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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.14 n.1 Brasília mar. 2005

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742005000100001 

EDITORIAL

 

Os estudos epidemiológicos e a natureza multidimensional dos problemas de saúde da população brasileira

 

Paulo Chagastelles Sabroza

Membro do Comitê Editorial

 

Nesta sua primeira edição de 2005, a Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil apresenta quatro artigos abordando diferentes aspectos da saúde da população e de suas relações com as práticas dos serviços e modelos de atenção à saúde, que, em uma primeira aproximação, parecem descrever realidades geográficas e sociais muito distintas.

Dois deles tratam de doenças infecciosas: o comportamento do tétano acidental em uma unidade federada da Região Sul;1 e as características epidemiológicas da tuberculose em Município de porte médio localizado no Estado do Piauí.2 Na perspectiva do modelo de transição epidemiológica, esses agravos seriam persistentes – a despeito dos avanços do conhecimento técnico-científico –, refletindo a falta de eqüidade no acesso à atenção à saúde e a baixa resolubilidade dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O artigo sobre tétano apresenta essa questão em Santa Catarina, um dos Estados com melhor índice de desenvolvimento humano do País, boa infra-estrutura de serviços e programas de Saúde Pública implantados. É mostrado que, nesse Estado, o tétano, ao contrário do que se poderia esperar, constitui problema predominante entre aqueles residentes nas cidades, pertencentes ao sexo masculino e idosos.

O artigo que analisa a tuberculose no Município de Piripiri, Piauí, mostra como essa endemia, característica dos grandes centros urbanos, já integra o perfil epidemiológico de Municípios de menor porte. Como acontece no estudo sobre o tétano acidental em Santa Catarina, o artigo sobre tuberculose na cidade do interior piauiense destaca a predominância da doença em residentes das áreas urbanas, idosos e do sexo masculino. Outra similaridade entre os dois trabalhos é a constatação da persistência dos problemas que abordam, apesar dos indicadores operacionais das ações programáticas pertinentes serem bem melhores do que os parâmetros considerados adequados pelas normas técnicas nacionais, e do que as médias do País.

É sabido que a presença e magnitude desses problemas não pode ser de todo explicada pelas desigualdades territoriais, persistência de bolsões de miséria e exclusão do processo de desenvolvimento e mesmo insuficiência de cobertura e qualidade dos serviços. Entretanto, os resultados apresentados pelos dois estudos descritivos revelam os papeis do gênero e da urbanização na produção social desses agravos, apontando para o entendimento de que muitas doenças infecciosas expressam um padrão resultante do desgaste e da exclusão a que foram submetidos grandes contingentes de trabalhadores, nas décadas anteriores e até hoje, por um modelo de desenvolvimento desigual e integrado: principalmente os trabalhadores migrantes do gênero masculino, procedentes de áreas rurais, que chegam à idade adulta envelhecidos, prematuramente, sem haverem recebido a atenção prioritária do Estado na formulação de políticas de saúde.

Os dois outros artigos enfocam dimensões distintas da Saúde, vinculadas à recente integração do País na economia global.

A análise do modelo de informação da hantavirose,3 uma das doenças classificadas como emergentes e de maior relevância, destaca a importância da investigação de campo local e de um sistema de informação de nível nacional para a vigilância de um novo problema global – associado às mudanças ambientais decorrentes das transformações nos processos produtivos no campo –, que impõe a articulação entre as áreas da Saúde e do Meio Ambiente e as vigilâncias epidemiológica e ambiental.

O quarto estudo, talvez o mais instigante, discute a fundamentação científica da proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de uma Estratégia Global para Alimentação, Atividade Física e Saúde, analisando a questão da segurança nutricional no país, nas últimas décadas, fazendo projeções de cenários futuros.4 No Brasil, como nos demais países de desenvolvimento tardio, o impacto sobre a saúde decorrente do constante aumento do consumo de calorias e gorduras de origem animal, sem ser acompanhado de cuidados adequados, deverá levar a um grande aumento da morbidade e da mortalidade para um importante conjunto de agravos, refletindo-se em incapacitação precoce, sofrimento e crescentes custos para a Saúde. Os problemas descritos nesse artigo não podem ser compreendidos ou equacionados a partir de uma compreensão limitada do conceito de saúde e de modelos assistenciais orientados apenas para o atendimento médico-hospitalar. Somados aos agravos por causas externas, eles constituem um conjunto que pode, muito bem, ser descrito como de agravos decorrentes de distúrbios do consumo.

As questões da articulação dos níveis local, nacional e global, bem como das dimensões do desgaste no processo de trabalho e da produção ampliada de agravos resultantes de distúrbios do consumo, se não se encontram explicitadas nesses trabalhos, ressaltam dos seus dados e análises apresentados e mostram a necessidade de novos modelos conceituais que superem aqueles centrados na concepção simplificadora da transição epidemiológica como projeto histórico.

 

Referências bibliográficas

1. Viertel IL, Amorim L, Piazza U. Tétano acidental no Estado de Santa Catarina, Brasil: aspectos epidemiológicos. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2005;(14)1:33-40.

2. Mascarenhas MDM, Araújo LM, Gomes KRO. Perfil epidemiológico da tuberculose entre casos notificados no Município de Piripiri, Estado do Piauí, Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2005;(14)1:7-14.

3. Santos ED, Garrett DO. Avaliação do Sistema de Vigilância de Hantavírus no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2005;(14)1:15-31.

4. Barreto SM, Pinheiro ARO, Sichieri R, Monteiro CA, Batista-Filho M, Schimidt MI, Lotufo P, Assis AM, Guimarães V, Recine EGIG, Victora CG, Coitinho D, Passos VMA. Análise da Estratégia Global para Alimentação, Atividade Física e Saúde, da Organização Mundial da Saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2005;(14)1:41-68.