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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.1 Brasília mar. 2004

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000100002 

ARTIGO ORIGINAL

 

A carga da doença associada com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS*

 

Burden of disease associated with selected causes of hospital admission in the National Unified Health System (SUS)

 

 

Mário Francisco Giani Monteiro

Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é construir um indicador que estime a carga da doença associada com internações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para tanto, estimou-se o que se denomina carga da internação, a ser medida em anos perdidos por incapacidade (API). Também foram estimados os anos potenciais de vida perdidos (APVP) devido à mortalidade precoce, para compor os anos de vida ajustados por incapacidade (AVAI), de forma análoga ao indicador proposto por Murray, conhecido como DALY (disability-adjusted life years). Nessa fase experimental, foram selecionadas algumas doenças que originaram internações pelo SUS – como a tuberculose pulmonar, algumas neoplasias específicas, o diabetes e o infarto agudo do miocárdio –, na população em idade economicamente ativa (15 a 64 anos de idade). A fonte dos dados sobre morbidade hospitalar é o Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH-SUS); e as informações sobre mortalidade foram obtidas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Palavras-chave: indicadores de saúde; morbidade hospitalar; epidemiologia.


SUMMARY

The objective of this paper is to design an indicator which estimates the burden of disease associated with hospital admissions in the National Unified Health System (SUS). The burden of hospital admissions was estimated, measured by years lost because of disability (API), and years of potential life lost (YLL) in consequence of premature mortality, to compose the disability-adjusted life years (DALY), in a similar way to that proposed by Murray. In this experimental stage, some diseases that have lead to hospital admissions have been selected – for example, pulmonary tuberculosis, selected neoplasms, diabetes and acute myocardial infarction – in productive age groups (15 to 64 years of age). The source of data for hospital morbidity was the Hospital Information System of the National Unified Health System (SIH-SUS); and for mortality data, the Mortality Information System (SIM) of the Brazilian Ministry of Health.

Key words:health indicators; hospital morbidity; epidemiology.


 

 

Introdução

As rápidas e significativas mudanças que caracterizam as transições demográfica e epidemiológica no Brasil1 constituem um obstáculo a mais para a administração e o planejamento dos recursos da Saúde. As dificuldades enfrentadas por esse setor são, acrescidas, ainda, da grande diversidade de situações resultante das diferenças regionais; ou como declara Teixeira,2 ao comentar a contribuição da epidemiologia ao planejamento, gestão e organização do sistema de saúde: "Ao nível 'macro', o grande desafio, sem dúvida, é a formulação e implementação de políticas de financiamento e gestão do SUS (Sistema Único de Saúde) que tenham como propósito a promoção da eqüidade, isto é, a redução das desigualdades sociais expressas em termos de indicadores epidemiológicos e sociossanitários".

A importância dos indicadores de saúde no planejamento e administração dos serviços de saúde é também ressaltada por Déa Carvalho,3 em sua dissertação de mestrado (1998): "... embora persistam numerosas e importantes lacunas de informação, e a abrangência, periodicidade e forma de coleta e processamento dos dados disponíveis apresentarem ainda problemas que influem na validade e oportunidade dos indicadores com eles elaborados, a fundamentação e orientação dos processos setoriais alocativos são possíveis, uma vez que sejam utilizadas combinações de diferenciais obtidos com a aplicação de indicadores elaborados a partir de mais de duas das bases de dados hoje existentes e para mais de um fenômeno ou elemento crítico considerado".

No entanto, as fontes de dados disponíveis não têm sido utilizadas plenamente. Um dos desafios dos analistas e técnicos da área da Saúde é explorar, de maneira criativa e eficiente, fontes tradicionais e fontes alternativas de informação de interesse para os sistemas de vigilância epidemiológica, ajudando a acompanhar e esclarecer ainda mais os processos de transição epidemiológica e demográfica, mediante a construção e análise de indicadores.

Este trabalho é parte do projeto Desenvolvimento de Metodologias Alternativas para Construção e Análise de Indicadores de Saúde e Demográficos para a Vigilância Epidemiológica, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Os indicadores aqui apresentados foram selecionados com a preocupação de colocar para discussão a possibilidade de se utilizarem, mais amplamente, as informações do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), disponíveis em menos de três meses após a ocorrência da internação.

A medida de carga da doença, proposta por Murray e Lopez,4 associa o número de anos perdidos por incapacidade (API) com os anos potenciais de vida perdidos (APVP) em conseqüência de mortalidade precoce, resultando no conceito de anos de vida ajustados por incapacidade (AVAI), que pode ser resumido pela fórmula:

 

 

O conceito de AVAI corresponde ao de disability-adjusted life years (DALY). Esse indicador de carga da doença tem a vantagem de unir uma medida de morbidade a uma de mortalidade, além de permitir avaliar a gravidade de doenças altamente incapacitantes, mas que possuem baixa letalidade.

Informações sobre morbidade não são fáceis de obter, o que dificulta a sua construção. Por isso, estamos propondo um indicador chamado Carga das Internações, que utilize informações sobre morbidade hospitalar do SUS para estimar os API resultantes dessas internações. O objetivo do novo indicador é estimar a carga da doença associada com algumas causas de internações hospitalares realizadas pelo SUS em nove regiões metropolitanas do Brasil, na população em idade economicamente ativa (15 a 64 anos).

 

Metodologia

Fontes dos dados

Os dados sobre morbidade hospitalar foram obtidos no SIH-SUS. As informações sobre mortalidade foram obtidas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

A população por idade e sexo foi estimada a partir dos dados do Censo Demográfico de 1991 e da Contagem de População de 1996. Para a esperança de vida ao nascer (e0), considerou-se um valor de 65 anos para ambos os sexos, utilizando-se o modelo Oeste e o programa MORTPAK, desenvolvido pela United Nations Population Division,5 para estimar a esperança de vida no ponto médio do intervalo de idade.

Os grupos de idade considerados foram: 15-19 anos; 20-29 anos; 30-39 anos; 40-49 anos; 50-59 anos; e 60-65 anos.

Definição dos indicadores

Anos de vida perdidos por incapacidade (AVPI) associada à causa da internação

Este é um indicador experimental, construído de forma análoga ao componente de morbidade (anos perdidos por incapacidade, API) do indicador de Murray para medir a carga da doença, porém mais simplificado. Para quantificar a incapacidade segundo a doença ou lesão, por sexo e idade, esse indicador utiliza os mesmos pesos de carga da doença (medida de gravidade das seqüelas), propostos por Murray e Lopez,4 resultando em uma medida de anos perdidos por incapacidade, associados à causa de internação selecionada.

Para o cálculo, foi elaborada uma planilha Excel com "taxa de desconto" de 3% ao ano, que leva em conta a possibilidade futura de desenvolvimento de novas técnicas de prevenção e tratamento de seqüelas, conforme sugestão de Murray,6 utilizando a seguinte fórmula para estimar os API que correspondem à carga da internação, onde:

 

 

x = grupo etário

y = causa da internação

z = sexo

r = taxa de desconto de 3%

A taxa de desconto dos API é utilizada por Murray6 considerando a perspectiva futura de melhorias no tratamento das doenças, que permitirão diminuir a gravidade das seqüelas. Assim:

nxyz= número de internações pagas pelo SUS

pesoxyz= medida da gravidade da seqüela associada à carga da doença,4 para o grupo etário x, a causa y (forma tratada) e o sexo z.

e(x)z = esperança de vida para o grupo etário x e o sexo z.

Anos potenciais de vida perdidos (APVP) segundo a causa do óbito

Esse indicador é calculado pela esperança de vida à idade do óbito e(x)z , onde:

x = grupo etário

z = sexo

e(x)z = esperança de vida para o grupo etário x e o sexo z

Os API estão associados com as causas de internação registradas pelo SUS e, por isso, são chamados de "impacto das internações". Os APVP dependem apenas da mortalidade precoce pela causa básica do óbito.

 

Resultados

Os resultados são apresentados por estimativas de um indicador sintético, medido em anos de vida perdidos por mil habitantes, que permite comparar a gravidade de causas selecionadas (cujas internações foram pagas pelo SUS) com a mortalidade precoce por essas doenças.

Tuberculose pulmonar

Na distribuição de anos perdidos em conseqüência de tuberculose pulmonar que levou à internação (API) ou causou mortalidade precoce (APVP), o padrão mais evidente é de predominância, em todas as regiões metropolitanas, de APVP na população masculina, principalmente nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

Nessas regiões, os APVP para a população feminina são, também, mais elevados do que nas demais regiões metropolitanas do país (Tabela1).

 

 

Diabetes mellitus

Ao contrário da tuberculose pulmonar, não há diferenças marcantes nos APVP por sexo para o diabetes mellitus, que apresenta valores mais altos na população masculina em algumas regiões metropolitanas, principalmente na de Porto Alegre, e valores mais altos para a população feminina em outras regiões, como na Região Metropolitana de Recife. Os baixos valores para a carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS são devidos ao peso de carga da doença para diabetes mellitus, que é de 0,033, enquanto, para a tuberculose pulmonar, esse peso varia entre 0,264 e 0,274, e para o infarto agudo do miocárdio, é de 0,395 em todos os grupos de idade (Tabela 2).

 

 

Infarto agudo do miocárdio

O padrão mais definido na distribuição dos anos perdidos por infarto agudo do miocárdio é a gravidade maior na mortalidade dessa doença, predominantemente na população masculina, com valores mais elevados nas estimativas de anos perdidos em conseqüência de mortalidade precoce, quando comparados aos mesmos valores para a tuberculose pulmonar. Contudo, a carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS é menor para o infarto agudo do miocárdio do que para a tuberculose pulmonar nas regiões metropolitanas de Belém, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, mostrando a importância da morbidade por tuberculose nessas metrópoles (Tabela 3).

 

 

Leucemia

Para esta doença, os APVP também têm um peso maior que a carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS, porque o peso de carga de doença atribuído por Murray e Lopez4 para leucemia é relativamente baixo: entre 0,093 e 0,097, de acordo com a idade (Tabela 4).

 

 

Neoplasias de esôfago

O peso de carga da doença para neoplasias de esôfago é de 0,217 para todas as idades. Ainda assim, é a mortalidade precoce, expressa em APVP, que predomina, principalmente entre a população masculina e da Região Metropolitana de Porto Alegre. Podem-se observar, igualmente, valores relativamente altos em outras regiões metropolitanas do Sul e Sudeste, como Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte (Tabela 5).

 

 

Neoplasias de mama

As neoplasias de mama, com um peso de carga da doença de 0,086 (mais baixo que o das neoplasias de esôfago), mostraram estimativas mais elevadas para a carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS, quando comparadas às estimativas para as neoplasias de esôfago em todas as idades.

As estimativas de APVP para neoplasias de mama também são mais elevadas do que para as neoplasias de esôfago, variando em torno de 3 anos perdidos por mil mulheres, chegando a 4,2 anos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a 4,8 anos na Região Metropolitana de Porto Alegre (Tabela 6).

 

 

 

Discussão

O indicador sobre carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS, em forma de taxa (por mil habitantes), apesar de não levar em conta a distribuição por idade, é mais adequado quando se pretende comparar as regiões metropolitanas, justamente pelo seu caráter sintético. Também podemos estimar taxas por grupo etário, o que permitiria observar as variações por idade e comparar os riscos entre as regiões, mas criaria um nível de complexidade maior para este trabalho.

Todas as causas apresentaram diferenças entre as regiões, mas a que se mostrou mais homogênea em sua distribuição foi a leucemia, tendo sido, também, a que apresentou as taxas mais baixas, nunca atingindo valor maior do que um ano de vida perdido por mil habitantes.

Os indicadores de carga de doenças associadas com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS, estimados em número total de anos perdidos por incapacidade associada à causa da internação, ou na forma de taxa por mil habitantes, resultaram em estimativas que apontam para diferenças importantes na distribuição por idade, sexo e região metropolitana.

A apresentação dos resultados para as seis causas selecionadas, segundo sexo e região, permite que muitas questões sejam levantadas para explicar essas diferenças observadas. Apesar de algumas delas serem conhecidas, como a incidência mais elevada de neoplasias de esôfago no Rio Grande do Sul e algumas deficiências no registro de óbitos segundo a causa básica em Fortaleza e Salvador, é necessária uma análise mais cuidadosa, para aprofundar a interpretação desses resultados.

Entretanto, consideramos ser esse indicador uma ferramenta complementar que pode contribuir – e bastante – para a análise das internações pagas pelo SUS, apontando para diferenças de risco que sirvam como sugestão de estudos epidemiológicos específicos sobre as seis causas de internação incluídas neste trabalho.

A análise de séries históricas pode ser a próxima etapa desta proposta de indicador para estimar a carga da doença associada com algumas causas de internação hospitalar realizada pelo SUS, bem como o aumento do período de observação de um para três anos, para que se registre um número maior de observações, principalmente sobre as regiões menores.

 

Referências bibliográficas

1. Monteiro MFG. A transição demográfica e seus efeitos sobre a saúde da população. In: Barata RB et al, organizadores. Eqüidade e saúde: contribuições da Epidemiologia. Rio de Janeiro: Fiocruz/Abrasco; 1997. p.189-204.

2. Teixeira CF. Epidemiologia e planejamento de saúde. Ciência e Saúde Coletiva 1999;4(2):287-303.

3. Carvalho DM. Sistemas de informação e alocação de recursos: um estudo sobre as possibilidades de uso das grandes bases de dados nacionais para uma alocação orientada de recursos [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto de Medicina Social da UERJ; 1998.

4. Murray CJL, Lopez AD. The Global Burden of Disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries and risk factors in 1990 and projected to 2020. Cambridge: Harvard University Press; 1996.

5. United Nations. MORTPAK-LITE, the United Nations Software Package for Mortality Measurement. Population Division, United Nations. New York, 1990.

6. Murray CJL, Rethinking DALY. In: Murray CJL, Lopez AD, editors. The Global Burden of Disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries and risk factors in 1990 and projected to 2020. Cambridge: Harvard University Press; 1996.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua São Clemente, 127, B/411,
Botafogo, Rio de Janeiro-RJ.
CEP: 22260-001
E-mail:monteiro@uerj.br

 

 

*Pesquisa demandada por meio de edital e apoiada com recursos do Projeto Vigisus, Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde