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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.4 Brasília dic. 2004
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000400007
Mortalidade em internações de longa duração como indicador da qualidade da assistência hospitalar ao idoso*
Mortality during long term hospitalizations as a indicator of the quality of assistence to the elderly
Henrique L. Guerra; Luana Giatti; Maria Fernanda Lima-Costa
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG
RESUMO
Este estudo propõe um modelo de monitoramento da mortalidade hospitalar em internações de idosos como forma de avaliar a qualidade da assistência. Utilizando o banco de dados do Sistema de Informações de Internações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), foram estudados 17 hospitais, onde foram consideradas as autorizações de internações hospitalares (AIH) de pacientes idosos classificadas como "Atendimento a pacientes sob cuidados prolongados", entre 1999 e 2002. As taxas de mortalidade de cada hospital foram comparadas às do hospital com menor taxa de mortalidade. As razões das taxas mensais de mortalidade [risco relativo(RR)] foram ajustadas por sexo, idade e diagnóstico à internação. As taxas variaram de 18 a 194 óbitos por 1.000 AIH-mês, sendo identificados hospitais com taxas de mortalidade altas e persistentes, no período estudado. Essas taxas são o ponto de partida para a avaliação da qualidade da assistência, usando dados facilmente acessíveis por todos os gestores.
Palavras-chave: idosos; mortalidade hospitalar; monitoração; vigilância epidemiológica.
SUMMARY
This study proposes a model of monitoring the mortality in hospitalized older adults as an indicator of the quality of hospital care services. This study used the database of the national system for hospital information from the Brazil´s Unified Health System (SIH-SUS) in 17 hospitals, using the hospitalization authorization form (AIH) of elderly inpatients which the main procedure listed was "Patient under long term care" during the period 1999 to 2002. The mortality rates from each hospital were compared with those of the hospital with the lowest mortality rate. The ratios of monthly mortality rates [relative risk (RR)] were adjusted for sex, age and diagnosis. The rates varied from 18 to 194 deaths per 1,000 AIH-month; several hospitals had persistently higher mortality during the study period. The mortality rates are a starting point to evaluate the quality of hospital care services, using information readily available to all managers.
Key-words: older adults; hospital mortality; monitoring; epidemic surveillance.
Introdução
Além de outras formas de violência às quais os idosos estão expostos na família e na comunidade, eles também são atingidos pela violência institucional. Segundo Minayo,1 os asilos para idosos são a maior expressão desse tipo de violência. Nessas instituições, são freqüentes os processos de maus tratos, de despersonalização e omissão de cuidados médicos.
Nos serviços de saúde, também há ocorrências de negligência contra os idosos. O episódio da Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro-RJ, que veio a público e alcançou notoriedade nacional, é um exemplo desses fatos. No episódio, a morte de um grande número de idosos hospitalizados, entre os meses de abril e junho de 1996, foi amplamente denunciada pela imprensa e resultou na intervenção do Ministério da Saúde, com subseqüente descredenciamento do estabelecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).2 Fatos como esse chamam a atenção para a vulnerabilidade dessa população e a necessidade de o SUS monitorar a qualidade da assistência hospitalar prestada ao idoso.
A taxa de mortalidade hospitalar tem sido utilizada como indicador da qualidade da assistência hospitalar em países desenvolvidos.3-5 No Brasil, apesar da existência de uma grande base de dados pública sobre internações hospitalares [Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS)], sua utilização para estudos epidemiológicos ainda é pequena. Esse fato é surpreendente, uma vez que, a partir de 1993, as informações sobre internações hospitalares ocorridas no âmbito do SUS estão disponíveis em CD ROM, não havendo restrições quanto ao seu uso.6
Utilizando dados do SIH-SUS, investigou-se a possibilidade de os óbitos ocorridos na Clínica Santa Genoveva, em 1996, representarem uma exceção ou refletirem condições já existentes na clínica. O período estudado foi o de janeiro de 1993 a maio de 1996. A metodologia da investigação incluiu a análise do número e das taxas mensais brutas de mortalidade e, no momento seguinte, as comparações das taxas mensais de mortalidade observadas na Clínica Santa Genoveva com aquelas de 15 hospitais definidos como referência para o trabalho. O risco de morrer na referida clínica foi superior ao dos hospitais de referência em 28 dos 41 meses considerados. Os resultados desse trabalho mostraram que a alta mortalidade na Clínica Santa Genoveva já vinha ocorrendo desde 1993; e que a utilização adequada dos dados do SIH-SUS poderia ter antecipado as investigações dos órgãos competentes, evitando o excesso de mortalidade só identificado em meados de 1996.7 Além da negligência sofrida pelos idosos na Clinica Santa Genoveva, foi observada outra forma de violência institucional: a falta de verificação da qualidade da assistência médica prestada pelo Estado brasileiro aos idosos, pois, como ficou demonstrado, havia meios e possibilidade de monitorar tal assistência.
O presente trabalho, que tem por objetivo monitorar as taxas de mortalidade entre idosos hospitalizados para cuidados prolongados em algumas capitais brasileiras, pretende contribuir para a criação de um modelo que permita a avaliação da qualidade da assistência ao idoso nesses hospitais e que seja um instrumento de orientação das ações dos gestores.
Metodologia
Este estudo incluiu todos os hospitais localizados em capitais brasileiras, que realizaram pelo menos 200 internações, pelo SUS, de pacientes com 60 ou mais anos de idade e em cujas AIH (autorizações de internação hospitalar) constava, como grupo de procedimento principal, o "Atendimento a pacientes sob cuidados prolongados I, II, III, IV, V, VI e VII".6,8 O período considerado pelo estudo foi o dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde SIH-SUS).6,8 Cada AIH foi identificada pelo seu número correspondente, e os estabelecimentos hospitalares pelo seu número de registro no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), constante da base de dados do SIH-SUS.
As internações de pacientes com diagnóstico de neoplasias malignas, conforme constava no campo DIAG_PRIN (diagnóstico principal) da AIH, foram excluídas do estudo. Também foram excluídas as internações ocorridas nas antigas colônias de tratamento de hanseníase da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (CGC: 19843929000704, 19843929000887, 19843929000968).
O número da AIH é único para cada paciente durante a mesma internação, não sendo reutilizado após alta desse paciente. O pagamento da AIH de tipo 1 para os procedimentos estudados é de no máximo 45 dias. Nas internações que ultrapassam 45 dias, é solicitada a emissão da AIH de tipo 5, que permite a cobrança de até 31 diárias. Após 107 dias de internação, se há necessidade de o paciente permanecer internado, o hospital solicita nova AIH. No presente trabalho, para evitar que a mesma AIH fosse computada mais de uma vez no mesmo mês, foi feita verificação em todo o banco de dados. Dessa forma, ocorreu dupla contagem do paciente, no mesmo mês e ano, apenas naqueles casos em que o paciente permaneceu internado por mais de 107 dias e nova AIH foi emitida dentro do mesmo mês.
As variáveis consideradas neste estudo foram: identificação do hospital; idade (60-69, 70-79 e 80 ou mais anos); sexo (masculino ou feminino); morte (sim ou não); data do óbito (mês e ano); e diagnóstico principal da internação (CID 10 – 3 dígitos). O diagnóstico principal da internação foi consolidado em oito grupos, assim constituídos:
- Grupo1 (demência) – F00 a F03, G09 e G10
- Grupo 2 (doenças neurológicas) – B91, G11 a G13, G20 a G23, G30 a G32, G35, G37, G40, G45, G46, G70 a G72, G80 a G83, G90 a G97
- Grupo 3 (seqüela de acidente vascular cerebral e hemiplegia) – G81 e I69
- Grupo 4 (outras doenças do aparelho circulatório) – I05, I10, I11, I23, I25, I33, I42, I49, I50 e I51
- Grupo 5 (vasculopatias) – I70 a I74, I77, I83 e M31
- Grupo 6 (doenças do aparelho respiratório) – J12, J15, J18, J40 a J45, J70, J80, J84, J96, J99 e B90
- Grupo 7 (doenças do sistema osteomuscular) – M06, M15, M16, M19, M30, M32, M33 a M36, M43, M48, M49, M72, M80, M81, M86 a M88, M90 a M93 e M96
- Grupo 8 (causas externas e traumatismos) – S06, S31, S72, T01, T90 a T98, Y85 a Y89.
Foram calculadas as taxas de mortalidade para todos os hospitais selecionados. Para o cálculo dessas taxas, o numerador foi o número de óbitos e o denominador, a soma do número de AIH (excluídos os pacientes repetidos) identificadas a cada mês em cada hospital. As taxas de mortalidade foram calculadas para o conjunto de quatro anos e para cada um desses anos.
As razões das taxas mensais de mortalidade [risco relativo e intervalo de confiança (IC) de 95%], ajustadas por sexo, idade e diagnóstico à internação, foram estimadas, utilizando-se a Regressão de Poisson. As taxas de mortalidade de cada hospital foram comparadas com a do hospital que apresentou a menor taxa de mortalidade, considerando-se, em conjunto, os quatro anos estudados. Por se tratar de uma análise preliminar, os nomes dos hospitais foram omitidos neste relatório, mas foram comunicados ao Ministério da Saúde.
A análise dos dados foi feita mediante aplicação dos programas Tabwin 2.2 8 e Stata.9
Resultados
Dezessete hospitais preenchiam os critérios para inclusão neste estudo: 11 situavam-se no Rio de Janeiro-RJ, 3 em São Paulo-SP, 2 em Salvador-BA e 1 em Belo Horizonte-MG. Nesses hospitais, foram identificadas 15.027 AIH mensais no ano de 1999, 15.315 no ano de 2000, 14.101 em 2001 e 14.222 em 2002, verificando-se o predomínio do sexo feminino entre essas internações nos quatro anos estudados; e pequenas variações na faixa etária, com maior proporção de internações entre idosos com 70 a 79 anos. No período de 1999 a 2001, as internações por seqüela de acidente vascular cerebral e hemiplegia foram as mais freqüentes, seguidas pelas doenças neurológicas e pelas demências. Em 2002, destacaram-se as doenças neurológicas e seqüelas de acidente vascular cerebral e hemiplegia, seguidas pelas vasculopatias, que apresentaram um grande aumento nesse ano. Além disso, no mesmo período de 2002, ocorreram internações por outras doenças do aparelho circulatório que não foram observadas nos anos anteriores (Tabela 1).
Na Tabela 2, estão apresentadas as taxas de mortalidade globais para quatro anos entre pacientes idosos, sob cuidados prolongados no âmbito do SUS, em 17 hospitais. As taxas de mortalidade variaram entre 17,98 óbitos e 193,83 óbitos por 1.000 AIH-mês. A mediana da taxa de mortalidade foi igual a 49,34 óbitos por 1.000 AIH-mês. A menor taxa de mortalidade foi observada na Santa Casa de Misericórdia da Faculdade de Ciências Médicas, no Município de São Paulo, considerada unidade hospitalar de referência no presente trabalho.
Na Tabela 3, estão apresentadas as taxas de mortalidade anuais entre os idosos nos 17 hospitais investigados. Os hospitais 9, 12 e 14 apresentaram taxas de mortalidade crescentes no período considerado. O hospital 13 foi o único que apresentou taxas decrescentes – de 211,8 em 1999 para 120,6 em 2002 – mantidas, entretanto, em níveis muito altos.
Na Tabela 4, são mostrados os riscos relativos (ajustados) para a mortalidade nos 17 hospitais investigados, tendo como referência a Santa Casa de Misericórdia Faculdade de Ciências Médicas, em São Paulo-SP. Em 2002, 12 hospitais apresentaram riscos de mortalidade significativamente mais altos que o observado no hospital referência. Os riscos relativos correspondentes para 1999, 2000 e 2001 são 9, 19 e 13, respectivamente. Durante o período estudado, sete hospitais apresentaram riscos de mortalidade significativamente mais altos que o observado no hospital de referência. Desses, dois apresentaram os riscos mais altos por, pelo menos, três anos consecutivos: hospitais 14 e 12.
Discussão
Os resultados desse trabalho mostram que existem diferenças marcantes nas taxas de mortalidade nos hospitais investigados, as quais, no decorrer de quatro anos, variaram entre 18 a 194 por 1.000 AIH-mês.
As taxas de mortalidade hospitalar vêm sendo empregadas, já há algum tempo, para monitorar a qualidade da assistência hospitalar. A utilização da taxa de mortalidade hospitalar para fins de comparação e monitoramento da qualidade, pressupõe a comparabilidade entre os diferentes estabelecimentos estudados.3,4,7 Essa comparabilidade deve ser baseada nas características do próprio paciente (idade, sexo e diagnóstico à internação, por exemplo), nas características da assistência (tipo de intervenção realizada, cuidados clínicos e cirurgias, entre outros) e nas características do estabelecimento (público ou privado, porte do estabelecimento).
Neste trabalho, a possibilidade de garantir a comparabilidade entre os hospitais esteve limitada às informações disponíveis no SIH-SUS. Essas informações não incluem, por exemplo, o estado nutricional do paciente, que também pode influenciar a saúde dos idosos.10 Mas o SIH-SUS inclui informações muito úteis para a busca dessa comparabilidade. O estudo, por exemplo, restringiu-se a um mesmo grupo de procedimentos realizados, "Atendimento a pacientes sob cuidados prolongados I, II, III, IV, V, VI e VII",6,8 e a comparação entre as taxas de mortalidade foi feita com ajustamentos pela idade, sexo e diagnóstico à internação. Assim, foram cumpridas muitas das premissas de comparabilidade entre os estabelecimentos estudados. Ademais, os resultados obtidos em quatro anos consecutivos são consistentes e enfraquecem a possibilidade das diferenças encontradas serem devidas a variáveis de confusão e vieses não identificados pelos investigadores.
Ao trabalhar com dados secundários (SIH-SUS), que não foram gerados com o intuito de subsidiar uma avaliação da qualidade dos serviços, impõem-se ao investigador limites quanto à análise desses dados. Por outro lado, a utilização de dados secundários, como é o caso deste trabalho, permitiu investigar a mortalidade ocorrida dentro das circunstâncias rotineiras dos hospitais selecionados.
No modelo adotado, utilizam-se informações geradas pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), acessíveis a todos os gestores do sistema. Outros estudos brasileiros têm demonstrado que a avaliação da qualidade da atenção hospitalar, baseada nas informações do SIH-SUS, é possível e de grande utilidade.7,11,12 Nosso modelo poderá ser reproduzido para diferentes situações em que se queira estudar a taxa de mortalidade associada a diagnósticos e ou a procedimentos específicos.
Os resultados do presente trabalho mostram que os diferenciais de risco, entre os hospitais investigados, podem servir como sinal de alerta e ponto de partida para investigações mais profundas sobre a qualidade da assistência oferecida ao idoso nos estabelecimentos com maiores e persistentes taxas de mortalidade.
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Endereço para correspondência:
Av. Augusto de Lima, 1715,
Belo Horizonte-MG.
CEP: 30190-002
E-mail:lima-costa@cpqrr.fiocruz.br
*Artigo desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (Nespe), da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de Minas Gerais, na qualidade de centro colaborador em saúde do idoso junto à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O estudo contou com o apoio de recursos do Projeto Vigisus.