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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.4 Brasília dez. 2003

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000400002 

ENSAIO

 

Saúde e vigilância ambiental: um tema em construção

 

Health and environmental surveillance: building the theme

 

 

Lia Giraldo da Silva Augusto

Departamento de Estudos em Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz, Recife-PE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A evolução do perfil epidemiológico brasileiro, com a incorporação crescente de novos agravos à saúde decorrentes da industrialização e urbanização tardia e acelerada, exige um novo modelo de vigilância à saúde com ênfase nos aspectos de promoção e prevenção. O presente artigo procura abordar alguns conceitos fundamentais para o entendimento da Vigilância em Saúde Ambiental como um campo da Saúde Coletiva, e oferecer subsídios à construção de ações para o Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, foi destacada a importância da integração disciplinar ao processo de compreensão global das problemáticas socioambientais, na perspectiva da interdisciplinaridade. O tema foi desenvolvido nos marcos da Saúde Coletiva que, para a compreensão do processo saúde-doença, relaciona os elementos sociais, ambientais e produtivos no estudo da causalidade em saúde, na perspectiva da complexidade. Uma bibliografia recente serviu para introduzir elementos críticos aos conceitos usualmente adotados, tais como Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Risco, Causa, Contexto e Interdisciplinariedade. A construção de um sistema de Vigilância Ambiental para a Saúde Pública requer um modelo de compreensão da realidade que seja capaz de organizar as ações de promoção e prevenção, para melhorar a qualidade dos serviços como um todo e, ainda, oferecer subsídios às políticas de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: vigilância ambiental; risco; interdisciplinariedade; desenvolvimento sustentável.


SUMMARY

The evolution of the epidemiological patterns in Brazil, with increasing incorporation of new diseases resulting from industrialization and urbanization, demands a new model of monitoring with emphasis on health promotion and prevention. This article discusses some basic concepts related to Environmental Health Surveillance in the field of Collective Health, and offers support to build actions in the scope of the Brazilian National Unified Health System (SUS). The importance of the distinct disciplines to the process of global understanding of the problematic social environment relationship in the way of interdisciplinarity is emphasized. The subject was developed in landmark accomplishments of Collective Health, mainly when relating the social, environment and productive elements in the systems of study of causality in health in relation to a complex system. A recent bibliography served to introduce critical elements to the usually accepted concepts, such as Environment, Sustainable Development, Risk, Cause, Context and Interdisciplinarity. The construction of an Environmental Health Surveillance system requires another capable model to organize the actions of health promotion and prevention, to improve the quality of health services as a whole and to offer subsidies for sustainable development policies.

Key words: environmental surveillance; risk; interdisciplinarity; sustainable development.


 

 

Natureza, sociedade e desenvolvimento

O pensamento hegemônico de que a natureza é infinitamente pródiga de recursos materiais e energéticos, com capacidade reparadora ilimitada, fez com que as sociedades humanas utilizassem e abandonassem o próprio habitat (echo). Esse processo afetou profundamente a qualidade do ambiente e de vida de suas populações. O particular modo de apropriação e de dominação dos recursos naturais das sociedades industriais evidencia-se, hoje, nos conflitos ou problemas relacionais emergentes, comuns a toda a humanidade. São problemas que afetam fortemente as relações entre os seres humanos (diferenças culturais, econômicas, étnicas, religiosas), das sociedades entre si (países do Norte sobre os do Sul) e das sociedades com a natureza (exploração dos recursos naturais).1

Os conflitos gerados no processo de produção, historicamente relacionado aos sistemas de cada sociedade, aos quais estão ligados, são decorrentes da exploração e da dominação e revelam que “tanto se explora a natureza como também o homem que trabalha; contamina-se o ar como também o trabalhador da indústria contaminante; contamina-se o solo com agrotóxicos como também o trabalhador rural que os aplica”.1 O modelo científico positivista, unificador do conhecimento e homogeneizador do mundo, deu sustentação a uma racionalidade economicista e instrumental, impregnando a prática das instituições com seus critérios de dominação e exploração.1

A mesma racionalidade observa-se na estruturação burocrática dos serviços públicos, sua forma vertical e compartimentada, estanque e com poucas relações horizontais, que apenas serve para obedecer, funcionalmente, ao poder instituído que reproduz sua história oficial e sua unidirecionalidade. O projeto de transformação que se caracteriza pela diversidade, complexidade da realidade, construção coletiva e participativa, ainda tem pouco lugar na forma tradicional – autoritária e centralizada – de exercício das políticas públicas.

A visão simplificada dos processos socioambientais, efetivamente complexos, torna impossível o reconhecimento dos fatos de maneira global e uma visão mais ampla dos fenômenos e dos conflitos em jogo, que permitiriam abordar o problema na sua integralidade.

O reconhecimento das multicausas e da importância dos contextos socioambientais e culturais, em que os problemas da vida humana são conformados, é fundamental para, efetivamente, transformar as nocividades geradas pela ação do homem no ambiente e, assim, melhorar a qualidade de vida.2

É uma questão-chave: o entendimento de que a complexidade é dada pelas relações entre as partes e o todo, que, por sua vez, é diferente da simples soma delas.3 Esse novo modo de compreensão das relações do homem com a natureza permite construir estratégias para a Sustentabilidade – também uma tese construída no campo da Saúde Coletiva enquanto pensamento contra-hegemônico.

A Ecologia é um conceito e deve ser entendida como uma ciência de relações e não apenas centrada nos aspectos biológicos, em detrimento dos socioculturais.4 Assim como a Saúde, ela atravessa diversos campos disciplinares e é fundamental para fortalecer o conceito mais amplo (de Saúde) cunhado na Reforma Sanitária Brasileira.5

A Sustentabilidade, por sua vez, é um conceito novo e que serve para traduzir um tipo de desenvolvimento sob um real Estado de Direito, sem iniqüidades, baseado na concepção de mundo como um conjunto de “sistemas inter-relacionados (complexos), do qual fazemos parte como seres culturais por natureza e naturais por cultura”;3 e que precisa ser interna-lizado, mediante políticas públicas setoriais, para não ser reduzido à retórica macroeconômica.

O conceito de Sustentabilidade tem sido utilizado para caracterizar o tipo de desenvolvimento “que não esgota mas conserva e realimenta sua fonte de recursos naturais, que não inviabiliza a sociedade mas promove a repartição justa dos benefícios alcançados, que não é movido apenas por interesses imediatistas mas sim baseado no planejamento de sua trajetória e que, por estas razões, é capaz de manter-se no espaço e no tempo”.4

O discurso do Desenvolvimento Sustentável não é homogêneo, está marcado e é diferenciado em função dos interesses ambientais de diversos setores sociais, políticos e econômicos envolvidos no processo de desenvolvimento. Esse processo não se pode traduzir apenas em um conjunto de metas, como, por exemplo, a Agenda 21. Na realidade, implica modificações econômicas e sociais profundas.2

 

Implicações para a Saúde Pública

Se, então, o novo paradigma é o desenvolvimento sustentável, a busca da saúde e de melhor qualidade de vida tem, para ele, um valor estratégico. As políticas públicas em saúde podem servir de eixo estruturador para esse objetivo.

Há certo consenso de que uma importante estratégia para promover a sustentabilidade é dada pela importância da participação local e pela revisão da forma como as pessoas vivem e trabalham.

A busca da sustentabilidade alicerça-se em dois princípios ou diretrizes gerais. O primeiro, de que o desenvolvimento seja orientado para a transformação das realidades e fundamentado no equilíbrio entre a natureza e a cultura, superando a ruptura entre o sujeito e o objeto.1 As problemáticas reais locais, regionais, nacionais e internacionais, incluindo aí os conflitos cotidianos, devem ser tratadas sob uma ótica global. O segundo é o de privilegiar as intervenções ou as pesquisas que utilizem práticas ou métodos participativos e interdisciplinares.

Traduzindo esses dois princípios ou diretrizes para a Saúde Pública, propõe-se que, na construção coletiva, promovida e desenvolvida entre as equipes de saúde, colaboradores e membros das comunidades mobilizados, sejam valorizados os aportes, as interpretações e os saberes de todos. Assim, os caminhos da cooperação serão buscados com uma atitude essencialmente participativa, crítica e solidária.

A apropriação efetiva da realidade, reconhecendo situações problemáticas vivenciadas, refletidas e objeto de intervenção, permite que todos os participantes transformem-se em sujeitos e promotores da compreensão da realidade e das mudanças necessárias ao desenvolvimento sustentável. Os profissionais de saúde são, igualmente, educadores; como tais, “confirmam o mundo que vivem ao serem educados no educar”.1

As ações de educação e pedagogia para o desenvolvimento sustentável são aquelas que têm como missão desenvolver vínculos, animar a reflexão crítica conjunta, valorizar as diferenças, a formação e a defesa de idéias. São ações cuja expressão deve reforçar a autoestima, a busca de identidade, o fortalecimento da luta pela sustentação da dignidade e a solução pacífica e democrática dos conflitos humanos.5

O processo de evolução do quadro epidemiológico, com a incorporação crescente de novos agravos à saúde decorrentes da industrialização e urbanização tardia e acelerada, exige um novo modelo de vigilância em saúde com ênfase na promoção e na prevenção de riscos.

 

Evolução conceitual do ambiente na perspectiva da saúde humana

Os sinais da crise ambiental no âmbito global (efeito estufa; aquecimento dos mares; comprometimento da camada de ozônio) e na saúde individual (intoxicações químicas; câncer; malformação congênita; doenças neurológicas, imunológicas e respiratórias; estresse; dependência de drogas; violência) são evidentes e reconhecidos amplamente.

A saúde das populações também sofre os efeitos desses desequilíbrios e desigualdades, refletidos nos perfis epidemiológicos. Por exemplo: o aumento da violência urbana e rural; a fome; a infância desamparada; o trabalho infantil; os acidentes de trânsito e de trabalho; e a poluição ambiental e a degradação dos espaços urbanos e solos cultiváveis, bem como a contaminação dos mananciais utilizados para abastecimento de água.5

Todas essas condições fazem com que a qualidade de vida diminua e coloque em risco a própria sobrevivência no planeta, tirando das futuras gerações a oportunidade de acessar os recursos naturais que a Terra nos oferta.6

Nos últimos 20 anos, dado o quadro de riscos ambientais para a saúde em nível mundial, vem-se desenvolvendo, no campo das Ciências da Saúde, a denominada Saúde Ambiental (Environmental Health), de caráter multidisciplinar.4

Até pouco tempo atrás, no setor Saúde, a dimensão de ambiente era compreendida pelo homem como externa a ele, traduzida pelas expressões “ambiente físico”, “ecossistema” ou “espaço geográfico”. Mais recentemente, o tema foi ganhando relevância no Sistema Único de Saúde (SUS), que incorporou a Vigilância Ambiental ao Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde (SNVA).6 Hoje, no âmbito do SUS, amplia-se a compreensão de que há um ambiente maior e relacional, em que as ações de promoção da saúde devem ser implementadas levando- se em consideração o ambiente onde as pessoas residem e trabalham.

A teoria dos sistemas tem sido proposta como uma alternativa de maior força explicativa para a compreensão do processo saúde-doença, concebido como um complexo heterogêneo de elementos que se relacionam, são interdependentes e historicamente determinados.

Esse processo dinâmico de interdependência cria uma estrutura e define o que é interno (o que está ordenado e é passível de controle) e o que é externo ao sistema (não ordenado, fora de controle). Assim, pode-se compreender o ambiente enquanto algo externo e considerá-lo como tudo aquilo que importa, mas não se pode controlar.2

Resumindo: para que os riscos ambientais sejam tratados como um problema para a Saúde, isto é, passível de solução ou controle, o ambiente deve ser internalizado à política, ao diagnóstico, ao planejamento e às ações de saúde.

O sistema, por sua vez, tem que deixar de ser visto como fechado (ou mecânico) e sim aberto, interagindo com o meio que dele faz parte e que é conformado pelo contexto. Para atender a essa nova abordagem, os modelos explicativos tradicionais de tipo causa-efeito não são suficientes.2 Segundo Garcia,4 o sistema tem suas regras lógicas. Destacamos as seguintes: “o todo (sistema) é diferente da soma de suas partes”; “o caráter de um sistema é dado pelas relações de suas partes”; e “o ambiente é uma entidade centrada em um sistema”. Essa compreensão de sistema pode responder a uma visão científica e holística – não cartesiana – dos problemas ambientais, fundamental para a compreensão da Saúde Coletiva.

 

Vigilância em Saúde Ambiental

O termo Vigilância, nas questões de saúde, tem sua origem nas ações de isolamento e quarentena.5 Após a II Guerra Mundial, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA) do período da Guerra Fria, o conceito de Vigilância esteve associado à idéia de “inteligência”, em razão dos riscos de guerra química e ou biológica.7 Hoje, assistimos à retomada desse discurso, principalmente diante das ameaças do chamado bioterrorismo.5

Nos EUA, a vigilância evoluiu, passando a significar a ação coordenada para controle de doenças na população, constituída de monitoramento, avaliação, pesquisa e intervenção.8 No Brasil, até a década de 50 do século passado, o conceito de Vigilância era compreendido como o conjunto de ações de observação sistemática sobre as doenças na comunidade, voltadas para medidas de controle. Somente a partir da década de 60, essas ações ganham uma estruturação de programa, incorporando as medidas de intervenção.7

Desde então, essas ações foram estendidas ao controle da produção, do consumo de produtos e da fiscalização de serviços de saúde, sob a denominação de Vigilância Sanitária. Posteriormente, evoluiu-se para um sistema de vigilância capaz de identificar os dados epidemiológicos e os fatores que os condicionam.8

Por recomendação da 5a; Conferência Nacional de Saúde de 1975, a Lei No 6.259/75 e o Decreto No 78.231 de 1976 instituíram o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE),6 com atribuição de controle e fiscalização dos padrões de interesse sanitário de portos, aeroportos e fronteiras, medicamentos, cosméticos, alimentos, saneantes e bens.8

As ações de controle sobre o meio ambiente relacionadas à saúde – como a vigilância da qualidade da água para o consumo humano5 – embora restritas, estiveram, até o final da década de 90, subordinadas à Vigilância Sanitária.

As ações de vigilância foram agrupadas em Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária, ambas com praticamente os mesmos objetivos: prevenir e controlar os riscos e agravos à saúde.6

A Vigilância Epidemiológica, segundo a Lei Orgânica de Saúde – Lei No 8.080, de 1990 –9, é “o conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção e a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”.

A Vigilância Sanitária, segundo a mesma Lei, refere-se “ao conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”. As ações dessas duas vigilâncias têm caráter complementar e devem ser praticadas em conjunto.

Foi apenas na década de 80 que “a vigilância passou a ser apresentada mais claramente sob o ponto de vista de articulação com outras ações de saúde”.7 Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC),7 por exemplo, definiram esse novo sistema onde “as ações referentes aos dados coletados (coleta, análise e interpretação) se articulam à informação periódica como instrumento da prevenção”, o que implica uma ação de controle sobre os riscos ambientais para a saúde.

Também no Brasil, somente em meados da década de 80 é que são promovidas iniciativas para se instituir, no âmbito do setor Saúde, ações de Vigilância da Saúde do Trabalhador e do Meio Ambiente, de acordo com a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Saúde de 1990. Mas é a partir do ano 2000 que o Ministério da Saúde formula a denominada Vigilância Ambiental,10 onde “a vigilância ambiental em saúde se configura como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variável ambiental”.

Atualmente, encontra-se constituído o Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde, SNVA, que “prioriza a informação no campo da vigilância ambiental, de fatores biológicos (vetores, hospedeiros, reservatórios, animais peçonhentos), qualidade da água para consumo humano, contaminantes ambientais químicos e físicos que possam interferir na qualidade da água, ar e solo, e os riscos decorrentes de desastres naturais e de acidentes com produtos perigosos” (Decreto no 3.450, de 10 de maio de 2000).10

O processo de transição epidemiológica em curso exigiu de todos os países uma atuação sobre os riscos de acontecer um evento não desejável e não apenas atuar sobre ele – o que se denomina Prevenção e implica, necessariamente, deslocamento do foco da doença para o da saúde. A abordagem inicial, centrada no nível individual, passa, conseqüentemente, a dar maior importância ao coletivo, onde se encontram os desafios de um novo tempo para a Saúde.

 

O novo enfoque

A necessidade de monitorar o ambiente é decorrente do reconhecimento de que ele não é dado, mas está em permanente construção e transformação pela ação do homem e da própria natureza. Nos setores ambientais e do trabalho, adota-se o termo Monitorar, para o qual são utilizados indicadores quantitativos, geralmente.

Entretanto, para a Vigilância em Saúde, sob a ótica da Saúde Coletiva, monitorar é mais do que um ato de medição instrumental. Aqui, a monitoração tem por objetivo qualificar as condições de contexto e elementos diretamente envolvidos no processo de causalidade, para atuar de forma permanente na sucessão de estados que conformam o processo saúde-doença. Nesse sentido, também é necessário incorporar dados qualitativos e utilizar a triangulação metodológica para se alcançar maior aproximação com a realidade.11

Em Vigilância Ambiental, a prevenção é a preocupação central. Prevenção, aqui, é utilizada com o significado de ação antecedente, algo ligado ao curso do tempo.7

O conceito de História Natural das Doenças, que se propunha a criticar a teoria monocausal oriunda da bacteriologia, introduziu a noção de multicausalidade. Levell e Clark12 foram os autores desse modelo, conceituando a História Natural da Doença como o “conjunto de processos interativos que cria o estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até às alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte”.

Nesse modelo, são evidentes dois campos independentes de determinação da doença: o meio externo ou meio ambiente, onde estão os fatores causais; e o meio interno, onde se desenvolve a doença – o homem.7 Os fatores externos são classificados como de natureza biológica, física, química, social, cultural e política. Esse modelo propõe uma evolução do processo da doença, que vai do período pré-patogênico ao patogênico. Baseando-se nessa evolução, os autores propuseram medidas de prevenção em três níveis: primário (pré-patogênico), secundário e terciário. Os dois últimos correspondem ao período patogênico, cujo enfoque está no indivíduo, enquanto, no primeiro, o enfoque é tanto individual como coletivo. Foi essa construção teórica que consagrou o termo Prevenção.7

O modelo da História Natural da Doença significou um avanço sobre o modelo monocausal, mas não permitiu uma compreensão da complexidade do processo saúde-doença, com as inter-relações e interdependências dos elementos que o compõem. Ao contrário, seu foco é a causa imediata. Os elementos do processo são colocados em um mesmo nível hierárquico, onde o ambiente é colocado como algo externo, portanto, fora de controle. Como conseqüência, a atitude para com o ambiente passa a ser fatalista, o que imobiliza as ações de controle dos riscos ambientais para a saúde.

 

Uma nova compreensão da causalidade

Com a crescente importância de eventos e doenças não relacionadas com agentes biológicos transmissíveis, houve a exigência de agregar-se mais um nível de prevenção, ditado pelas condições social, econômica e cultural das populações que não podem mais ser reduzidas a um único agente causal. Para o qual, aliás, não haveria uma vacina ou antibiótico capaz de prevenir ou curar. Então, o foco das ações passou, obrigatoriamente, para as condições determinantes.

Fica evidente a importância de se distinguir a diferença entre Risco e Causa, e desta com o Contexto:7 Causa é o que produz. Contexto são as condições que, por si, não levam ao acontecido (evento, efeito), mas que sem ele o evento não ocorre. A causa pode ser removida, pode desaparecer pela adoção, por exemplo, de medidas técnicas, enquanto o contexto é mais perene, para modificá-lo é necessária a intervenção de processos sociais e culturais mais complexos, e não meramente pontuais”.

Para ilustrar essa importante diferença conceitual, podemos dar os seguintes exemplos:

• Na investigação de um acidente de trabalho, o contexto é conformado pelas características do processo produtivo, política de recursos humanos, condições de vida do trabalhador; a causa, dependendo do tipo de acidente, pode ser uma prensa sem mecanismo protetor, a falta de manutenção de uma máquina, o vazamento de uma tubulação, um curto circuito, o piso irregular, o rompimento de um cabo etc.

• Se investigássemos um determinado incêndio, o contexto poderia ser a área inadequada para armazenamento de produtos inflamáveis ou a falta de treinamento contra incêndio; e a causa, um curto circuito ou uma faísca, possivelmente.7

O conceito de Risco Ambiental é fundamental e goza de uma polissemia. A compreensão comum associa risco a eventos negativos, embora, na sua conotação primitiva, tenha uma origem ligada a um conceito de Seguro.7 O uso da palavra Risco tem conotação de incerteza, azar, probabilidade; o que implica, originalmente, na possibilidade de se optar. Risco, portanto, “não é apenas um conceito técnico, mas um conceito social e cultural”, e, por isso, “não é um conceito neutro” na “construção de uma parte da realidade”.7

A perspectiva de um evento ou situação é relativa, está ligada à probabilidade de ocorrência do risco. Quando damos aos eventos uma perspectiva sociocultural, estamos considerando valores sociais e estilos de vida na análise de sua determinação ou de seu condicionamento, cuja dimensão subjetiva impede sua redução a simples valores numéricos.

A utilização do conceito de Risco, por si, já é uma recusa ao determinismo causal, posto que implica no acaso, aleatório.2 Assim, risco é a probabilidade de ocorrência de um evento e está ligado à causa e ao contexto.7

Os fatores de risco podem ter pesos diferentes, mas, para que o evento ocorra, há necessidade de uma interação entre eles. Isoladamente, nenhum fator de risco promove o fenômeno.2Assim entendido, a causa (o porquê?) é pouco relevante para as medidas de prevenção, o mais importante é a intervenção no contexto (o como). A compreensão da distinção entre causa e contexto é importante, pois. O cotidiano, as questões de fundo, são parte do fenômeno deflagrado pelo acidental ou excepcional. Por outro lado, limitar-se ao contexto sem pesquisar a causa (o desconhecido, o inusitado, o acidental) é impossibilitar a ampliação do conhecimento sobre o fenômeno.”2

O campo da Saúde Coletiva e a Vigilância em Saúde Ambiental

A Saúde Coletiva “... é como um campo de práticas teóricas e de intervenções concretas na realidade que tem como objeto o processo saúde-doença nas coletividades” Assim, há duas funções principais da Saúde Coletiva.13 A primeira, para o entendimento de que “a produção de conhecimento e de tecnologias sobre a saúde e a doença e seus determinantes em termos das populações” deve ser compreendida “com base na sua natureza complexa, pois integra as dimensões ecológica, biológica, social, psíquica, as quais são interdependentes e interdefiníveis”, que não podem, por isso, ser desmembradas, e “articulam as vivências e as experiências coletivas do acontecimento” (a doença). E a segunda, para compreender que “a intervenção concreta na coletividade, no indivíduo ou em qualquer elemento do contexto” (complexo de determinantes e condicionantes dos processos de saúde-doença) “tem por base um dado fenômeno em particular”.

Conforme Tambelline e Câmara,13 a “compreensão da saúde a partir da Saúde Coletiva é mais ampla”, pois leva em consideração “as dimensões biológicas, sociais, psíquicas e ecológicas, articulando assim o individual” (a doença) “com o coletivo” (o processo saúde-doença).

O processo saúde-doença deve ser, portanto, categorizado e analisado em seus determinantes e condicionantes históricos, genéticos e estruturais (biopsíquicos, sociais e ecológicos/ambientais). A interação desses elementos é que determina a sua particularização, isto é, a ocorrência do dano ou da doença no indivíduo ou na coletividade.2

Tambeline e Câmara13 referem a saúde como um bem em si, como um valor humano desejado, que está além das contingências do ambiente ou do sistema social. “Trata-se de um ideal a ser alcançado sempre”. Isso faz com que não sucumbamos ao conformismo. Se a história é construída pelos homens, então, pode ser mudada, como também podem ser mudados os contextos socioambientais.

A questão da saúde tem relações com a produção e o ambiente. O ambiente “está dado em função da articulação entre duas lógicas: a lógica da natureza e a lógica da sociedade”. Por meio da técnica (processos produtivos), dá-se a “desnaturalização da natureza” conformando o ambiente como um espaço social onde se dá o desenvolvimento humano.13

A Saúde Coletiva trouxe um novo enfoque para o entendimento do processo saúde-doença, visto como “algo em permanente transformação e que a (cuja) ação se dá num meio que não é só reativo, mas sobretudo transformável.”13

A construção de um sistema de vigilância ambiental de interesse para a saúde requer que o contexto seja devidamente valorizado. Para tanto, não só as bases de dados oriundas de monitoramentos quantitativos são necessárias, como também devem ser integradas técnicas de avaliação de risco que incluam dados qualitativos.

A dimensão territorial passa a ser uma estratégia interessante para a Vigilância Ambiental, bem como a proposta de se utilizar o sítio sentinela como unidade de análise.14

O Princípio da Precaução15 é outro conceito que deve servir de guia para a ação em vigilância ambiental, isto é, não se deve priorizar a ação apenas pela ocorrência de doenças e desastres ou acidentes, mas antecipar esses eventos pelo reconhecimento, anterior, dos riscos e dos contextos nocivos à saúde.

O Princípio da Precaução foi desenvolvido na Alemanha, para justificar a intervenção regulamentadora e de restrição das descargas de poluição marinha – na ausência de provas consensuais quanto aos seus efeitos e danos ambientais.

Esse princípio tem sido tomado como referência em outras áreas e caracteriza-se por requerer que as decisões acerca de processos industriais e produtos perigosos sejam deslocadas da ponta final do processo para a ponta inicial.

Por essa razão, a promoção e a prevenção terão, necessariamente, que prevalecer no enfoque da vigilância ambiental.

A proposição de um novo modelo gerencial de risco e também de explicação teórica do processo de adoecer, que vem sendo divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e tem origem em uma proposta da Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), é uma tentativa de atuar na globalidade dos fenômenos, incluindo toda a cadeia de causalidade.16

Esse modelo apresenta a vantagem de possibilitar a identificação, em cada nível, das condições e dos fatores de risco envolvidos no problema de saúde ambiental. E indicar ações para cada nível. Assim, o problema não será visto apenas no nível do efeito, mas na sua totalidade, permitindo não só efetivar ações na causa imediata (exposição), conforme a tradição da Saúde Pública.

Nesse sentido, categorias de análise conformadas em uma “matriz de dados”17 devem comportar níveis hierárquicos que possibilitem a compreensão da globalidade do problema e intervenções nos seus diferentes níveis.

O modelo da OMS coloca em evidência toda a causalidade e possibilita o gerenciamento em todos os níveis de intervenção. Mesmo quando a ação está fora do alcance do gestor municipal, reconhecer a sua necessidade representa um fator auxiliar na organização das demandas, na abertura de possibilidade de negociações e de condições políticas para a resolução dos problemas em outras esferas de governo. O que fica de fora deve ser explicitado, para que a consciência coletiva compreenda a globalidade das questões.

Nesse modelo, há um conjunto de indicadores hierarquizados que conformam uma matriz de indicadores.18 Os principais indicadores são: de Forças Motrizes, que representam atividades humanas coletivas e organizadas na sociedade, que imprimem processos e padrões ao desenvolvimento; de Pressão, que apontam diretamente para as causas dos problemas; de Situação, que indicam a condição atual do ambiente e podem servir a um primeiro diagnóstico de situação; de Exposição, considerados apenas para situações nas quais as populações estão envolvidas em alguma condição de risco; de Efeito, para demonstrar os efeitos resultantes da exposição aos riscos ambientais. Esses indicadores podem variar segundo o tipo, a intensidade e a magnitude.

Por fim, há os indicadores de Ação para cada um dos níveis hierárquicos acima propostos. Eles servem à monitoração das medidas tomadas para cada estrato da matriz e deixam evidentes as possibilidades da gestão intervir no processo, segundo o arcabouço institucional, e criar novas possibilidades de resposta e de alianças.

O modelo difundido pela OMS permite a contextualização dos problemas, sendo particularmente útil à hierarquização dos fenômenos e das possibilidades de intervenção.

 

Complexidade dos problemas socioambientais

As situações às quais aplicamos a expressão problemas ambientais, sendo um amplo espectro de elementos, têm, em um de seus extremos, os problemas pontuais circunscritos; e, em outro, as situações que envolvem desafios como as condições da deterioração do meio físico e da qualidade de vida de extensas regiões e populações.

As problemáticas em que estão envolvidos “o meio biofísico, a produção, a tecnologia, a organização social, a economia, a cultura, são consideradas complexas”.3 Os elementos socioambientais, que conformam os sistemas de estudo e de intervenção na área da Saúde Ambiental, caracterizam-se como um sistema complexo apenas quando se deseja conhecer a globalidade de uma dada situação que seja a mais próxima da realidade, e sobre ela intervir. O modelo cartesiano-positivista de ciência, por seu caráter compartimentado, monocausal, controlado e autoritário, não permite a análise global da realidade, mas apenas atua em fragmentos dela.19

Ao inserir a Saúde Ambiental no campo da Saúde Coletiva, está-se partindo de um referencial teórico-conceitual que incorpora ao método, além daqueles tradicionais estudos quantitativos, os aspectos qualitativos emanados das relações psicossociais e ambientais.20

A Saúde Ambiental, assim proposta, integra as dimensões histórica, espacial e coletiva das situações, a partir de um compromisso ético com a qualidade de vida das populações e dos ecossistemas em jogo.

O estudo de um sistema complexo busca compreender o funcionamento da sua totalidade e só pode ser executado por uma equipe que compartilhe os marcos teóricos, conceituais e metodológicos. Essa asserção é um princípio básico da abordagem interdisciplinar.3

Há consenso de que, para abordar os problemas ambientais, é necessário alcançar uma verdadeira articulação das diversas disciplinas e obter um estudo integrado. Porém, o consenso não é suficiente se não forem alcançadas as bases conceituais e metodológicas que orientam as ações.

A Vigilância em Saúde Ambiental, como vimos, é um campo relativamente novo do conhecimento, que trata da compreensão e da análise dos condicionantes ambientais que afetam a saúde humana.

Há que se ter claro, outrossim, que nem todos os problemas ambientais ou de saúde requerem a interdisciplinaridade na sua abordagem. Por exemplo, se fosse necessário caracterizar, apenas do ponto de vista físico-químico, a poluição atmosférica gerada em uma determinada fábrica de fertilizantes, bastaria que se monitorassem as fontes de emissão de particulados e de outras substâncias. Nesse caso, interessa apenas saber o resultado das análises laboratoriais, realizadas com a maior competência profissional possível e utilizando procedimentos técnico-analíticos apropriados, para garantir a boa sensibilidade e especificidade dos resultados constatados por um bom especialista em química.

Entretanto, simples medições não bastam, por melhor que sejam feitas, quando desejamos saber se determinados agravos à saúde, observados na população do entorno da fábrica poluidora ou nos trabalhadores, estão relacionados com a poluição oriunda de um determinado processo produtivo; ou, ainda, quando a questão é: Como introduzir mudanças nos processos geradores de nocividade?

Aqui, estarão envolvidos múltiplos elementos relacionados entre si, interdependentes, constituindo um sistema complexo. Para os objetivos definidos, dever-se-á responder às seguintes questões:18

• Como se dá o processo produtivo dessa fábrica?

• Qual é o modo de exposição e os efeitos na saúde?

• Por que se emprega este ou aquele padrão tecnológico?

• Que fatores econômicos estão em jogo? Como o trabalho se organiza?

• Quais são os métodos disponíveis para estudar os poluentes?

• Quais são os limites desses métodos?

• Como são gerados, processados e atualizados os dados disponíveis em bancos de dados e qual a sua representatividade?

• Quais são os possíveis erros de diagnóstico e análise efetuados?

• Como o sistema de saúde está organizado?

• Qual é a percepção e o conhecimento que os sujeitos expostos têm sobre esses problemas?

• Quais são as condições políticas, econômicas e tecnológicas existentes para se proceder a mudanças de curto, médio e longo prazos no sentido de implementar medidas de prevenção?

Esse sistema complexo, portanto, vai necessitar de diversas disciplinas a serem requisitadas para o estudo. Mas não basta que cada uma forneça os seus dados isoladamente. Para que sejam integrados, esses dados deverão ser gerados e analisados à luz de um marco conceitual e de uma hipótese (ou pressuposto) comuns; e, ainda, responder a uma ou mais perguntas condutoras, igualmente comuns.

É esse compartilhamento teórico-metodológico que permite o processo de integração do conhecimento, originalmente diferenciado por distintas disciplinas, dando como resultado uma característica interdisciplinar e permitindo a compreensão da totalidade da situação e a escolha das melhores estratégias de intervenção. Tão-somente com essa prática é que se pode falar, efetivamente, em uma ação interdisciplinar.

Resumindo: a interdisciplinaridade só acontece em um processo de estudo e intervenção que objetiva o conhecimento e a ação na globalidade do sistema, complexo por definição. No mundo real, as questões são transdisciplinares, isto é, existem independentemente das disciplinas, do conhecimento teórico e metodológico que historicamente acumularam.

Com esse entendimento, fica claro que a intervenção em saúde ambiental exige uma articulação intersetorial, pois o arcabouço institucional responsável pelas políticas públicas e privadas está organizado por setores mais ou menos especializados, que têm objetivos distintos mas complementares entre si.

A intersetorialidade – como a interdisciplinaridade – exige uma relação que não é de subordinação entre as partes, mas sim de cooperação entre os especialistas das diferentes instituições requeridas no processo de ação.

O importante é definir o objetivo comum para enfrentar um problema que deve ser visto com pressupostos e perguntas condutoras consensuais. O que requer, obviamente, uma permanente negociação.

O processo de diferenciação das ações por setores ou do conhecimento especializado por disciplinas deve-se transformar em um processo de integração, para apresentar os resultados e a compreensão do fenômeno na sua totalidade.

O ponto de partida deve ser o entendimento (a visão) e a definição de objetivos (perguntas) comuns. É no processo de intervenção ou de investigação que se constrói o modelo explicativo, que não levará à verdade mas aproximar-se-á, o quanto possível, da realidade. Finalmente, ensejará novas perguntas (para velhos problemas), dentro de um processo aberto, dinâmico e democrático.

Como vimos, a intersetorialidade é importante requisito para as ações integradas em vigilância ambiental. Devemos considerar tanto os setores governamentais como as denominadas organizações não-governamentais (ONG), redes ou movimentos sociais.

Reconhecemos que há um descompasso entre as políticas de saúde, meio ambiente, saneamento, recursos hídricos, agricultura, desenvolvimento urbano, habitação e trabalho. Cabe aos técnicos de cada um desses setores a sua parcela de responsabilidade para a superação desse quadro.

 

Considerações finais

À guisa de conclusão, pode-se dizer que o efeito da nocividade ambiental depende não só da natureza de seus elementos (tipo), do tempo de exposição, da concentração, da dispersão, das características individuais dos expostos (susceptibilidade, idade, sexo), do biorritmo, da quantidade de esforço físico despendida e das condições gerais do ambiente (ventilação, exaustão, iluminação, etc.). Mas, também – e fundamentalmente –, depende dos contextos em que esses processos ocorrem. A determinação da exposição e do efeito sobre o indivíduo e as populações expostas não é um tema simples. Nele, estão envolvidos múltiplos fatores que interagem e são interdependentes. A complexidade dessa situação deve ser levada em consideração, sempre, para que se tenha uma leitura mais apropriada da realidade. As abordagens simplistas, ainda dominantes, de relações monocausais entre exposição-efeito, devem ser substituídas por uma compreensão-explicação que reporte o problema à globalidade dos processos de saúde. E isso tem que ser ensinado, daí a importância de uma nova educação.20

Devemos nos manter conscientes de que a saúde é condição humana, dinâmica e complexa, não podendo estar subordinada a níveis de complexidade inferior, como vemos ocorrer, com freqüência, quando se adotam limites de tolerância para determinados agentes químicos aquém das garantias de total segurança de exposição.

Os limites de segurança são indicadores quantitativos oriundos da química inorgânica (concentração= massa/volume) e estão no nível mais elementar do sistema, enquanto a saúde é um indicador biopsíquico e socioambiental, no topo da hierarquia do sistema.21 Assim, subordinar a saúde aos indicadores de exposição e efeito de maneira isolada, mecanicamente, constitui um erro freqüente nas práticas de saúde, principalmente quando se trata de estabelecer limites de exposição humana para ambientes poluídos por processos antrópicos.

A construção de um Sistema de Vigilância em Saúde Ambiental requer um modelo de compreensão holística, capaz de organizar as ações de prevenção em saúde, melhorar a qualidade dos serviços como um todo e colaborar com as políticas de desenvolvimento sustentável.

 

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20. Morin E. Os sete saberes para a educação do futuro. Lisboa: Ed. Instituto Piaget; 2002.

21. Novaes TCP. Bases metodológicas para abordagem da exposição ao benzeno [Dissertação de Mestrado]. São Paulo (SP): USP; 1992.

 

 

Endereço para correspondência:
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