SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número2Perfil dos pacientes com AIDS acompanhados pelo Serviço de Assistência Domiciliar Terapêutica do Município de Contagem, Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2003Cobertura da testagem sorológica e prevalência da infecção pelo HIV entre gestantes do Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, 1999 a 2003 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.14 n.2 Brasília jun. 2005

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742005000200005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Integralidade em saúde: avaliando a articulação e a co-responsabilidade entre o Programa Saúde da Família e um serviço de referência em HIV/aids*

 

Integration in health: evaluating articulation and co-responsibility between the Family Health Program and specialized assistence service

 

 

Lucilane Maria Sales da Silva; Terezinha de Andrade Guimarães; Maria Lúcia Duarte Pereira ; Karla Corrêa Lima Miranda; Eliany Nazaré Oliveira

Curso de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O processo de trabalho no âmbito da epidemia de HIV/aids é amplo e complexo, exigindo formas diferenciadas de atuação e articulação dos serviços de saúde, que devem estar preparados para esse atendimento. Este estudo tem por objetivos investigar a articulação do Programa Saúde da Família (PSF) com o serviço de assistência especializada em HIV/aids (SAE), identificar fatores facilitadores e dificultadores para essa articulação e propor formas de trabalho entre os dois serviços. Trata-se de um estudo descritivo com olhar qualitativo, tendo por objetos de análise um SAE e cinco unidades básicas da Saúde da Família, na Cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil, no período de agosto a outubro de 2003. Os sujeitos do estudo foram 19 representantes das várias categorias profissionais que atuam no PSF e no SAE. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e observação direta do trabalho, utilizando a metodologia de análise do discurso para análise e discussão dos dados coletados. Os resultados revelaram que a equipe do PSF desconhece as atividades desenvolvidas no SAE, o número de pessoas com HIV/aids na área de abrangência da equipe e os problemas advindos da dificuldade de adesão dos usuários à medicação anti-retroviral. Os autores consideram que o presente estudo contribuirá para fazer emergir questões ligadas ao processo de trabalho do SAE e que se apresentam como pontos dificultadores para uma ação mais articulada com o PSF, no sentido de diminuir os casos de infecção e melhorar a qualidade de vida das pessoas com HIV/aids.

Palavras-chave: aids; Programa Saúde da Família; serviço de assistência especializada; integralidade.


SUMMARY

The work process on the scope of HIV/AIDS is wide and complex, and it has required different actions and articulation of health services, which must be prepared for this kind of assistance. The aims of this research are to investigate the articulation between the Family Health Program (PSF) and the specialized assistance service in HIV/AIDS (SAE), to identify factors that both facilitate and inhibit this articulation and to propose forms of work that can function together. This research is a descriptive study with qualitative approaches, developed in one SAE and five basic units of the Family Health Program in the city of Fortaleza, Ceará State, Brazil, during the period from August 2003 to October 2003. The subjects of this study were 19 representatives of several professional categories that work both in the PSF and in the SAE. Semi-structured interviews and direct observations of work were performed using a methodology of analysis of the discourse to evaluate the analysis and discussion of collected data. The study results revealed that the PSF team members were unaware of the activities developed in the SAE, the number of HIV-positive individuals in the area of the team and problems resulted from individuals not accepting anti-retroviral medication. The authors consider that this study will help to elicit questions linked to the work process in SAE, that have been troublesome for a more articulated action with PSF in the sense of decreasing the number of persons with infection and improving the quality of life for persons with HIV/AIDS.

Key words: AIDS; Family Health Program; specialized assistance service in HIV/AIDS; integration.


 

 

Introdução

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a doença por ele provocada, a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) têm sido estudadas, intensa e amplamente, desde o aparecimento dos primeiros casos no final da década de 70, ocupando um lugar cada vez mais destacado entre os principais problemas de Saúde Pública do país.1,2 Ainda que a ciência tenha avançado no conhecimento da doença e nas estratégias para enfrentá-la, especialistas alertam que a aids ainda permanece incurável e que a epidemia se mantém em expansão, principalmente em regiões menos desenvolvidas economicamente.

O modelo assistencial de saúde do Brasil, da maneira como vem sendo implementado a partir da chamada Reforma Sanitária, iniciada nos anos 80, contempla a assistência integral à saúde e a unificação das ações curativas e preventivas, incluindo as ações relativas a assistência em HIV/aids. Tal modelo requer um novo perfil de trabalhadores de saúde, bem como a especificação de que produto oferecer, como produzi-lo e para que clientela. Apesar das conquistas ocorridas no setor da Saúde, como, por exemplo, o processo de municipalização e a descentralização do poder, ainda estão por ocorrer mudanças – necessárias – nos locais em que a assistência à saúde é produzida e dispensada.3,4

Há um amplo debate no Brasil sobre qual seria o modelo de atenção ideal para organizar a denominada Rede Básica (atenção primária), viabilizando, na prática, as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as diversas propostas experimentadas, está o Programa Saúde da Família (PSF).5 A unidade básica de saúde onde estão inseridas as equipes do PSF constitui uma base importante da atenção organizada pelo SUS, constituindo a porta de entrada dos indivíduos no sistema.

Em relação aos serviços de assistência especializada em HIV/aids (SAE), sua implantação no Município de Fortaleza, Estado do Ceará, e em vários outros Estados brasileiros, foi incentivada pelo Ministério da Saúde e sua Coordenação Nacional de DST e Aids, a partir de 1994. Seu objetivo é o de oferecer ao paciente e portador do HIV/aids uma assistência diferenciada, realizada por equipe multidisciplinar capacitada para atender esses casos.6

O SAE escolhido como objeto de enfoque deste estudo é uma unidade de referência, a mais completa no atendimento em HIV/aids do Estado, que apresenta, entretanto, problemas relativos à demanda excessiva, atendendo casos de HIV/aids notificados de todos os bairros de Fortaleza. No SAE do Município, semanalmente, realiza-se uma média de 30 consultas de indivíduos com risco para a infecção, 120 consultas novas por mês e 150 consultas – entre novas e acompanhamentos – por dia. Outro ponto crítico do atendimento refere-se à não-adesão dos soropositivos à terapia anti-retroviral, em razão dos seus efeitos colaterais, como neuropatia periférica, lipodistrofia, diarréias, entre outros, que interferem no desenvolvimento do processo assistencial.

Existe, ainda, um grande esforço desse serviço de referência para que os indivíduos infectados pelo HIV possam aderir ao tratamento, sendo necessária uma atenção conjunta e integrada dos vários serviços do SUS que atendem esse contingente, principalmente das unidades básicas da Saúde da Família. Segundo Botazzo,7 o PSF, como porta de entrada do sistema, deveria levar a resolubilidade 80% das intercorrências, encaminhar para serviços especializados os casos de maior complexidade e acompanhar, programaticamente, grupos etários ou de pacientes crônicos.

É mister, portanto, que o PSF realize uma ação integrada com os serviços de referência em HIV/aids, de forma a intensificar o acompanhamento dos indivíduos infectados. A colaboração entre os serviços de saúde ajudará a assegurar uma assistência contínua, o que significa que o indivíduo será acompanhado em todos os estágios, da prevenção da infecção ao tratamento. Os profissionais do PSF devem ser capacitados, permanentemente, quanto ao diagnóstico precoce das doenças associadas ao HIV, seu tratamento e competência para decidir sobre quando encaminhar os pacientes aos serviços especializados.

Estes autores desconhecem, no âmbito do PSF, pesquisas que tratem das questões ligadas à sua articulação com os serviços de referências em HIV/aids. São objetivos do presente estudo avaliar a articulação da equipe do Programa Saúde da Família com o serviço de assistência especializada em HIV/aids, identificar os fatores facilitadores e dificultadores para essa articulação e propor formas de trabalho integradas entre os dois serviços, de acordo com as possibilidades de intervenção, acompanhamento e desenvolvimento de ações de caráter preventivo para indivíduos infectados e pacientes.

Este trabalho pretende contribuir para o incremento da qualidade da assistência prestada ao indivíduo e sua família, tanto nos aspectos preventivos quanto nos aspectos curativos, na certeza de que o conhecimento gerado possa servir como dispositivo importante a ser utilizado pelos serviços que prestam assistência especializada em HIV/aids, para uma atuação específica e articulada com outras instituições de saúde.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo de olhar qualitativo, realizado em um serviço de assistência especializada em HIV/aids e em cinco unidades básicas do Programa Saúde da Família, localizados no Município de Fortaleza, Estado do Ceará.

Entre os sujeitos do estudo, foram incluídos sete representantes das várias categorias profissionais que atuam no SAE e 12 profissionais que compõem as equipes do Programa Saúde da Família, totalizando 19 profissionais de saúde.

Como critérios para escolha dos sujeitos, foram contemplados os requisitos para as condições mínimas de proeminência no processo de escolha de um bom informante, no bojo do estudo de um fenômeno social vinculado ao desenvolvimento de uma comunidade, grupo social ou atividade específica. São eles: envolvimento com o fenômeno que se quer estudar; conhecimento amplo e detalhado das circunstâncias que envolvem o foco de análise; disponibilidade adequada de tempo para participar das entrevistas; e concordância em participar da pesquisa.8

Como forma de coleta de dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas no período de agosto a outubro de 2003. O seu conteúdo foi gravado em fitas cassete, com a permissão dos sujeitos. Procurou-se estabelecer um cronograma para a realização das entrevistas, agendadas com uma semana de antecedência como tempo mínimo, mediante abordagem direta dos trabalhadores – que já haviam concordado em colaborar com a pesquisa.

Todas as entrevistas foram numeradas de acordo com a seguinte divisão: Programa Saúde da Família (PSF – 1 a 12); e serviço de assistência especializada (SAE – 1 a 7). As entrevistas encontram-se identificadas no texto, conforme essa convenção.

A análise e a discussão dos dados demandaram a transcrição de fitas, redução, organização e interpretação dos relatos a partir do método de análise do discurso. Segundo esse método, é importante compreender os relatos a serem analisados do ponto de vista das condições históricas que os condicionam e com as quais se relacionam.9

Considerações éticas

Foram considerados os critérios éticos para pesquisas envolvendo seres humanos, conforme a Resolução n° 196, do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS), de 10 de outubro de 1996.10

O projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José de Doenças Infecciosas (CEP-HSJ). A participação dos profissionais como sujeitos da pesquisa foi voluntária, tendo-se o cuidado de esclarecê-los quanto aos objetivos do trabalho e sua potencial contribuição para ele.

 

Resultados

Caracterização dos sujeitos do estudo

Do total de 19 profissionais entrevistados, 17 são do sexo feminino e dois do sexo masculino. A idade mínima foi de 25 anos e a máxima de 57 anos. Em relação à profissão, foram seis médicos, dez enfermeiras, dois assistentes sociais e uma psicóloga. Quanto ao tempo de formado, nove referiram possuir mais de dez anos. Quanto ao tempo de trabalho na unidade, os profissionais do SAE possuem mais de dois anos; os profissionais do PSF possuem um mês, como tempo mínimo, e nove anos como tempo máximo de trabalho no programa. A maioria dos profissionais do PSF é especialista em Saúde da Família. No SAE, encontramos quatro com essa especialidade – mas não em HIV/aids –, dos quais dois graduados e um residente em infectologia.

Atividades em HIV/aids desenvolvidas pelo Programa Saúde da Família

"A gente não trata HIV na unidade básica de saúde, o que a gente faz é referenciar para o hospital que trata de HIV/aids com medicações, fazendo acompanhamento e contagem de CD4." (PSF3)

"No PSF, são muito tímidas as atividades (...) as atividades que a gente vê muito é palestra com o pessoal do planejamento (familiar), que se abordam um pouco de doenças sexualmente transmissíveis e aí se fala também sobre o HIV/aids, mas não tem nada específico (...) eu não vejo nenhuma atividade específica voltada só prá HIV (...) no pré-natal, ele (médico) tem que solicitar o exame do HIV, mais do que isso não." (PSF6)

"(...) se, por acaso, chegar um paciente e quiser um exame específico para o HIV, a gente faz uma entrevista no planejamento família; e se esse paciente for de um grupo de risco, a gente sugere realizar. Se não for, a gente sabe que aids não está escrito na testa, se ele insistir, a gente solicita." (PSF 1)

A proposta do PSF prevê o desenvolvimento equilibrado de ações de promoção da saúde, prevenção, de cura das doenças e reabilitação, tanto em nível individual quanto coletivo, por meio do trabalho de uma equipe multidisciplinar dedicada à saúde dos indivíduos, da família e da comunidade.11 Entretanto, os discursos relativos ao atendimento em HIV/aids revelam ênfase no encaminhamento para os serviços especializados, desvinculando-se os casos da unidade básica e transferindo-se a responsabilidade pelo acompanhamentos dos casos. As ações em HIV/aids do PSF se restringem ao pré-natal e ao planejamento familiar, sendo obrigatória a abordagem e o oferecimento da testagem nessas situações. Os demais casos são encaminhados para outros serviços especializados.

Demanda em HIV/aids no Programa Saúde da Família

"Sobre atendimento em HIV, eu nunca atendi nenhuma pessoa positiva não, que venha com exame positivo (...) retorno positivo eu nunca tive e também a gente não tem assim um trabalho específico pra HIV-positivos, pra pessoa doente com aids. Quando isso acontece, a gente encaminha pra ele ser atendido num hospital próprio pra isso." (PSF 5)

"Eu, particularmente, nunca tive (demanda). Tive uma cliente que ela tava com suspeita porque o marido viajava muito e queria fazer o teste do HIV. Então ela não apresentava sintomatologia nenhuma. Apresentava só uma história que ela suspeitava que o marido tivesse outras relações extraconjugais. Então, eu encaminhei e solicitei o exame. Eu não digo que fiz um aconselhamento (...) eu encaminhei pro COAS (Centro de Orientação e Apoio Sorológico) e de lá eu não tive mais notícias dela." (PSF 12)

Em relação à demanda em HIV/aids do PSF, verificamos que não existe conhecimento dos profissionais acerca dos usuários com HIV/aids de sua área de abrangência, uma vez que nunca houve esse tipo de atendimento. Esse desconhecimento é um ponto crítico na assistência aos indivíduos soropositivos para o HIV, pois interfere na articulação entre os serviços de saúde.

Conhecimento dos profissionais do PSF sobre o funcionamento do serviço de assistência especializada em HIV/aids

"Não, não sei, a gente não tem contato com eles. Em seis anos de PSF, eu só recebi uma contra-referência desse serviço." (PSF 2)

"Não, eu não conheço, não sei como é feito lá. mas acredito que o paciente receba atendimento se procurar lá; mas, detalhadamente, eu não sei, nunca tive nenhum contato com o São José (hospital). O nosso sistema de saúde é muito deficiente e a gente, muitas vezes, nem conhece os outros serviços que poderiam ser bons parceiros." (PSF 5)

"(...) eu não sei como é feito com o paciente que chega lá; assim, em termos do acesso, da rotina, a gente não acompanha não." (PSF11)

Observamos que os profissionais do PSF desconhecem as formas de acesso e a rotina do SAE referentes a procedimentos como aconselhamento e acompanhamento médico. Uma informação básica a que os profissionais deveriam ter acesso seria quanto aos critérios de atendimento nesse serviço.

Tendo em vista o aumento da demanda pelo SAE, a coordenação do serviço estabeleceu, em 2001, critérios para realização do aconselhamento, que antes acontecia em atendimento a demanda espontânea. Atualmente, a população atendida é constituída de: gestantes com sorologia anti-HIV positiva; clientes encaminhados pelo setor de emergência do hospital; profissionais que sofrem acidentes de trabalho com materiais perfurocortantes e secreções; pessoas vítimas de violência sexual; casos para coleta de segunda amostra do exame; parceiros de pacientes atendidos pelo serviço; crianças com idade até 12 anos, filhas de mulheres soropositivas para o HIV; e pessoas com doenças sexualmente transmissíveis.

Para os que não se enquadram nesses critérios, são fornecidas informações sobre outros serviços que prestam atendimento na especialidade. Esta medida gerou insatisfação dos usuários que procuram o SAE.

Conhecimento dos profissionais do Serviço de Assistência Especializada em HIV/aids sobre o funcionamento do Programa Saúde da Família

"Olha, eu não tenho nenhuma informação não; pra ser realista e falar mesmo sério, eu não sei bem. Eu sei que alguns pacientes falam que têm algum contato no serviço de saúde, mas não muito claramente." (SAE 2)

"Não, a gente não tem nenhuma informação; realmente, eu não sei como funciona esse atendimento desses pacientes com HIV. As informações que eu tive a respeito foi em um curso sobre vigilância epidemiológica, onde a gente teve a oportunidade de conhecer as coordenadoras das regionais (...) o que eu entendi é que as pessoas ainda estão assim, buscando como fazer com esse paciente." (SAE 3)

Fatores que facilitam e que dificultam o contato entre os serviços de saúde do PSF e do SAE

Quanto aos fatores que facilitam o contato entre PSF e SAE, os discursos revelaram:

"Eu acho que é só a comunicação (...) as pessoas mudarem seus posicionamentos (...) através de uma conversa, de reuniões nos órgãos da saúde, da direção com os postos das unidades, os coordenadores e cursos de atualização sobre isso." (SAE 5)

"Eu acho que, pra aids, as portas estão muito abertas, o paciente será sempre aceito quando a gente encaminhar, porque temos um hospital de referência especializado nisso. Ele não vai ficar sem atendimento, isso facilita muito." (PSF 8)

"De facilidade, eu acho que é ter uma equipe aberta pra aprender. Eu vejo nossa equipe de trabalho assim, formada por pessoas que querem aprender, que querem se capacitar, se esforçando pra fazer um bom trabalho, dentro do que pode ser feito. Eu acho isso muito importante." (PSF 9)

No que concerne aos fatores que dificultam o contato entre PSF e SAE, os discursos indicaram:

"Eu acho que é puramente burocrático (...) eu acredito que a boa vontade do profissional deve existir; agora... é mais uma questão do sistema como um todo, da burocracia." (PSF 10)

"Acho que as dificuldades sempre são maiores. Pela deficiência do nosso sistema de saúde, a referência e contra-referência não funcionam. Se funcionassem como deveriam, já seria um grande avanço." (PSF 3)

"Eu acho que a grande dificuldade é que não há nenhuma comunicação. Se você me perguntar: As gestantes daqui, elas estão vindo de onde? Quais são as unidades que realmente referenciam para o hospital? Eu não vou saber te responder. Então, acho que a dificuldade maior é a questão da comunicação, a questão da informação. A gente precisaria ser informada para poder dar o feedback." (SAE 6)

Sugestões para a articulação entre PSF e SAE

Quando foram solicitadas aos profissionais sugestões para promover a articulação entre os serviços, eles propuseram:

"Eu acho que eles poderiam fazer, também, treinamentos com a gente; e apresentar a rotina do serviço de referência, o que a gente poderia resolver aqui na unidade, já que eles têm uma demanda lá que poderia ser resolvida aqui. Eles poderiam identificar pra gente o que a gente pode realizar na unidade básica de saúde." (PSF 2)

"Eu acho que seria muito válido se nós tivéssemos um contato, por exemplo, todos os meses, ou de dois em dois meses, se nós soubéssemos quais os pacientes que foram encaminhados, para checarmos se esse paciente chegou aqui, se esse paciente marcou consulta, se ele está realmente fazendo o acompanhamento. No caso da gestante, também seria muito bom se nós soubéssemos quais são as unidades que estão encaminhando, se essa gestante está chegando, quantas gestantes são encaminhadas, quantas nós estamos atendendo, para não ocorrer dessa gestante não vir e acabar não fazendo a profilaxia." (SAE 7)

 

Discussão

Uma boa assistência pode melhorar, em muito, a qualidade de vida das pessoas com HIV. A assistência de qualidade também envolve o apoio prático, emocional e espiritual às pessoas HIV-positivas, assim como àquelas que as cuidam, suas famílias, comunidade.12 A complexidade exigida no atendimento aos indivíduos soropositivos para o HIV requer a articulação dos vários serviços do SUS no desenvolvimento de um trabalho integrado por um sistema de referência e contra-referência.

Entretanto, verifica-se que esse sistema não é utilizado no atendimento em HIV/aids. Os profissionais do PSF desconhecem as formas de acesso e a rotina do SAE. Observamos, também, que os profissionais do SAE desconhecem a rotina e a dinâmica de atendimento em HIV/aids do PSF. Entende-se que, se houvesse conhecimento dos profissionais do SAE sobre essa dinâmica, alguns procedimentos – busca ativa de faltosos, conhecimento do número de pacientes encaminhados, conhecimento sobre quais unidades estão encaminhando esses pacientes e quais deles, realmente, chegam ao serviço após encaminhamento, além de apoio na adesão à terapia anti-retroviral –, poderiam ser compartilhados entre os serviços. Isso permitiria que se alcançasse o pleno funcionamento do sistema de referência. Um sistema de saúde integrado pressupõe oferta organizada de assistência, garantindo um processo de referência e contra-referência em uma rede articulada de distintos níveis de complexidade do SUS, com fluxos e percursos definidos, ordenados e compatíveis com a demanda.13 É necessário que os agentes desse sistema conheçam os processos que envolvem a assistência ao indivíduo soropositivo, nos diversos níveis de atenção, efetivando os mecanismos do processo de referência e contra-referência.

Para obter a melhor solução às diferentes questões apontadas nos discursos como fatores dificultadores da articulação entre os serviços no atendimento em HIV/aids, é mister o interesse e a atuação gerencial dos profissionais e da instituição nos pontos críticos citados, principalmente naqueles relacionados à consecução do processo de referência e contra-referência, além de uma maior comunicação entre os profissionais dos serviços.

Também constitui um grande desafio para o PSF melhorar a comunicação entre os seus profissionais e outros especialistas, com experiências e formações distintas. Impõe-se a criação de estratégias de comunicação eficazes, que sirvam ao especialista na promoção do retorno do paciente ao serviço de Atenção Básica.13

Estudo realizado pelo Ministério da Saúde 13 em dez Municípios brasileiros revelou que, na maior parte deles, a realização insuficiente da contra-referência mostrou ser uma das principais dificuldades referidas pelos gestores municipais do sistema. Os resultados dessa pesquisa corroboram os fatores apontados pelos profissionais abordados neste trabalho, tanto do SAE quanto do PSF. A não-existência de um sistema de referência e contra-referência efetivo dificulta o processo de articulação entre os serviços e o atendimento integral aos indivíduos HIV-positivos.

Acredita-se que a aquiescência às sugestões destes autores permitirá o emergir de ações relacionadas ao atendimento em HIV/aids, tanto do SAE quanto do PSF, bem como a capacitação e educação continuada dos profissionais, a definição de atividades em HIV/aids que possam ser realizadas no PSF, a implementação de sistema de referência e contra-referência e a consecução dos princípios do SUS, principalmente no que respeita à integralidade da atenção à saúde.

Os resultados apresentados permitem inferir que o atendimento em HIV/aids no PSF está restrito ao planejamento familiar e à assistência pré-natal e que os profissionais dessas unidades desconhecem os usuários com HIV/aids de sua área de abrangência.

Foi observado, outrossim, que os profissionais do PSF não possuem informações sobre as formas de acesso e as rotinas do SAE em procedimentos como realização de aconselhamento e acompanhamento médico. Assim como os profissionais do PSF, também os profissionais do SAE desconhecem a rotina e a dinâmica de atendimento em HIV/aids do PSF.

Os fatores apontados nos discursos como dificultadores da articulação entre os serviços de atendimento em HIV/aids foram a ausência do processo de referência e contra-referência, além de uma comunicação deficiente entre os profissionais e os serviços.

A realidade apresentada exige uma atuação efetiva da equipe do PSF e dos profissionais do SAE, em resposta às demandas em HIV/aids, que considere um acolhimento humanizado da clientela, acesso a serviços resolutivos prestados por profissionais capacitados no atendimento desses casos, além de fortalecimento dos vínculos entre os profissionais e usuários e clara definição de responsabilidades.

A consecução de um vínculo mais forte dos usuários e indivíduos infectados pelo HIV/aids com as unidades básicas de saúde será viável, tão-somente, com a responsabilização das unidades pelo atendimento das demandas da sua região, atendendo à população da sua área de abrangência. Para satisfazer a integralidade do indivíduo e da sua saúde, são recomendáveis as visitas domiciliares, quando necessárias, para identificação e acompanhamento dos infectados, vigilância à sua saúde e acompanhamento da sua adesão à medicação anti-retroviral, mediante diferentes tecnologias indispensáveis: acolhimento; consulta individual; aconselhamento; formação e condução de grupos educativos; atendimento domiciliar; trabalho comunitário; ações programáticas; e medidas preventivas.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais do Programa Saúde da Família e do serviço de assistência especializada em HIV/aids estudados, que, prontamente, se dispuseram a colaborar com o estudo e responder às questões das entrevistas; e à Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa e ao Ministério da Saúde, pelo incentivo financeiro à realização deste estudo.

 

Referências bibliográficas

1. Acúrcio A, Guimarães MDC. Utilização de medicamentos por indivíduos HIV-positivos abordagem qualitativa. Revista Saúde Pública 1999 fev.;33(1):73-84.

2. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. A Aids no Brasil – um esforço conjunto. Brasília: MS; 1998.

3. Junqueira LAP. A Descentralização e a reforma do aparato estatal em saúde. In: Canesqui AM. Ciências Sociais e Saúde. São Paulo: Hucitec; 1997.

4. Campos GWS. Reforma da Reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec; 1992.

5. Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. O Modo de fazer saúde no Estado do Ceará. Fortaleza: Secretaria de Saúde; 2002.

6. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Aspectos da epidemia entre as mulheres. Brasília: MS; 1996.

7. Botazzo C. Unidade básica de saúde: a porta do sistema revisitada. São Paulo: Edusc; 1999.

8. Spradley J. Participant observation. New York: Winston; 1980.

9. Breilh J. Nuevos conceptos y técnicas de investigación: guía pedagógico para un taller de metodología (epidemiología del trabajo). 3ª ed. Quito: Centro de Estudios y Asesoría en Salud – CEAS; 1997.

10. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196/96 e Decreto nº 93.933 de janeiro de 1987: estabelece critérios sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética 1996;4:15-25.

11. Machado E. Metodologia de implantação de um programa de saúde da família: um modelo a ser seguido. Fortaleza: LC Gráfica & Editora; 2001.

12. Ação anti-AIDS. Desafiando o estigma e a discriminação. Boletim Internacional sobre Prevenção e Assistência a AIDS Rio de Janeiro 2001;46.

13. Ministério da Saúde. Avaliação da implementação do programa saúde da família em dez grandes centros urbanos síntese dos principais resultados. Brasília: MS; 2002.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Gustavo Braga, 257,
Rodolfo Teófilo, Fortaleza-CE.
CEP: 60430-120
E-mail:lucilanefernandes@superig.com.br

 

 

*Projeto financiado com recursos da Fundação Cearense de Amparo a Pesquisa (Funcap)