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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.1 Brasília mar. 2004

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000100004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Aspectos epidemiológicos da meningite pelo Haemophilus influenzae no Distrito Federal, Brasil, antes da introdução da vacina conjugada

 

Epidemiological aspects of Haemophilus influenzae meningitis in Distrito Federal (DF), Brazil, before introduction of the conjugate vaccine

 

 

Helen Selma de Abreu FreitasI; Edgar Merchán-HamannII

ICoordenação de Doenças Transmitidas por Vetores da Coordenação-Geral de Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde, MInistério da Saúde, Brasília-DF
IIDepartamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde / Universidade de Brasília, Brasília-DF

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Haemophilus influenzae (HI) foi o agente etiológico responsável pelo maior número de doenças invasivas na infância, entre elas a meningite. O objetivo deste trabalho é avaliar, qualitativamente, a vigilância epidemiológica (VE) da meningite pelo HI no Distrito Federal (DF), descrevendo os seus aspectos epidemiológicos antes da introdução da vacina conjugada. Foi realizado um estudo descritivo de base populacional, a partir de dados secundários da rotina dos serviços envolvidos na assistência e vigilância de casos. A incidência de meningite em menores de cinco anos variou de 82 a 110 casos para cada 100.000 habitantes/ano; a proporção de casos de meningite por HI é de 23% entre as meningites bacterianas diagnosticadas. No DF, o HI foi responsável pelo maior percentual de casos de meningite em menores de cinco anos. O coeficiente de incidência de meningite por esse agente esteve entre 26 e 43 casos por 100.000 habitantes/ano em menores de cinco anos, entre 1990 e 1997; a letalidade variou de 11 a 18% e o sorotipo b foi o predominante. Os aspectos epidemiológicos observados são comparáveis aos referidos pela literatura. O estudo proporciona uma linha de base para futuras comparações e avaliação do impacto da introdução da imunização contra o HI-b no Distrito Federal.

Palavras-chave: Haemophilus influenzae; epidemiologia; meningite; vigilância.


SUMMARY

Haemophilus influenzae (HI) is the causative agent of the majority invasive diseases in childhood, including meningitis. This study has the objective to describe the surveillance and epidemiological features of HI meningitis in the Distrito Federal, Brazil. The epidemiological characteristics of HI meningitis were evaluated in a population-based descriptive study using secondary data from routine surveillance. Overall meningitis incidence in children under 5 years of age ranged from 82 to 110 cases per 100,000 inhabitants per year; the proportion of cases due to HI was 23%. In the Distrito Federal, HI was the causative agent responsible for the highest proportion of bacterial meningitis cases in children under 5 years; the incidence rate for HI meningitis was 26 to 43 cases per 100,000 inhabitants aged 5 or less per year. During the 1990´s, the case fatality rate ranged from 11 to 18%. The predominant serotype of HI was type b. Epidemiological features are comparable to available information. This study provides a baseline for further studies aiming to evaluate the impact of the introduction of routine immunization in the Distrito Federal.

Key words: Haemophilus influenzae (HI); epidemiology; meningitis; surveillance.


 

 

Introdução

O Haemophilus influenzae do sorogrupo b (HI-b), um bacilo gram-negativo, foi, até a recente introdução de controle vacinal, um importante agente bacteriano causador de processos infecciosos. Em função da sua freqüência como hóspede casual na orofaringe da população geral, o contágio acontece, principalmente, nos primeiros anos da infância, tanto mais precocemente quanto menor o desenvolvimento socioeconômico da população.1,2 A quase totalidade dos casos de infecção por esse agente ocorria nos primeiros cinco anos de vida. O HI-b, em sua forma encapsulada, foi o grande responsável pelas formas invasivas de infecção, entre elas as osteomielites, pneumonias e meningites.3,4

Dos quadros clínicos provocados pelo HI, a meningite corresponde àquele cujos diagnóstico e identificação etiológica são mais freqüentemente realizados. A gravidade dos quadros e os métodos de diagnóstico criam condições para um melhor conhecimento sobre os casos. Por essa razão, a meningite pelo HI tem proporcionado informações de modo a determinar as características epidemiológicas da doença; e tem oferecido parâmetros ao estabelecimento e avaliação dos resultados de medidas de controle adotadas. O que é verdade, particularmente em países em desenvolvimento, onde as informações sobre outros processos infecciosos causados pelo HI, como a pneumonia, são limitadas, restringindo-se a estudos isolados, geralmente em serviços de pediatria.5,6

Para que um sistema de vigilância epidemiológica de meningite possa produzir informações de base populacional satisfatórias e confiáveis, é preciso que atenda a um padrão mínimo no que se refere à suspeição, diagnóstico e identificação do agente etiológico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca alguns indicadores operacionais, entre os quais espera-se: cerca de 200 casos de meningite bacteriana/ano para cada grupo de 100.000 crianças menores de cinco anos; que pelo menos 10% das amostras colhidas resultem positivas para isolamento do agente etiológico bacteriano; e que 25% do total de agentes isolados seja de HI, exceto em situações de epidemia de doença meningocócica.5

Antes da introdução da vacina conjugada, a incidência de meningite pelo HI-b variava, em geral, de 15 a 60 por 100.000 menores de cinco anos, nos países desenvolvidos, registrando-se incidências bem maiores em populações específicas.2,7-11 Estimava-se um coeficiente de incidência de 35 para cada grupo de 100.000 crianças menores de cinco anos, em países latino-americanos.12 No Brasil, dados de notificação do Município de Campinas, Estado de São Paulo, mostraram, nos dois anos prévios à introdução da imunização, coeficientes de 62,8 e 17,0 casos para cada grupo de 100.000 crianças menores de um ano e menores de cinco anos, respectivamente.13 Em Piracicaba, também em São Paulo, verificou-se incidência de 12,5 casos por 100.000 crianças menores de cinco anos em 1998.14

O biotipo I corresponde a, aproximadamente, 93% a 97% dos biotipos associados ao sorotipo b.15 A presença de b-lactamase, enzima determinante da resistência à penicilina, observada a partir da década de 70, tem sido relatada em cerca de 29% das cepas, podendo atingir valores maiores.16,17 Estudos indicam uma média de permanência de internação de 12,5 dias para os pacientes com meningite por HI.2

A letalidade é determinada pelo padrão assistencial, variando de 2 a 4% nos países desenvolvidos, podendo alcançar patamares superiores a 50% nas regiões em desenvolvimento.2,10,18 Além disso, a proporção de casos fatais pode variar em função do esquema terapêutico adotado.

Este trabalho tem por objetivo avaliar a situação epidemiológica da meningite pelo HI no Distrito Federal entre 1990 e 1997, período que antecedeu a introdução da vacina conjugada, ocorrida em março de 1998. Justifica-se na medida em que constitui uma avaliação realizada no período imediatamente anterior à implantação da imunização, fornecendo uma linha de base para ulteriores dimensionamentos do impacto da intervenção. No DF, encontram-se disponíveis dados de base populacional sobre o HI consolidados pelo Programa de Controle de Meningites, conduzido pela Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (SES/ DF). Esses dados não apenas serviram de base à descrição e análise do sistema de vigilância epidemiológica (VE) de meningite como permitiram a visualização do perfil epidemiológico da meningite por HI no DF, no período supracitado.

Aspectos operacionais da vigilância de H. influenzae no DF

A população do DF foi estimada, para o ano de 1998, em 1.907.851 habitantes. Entre os menores de cinco anos, a estimativa foi de 220.216 crianças, correspondendo a 11,5 % do total da população. Um conjunto de 22 municípios constituem uma conurbação com Brasília-DF, que se convencionou denominar Entorno do Distrito Federal. Esses municípios, que mantêm estreita relação epidemiológica com o DF, somavam, no referido ano, uma população estimada em 980.000 habitantes.

No período avaliado, o DF estava dividido em dez regionais de saúde, que contavam com 50 centros de saúde e dez hospitais regionais, além de um hospital terciário. A assistência aos casos de meningite era realizada em 13 hospitais da rede pública de saúde e cinco da rede hospitalar privada. Em todos os hospitais públicos do DF, existe um núcleo de serviço em Saúde Pública que realiza trabalho de busca diária de casos em suas respectivas unidades. Os hospitais privados possuem uma Coordenação de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) que desempenha funções semelhantes.

Os casos procedentes de todo o DF e conhecidos, diariamente, pelos serviços de vigilância epidemiológica de cada unidade assistencial, são notificados à SES/DF, que centraliza as informações coletadas em ficha de VE, padronizada pelo Ministério da Saúde. Os exames laboratoriais são, em parte, realizados nos laboratórios existentes em cada hospital; e, em parte, no Laboratório de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen), antigo Instituto de Saúde do Distrito Federal (ISDF). Essa rotina não é seguida por cinco dos hospitais, que dispõem de laboratórios próprios e aptos a realizar todos os exames. Entretanto, mais de 90% dos exames de liquor cefalorraquidiano (LCR) são processados no Lacen/ISDF.

A classificação final dos casos é realizada no Departamento de Saúde Pública (DSP) da SES/DF mediante análise das fichas de VE. Também é feita uma comparação com os resultados de exames encaminhados pelo Lacen/ISDF, as declarações de óbito e as autorizações de internação hospitalar (AIH).

 

Metodologia

Foram analisados dados secundários existentes nos vários serviços que compõem a rede de assistência e controle dos casos de meningite no DF. A principal fonte de informações foi a base de dados do Programa de Controle de Meningite existente no DSP/SES/DF. Foram consideradas as seguintes variáveis: ano; data de início dos sintomas; data de nascimento; critério de diagnóstico; etiologia; e evolução clínica.

Informações sobre a meningite na década de 80 foram obtidas a partir de consolidados impressos. Os dados referentes à biotipagem do agente e presença de b-lactamase foram fornecidos pelo ISDF, hoje Lacen. O tempo de hospitalização por meningite devida ao HI foi obtido no sistema informatizado de dados de autorizações de internação hospitalar (AIH/SIA-SUS). As estimativas populacionais para cálculo dos coeficientes foram elaboradas pela Companhia de Desenvolvimento do Planalto (Codeplan)19 e pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Foram confirmados como meningite de etiologia bacteriana os casos com quadro clínico compatível com meningite, ademais de: identificação do agente bacteriano por cultura, contraimunoeletroforese (CIEF) ou aglutinação pelo látex; exame bacterioscópico positivo; alterações citoquímicas liquóricas compatíveis (aumento de proteína e diminuição de glicose em relação aos valores normais, associados à celularidade elevada); achados patológicos de necropsia compatíveis; vínculo epidemiológico; presença simultânea de septicemia.

Foram classificados como casos de meningite por HI aqueles com quadro clínico compatível com meningite e um ou mais dos seguintes exames positivos para esse agente: cultura de liquor (em meio agar-chocolate acrescido dos fatores X e V); CIEF (reação de precipitação em fita de acetato de celulose); e aglutinação pelo látex.

Para caracterização da VE de meningite no DF, foram calculados os seguintes indicadores: distribuição proporcional dos casos atendidos segundo a procedência de residência; proporção de meningite por HI no conjunto de meningites diagnosticadas; e coeficiente de incidência de meningite bacteriana por 100.000 menores de cinco anos residentes no Distrito Federal.

Para caracterização do perfil epidemiológico da meningite por HI em residentes no DF, foram calculados: coeficiente de incidência em crianças menores de um ano e menores de cinco anos; mediana de idade de ocorrência dos casos e percentual acumulado de casos por faixa etária. Foi avaliada a distribuição proporcional dos casos de meningite por HI – segundo o sorotipo e biotipo, presença ou ausência de b-lactamase –, averiguado o tempo médio de internação dos pacientes com meningite por esse agente e, ainda, determinada a letalidade e mortalidade pela doença.

Com o propósito de estruturar a análise dos dados sobre etiologia e idade, os casos foram agrupados em faixas específicas. A letalidade foi agrupada em dois períodos de tempo, comparados pelo teste qui-quadrado (p<0,05). O canal endêmico para meningite pelo H. influenzae no DF foi construído com base nos coeficientes de incidência trimestrais de HI em menores de cinco anos, no período 1983 a 1992, utilizando a média mais ou menos dois desvios-padrão.20

Para cálculos e tabulações, foi utilizado o programa Epi-Info, versão 6.0.

 

Resultados

Os casos de meningite atendidos no Distrito Federal entre os anos de 1990 e 1997 estão apresentados na Tabela 1, distribuídos segundo o ano de diagnóstico. Em média, foram atendidos 551 casos por ano, no período. Nem todos os pacientes atendidos residiam no Distrito Federal. Dos 4.412 casos registrados, 2.983 (67,6%) residiam no DF, 657 (14,9%) nos municípios do Entorno do Distrito Federal, 733 (16,6%) correspondiam a casos importados e 38 (0,9%) não tinham referência de local de residência.

 

 

Os critérios utilizados para determinação do diagnóstico de meningite bacteriana dos pacientes residentes no DF, entre 1991 e 1997, foram: cultura de liquor conclusivo em 59,2% dos exames realizados; citoquímica em 15,7%; bacterioscopia em 11,5%; presença de septicemia em 6,7%; e necropsia em 2,9%. Com menor freqüência, foram utilizados outros testes como a aglutinação de látex (1,5%), CIEF (0,6%) ou, ainda, o vínculo epidemiológico em 0,5%.

A Tabela 2 mostra a incidência de meningite bacteriana em crianças menores de cinco anos no Distrito Federal, de 1990 a 1997, que corresponde ao primeiro indicador operacional sugerido pela OMS – variação de 82 a 110 casos para 100.000 habitantes nessa faixa etária.

 

 

A Tabela 3 mostra as proporções de resultados positivos para meningite bacteriana e de perdas para as amostras de LCR encaminhadas ao Laboratório de Saúde Pública do DF, no período de 1991 a 1997. Tal proporção constitui o segundo indicador operacional acima mencionado. Em média, nesse período, 11,3% dos resultados foram positivos para algum tipo de bactéria e 4,5% corresponderam a amostras contaminadas.

 

 

Entre 1991 e 1997, 19.808 exames de LCR foram solicitados ao serviço de bacteriologia do Laboratório de Saúde Pública do DF, número que corresponde, aproximadamente, ao dos pacientes com suspeita clínica de meningite atendidos nos hospitais do Distrito Federal. Em média, foram realizadas 2.830 solicitações por ano. No mesmo período, o serviço de vigilância epidemiológica confirmou a ocorrência de 3.904 casos de meningite, à média anual de casos atendidos de 558; a razão de casos suspeitos/casos confirmados variou entre 4,7 e 6,1.

A Tabela 4 mostra a distribuição das meningites de etiologia bacteriana segundo grupos de causa e formas de diagnóstico. Como é possível observar, a meningite pelo H. influenzae correspondeu a cerca de 23% do total de casos registrados no Distrito Federal. Entre as crianças menores de cinco anos, para as meningites com agente etiológico identificado (por cultura, CIEF ou látex), o H. influenzae é responsável por cerca de 46% dos casos, seguido da doença meningocócica (24%) e do pneumococo (9%). As demais etiologias têm peso menor e, juntas, somam 20% dos casos, aproximadamente. A proporção de HI no conjunto das bactérias identificadas corresponde ao terceiro indicador operacional sugerido pela OMS.

 

 

Aspectos epidemiológicos da meningite por HI no Distrito Federal

A incidência absoluta e os coeficientes de incidência de meningite pelo HI para cada grupo de 100.000 habitantes nas faixas etárias de menores de um ano e menores de cinco anos estão apresentados na Tabela 5. Houve, entre 1991 e 1997, 249 casos em menores de um ano (média de 35,6 casos/ano) e 421 casos em menores de cinco anos (média de 60,1 casos/ano). O cálculo dos coeficientes mostra que houve uma variação da incidência anual de 65,7 a 111,7 casos para cada grupo de 100.000 crianças menores de um ano; e de 24,8 a 43,4 para menores de cinco anos de idade. A mediana de idade de ocorrência dos casos é de dez meses. A Figura 1 apresenta o percentual acumulado de casos de meningite por HI segundo a faixa etária: a maioria dos casos concentra-se nos primeiros anos de vida e mais de 80% aconteceram antes dos dois anos de idade.

 

 

 

 

 

Do total de casos diagnosticados como meningite por HI ao longo do período compreendido entre 1993 e 1997, 98,4% foram identificados como pertencentes ao sorotipo b (HI-b). Apenas 2% não foram tipáveis ou não apresentavam registro.

A pesquisa de biotipo de HI deu-se a partir de 1994, identificando cerca de 40% dos agentes isolados por cultura para pacientes residentes e não residentes no DF. De 159 casos avaliados entre 1994 e 1997, dois terços corresponderam ao biotipo I, variando essa proporção de 64,4% a 70%. O biotipo II foi verificado no terço restante das culturas, com variação proporcional de 30 a 35,6% para o mesmo período. Os percentuais de positividade para b-lactamase foram de 24,1%, 21,3% e 30,7%, nos anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente.

Os pacientes com meningite por HI permaneceram internados durante 13 dias, em média. A letalidade para os casos de meningite causados pelo HI variou entre 8,2% e 26% – 14%, em média –, no período de 1990 a 1997. A letalidade no período de 1990 a 1993 – 18,6% –, comparada com aquela de 1994 a 1997 – 11,6% –, aponta para um decréscimo ao longo da década (p=0,04). A mortalidade devida à meningite pelo HI no DF, no período de 1992 a 1997, variou de 2,2 a 7,4 para 100.000 crianças menores de cinco anos.

O diagrama de controle (Figura 2) revelou um ligeiro aumento além do limite máximo do número de casos esperados para os anos de 1994 e 1995.

 

 

 

Discussão

Os resultados apresentados estão fundamentados em dados de base populacional oriundos de um sistema de vigilância epidemiológica. Esse fato poderia acarretar limitações no que se refere à confiabilidade das informações. Entretanto, houve correspondência entre os indicadores sugeridos pela literatura como necessários à validação de dados de base populacional e os verificados no DF. Algumas variações observadas justificam-se, provavelmente, pelo fato de o DF não se enquadrar, completamente, no perfil socioeconômico das comunidades usadas como referência para definição desses parâmetros. Assim, os valores encontrados, quando comparados aos padrões estabelecidos pela OMS, indicam uma clara proximidade com a realidade epidemiológica, tornando irrelevante a necessidade de sua validação.

O conjunto ou grupo de causas de meningite apresentado deixa claro que, independentemente da faixa etária de risco, a meningite causada pelo HI tem, aqui, um peso importante. No que diz respeito à relevância que os casos de meningite, na sua totalidade, representavam para a população, o Haemophilus influenzae ocupava o segundo lugar como causa de meningite na população geral, com um percentual pouco menor do que aquele para doença meningocócica. As meningites devidas a todas as outras etiologias bacterianas com agente etiológico identificado, agrupadas, representavam uma proporção semelhante, o que realça a presença do HI. Entre crianças menores de cinco anos, grupo de maior risco, a relevância tornava-se mais evidente, sendo o HI o responsável pela imensa maioria dos casos de meningite.

Os coeficientes de incidência de meningite causada por HI no DF mostravam valores compatíveis com aqueles estimados para a América Latina, oscilando entre 25 e 43 por 105 para as crianças menores de cinco anos,12 comparáveis aos dados de alguns países europeus21 e superiores aos verificados nas cidades de Campinas e Piracicaba, no Estado de São Paulo.13,14 Uma possível explicação para esta última diferença poderia estar na capacidade de diagnosticar os casos etiologicamente. O percentual acumulado de casos segundo a faixa etária foi maior nos primeiros meses de vida, fato que também é coerente com a literatura: espera-se que, em regiões menos desenvolvidas, o contágio ocorra na infância mais precoce.

As cepas de HI isoladas pelo ISDF/Lacen passaram a ser encaminhadas para biotipagem no Instituto Adolpho Lutz, regularmente, a partir de 1994. Foi grande o número de perdas ocasionadas pelo manuseio e transporte, o que reduziu para menos de 50% a média dos casos diagnosticados de HI que tiveram suas cepas biotipadas. Os resultados indicam que, aproximadamente, dois terços eram do biotipo I, destoando dos mencionados pela literatura.15

Os dados computados com base nos registros do ISDF/Lacen mostram a presença de b-lactamase em uma quarta parte dos casos diagnosticados por cultura, no período de 1994 a 1997. A proporção encontrada aproxima-se da mencionada pela literatura.16,17 Porém, a mesma proporção deve ser confirmada em situações operacionais comparáveis.

O tempo de hospitalização dos pacientes com meningite pelo HI foi compatível com o esperado. A letalidade para os casos de meningites causados pelo HI foi superior àquelas observadas para os países desenvolvidos.4 Quando comparados com os de outras regiões menos desenvolvidas, os valores encontrados apresentaram-se dentro dos limites esperados, ou mesmo inferiores a eles.22 Entretanto, como o nível de suspeição da doença nos serviços de saúde é alto (cerca de cinco suspeitos para um confirmado) – e esse aspecto é um fator determinante para a introdução precoce do tratamento e conseqüente melhoria de prognóstico –, esperar-se-iam patamares mais baixos.

O canal endêmico mostra um aumento incomum da incidência nos anos de 1994 e 1995, sugerindo uma epidemia. Não foram observadas outras mudanças relevantes no período estudado, além da elevação do número de casos em cada inverno, mais ou menos prevista.

A descrição dos aspectos operacionais do sistema de vigilância epidemiológica para meningite no DF mostra que há uma validade interna dos resultados; e que eles, certamente, representam a realidade epidemiológica da unidade federada, no que diz respeito aos aspectos analisados.

O perfil epidemiológico de meningite pelo HI, delineado a partir da descrição e análise dos dados do DF, permite concluir que os resultados, em sua maioria, se encontram nos patamares estimados e apresentados pela literatura, ou entre aqueles descritos para outras localidades. Não se observam, portanto, aspectos atípicos ou inesperados em relação aos padrões definidos. Essa constatação confirma o fato de o HI, em nosso meio, representar um patógeno importante na infância; e que intervenções capazes de reduzir o peso da doença trariam evidentes benefícios à saúde da população infantil.

Os serviços de saúde, prestes a avaliar os efeitos da vacinação contra HI, devem definir patamares de qualidade dos seus sistemas de VE de modo a estabelecer uma linha de base consistente, que sirva de parâmetro à avaliação do impacto da imunoprofilaxia. O presente estudo constitui exemplo de construção dessa linha de base para ulteriores análises de impacto da imunização e de outras intervenções análogas.

 

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Endereço para correspondência:
Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde/Universidade de Brasília,
Campus Universitário Darcy Ribeiro,
Asa Norte,
Brasília-DF.
CEP: 70000-000
E-mail:hamann@unb.br