicating active infection. The results show some sub-regions of Amazonas State have a high prevalence of HBV markers in pregnant women and, although most of them have low levels of viremia, some women pose potential risk of mother-to-child transmission due to their high viral load.

Key words: HBV-DNA; HBV in pregnant women; HBV serologic markers; HBV viral load.


 

 

Introdução

A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) constitui um grave problema de Saúde Pública na Amazônia, conforme demonstram levantamentos soroepidemiológicos realizados na região.1-4 Entretanto, a distribuição dessa infecção é bastante heterogênea, encontrando-se uma maior prevalência de indivíduos expostos, ou portadores, nas áreas correspondentes à Amazônia Central e Ocidental.3-5

Embora não se disponha de estudos sobre as formas de transmissão predominantes na região amazônica, estima- se que a transmissão mãe-filho possa contribuir para a manutenção dessa endemia. A transmissão perinatal representa uma das vias mais eficazes de transmissão, e a que mais freqüentemente leva a seqüelas. Recém-nascidos infectados evoluem para cronicidade em cerca de 80 a 90% dos casos, condição fortemente associada ao posterior desenvolvimento de hepatite crônica, cirrose hepática e carcinoma hepatocelular.6,7 No período pós-natal, crianças cujas mães apresentam infecção crônica pelo VHB também têm uma maior probabilidade de ser infectadas e de evoluir para infecção persistente.8-10

Geralmente, a infectividade materna é avaliada segundo a reatividade ao antígeno “e” do VHB (HBeAg), uma vez que, na sua presença, a taxa de transmissão perinatal pode ser superior a 70%, quando não se utiliza a imunoprofilaxia específica.8

Estudos clínicos recentes têm demonstrado que indivíduos HBeAg-positivos apresentam níveis mais elevados de VHB-DNA do que indivíduos HBeAg-negativos, mas é possível encontrar níveis superiores a 105 cópias/ml entre os últimos, o que indicaria estado de portador ativo de infecção.11-14 Do ponto de vista da transmissão mãe-filho, os níveis de VHB-DNA maternos podem predizer melhor o risco de infecção, bem como a evolução crônica em recém-nascidos infectados, quando comparados à reatividade ao HBeAg.15,16

A exposição precoce ao VHB foi documentada em algumas áreas da Amazônia Ocidental, onde foi constatado que a maioria da população contraía a infecção ainda em idade pré-escolar.1

Considerando a importância dos inquéritos de base populacional no planejamento das intervenções em saúde, realizamos um estudo sobre a prevalência de marcadores sorológicos e moleculares do VHB, incluindo detecção dos níveis de VHB-DNA, em gestantes residentes no interior do Estado do Amazonas, Brasil.

 

Metodologia

População de estudo

Foi conduzido um estudo transversal entre gestantes atendidas pelo Programa Pré-Natal no período de novembro de 2000 a julho de 2001, no interior do Estado do Amazonas, Brasil. De acordo com o Anuário Estatístico do Amazonas, o Estado é constituído por nove sub-regiões definidas segundo suas características geográficas, que compreendem 62 municípios.17 A partir dos dados sobre o número de nascidos vivos, publicados pelo Datasus, estimou-se que o tamanho da amostra poderia ser alcançado com a coleta em dois municípios de cada sub-região, os quais foram selecionados por sorteio.18 Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se uma prevalência para o HBsAg igual a 2%, uma precisão de 2% e um erro de 5%, obtendo-se um tamanho mínimo de 189 gestantes para cada sub-região.

Todas as gestantes atendidas pelo Programa Pré-Natal, no período definido, foram convidadas. Foram excluídas somente aquelas que, apesar de comparecerem para atendimento pré-natal em município selecionado, não residiam nele. Afinal, 1.572 gestantes compareceram ao Programa Pré-Natal e foram encaminhadas à Agência de Coleta e Transfusão dos hospitais locais. Destas, 1.460 aceitaram participar do estudo, resultando em uma taxa de resposta de 93,0%. Foram submetidas a um questionário e à coleta de amostra de sangue, após consentimento por escrito.

Coleta de dados

O questionário constou de perguntas sobre a idade, naturalidade, local de residência, idade gestacional, antecedente de hepatite ou de convívio familiar com caso de hepatite. Foi coletada uma amostra de 10ml de sangue venoso em tubo de vidro, o qual, após coagulação, foi centrifugado a 3.000 rpm durante 5 minutos; o soro obtido foi conservado a -20oC. Regularmente, as amostras eram embaladas e encaminhadas, por via aérea, ao Laboratório de Pesquisa do Hemocentro do Amazonas, em Manaus, para a realização dos testes laboratoriais, acompanhadas dos questionários e dos termos de consentimento correspondentes.

Os profissionais envolvidos receberam treinamento e manuais operacionais elaborados de modo a padronizar os procedimentos de coleta, manipulação, identificação, preparo e envio de amostras, além do modo de preenchimento do questionário. Todos os materiais necessários foram fornecidos pelo projeto.

Testes sorológicos

Em todas as gestantes, foram realizados testes sorológicos para a detecção de HBsAg, anti-HBs e anti-HBc. As amostras reativas para HBsAg e anti-HBc foram submetidas à pesquisa de HBeAg e de anti-HBe. Na identificação dos marcadores sorológicos, foram empregados testes imunoenzimáticos disponíveis comercialmente (Organon Teknika). Todas as amostras consideradas reativas, ou indeterminadas, foram retestadas em duplicata; as amostras reativas para o HBsAg foram submetidas ao teste confirmatório com anticorpos neutralizantes (Organon Teknika). Segundo o fabricante, os limites de sensibilidade analítica para os testes empregados foram: 0,22 ng por ml para o HbsAg; 0,7 unidades Instituto Paul Erlich (U PEI) para o anti-HBc; 0,3 U PEI para o HbeAg; e 5 U PEI para o anti-HBe. No teste para detecção do anti-HBs, uma densidade ótica correspondente a 10 mUI por ml, ou mais, foi o critério de soropositividade. De acordo com o fabricante, a sensibilidade clínica e a especificidade eram superiores a 99%, em todos os testes utilizados.

No caso de identificação de gestante reativa para o HBsAg, informava-se, imediatamente, a Agência Transfusional e o Programa Pré-Natal, para encaminhamento ao médico local, previamente contatado. Para as mães HBsAg-reativas, testes adicionais, incluindo diagnóstico sorológico do bebê, foram oferecidos. Os demais resultados foram enviados, individualmente, ao Programa Pré-Natal, juntamente com orientações sobre a interpretação dos marcadores sorológicos do VHB, para o posterior atendimento local às gestantes.

Todas as amostras reativas para HBsAg ou soropositivas, concomitantemente, para os marcadores anti-HBc e HBeAg, foram submetidas à pesquisa qualitativa e quantitativa de VHB-DNA. Na detecção qualitativa, foi empregada a reação em cadeia da polimerase (PCR); e na quantitativa, um conjunto diagnóstico disponível comercialmente.

Detecção qualitativa de VHB-DNA por reação em cadeia da polimerase (PCR)

O DNA foi extraído a partir de 250µl de soro pelo método do fenol-clorofórmio, posteriormente precipitado com etanol a 90%. Uma primeira amplificação por PCR foi realizada, empregando-se 2µl do extrato de DNA e 1mM dos iniciadores S1-1 e S1-2 da região S do genoma viral, para um volume total de reação de 50µl, nas seguintes condições: 94oC por 1 minuto, 55oC por 1,5 minutos e 72oC por 2 minutos, em 35 ciclos. Uma segunda amplificação foi realizada com os iniciadores internos S2-1 e S2-2, empregando-se 5µl do primeiro produto amplificado, nas mesmas condições de tempo e temperatura da primeira reação, porém em 28 ciclos. Uma alíquota de 10µl do produto da segunda amplificação foi submetida à eletroforese em gel de agarose a 1,5%, com o corante brometo de etídio. Sob exposição à luz ultravioleta, o tamanho dos produtos foi comparado a padrões para identificação do número de pares de base.

Amostras-controle positivas e negativas foram incluídas em todas as reações. O limite de sensibilidade do PCR foi estabelecido com amostras-controle, previamente quantificadas, as quais foram diluídas em soro negativo e incluídas, paralelamente, nas reações. Amostras positivas foram retestadas com o mesmo procedimento; e amostras com resultados discrepantes, ou negativas, foram testadas empregando-se, na etapa de extração de ácidos nucléicos, o reagente comercial Ex.R&D (Genome Science, Tóquio, Japão). Obteve-se, como limite inferior de detecção, 100 cópias por ml com o primeiro procedimento de extração; e 70 cópias por ml com o segundo.

Quantificação da VHB-DNA

A quantificação dos níveis de VHB-DNA foi realizada com o ensaio comercial Amplicor HBV Monitor (Roche, EUA), segundo as instruções do fabricante. O ensaio compreende quatro etapas: 1) preparação da amostra por centrifugação, lise e neutralização; 2) amplificação por PCR utilizando iniciadores específicos para o VHB e para o controle interno da reação; 3) hibridização do produto amplificado com sondas específicas para os dois alvos; e 4) detecção colorimétrica do produto amplificado. Os níveis de VHB-DNA são determinados pela razão entre a densidade ótica obtida com a sonda HBV e a densidade ótica obtida com a sonda do controle interno, para cada amostra. Essa razão é comparada a uma curva-padrão, estabelecida a partir da amplificação, na mesma reação, de seis diferentes padrões quantitativos. Segundo o fabricante, o ensaio quantifica títulos de VHB-DNA entre 103 e 4x107 cópias por mililitro.

Análise dos dados

Os questionários e os resultados dos testes laboratoriais foram codificados e armazenados pelo programa EPI Info, versão 6.04C.

As variáveis categóricas foram comparadas por meio do cálculo do qui-quadrado e, nos casos em que este não era aplicável, empregou-se o teste exato de Fisher. Correlações entre variáveis foram identificadas por análise de regressão.

Em todas as análises, estabeleceu-se um alfa igual a 0,05 como limite de confiança para a rejeição da hipótese nula.

Considerações éticas

O protocolo de estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, uma vez que todos os procedimentos atendiam à Resolução No 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

 

Resultados

A idade das 1.460 participantes variou de 12 a 47 anos (mediana de 22 anos); e a idade gestacional, entre 2 e 9 meses (média de 5,2 meses). Referiram história prévia de hepatite 132/1392 (9,5%) participantes; e o convívio familiar com caso de hepatite foi relatado por 541/1308 (41,1%). Considerando-se a procedência, 1.121 (76,8%) gestantes residiam em zona urbana.

Prevalência de marcadores sorológicos

Foram confirmadas 46 (3,2%) gestantes soropositivas para o HBsAg, todas também apresentando o anti-HBc. Na Tabela 1, encontra-se a distribuição do tamanho amostral e a prevalência de HBsAg nas sub-regiões do Estado do Amazonas, destacando-se o elevado percentual de positividade para esse marcador na sub-região do Rio Juruá.

 

 

Entre as gestantes HBsAg-positivas, 9 (19,6%) foram reativas para o HBeAg, as quais eram procedentes das sub-regiões do Alto Solimões, Juruá e Purus, sendo essa reatividade independente da idade (p=0,31). Para o anti-Hbe, encontramos 35 (76,1%) positivas, sendo 1 reativa, concomitantemente, para o HBeAg, e 3 (6,5%) negativas para ambos os marcadores.

Excluindo-se as gestantes HBsAg-positivas, os resultados encontrados para os marcadores anti-HBc e anti-HBs estão apresentados na Tabela 2. Observe-se que 542 (38,3%) foram positivas para o anti-HBc e 574 (40,6%) para o anti-HBs; e que em 424 (73,8%) destas, havia concomitância de ambos os marcadores, indicando imunidade naturalmente adquirida. Foi encontrada uma associação significante entre a sub-região de residência da gestante e a presença dos marcadores anti-HBc e anti-HBs, com freqüências mais elevadas nas sub-regiões dos rios Purus e Juruá (p<0.001). Na Figura 1, apresentam-se, conjuntamente, as prevalências de HBsAg, anti-HBc e anti-HBs nas nove sub-regiões do Estado do Amazonas.

 

 

 

 

Entre as 542 gestantes reativas para o anti-HBc, pesquisou-se, ainda, a presença de HBeAg e de anti-HBe, tendo sido encontradas 8 (1,4%) positivas para o primeiro e 267 (49,6%) positivas para o segundo marcador. O anti-HBc foi detectado, isoladamente, em 68 (12,5%) amostras; nas demais, foi acompanhado por outro marcador.

A distribuição dos marcadores sorológicos segundo os grupos etários da população de estudo encontra-se apresentada na Figura 2, onde pode-se verificar um predomínio do anti-HBs no grupo com idade inferior a 20 anos; e do anti-HBc entre as gestantes com 30 anos ou mais. Foi encontrada associação significante entre os grupos de idade e a positividade para o anti-HBs (36,3-46,8%; p=0.01) e para o anti-HBc (33,2-54,2%; p=0.00), enquanto a freqüência relativa do HBsAg foi semelhante nos diferentes grupos (3,1-3,4%).

 

 

Detecção qualitativa e quantitativa de VHB-DNA

Entre as 46 gestantes reativas para HBsAg, 36 (78,3%) foram positivas para o VHB-DNA na PCR; e todas as 9 HBeAg-positivas apresentavam DNA detectável no teste qualitativo, incluindo a gestante que apresentava, concomitantemente, o anti-HBe. Nas 34 reativas somente para o anti-HBe, a PCR identificou 25 (73,5%) positivas. Das 3 gestantes em que ambos os marcadores estavam ausentes, a PCR foi positiva em 2 e negativa em 1.

A análise quantitativa mostrou que 34 (73,9%) gestantes apresentavam níveis de VHB-DNA inferiores a 1.000 cópias/ml, limite mínimo de detecção do teste empregado. Entre as demais, 8 (17,4%) apresentavam níveis entre 103 e 105 cópias/ml; e 4 (8,7%) mostraram níveis acima de 105 cópias/ml, indicativos de infecção ativa. Entre estas últimas, 2 portavam títulos acima do limite superior de detecção do teste, ou seja, 4x107 cópias/ml. Os resultados proporcionais, obtidos na quantificação viral das gestantes HBsAg-reativas, estão apresentados na Figura 3.

 

 

Considerando-se as 12 mulheres cujos resultados estavam acima do limite inferior de detecção, o valor da mediana para a carga viral foi igual a 103.7 cópias/ml; entre as amostras HBeAg-positivas, esse valor foi de 106.2 cópias/ml; e entre as HBeAg-negativas, 103.0 cópias/ml. Não foi encontrada relação entre a quantidade de viremia e a idade das gestantes.

Entre as 34 gestantes cujos resultados encontravam-se abaixo de 1.000 cópias/ml, o teste qualitativo detectou VHB-DNA em 24 (70,6%); e nas amostras acima desse limite, todas foram positivas na PCR.

Nas 8 amostras reativas para o anti-HBc acompanhado do HBeAg, 4 apresentavam VHB-DNA detectável na PCR. Entretanto, na quantificação viral, 7 amostras ficaram abaixo do limite de detecção do teste e 1 apresentou 103.2 cópias/ml. Ressalte-se que, nesta última, a pesquisa do HBeAg mostrou-se fortemente reativa no teste imunoenzimático (razão DO/CO=15,69), enquanto, nas demais, a leitura das amostras foi próxima ao valor do ponto de corte (a razão DO/CO variou entre 1,76 e 2,78), indicando uma fraca reatividade para esse marcador.

 

Discussão

No Estado do Amazonas, a prevalência de marcadores sorológicos de infecção, ou de exposição ao VHB, mostrou ser bastante heterogênea, configurando áreas de baixa, média e elevada endemicidade, segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS).19 A prevalência geral foi igual a 3,2% para HbsAg, e de 38,3% para anti-HBc, embora na Amazônia Ocidental, particularmente nas regiões dos rios Juruá e Purus, a presença de antigenemia tenha sido detectada em 4 a 8% das gestantes pesquisadas. Estudos semelhantes, realizados em outras regiões do país, identificaram 0,4 a 1,0% de gestantes HBsAg-positivas no Estado de São Paulo, e 1,7% na Bahia. Em países desenvolvidos, a proporção de gestantes portadoras é, geralmente, menor que 1% entre não-imigrantes, variando segundo a condição socioeconômica e a paridade.20-26

A freqüência de gestantes anti-HBs-positivas também mostrou-se elevada, uma vez que 40,6% da população estudada foi reativa para esse marcador, apesar de a maioria (73,8%) apresentar, conco-mitantemente, o anti-HBc, indicando desenvolvimento de imunidade a partir da exposição natural.

A vacinação para hepatite B foi introduzida no Estado do Amazonas em 1989, quando o Ministério da Saúde recomendou a vacinação prioritária de municípios da Amazônia Ocidental. Inicialmente, foram imunizadas crianças de até 9 anos residentes nos municípios das bacias dos rios Juruá e Purus, estendendo-se, posteriormente, para menores de 15 anos em outros locais com maior prevalência.27,28 Provavelmente, a amostra deste estudo incluiu indivíduos vacinados a partir de 1989, já que o anti-HBs foi o marcador predominante entre as gestantes mais jovens, com idade inferior a 20 anos. Como a presença do HBsAg não variou com a idade, esses resultados poderiam sugerir que a vacinação na coorte de gestantes jovens teria ocorrido tardiamente, não podendo evitar a evolução crônica das infecções na primeira infância.

O alto percentual encontrado de gestantes HBsAg e ou anti-HBc-positivas revela a vulnerabilidade à infecção das populações amazônicas, apesar da disponibilidade da vacina. De acordo com o Ministério da Saúde, a cobertura da imunização contra hepatite B foi de 64.8% entre menores de 1 ano do Estado do Amazonas, em 2000.29

A avaliação das variáveis que contribuem para a falência do desenvolvimento de adequada resposta imune na infância aponta, como responsáveis, alguns fatores maternos – presença de HBeAg, níveis de VHB-DNA e procedência da mãe, por exemplo –, e outros fatores relacionados à criança – baixo peso ao nascer e sexo masculino.15,16,26,30-32

Em nosso estudo, identificamos que os níveis de VHB-DNA são baixos na maioria das gestantes (73,9%). Contudo, em áreas de maior prevalência de infecção, é possível encontrar portadoras com altos títulos de viremia, uma vez que, entre 4 residentes das sub-regiões dos rios Juruá e Purus, detectamos níveis de VHB-DNA superiores a 105 cópias/ml – ponto de corte sugerido para identificação de portadores ativos. Esse achado indica, também, um risco potencial de transmissão vertical nesses locais. A presença do HBeAg mostrou ser um marcador indireto de viremia, uma vez que mães soropositivas apresentavam títulos mais elevados do que mães soronegativas.

Estudos que têm procurado quantificar a carga viral de indivíduos com infecção pelo VHB descrevem, consistentemente, que os níveis de DNA são baixos entre assintomáticos, com diferenças significantes estatisticamente, quando comparados aos níveis de DNA de sintomáticos.14,33,34 Entretanto, a comparação entre esses estudos torna-se difícil, em virtude do emprego de diferentes metodologias de quantificação que utilizam distintas unidades de medida da carga viral. A análise comparativa de três ensaios quantitativos mostrou que, entre eles, não há correspondência no valor da carga viral, apesar de haver uma relação linear entre os títulos mensurados.35

De um modo geral, os estudos selecionam os grupos a serem investigados entre populações institucionais, o que dificulta a comparação com os achados desta pesquisa de base populacional. Recentemente, estudo realizado entre doadores de sangue africanos demonstrou que 75% de doadores HBsAg-reativos apresentavam títulos inferiores a 10.000 IU por ml, confirmando uma baixa viremia para populações aparentemente saudáveis.36

Os resultados apresentados confirmam a importância da infecção pelo VHB na Amazônia Ocidental, onde algumas sub-regiões do Estado do Amazonas registram elevada prevalência dessa infecção entre gestantes. A identificação de algumas portadoras de altas viremias poderia implicar risco para a transmissão mãe-filho. É necessário, portanto, adotar políticas regionalizadas que permitam garantir o acesso ao diagnóstico da infecção – inclusive durante o atendimento pré-natal – e o acompanhamento clínico dos portadores. Estudos adicionais sobre a avaliação do estado imunitário de crianças nascidas em áreas de maior prevalência do VHB seriam pertinentes.

 

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Endereço para correspondência:
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*Estudo financiado pelo Projeto Vigisus/Fundação Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, por meio de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).