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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.15 n.2 Brasília jun. 2006

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000200006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise da política de saúde bucal do Município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, a partir do banco de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS)

 

Analysis of the oral health policy of Cuiabá Municipality, Mato Grosso State, Brazil, using the outpatient Information System database of the national Public Health System (SIA-SUS)

 

 

Luiz Evaristo Ricci VolpatoI; João Henrique ScatenaII

IFaculdade de Odontologia de Cuiabá, Universidade de Cuiabá, Cuiabá-MT. Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT
IIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No Brasil, a odontologia de alto índice de desenvolvimento científico coexiste com significativas parcelas da população sem acesso à assistência odontológica e com a ausência de uma política definida de saúde bucal. O presente trabalho faz uma análise da política de saúde bucal do Município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, a partir do banco de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) do Sistema Único de Saúde (SUS). Os procedimentos odontológicos foram agregados em nove categorias, de procedimentos coletivos a odontorradiologia, acerca dos quais foram analisados, para o período de 1995 a 2002, o volume de atendimentos realizados e os recursos financeiros aplicados em sua produção. Observou-se uma tendência de elevação da produção e dos gastos, de 1996 a 2000, e queda nos dois anos seguintes. A elevação foi maior para os procedimentos mais especializados, em comparação com os mais básicos; a queda, entretanto, foi invertida, mais acentuada para os procedimentos básicos. Como a Secretaria Municipal de Saúde priorizou outros setores da atenção em detrimento da saúde bucal no último biênio e a Coordenadoria de Saúde Bucal pode ter priorizado os atendimentos das clínicas odontológicas, explica-se, dessa forma, a maior redução na atenção básica em relação à atenção especializada. O SIA-SUS mostrou-se uma importante ferramenta na avaliação da política de saúde bucal nos níveis municipal, estadual e nacional, especialmente quando associado a outras fontes documentais.

Palavras-chave: saúde bucal; Saúde Pública; Sistema de Informações Ambulatoriais.


SUMMARY

The scientific development of dentistry in Brazil has achieved notable success. However, there remains no well-defined oral health policy and a significant proportion of the population has no access to dental care. This study examines the oral policy in the Municipality of Cuiabá, Mato Grosso State, Brazil, analyzing relevant data collected from the Hospital Outpatient Information System (SIA) of the National Unified Health System (SUS). Dental procedures were grouped into nine categories, from collective procedures to odonto-radiology. The number of consultations realized and financial resources applied were analyzed during the period 1995 to 2002. A tendency towards an increase in production and expenses was observed from 1996 and 2000, with a fall in the two subsequent years. The increase was greatest for more specialized procedures, while the largest decrease was for basic procedures. The Municipal Health Secretariat emphasized other areas of care rather than oral health during the last two years, and the Oral Health Coordination may have given more priority to dental clinic consultations, thus explaining the large reduction in basic care compared to specialized care. The SIA-SUS performs an important role in the assessment of oral health policy at the State, municipal, and national levels, especially if linked to other data sources.

Key Words: oral health; public health; Hospital Outpatient Information System.


 

 

Introdução

A odontologia tem como objetivo a promoção de níveis adequados de saúde bucal para o conjunto da população de um país, região ou localidade. Nas últimas décadas, essa ciência tem atingido alto grau de desenvolvimento científico e tecnológico, capaz de solucionar os problemas de saúde bucal nos países industrializados. No Brasil, esse mesmo alto índice de desenvolvimento científico-tecnológico, porém, coexiste com a ausência de uma política definida de saúde bucal e com significativas parcelas da população sem acesso a cuidados clínicos e preventivos essenciais de maneira regular.1

Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, é um Município com cerca de meio milhão de habitantes que, nos últimos dez anos, trabalha na implementação de uma política pública e abrangente de saúde bucal. De maneira geral, o modelo de saúde bucal em Cuiabá há dez anos era o mesmo vigente no Brasil àquela época, caracterizado por limitada capacidade de resposta às necessidades da população, ineficácia de intervenção na prevalência das doenças bucais, descoordenação, difusão, individualismo, mutilação, iatrogenia, alto custo, baixo impacto social e desconexão da realidade epidemiológica e social da nação.2

Para modificar essa situação, a Coordenadoria Municipal de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cuiabá convocou, em 1993, a I Conferência Municipal de Saúde Bucal, quando se promoveu a reflexão e debate sobre a promoção da Saúde Bucal no Município, no âmbito da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde (SUS); e de acordo com a deliberação da IX Conferência Nacional de Saúde,3 que deixou clara a preocupação em traçar uma política de saúde bucal integrada com a política de saúde geral, ao estabelecer um sistema hierarquizado e baseado em uma estrutura de serviços, atividades e ações de caráter preventivo complementada com unidade de referência para atenção secundária e terciária.

A I Conferência Municipal de Saúde Bucal definiu as linhas iniciais e gerais do projeto de um modelo de atendimento odontológico em Cuiabá, porque, até então, o Município não dispunha de qualquer proposta de trabalho nesse sentido.4 A partir de 1994, com a efetiva implementação da descentralização da Saúde e a conseqüente habilitação de Cuiabá a formas de gestão mais autônomas, foi possível a execução de ações visando à implantação de uma política de saúde bucal para o Município.

A descentralização da política nacional de saúde, uma das diretrizes básicas do movimento da Reforma Sanitária, foi incorporada como um dos princípios do Sistema Único de Saúde, tanto pela Constituição Federal de 1988 como pela Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que regulamentou o SUS. A instauração da Norma Operacional Básica (NOB SUS 1993) permitiu a consolidação de avanços como a normalização do financiamento e o processo de descentralização da gestão dos serviços e ações no âmbito do sistema.5

As NOB SUS são portarias do Ministério da Saúde que definem os objetivos e diretrizes estratégicas para o processo de descentralização da política de saúde e contribuem para a normalização e operacionalização das relações entre as esferas do governo, não previstas nas Leis Orgânicas da Saúde (8.080 e 8.142; esta, de 28/12/90). Outro ponto a ser ressaltado diz respeito ao caráter transitório desse tipo de instrumento, que pode ser reeditado ou substituído por outro à medida que o processo de descentralização avança, permitindo a atualização das regras em diferentes estágios de implementação do SUS.

Levcovittz e colaboradores6 afirmam que a NOB SUS 1993 radicalizou a relação direta entre o nível federal e o municipal com o modelo de gestão semiplena; não só rompeu com a exigência do instrumento convenial para a transferência de recursos como também honrou com a transferência automática dos recursos federais aos fundos municipais. O automatismo foi garantido após cumprimento dos requisitos para habilitação na gestão semiplena, que se tornaram garantias mínimas para o cumprimento das novas responsabilidades gestoras. O que, para Scatena,5 possibilitou aos Municípios, ainda que com limitações, a utilização de recursos de forma mais adequada às suas realidades e necessidades.

Foi também a partir da implantação da NOB SUS 1993 que os Estados assumiram funções mais complexas no gerenciamento dos sistemas de informações, entre eles o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) e o Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), na elaboração e supervisão da programação físico-orçamentária dos serviços ambulatoriais e na consolidação e crítica do faturamento ambulatorial e hospitalar a ser apresentado ao Ministério da Saúde para pagamento.6

O SIA-SUS foi implantado, formalmente, em todo o território nacional pela NOB SUS 1991, em substituição ao sistema de pagamento de serviços ambulatoriais até então vigente. Serviu-lhe de base o Sistema de Informações e Controle Ambulatorial da Previdência Social (Sicaps).7 O processamento dos dados, a princípio, era feito de forma descentralizada, nos Estados e Municípios. A partir de 1994, frente à necessidade de gerar um banco de dados nacional, o envio de dados ao nível federal passou a ser feito de forma mais uniformizada, exclusivamente por meio magnético, conforme Portaria do Ministério da Saúde e sua Secretaria de Assistência à Saúde, MS/SAS no 228/94. Em 1995, o sistema passou a contar com as características que mantém atualmente, em que tanto os quantitativos dos procedimentos quanto seus valores são aprovados e criticados previamente, pelos gestores locais.7

Carvalho7 afirma que o SIA-SUS aporta vantagens importantes como a rapidez e agilidade na disponibilidade de dados para o órgão gestor e a possibilidade de analisar o perfil da oferta de serviços ambulatoriais de um determinado grupamento populacional-geográfico, mediante verificação de indicadores de cobertura e concentração de atividades. O SIA-SUS propicia valiosas informações sobre o desempenho dos gestores municipais e estaduais na seleção e implementação de prioridades assistenciais. Não consegue, apesar disso, qualificar tais prioridades, via caracterização de grupos populacionais ou até mesmo de agravos.

Carvalho7 aponta outros problemas, como: a abrangência restrita aos usuários do Sistema Único de Saúde; a ausência de registro de procedimentos realizados, que não são incorporados à base de dados por extrapolarem o teto financeiro; e as distorções decorrentes de alterações fraudulentas de códigos, na busca daqueles que asseguram melhor remuneração. De acordo com a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (SAS/MS), desde o segundo semestre de 1995,7 o SIA-SUS vem se tornando mais confiável, progressivamente. O objetivo do presente trabalho foi analisar a política de saúde bucal do Município de Cuiabá, no contexto da descentralização da saúde implementada pelo Sistema Único de Saúde, a partir do banco de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS.

 

Metodologia

Foram realizadas a seleção, o levantamento, a organização e a análise de dados secundários de produção e os gastos dos atendimentos ambulatoriais de saúde bucal com base na fonte de dados do SIA-SUS. O levantamento cobriu a produção da totalidade da rede ambulatorial existente e implantada no Município durante o período de 1995 a 2002. Em 1995, existiam 44 unidades de saúde a prestar assistência odontológica (40 centros ou postos de saúde, duas policlínicas, um pronto-socorro e uma clínica odontológica; esta, a única unidade, entre todas, contratada do setor privado). Em 2002, a rede odontológica estava conformada por 40 unidades, todas públicas: 29 centros ou postos de saúde; quatro policlínicas; um pronto-socorro; e seis clínicas odontológicas.

A população residente no Município nos anos de 1995 a 1999 foi re-estimada pelo Método da Progressão Geométrica,8 sobre os levantamentos censitários de 1991 e 2000, com o objetivo de suprimir viés metodológico observado na estimativa oficial da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fundamentada nos recenseamentos de 1980 e 1991. A re-estimativa evidenciou diferenças importantes na base populacional daqueles anos (Tabela 1).

 

 

Os procedimentos selecionados para análise consistem de todos os procedimentos odontológicos, inseridos na “Tabela do SUS” e que já foram informados pelo Município no SIA-SUS. É importante ressaltar que os procedimentos informados não permaneceram inalterados durante todo o período selecionado para estudo. Em outubro de 1999, houve uma alteração na nomenclatura com a inclusão de novos procedimentos, fato que não constitui grande problema metodológico, pois a diferenciação ocorreu apenas na definição do procedimento (o procedimento, em si, permaneceu inalterado); ademais, existe uma tabela de conversão da definição antiga para a atual.10

Os procedimentos odontológicos foram agrupados nas seguintes categorias: 1) Procedimentos coletivos; 2) Procedimentos individuais preventivos; 3) Dentística básica; 4) Odontologia cirúrgica básica; 5) Dentística especializada; 6) Periodontia; 7) Endodontia; 8) Odontologia cirúrgica especializada; e 9) Odontorradiologia. Dessas categorias, as de 1 a 4 congregam os procedimentos básicos, entre os quais se incluem os de promoção da saúde e de prevenção primária (1 e 2). As categorias de 5 a 9 agrupam os procedimentos especializados, em ordem crescente de complexidade e incorporação tecnológica.

Ao se organizar os procedimentos por nível de atenção (preventivo/curativo) e por complexidade (básico/especializado), pretende-se, com a realização desta análise da produção ambulatorial e dos gastos envolvidos no decorrer de uma série histórica de oito anos, caracterizar o modelo de atenção à saúde bucal que vem a se conformar em Cuiabá.

 

Resultados

A produção ambulatorial de saúde bucal no Município de Cuiabá, segundo os dados do SIA-SUS agregados por categoria de atendimento, revela uma grande variação no período de 1995 a 2002 (Tabela 2), evidenciando-se queda de 1995 a 1996, tendência de elevação até 2000 – momento de ápice da produção odontológica estudada – e, novamente, uma queda a partir daí, até o ano de 2002.

 

 

Excluindo-se o ano de 1995, sobre o qual pairam dúvidas a respeito da qualidade dos dados registrados, observou-se que essa tendência de elevação da produção odontológica até 2000 e posterior queda até 2002 deu-se, também de forma relativa (por 100 habitantes), para todos os conjuntos de procedimentos analisados (Tabela 3). A elevação foi maior, contudo, para os procedimentos mais especializados do que para os mais básicos; ao mesmo tempo, inverteu-se a qualidade da queda em seu segundo período, neste mais acentuada para os procedimentos básicos que para os especializados.

 

 

Até 1998, os atendimentos básicos respondem por 90,0-95,0% da produção odontológica do Município; porém, esse percentual cai para 80,0-85,0% no período 1999-2002, em detrimento, principalmente, da implantação das seis clínicas odontológicas. Os gastos efetuados com os procedimentos odontológicos acompanham o comportamento do volume dessa produção (Tabelas 4 e 5). Observa-se uma elevação dos gastos, absoluta e relativa, durante o período 1996-2000, e uma queda dos valores despendidos no período 2001-2002. Embora isso ocorra para os nove conjuntos de procedimentos tabulados, a elevação é, novamente, um pouco mais acentuada para os atendimentos especializados; e a queda desses, por sua vez, de menor magnitude que a observada nos atendimentos básicos. Em termos proporcionais, 82,0-92,0% dos gastos até 1998 eram efetuados com os atendimentos básicos, percentual que cai para a faixa de 63,0-73,0% a partir de 1999, chegando a 57,6% em 2001 e revelando a ampliação da oferta de serviços (e de dispêndios) com a atenção odontológica especializada.

 

 

 

 

 

Discussão

Acerca da produção ambulatorial em saúde em Cuiabá nos anos de 1995 a 2002, observa-se uma evolução irregular da produção total (por 100 habitantes), com uma tendência de elevação no período 1996-2000 e queda nos dois anos seguintes. A elevação inicial, não obstante, é mais evidente para os procedimentos especializados (classificados de 5 a 9), principalmente após 1998, enquanto o decréscimo após 2000 é mais suave para esses procedimentos. Já em relação aos procedimentos mais básicos (classificados de 1 a 4), além de sua elevação no período ser mais discreta, sua queda posterior a 2000 é mais acentuada.

Comportamento semelhante é observado em relação aos gastos efetuados com tais procedimentos, de mudança na utilização de recursos. No período estudado, empregava-se 93,7% dos valores em procedimentos básicos; em 2000 e 2002, tais procedimentos comprometiam uma proporção menor, de 73,9% e 63,0% dos recursos aplicados em cada ano, respectivamente.

Ressalte-se que, durante os oito anos analisados, ocorreram importantes mudanças, que propiciaram aumento das transferências federais e maior autonomia municipal na sua utilização: elevação gradativa do teto financeiro do Município; e implantação do Piso da Atenção Básica (PIB) e habilitação de Cuiabá à gestão plena do sistema municipal de saúde, ambas em 1998.

Os dados do SIA-SUS, cotejados não só à luz de suas conhecidas e referidas limitações como, especialmente, em função de seu potencial e do aprimoramento de sua qualidade, permitem supor que:

1) Embora haja uma diferença na evolução dos componentes básico e especializado da produção odontológica, faltam evidências de que a elevação do setor especializado tenha se dado às custas da redução da atenção odontológica básica. A elevação mais acentuada da atenção especializada, ocorrida no período 1996-2000, tem dois determinantes: a) o volume incipiente de atendimentos especializados, antes de 1998; e b) a implantação de clínicas odontológicas.

2) A redução da produção e dos gastos ambulatoriais odontológicos no período 2001-2002 penalizou mais a atenção básica do que a especializada, embora ambas tenham sido muito comprometidas nesse biênio. Isso faz supor que houve mudanças, por parte da SMS, na condução da política de saúde, como a priorização de outros setores da atenção em detrimento da saúde bucal. A análise dos dados do SIA-SUS referentes aos gastos odontológicos, em relação aos gastos ambulatoriais totais, comprova essa suposição. Há que se ressaltar que a odontologia nunca representou parcela significativa dos gastos com saúde no Município, comprometendo entre 1,2% a 1,8% desses gastos no período de 1996 a 2000; no último biênio, porém, esse percentual decresce ainda mais, representando apenas 0,55% em 2002 (1,23% em 1996, 1,77% em 1997, 1,17% em 1998, 1,13% em 1999, 1,81% em 2000, 0,82% em 2001 e 0,55% em 2002). O volume de atendimentos ambulatoriais acompanha a mesma tendência de queda. O modelo de atenção à saúde que se implementa em Cuiabá, além de não valorizar a saúde bucal, prioriza, cada vez mais, a atenção de média e alta complexidade.11

3) Por outro lado, não se pode descartar que a própria Coordenadoria de Saúde Bucal (CSB), em uma eventual situação de contingenciamento de recursos, com perda de espaço político de negociação ou mesmo sob pressão dos demais setores (e atores) da área da Saúde, tenha sido forçada a redimensionar seu projeto de Modelo de Atenção à Saúde Bucal. Se isso aconteceu, a estratégia adotada pela CSB pode ter sido a priorização dada à implantação e implementação dos atendimentos das clínicas odontológicas, aparentemente elevadas à condição de “carro-chefe” desse movimento reformador do modelo de atenção à saúde bucal. Se, por um lado, as clínicas melhoram a qualidade da atenção e permitem viabilizar o princípio da integralidade, por outro lado, ao se restringirem a apenas seis unidades em bairros (e regionais) específicos, limitam a universalidade do acesso, principalmente para os procedimentos de baixa complexidade. Isso explicaria a maior redução do volume (e gastos) da atenção básica em relação à atenção especializada.

Tais suposições são corroboradas pelos relatórios de gestão12-17 da Coordenadoria de Odontologia do Município que relacionam a implantação de quatro clínicas odontológicas no período de 1996-2000, época de aumento de produção odontológica. O pico de produção em 2000 é apresentado nos relatórios de gestão de 2001 e 2002, com a informação de que as clínicas odontológicas funcionaram, naquele ano, em regime de 12 horas seguidas, organizado em três turnos de quatro horas para o odontólogo e dois turnos de seis horas para os técnicos em higiene dental (THD), auxiliares de consultório dentário (ACD) e demais servidores. Essa nova formatação do atendimento em clínicas odontológicas, de três turnos ininterruptos, foi implantada gradualmente: em agosto de 1999, na primeira clínica; em dezembro do mesmo ano, na segunda; em março de 2000, na terceira; e em maio desse mesmo ano, na quarta clínica odontológica.15 O terceiro turno de atendimento deixou de existir em agosto de 2001, quando as clínicas passaram a funcionar em regime de oito horas diárias, organizado da seguinte forma: dois turnos de quatro horas para o odontólogo; e dois turnos de seis horas para THD, ACD e demais servidores.16 Outro fator que pôde ter colaborado para o aumento na produção dos anos de 1999 e 2000 foi que, nesses anos, duas clínicas odontológicas ofereceram atendimento aos sábados, pela manhã e pela tarde, para crianças da zona rural. O atendimento aos sábados funcionou de março a dezembro de 1999 e de março a julho de 2000.15

A queda na produção nos anos de 2001 e 2002 também encontra justificativa nos relatórios. O Relatório de Gestão 200217 destaca, como entraves que repercutiram na queda da produção, o término do serviço de urgência 24 horas – funcionava em uma das clínicas – e a greve dos servidores municipais. Em função dessa greve, algumas clínicas, praticamente, paralisaram seus serviços odontológicos para atender somente os casos de urgência. A Coordenadoria também inclui, como causas de declínio da produção, dois fatos: das seis clínicas odontológicas, apenas uma contar com o quadro de odontólogos completo; e a falta de material de consumo e equipamentos no segundo semestre de 2002.17

Especialmente duas categorias de procedimentos devem ser analisadas, individualmente: os procedimentos coletivos; e a odontorradiologia. Os procedimentos odontológicos coletivos, de acordo com a coordenadoria de odontologia,16 tiveram sua queda associada à falta de insumos (escovas e cremes dentais). Em 2001, foi realizada uma atividade trimestral (procedimento coletivo), tão-somente, e ainda de forma incompleta.17

Já a queda da produção de odontorradiologia pode estar relacionada ao descredenciamento, em 2001, de um importante prestador privado e responsável, segundo o SIA-SUS, por 100% dos procedimentos dessa categoria nos anos de 1995, 1996 e 1997, 91% e 94% em 1998 e 1999, respectivamente, e 78% em 2000.

É imprescindível salientar que, para melhorar o nível de saúde bucal da população de Cuiabá – e também de Mato Grosso e do Brasil –, há que se ampliar o investimento de recursos na promoção de saúde e na prevenção primária. As ações educativas de higiene oral e nutrição, fluoretação da água, ampliação da qualidade da cobertura do PSF com incorporação de odontólogos e consecução de parcerias dentro e fora do setor Saúde sobressaem-se como algumas das estratégias com capacidade de reduzir os tratamentos odontológicos mutiladores e, conseqüentemente, os problemas sociais, econômicos e psicológicos deles advindos.

O Sistema de Informações Ambulatoriais constitui uma importante ferramenta na avaliação das políticas de saúde bucal nos níveis municipal, estadual e nacional, sobretudo se associado a outras fontes documentais. Ao informar quantidades, tipo de procedimentos e gastos efetuados, assim como as unidades e serviços responsáveis, o SIA-SUS também fornece aos gestores um material imprescindível, todavia pouco utilizado, para a tomada de decisão, finalidade de qualquer sistema de informações.

O SIA-SUS, que integra o conjunto de grandes bancos nacionais de informações,17 apresenta limitações, que já foram maiores no passado. Não se pode, com base nessas limitações, unicamente, deixar de utilizar essa importante fonte de dados, que apresenta duas grandes vantagens: (I) rapidez e agilidade na disponibilidade de informações para o órgão gestor [até um mês de prazo, para o nível local; e máximo de dois meses para que o consolidado nacional esteja disponível na página do Departamento de Informática do SUS (Datasus) na Internet]; e (II) a possibilidade de analisar o perfil da oferta de serviços ambulatoriais (no que se refere aos tipos de unidades e à produção) de um determinado grupamento populacional-geográfico, mediante a observância de indicadores de cobertura e concentração de atividades.

 

Referências bibliográficas

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10. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 1.230, de 14 de outubro de 1999. Diário Oficial da União no 199-E, Brasília, p. 12-158, 18 out 1999. Seção 1.

11. Scatena JHG, Miranda AJ. O Sistema municipal de saúde de Cuiabá: que mudanças a descentralização tem produzido? Revista Saúde e Ambiente 2003;6 (1/2):35-45.

12. Fundação de Saúde de Cuiabá. Relatório das Atividades de 1997 da Coordenadoria de Odontologia da Fusc. Cuiabá: Fusc; 1998.

13. Fundação de Saúde de Cuiabá. Relatório das Atividades de 1998 da Coordenadoria de Odontologia da Fusc. Cuiabá: Fusc; 1999

14. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Fundação de Saúde de Cuiabá. Coordenadoria de Odontologia. Relatório de Gestão. Relatório das Atividades da Coordenadoria de Odontologia – 1999. Cuiabá: Fundação de Saúde de Cuiabá; 2000.

15. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Fundação de Saúde de Cuiabá. Coordenadoria de Odontologia. Relatório de Gestão. Relatório das Atividades da Coordenadoria de Odontologia – 2000. Cuiabá: Fundação de Saúde de Cuiabá; 2001.

16. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Fundação de Saúde de Cuiabá. Coordenadoria de Odontologia. Relatório de Gestão. Relatório das Atividades da Coordenadoria de Odontologia – 2001. Cuiabá: Fundação de Saúde de Cuiabá, 2002.

17. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Secretaria de Saúde. Fundação de Saúde de Cuiabá. Coordenadoria de Saúde Bucal. Relatório de Gestão 2002. Cuiabá: Fundação de Saúde de Cuiabá; 2003.

 

 

Endereço para correspondência:
Universidade de Cuiabá,
Faculdade de Odontologia,
Avenida Beira Rio, 3100,
Jardim Europa, Cuiabá-MT.
CEP: 78060-900
E-mail:facodontologia@unic.br; lemcvolpato@uol.com.br