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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.14 n.2 Brasília jun. 2005

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742005000200008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comportamento de risco para a infecção pelo HIV entre adolescentes atendidos em um Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/aids no Município do Rio de Janeiro, Brasil

 

Risk behavior to HIV Infection among adolescents attending a STD/AIDS Testing and Counseling Center of the Municipality of Rio de Janeiro, Brazil

 

 

Rosane Harter GriepI; Carla Luzia França AraújoII; Sônia Maria BatistaIII

IDepartamento de Enfermagem e Saúde Pública, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ
IIDepartamento de Enfermagem Materno-Infantil, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ
IIICentro de Testagem e Aconselhamento em DST/Aids, Hospital-Escola São Francisco de Assis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é investigar comportamentos relacionados ao HIV entre 820 adolescentes, idade entre 13 e 19 anos, que realizaram sorologia para o HIV em um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) da Cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Utilizamos dados coletados do Sistema de Informações do CTA (SI-CTA). Observou-se concentração de adolescentes na faixa etária de 17 e 19 anos. Entre as gestantes, encontrou-se proporção mais alta de jovens de 13 a 16 anos, de casadas e de baixa escolaridade quando comparada às não gestantes, aos homens heterossexuais e aos homens que fazem sexo com homens (HSH). Cerca de metade das adolescentes procurou o serviço para a realização de exames de pré-natal; e entre os adolescentes, 60% buscaram o teste por terem sido expostos à situação de risco. Os adolescentes heterossexuais, os HSH e as não gestantes referiram maior número de parceiros sexuais e utilização mais freqüente do preservativo do que as gestantes. A proporção de testes positivos para o HIV foi de 0,35%, 2,05%, 3,74% e 4,81%, respectivamente, para gestantes, não gestantes, heterossexuais e HSH. Os dados evidenciam vulnerabilidade dos adolescentes atendidos, em relação ao HIV, e apontam para a necessidade entre eles de estratégias específicas que aumentem conhecimentos, oportunidades e opções de prevenção.

Palavras-chave: HIV; aids; adolescentes; doenças sexualmente transmissíveis; sistemas de informação.


SUMMARY

This study aimed to investigate HIV-related behaviors among 820 adolescents, aged between 13 and 19 years of age, who underwent an HIV test of serum in the STD/AIDS Testing and Counseling Center, Rio de Janeiro City, Brazil. We used data from the STD-AIDS Testing and Counseling Information System (SI-CTA). The majority of subjects were from 17 to 19 years of age. Among pregnant women, the highest rates of HIV-positive tests were observed in young adolescents (aged 13 to 16 years) and married women with low literacy, compared to non-pregnant women, heterosexual men and men who had sexual intercourse with men (MSM). Aproximately 50% of adolescent females sought prenatal services, and 60% of adolescent males required HIV-testing due to a high risk exposure. Heterosexual adolescents, MSM, and non-pregnant women reported higher numbers of sexual partners, as well as more frequent condom use compared to pregnant women. The proportion of serum tests positive for HIV was 0.35%, 2.05%, 3.74%, and 4.81%, in pregnant, non-pregnant women, heterosexual men and MSM respectively. The data demonstrate the vulnerability of adolescents regarding HIV and points out the need for specific strategies to enhance their knowledge as well as preventive opportunities and options.

Key words: HIV; AIDS; adolescents; sexually transmitted diseases; information systems.


 

 

INTRODUÇÂO

A epidemia da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) constitui fenômeno global, complexo, dinâmico e instável, cuja forma de ocorrência nas diferentes regiões do mundo depende, entre outros fatores determinantes, do comportamento humano individual e coletivo.1 No Brasil, a propagação da infecção pelo HIV vem sofrendo transformações significativas no seu perfil epidemiológico, com tendência de pauperização da população infectada e aumento de casos em heterossexuais – principalmente mulheres –, crianças e jovens.1,2

Desde o início da epidemia, o grupo etário de 20 a 39 anos tem sido o mais atingido. Tendo em conta que pessoa infectada pelo HIV leva cerca de dez anos, em média, para evoluir para aids, pode-se inferir que esses adultos tenham-se infectado quando adolescentes ou adultos jovens.3,4

Os jovens são um segmento vulnerável em todas as sociedades do mundo globalizado. Recentemente, o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP)5 divulgou um relatório solicitando urgência de investimentos para garantir o futuro da população de adolescentes. Segundo a publicação, a cada 14 segundos, um jovem entre 15 e 24 anos é infectado pelo HIV; e, de todas as novas infecções, cerca da metade ocorre nessa faixa etária. Portanto, a implementação de programas de prevenção voltados para jovens, antes que eles iniciem práticas comportamentais que possam aumentar o risco de transmissão do HIV, bem como a avaliação do seu impacto, tornam-se imprescindíveis.

A Coordenação do Programa Nacional de DST e Aids (CN-DST/AIDS/MS), desde a sua inauguração em 1985, vem estabelecendo diretrizes para o enfrentamento da epidemia no país. Desde 1988, a CN-DST/AIDS coordena a implantação de uma rede de Centros de Testagem e Aconselhamento, os chamados CTA, serviços de saúde especializados no diagnóstico, orientação sobre transmissão e prevenção do HIV, que atuam como referência para tratamento quando o resultado do teste é reagente.6 Os CTA cumprem a importante função de intermediação entre a prevenção e a assistência, centrados na abordagem dialógica. Promovendo o acolhimento e o aconselhamento, seu propósito é orientar o usuário na sua decisão de realizar o teste anti-HIV ou não. A relação sujeito-profissional torna-se evidente, pautada no direito à cidadania, na escuta adequada, na reflexão a respeito dos riscos e comportamentos sob o enfoque da prevenção das DST/aids e promoção da saúde.6

Visando facilitar a organização do processo de trabalho dos CTA, a CN-DST/AIDS/MS desenvolveu o Sistema de Informação sobre Atendimento nos CTA (SI-CTA), que permite a análise da demanda atendida e enriquece o sistema de vigilância epidemiológica do HIV, auxiliando a realização de investigações científicas.7

As possibilidades de monitoração de práticas preventivas relatadas pelos usuários do CTA foram consideradas pelo presente estudo, que utilizou o SI-CTA com o objetivo de descrever o perfil de comportamento relacionado ao HIV entre adolescentes que buscaram o exame de sorologia em um centro de testagem e aconselhamento em DST/aids, localizado na Cidade do Rio de Janeiro.

 

Metodologia

Trata-se de estudo seccional em que exposição e desfecho são investigados no mesmo momento do tempo, delineamento útil para detectar freqüências de doenças e de fatores de risco e identificar grupos mais ou menos afetados pelo evento.8 O estudo abrangeu todos os testes realizados por adolescentes com idade entre 13 e 19 anos, durante os períodos de janeiro a dezembro de 2002 e de janeiro a setembro de 2003, no CTA do Hospital-Escola São Francisco de Assis (Hesfa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trata-se do primeiro CTA do Estado do Rio de Janeiro, implantado em 1992, em corredor de tráfego intenso do bairro Cidade Nova, de fácil acesso à população carioca, onde circulam veículos de transporte urbano coletivo, como metrô, ônibus e trens. O serviço atende, em três turnos de funcionamento, cerca de 500 usuários por mês.9 Foram excluídos da análise os testes cujo motivo da realização foi o de "conferir resultado anterior".

Os dados foram obtidos a partir do formulário de teste sorológico anti-HIV e do formulário de perguntas preenchido durante o aconselhamento, disponível nos prontuários dos clientes atendidos pelo CTA. As informações obtidas a partir dos formulários foram inseridas em banco de dados que integra o SI-CTA.7 Foram utilizadas as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, ocupação), comportamentos relacionados ao HIV [freqüência do uso do preservativo ao longo do relacionamento com parceiro fixo (atual), do uso do preservativo na última relação com parceiro fixo, do uso do preservativo com parceiro não fixo ao longo da vida, do uso do preservativo na última relação sexual com parceiro não fixo; motivos do não-uso do preservativo; número de parceiros sexuais], motivo da busca do teste e resultado dos testes anti-HIV, mediante relatórios estatísticos com cruzamentos de dados pré-definidos no SI-CTA.

Os adolescentes com sorologia positiva para o anti-corpo anti-HIV, confirmada por ensaio imunoenzimático (ELISA) e Western Blot (WB), foram considerados soropositivos para o vírus.

As categorias de gênero foram subdivididas, para melhor compreensão de diferentes padrões de vulnerabilidade. As adolescentes foram classificadas em "gestantes" e "não gestantes"; os adolescentes do sexo masculino, entre "heterossexuais" e "homens que fazem sexo com homens (HSH)". Diferenças entre proporções foram avaliadas pelo teste qui-quadrado, com intervalo de confiança (IC) de 95%. A análise foi feita utilizando-se o aplicativo Epi Info, versão 6.04.

Considerações éticas

Os testes foram identificados, numericamente; e as respostas, analisadas apenas como estatísticas agrupadas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital-Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Resultados

Durante o período avaliado, 830 testes anti-HIV foram realizados entre jovens de 13 a 19 anos de idade, no CTA de estudo (cerca de 10% da totalidade de testes realizados no período). Foram excluídos dez testes, classificados como "Confirmação de resultado anterior" (oito mulheres e dois homens), resultando em um total de 820 testes considerados.

A descrição sociodemográfica da população de estudo mostra que 74,4% dos adolescentes tinham idade entre 17 e 19 anos, cerca de 75,2% eram não casados e 55% contavam oito ou mais anos de escolaridade (Tabela 1). Contudo, foram observadas diferenças nessa descrição, segundo as classificações de gênero. Entre as gestantes, verificou-se proporção mais alta de jovens entre 13 e 16 anos, de casadas e de baixa escolaridade, quando comparadas às não gestantes, aos heterossexuais e aos HSH (Tabela 1).

 

 

Cerca de metade das adolescentes procuraram o serviço para realização do exame na rotina do pré-natal e 25,8% buscaram a testagem por terem sido expostas a situação de risco, em relações sexuais sem proteção. Entre os adolescentes homens, 60% buscaram o serviço por terem sido expostos a situação de risco (dados não apresentados em tabela).

Entre os jovens do estudo, 35,9% referiram de "três a quatro" e 15,7% referiram "cinco ou mais" parceiros sexuais nos últimos 12 meses, 5,6% referiram história de DST e 7,5% tinham realizado o teste anteriormente, no CTA objeto do estudo. Em relação ao uso do preservativo entre os que referiram relacionamento fixo, observou-se que 21,2% afirmaram usá-lo sempre, ao longo do último relacionamento, e 16,8% afirmaram usá-lo na última relação sexual. Quando se trata de relacionamentos sexuais com parceiro não fixo, as proporções foram de 43% em todas as relações; e de 41% na última relação sexual.

Entretanto, diferenças de comportamento importantes relacionadas ao HIV, segundo as categorias de gênero, puderam ser observadas entre os adolescentes avaliados (Tabela 2). Destacaram-se os homens, que referiram maior número de parceiros. Por exemplo, 38,1% dos HSH e 34,7% dos heterossexuais referiram "cinco ou mais" parceiros sexuais nos últimos doze meses. Entre as meninas, essas proporções foram de 12,1% para não gestantes e de 1,4% para gestantes. Ainda entre as gestantes, 71,2% referiram apenas um parceiro, enquanto as proporções para as outras categorias foram de 41,7% entre não gestantes, 27,9% entre heterossexuais e 17,9% entre HSH (p<0,0001) (Tabela 2).

 

 

Para os HSH, identificou-se freqüência mais alta de realização de teste anterior no CTA de estudo, embora essas diferenças não sejam significantes no nível de 5% p=0,094). Para as gestantes, contudo, foram identificadas freqüências mais baixas de relato de DST anterior e de uso do preservativo com parceiro fixo (p<0,01). As freqüências no uso do preservativo com parceiro não fixo (ao longo da vida e na última relação sexual) foram semelhantes entre as quatro categorias de gênero avaliadas; menos da metade dos adolescentes, em quaisquer das categorias de gênero, referiram seu uso. Entre as gestantes, foi encontrado o menor percentual de uso do preservativo com parceiro fixo atual e na última relação sexual (p<0,0001) (Tabela 2).

Os principais motivos para o não-uso do preservativo em relacionamento com parceiro fixo foram "Confiança no parceiro" e "Não gosta". No caso das mulheres, foram encontrados percentuais mais altos de respostas "Parceiro não aceita", comparativamente aos homens: 12,8% e 4,9%, respectivamante, para homens e mulheres. Nas parcerias não fixas entre os adolescentes do sexo masculino, predominou "Não dispunha no momento" (do relacionamento), "Não deu tempo/tesão" e "Não gosta"; entre as mulheres, destacou-se "Confiança no parceiro" e "Não dispunha no momento" (Tabela 3).

 

 

De todos os testes realizados entre adolescentes no período, 2,1% (IC95%=1,1-3,1) resultaram soropositivos para o HIV. As proporções de testes HIV-positivos foram as seguintes: 0,35% (IC95%=0,00-2,54) entre gestantes; 2,05% (IC95%=0,29-3,76) entre não gestantes; 3,74% (IC95%=1,02-6,46) entre heterossexuais; e 4,8% (IC95%=0,21-9,42) entre HSH (p=0,023).

 

Discussão

Os resultados apresentados evidenciam a vulnerabilidade dos adolescentes atendidos em relação ao risco de transmissão/aquisição de doenças sexualmente transmissíveis. Jovens de 13 a 19 anos representam cerca de 10% dos usuários do CTA. A alta soropositividade para o HIV entre eles reforça a necessidade de estratégias específicas de prevenção da infecção pelo vírus.

As gestantes constituíram categoria bastante diferenciada das outras demandas de adolescentes do CTA: em relação ao perfil sociodemográfico, são, em geral, casadas, mais jovens e de menor escolaridade, quando comparadas às demais categorias avaliadas. Quanto ao comportamento diante do HIV, elas referiram menor número de parceiros e utilização menos freqüente do preservativo em se tratando de parceiro fixo. Entre elas, ainda, identificou-se a menor proporção de resultados positivos para o teste anti-HIV, comparativamente às outras categorias de gênero avaliadas. São aspectos que se justificam, possivelmente, pelo fato de elas buscarem o teste sorológico motivadas por razões distintas, em relação às outras demandas do CTA: enquanto as gestantes são encaminhadas pelos profissionais de saúde para exame de rotina do pré-natal, os outros usuários, geralmente, procuram o serviço por terem sido expostos a situação de risco. A prevalência de resultados HIV-positivos entre elas foi menor do que entre as gestantes do Município do Rio de Janeiro. Segundo o Boletim Epidemiológico do HIV,10 no ano de 2001, foi confirmado resultado positivo para a presença do vírus da aids em 0,7% das gestantes que realizaram testagem para o HIV durante o pré-natal, no Município.

Jovens e adolescentes de baixo nível de instrução e baixo nível socioeconômico são mais susceptíveis às infecções sexualmente transmissíveis. O estudo encontrou proporção considerável de adolescentes de baixa escolaridade infectados, principalmente entre as gestantes. Outras pesquisas indicam que a freqüência do uso do preservativo aumenta, proporcionalmente, com o nível da escolaridade, e que o uso de drogas diminui com o aumento do número de anos de estudo.1,11 A maior vulnerabilidade dos jovens decorre do uso inadequado de preservativos 12,13 associado a práticas sexuais com múltiplos parceiros.14 Segundo os resultados apresentados, os adolescentes do sexo masculino, tanto heterossexuais como HSH, referiram maior número de parceiros sexuais. Porém, a referência ao uso do preservativo não se mostrou mais elevada entre eles. De maneira geral, os adolescentes considerados por este estudo referiram o uso do preservativo menos freqüentemente, em comparação aos resultados obtidos por estudo realizado no ano de 1998, com rapazes conscritos do Exército Brasileiro.11 De maneira semelhante a esse estudo, tenderam a referir a utilização menos freqüente do preservativo nas relações sexuais com parceiro fixo do que com parceiros eventuais (não fixos).

Um dos principais motivos apontados para o não-uso do preservativo foi a "Confiança no parceiro", principalmente entre as mulheres. Elas também referiram, com mais freqüência, que o "Parceiro não aceita" o uso do preservativo, em comparação com os homens. Freqüentemente, o comportamento feminino ainda se encontra vinculado à subalternidade na relação da mulher com o homem; quando o relacionamento envolve o afeto, é comum a sensação ilusória de invulnerabilidade, como se o amor garantisse "proteção" contra a infecção.15 O Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População5 destaca que as normas de gênero limitam o poder de negociação das jovens e, conseqüentemente, a sua proteção efetiva durante os relacionamentos sexuais. As normas sociais dominantes sobre a masculinidade colocam os jovens como heróis e conquistadores, "machos" responsáveis pela administração dos riscos envolvidos nas questões sexuais; às jovens mulheres, em geral, cabe corresponder, com passividade, às investidas e desejos masculinos.

Entre os adolescentes do sexo masculino deste estudo, foram encontradas prevalências mais elevadas de HIV, comparativamente ao estudo sobre conscritos do Exército Brasileiro,11 que considerou rapazes na faixa etária de 17 a 20 anos. Essas diferenças podem ser explicadas pelo fato de que grande parte dos adolescentes buscou conhecer a sua sorologia para o HIV no CTA, em razão de haver sido ou ter-se sentido exposta a uma situação de risco, fazendo deles um contingente não comparável, diretamente, ao apresentado naquele estudo.

Aspectos referentes às limitações das análises devem ser levados em conta na avaliação dos resultados aqui apresentados. É digna de relevância a não-representatividade da população de estudo em relação à população geral de adolescentes. Usuários de CTA, além de constituírem uma demanda restrita, tendem a comportamentos mais arriscados. Ademais, pelo fato de o SI-CTA considerar como unidade de análise os testes realizados no período, é de se esperar subestimação das prevalências e superestimação de comportamentos mais arriscados. Apenas 7,5% dos adolescentes, contudo, haviam realizado o teste anteriormente, no CTA de estudo, sendo impossível identificar o momento do tempo em que o teste anterior ocorreu. Com o objetivo de diminuir as chances de capturar o mesmo sujeito mais de uma vez, para esta análise, excluíram-se os testes cujo motivo da realização foi "Confirmar resultado anterior".

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à aquisição de informações sobre temas envolvendo a sexualidade, durante o aconselhamento. É previsível um viés de resposta "socialmente aceitável", haja vista nem sempre existir uma relação satisfatória de confiança entre o usuário e o aconselhador. Por conseguinte, estimativas do uso de preservativo podem estar superestimadas; e o número de parceiros sexuais, subestimado. Por outro lado, esses vieses podem ter sido minimizados ou prevenidos, graças a um processo de treinamento eficiente da equipe de aconselhadores do CTA (psicólogos e pedagogos, na sua maioria), contribuindo para a manutenção de um diálogo franco com os sujeitos e garantindo o sigilo das informações e a privacidade do conteúdo das entrevistas.

Trabalhar na linha limítrofe da vida dos indivíduos, sob a condição de todas as formas de transformações e interferências sociais, apresenta-se como grande desafio para os profissionais que trabalham com adolescentes, principalmente na abordagem de atitudes positivas de prevenção das DST, do HIV e da aids.

Refletir sobre a melhor maneira de trabalhar com essa faixa etária torna-se imprescindível e implica reconhecer o adolescer como fase de transição no processo que envolve a vivência da infância e o seu reflexo na idade adulta. O grande avanço cognitivo que ocorre nessa etapa da juventude é o aparecimento do pensamento abstrato, que permite ao adolescente entender o mundo de uma forma teórica e hipotética; e elaborar, a partir das suas percepções, questões que não dependem, necessariamente, da sua vivência prática e do seu pensamento concreto. É o que permite a esses jovens sonhar com o futuro, planejá-lo a longo prazo. Destacamos, aqui, o pensamento de Ramos:16 "Apesar do forte componente físico-corporal presente nas transformações próprias da adolescência, elas não são naturais ou decorrentes unicamente de um processo evolutivo orgânico. A vida adolescente e as necessidades em saúde relacionadas são, antes de qualquer coisa, processos produzidos no âmbito das sociedades, definindo-se e modificando-se na interação com seus diversos componentes – econômicos, institucionais, político-éticos, culturais, físico-ambientais."

A adolescência caracteriza-se por uma instabilidade de humor, efeito da convulsão hormonal inerente a essa fase de transformação do corpo, fato que provoca um certo susto em determinada ordem instituída (contra a qual ele, justamente, tenta-se rebelar). Provavelmente, é esse movimento que leva o adolescente a questionar valores sociais para ele ultrapassados, à prática de violência, ao abuso de drogas, ao uso da sua sexualidade de forma inconseqüente e a tantas outras atitudes mais ou menos extremas. Há que se considerar que a sexualidade humana é, sobretudo, uma construção social e cultural, organizada no interior de complexos sistemas de significados, articulada dentro de um contexto de diferenciações e desigualdades de ordens sociais específicas.17

Uma primeira grande dificuldade se antepõe a qualquer tipo de trabalho com adolescentes: sua relação truncada com o saber. O adolescente tende a rejeitar qualquer forma de conhecimento que se lhe queiram impor ou mesmo dispor (ainda que a seu pedido), rejeitando o saber acumulado pelos mais velhos e priorizando o seu próprio, geralmente oriundo do grupo ao qual se integra. Mesmo que esse saber, que ele identifica como seu, seja da ordem do prejuízo, parecer- lhe-á mais legítimo. Como, então, transmitir-lhe – ele receber e aceitar – as informações que se gostaria de lhe passar? Acolhendo e envolvendo o adolescente em uma dinâmica onde ele assimile saberes sem se dar conta disso, favorecendo um aprendizado agradável e sem imposições, apenas colocado à sua disposição e capacidade de seleção.18

Sob essa perspectiva de análise, Ayres19 aponta, como um dos maiores obstáculos ao trabalho preventivo com essa população, a forma estereotipada e naturalizada com que temos tratado os jovens nos serviços de saúde, considerando cada adolescente como parte de um grupo de risco de relevante gravidade. Se não lhe for possível assimilar informações sobre temas como o abuso das drogas, a gravidez indesejada, o contagio de doenças sexualmente transmissíveis ao praticar sexo não-seguro, o adolescente correrá sérios riscos de ser envolvido por essas situações (aparentemente, sem estar consciente delas) e não ser capaz de enfrentá-las satisfatoriamente, por não corresponder aos objetivos do trabalho de informação a ele dirigido. Temos, nesse caso, um círculo vicioso em que adolescente e profissional acabam-se enredando.

Não basta, portanto, informá-lo. É preciso que ele tome consciência, de fato, dos riscos que corre e do que deve fazer para evitá-los. Os métodos convencionais de comunicação e educação em saúde (realização de palestras, distribuição de folhetos informativos, etc.) têm-se mostrado pouco eficazes, exigindo, dos profissionais dedicados, outra forma de abordagem e uso da linguagem – mais dinâmica e lúdica –, que atinja, efetivamente, esse adolescente.18

Pedro Chequer20 afirma que, "na realidade, os jovens estão diretamente expostos a mensagens implícitas e/ou explícitas sobre sexo e sexualidade e interpretam, à sua maneira, essas informações, sejam elas educativas ou não, podendo responder, diferentemente (com negações, descrenças, esquecimentos ou assimilação errada), à mesma mensagem." Chequer também destaca que "o trabalho de prevenção dessas doenças, desenvolvido em escolas e outras instituições, pode ajudar os adolescentes a terem uma visão positiva da sexualidade".

Desenvolver estratégias que favoreçam conhecimentos, oportunidades, opções e a imprescindível participação dos jovens na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis entre si e no seu contexto social constitui, cada vez mais, um desafio para o Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/Aids do Hospital-Escola São Francisco de Assis/UFRJ, Rio de Janeiro.

 

Referências bibliográficas

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