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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.15 n.4 Brasília dic. 2006

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000400004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Hábitos de higiene bucal e uso de serviços odontológicos por adolescentes e adultos do Município de Canoas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil*

 

Oral hygiene habits and use of dental services by adolescents and adults in the Municipality of Canoas, Rio Grande do Sul State, Brazil

 

 

Isabel Cristina LisbôaI; Claídes AbeggI

IDepartamento de Odontologia Preventiva e Social e Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente trabalho foi investigar os hábitos de higiene bucal e uso dos serviços odontológicos por adolescentes e adultos do Município de Canoas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Realizou-se um estudo descritivo transversal de base populacional que constatou uma média de freqüência de escovação de três vezes ao dia. Mais da metade da amostra revelou não usar o fio dental. “Depois do almoço” foi o momento de eleição para a limpeza dos dentes. A higiene foi mais freqüente entre mulheres, adultos jovens e sujeitos com maior escolaridade. A quase totalidade da amostra visitou o dentista pelo menos uma vez na vida. O motivo mais freqüente foi revisão da saúde bucal. A maioria das pessoas fazia uso dos serviços odontológicos privados. A freqüência de escovação foi alta mas o uso do fio dental mostrou-se reduzido. O serviço público contribuiu de forma restrita na prestação de serviços odontológicos, situação que implica necessidade de análise das barreiras de acesso.

Palavras-chave: hábitos de higiene bucal; uso de serviços odontológicos; serviço público.


SUMMARY

The study aimed an investigation of oral hygiene methods and use of dental services by adolescents and adults in the Municipality of Canoas, Rio Grande do Sul State, Brazil. This population-based, cross-sectional study found an average of tooth brushing three times a day. More than a half of the sample revealed no use of dental floss. “After lunch” was the moment of the day most chosen for teeth cleaning. Oral hygiene was more frequently performed by women, young adults, and people with higher number of school years. The almost totality of the sample had visited the dentist at least once in their life. The most frequent reason was oral health follow-up. The great majority of the people self-reported use of private dental services. Frequency of tooth brush was high, however use of dental floss was restricted. Public service contributed to a very low percentage of dental service’s provision, a situation that implies deeper analysis about the barriers to access to dental assistance.

Key words: oral hygiene habits; use of dental services; public service.


 

 

Introdução

Embora as duas doenças mais prevalentes em odontologia, cárie e doenças periodontais, sejam preveníveis ou passíveis de controle mediante procedimentos relativamente simples, como a escovação dentária, o controle da freqüência do consumo de açúcares, o uso adequado do flúor e visitas periódicas ao dentista, o objetivo de uma melhor saúde bucal não é alcançado em nível populacional. Uma das possíveis explicações para a alta prevalência e incidência dessas patologias é sua associação a condições sociais, econômicas, políticas e educacionais e não apenas a fatores determinantes biológicos que interagem na etiologia dessas doenças.1

A escovação dentária é o meio mecânico individual de mais ampla utilização para o controle da placa dental no mundo. O hábito de escovar os dentes passou a receber destaque especial nos últimos 20 anos, também por ser um dos métodos mais eficientes de se levar flúor à boca, tornando-se uma das formas mais eficazes de prevenir a cárie dentária.2 Outro método utilizado para limpar os dentes é o uso do fio dental, instrumento melhor indicado para os espaços interdentais.3

Uma boa higiene bucal é parte integrante das práticas de saúde geral e um significativo elo de seu alcance e estabelecimento.4 Pessoas com estilos de vida mais saudáveis, mais freqüentemente, escovam seus dentes e usam o fio dental. Para a população geral, hábitos de higiene bucal estão mais vinculados ao estilo de vida e ao gênero (feminino), situando-se o nível socioeconômico em uma escala menor, porém de maior influência no hábito da visita ao dentista.5

Quanto à busca por serviços odontológicos para atenção bucal, pesquisa sobre as condições de saúde bucal da população brasileira – SB Brasil 2003 – revelou que 96,73% da amostra estudada foi ao dentista pelo menos uma vez na vida, 3,27% nunca visitaram o dentista e 51,20% consultaram o serviço público – com um maior percentual entre jovens, que se reduz com a idade –; e que cerca de 33,36% consultaram o setor privado e 10,89% o setor privado suplementar, dos planos de saúde.6

No Brasil, existem poucos estudos de base populacional dedicados a investigar hábitos de higiene bucal e utilização de serviços odontológicos, particularmente na Região Sul; e, especificamente, na cidade onde foi realizado o presente estudo. De acordo com Relatório SB Brasil, em uma ampliação para a Região Metropolitana de Porto Alegre,7 o Município de Canoas possui flúor na água de abastecimento e apresentou, para a faixa etária de 15 a 19 anos, CPOD de 4,08; e para as pessoas de 35 a 44 anos de idade, CPOD de 15,51. Quanto à distribuição da doença periodontal, entre as pessoas participantes de 15 a 19 anos, 46,80% dos sextantes apresentaram sangramento; e 4,55%, bolsas de 4 a 5mm. Os indivíduos de 35 a 44 anos de idade apresentaram, dos sextantes examinados, 25,63% com sangramento, 8,06% com bolsas de 4 a 5mm e 3,23% com bolsas de 6mm ou mais.7 Do total de 72 estabelecimentos de saúde, 27 são públicos e 45 privados; e 32 é o número de estabelecimentos prestadores de serviços ao SUS.8

Com base nesses dados, realizou-se este estudo com o propósito de conhecer os hábitos de higiene bucal e utilização de serviços de saúde bucal pela população de adolescentes e adultos do Município de Canoas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Metodologia

A pesquisa utilizou-se dos dados secundários do estudo transversal de base populacional “Hábitos de Higiene Bucal e Uso de Serviços Odontológicos: um estudo de base populacional em Canoas, RS, Brasil”, cujo objetivo foi conhecer a situação de saúde da população do Município de Canoas, situado na Região Metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, no período de dezembro de 2002 a maio de 2003.

A amostra do projeto referido em epígrafe foi calculada para eventos com prevalência de 10%, com uma precisão de 1,4%, intervalo de confiança (IC) de 95% e efeito de delineamento de 2,0; e com um acréscimo de 10% para possíveis perdas, totalizando 2.627 indivíduos. O presente estudo valeu-se dessa amostra, da qual foram escolhidos os indivíduos de 14 a 49 anos de idade, perfazendo um total de 1.415 pessoas, 620 do sexo masculino e 795 do sexo feminino. Considerando-se que os eventos investigados apresentam prevalência entre 10% e 50%, intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 2,6%, o tamanho da amostra foi considerado adequado aos objetivos desta pesquisa. Para a seleção dos indivíduos componentes da amostra, foi utilizada a amostragem por conglomerados. O Município de Canoas está dividido em 391 setores censitários (SC), dos quais foram sorteados, aleatoriamente, 40 SC. Esse número foi considerado conveniente, pois permitiu uma distribuição de domicílios que contemplasse diferentes áreas do Município.

O estudo incluiu todas as pessoas residentes nos domicílios dos SC sorteados, que aceitaram participar da pesquisa e que se encontravam dentro da faixa etária de interesse. Foram previstas e realizadas duas visitas aos domicílios dos indivíduos sorteados para participar do estudo e que se encontravam ausentes no momento da primeira; os indivíduos ausentes após uma terceira visita, também prevista para esses casos, foram considerados perdas. Em razão dessas perdas, a amostra restringiu-se a 78,9% do máximo factível calculado na previsão. Desse modo, foram superestimadas as pessoas de 40 anos de idade ou mais, de ambos os sexos; homens entre 20 e 39 anos, entretanto, foram subestimados. Por se tratar de uma amostragem por conglomerados, o efeito do delineamento foi considerado na análise pelo programa CSAMPLE, do Epi Info 6.04b.

Os dados foram coletados mediante entrevistas domiciliares que se utilizaram de um questionário semi-estruturado e pré-codificado. Foram investigadas variáveis categóricas sociodemográficas, como: faixas etárias (14 a 19 anos/20 a 39 anos/35 a 49 anos de idade); sexo (feminino/masculino); renda individual (sem renda/de 0,1 salário mínimo (SM) até dois SM/>2 SM); escolaridade em anos de estudo (de analfabetos até 4 anos de estudo/de 5 a 8 anos de estudo/de 9 a 11 anos de estudo/de 12 ou mais anos de estudo). Outro grupo de variáveis reuniu as comportamentais, a saber: limpa os dentes? (sim/não); com o que limpa? (escova de dentes/pasta dental/fio dental); quantas vezes por dia escova? (1 vez ao dia/2 vezes ao dia/3 vezes ao dia/4 vezes ao dia/mais de 4 vezes ao dia); quando limpa seus dentes? (antes do café da manhã/depois do café da manhã/depois do almoço/depois do jantar/antes de dormir/após o lanche); já foi ao consultório do dentista? (sim/não); quando foi a última vez que foi ao dentista? (1 a 2 meses atrás/3 a menos de 6 meses atrás/6 meses a menos de 1 ano atrás/1 a 3 anos atrás/mais de 3 anos atrás); qual o principal motivo da consulta ao dentista? (dor de dente/acidente, queda ou pancada na boca/dente cariado/sangramento das gengivas/revisão ou controle/para refazer tratamentos/outro, qual?); em qual serviço é atendido com maior freqüência? (consultório particular/consultório particular com convênio/consultório do posto de saúde/consultório do sindicato/consultório da escola/outro, qual?); de quanto em quanto tempo vai ao dentista? (de 6 em 6 meses/1 vez ao ano/a cada 2 anos/só vou ao dentista quando o dente dói).

Os dados foram analisados em sua relação com variáveis demográficas e socioeconômicas pelo aplicativo SPSS – 10.0 for Windows. Realizou-se a análise univariada e o teste de associação do qui-quadrado de Pearson (χ2); a probabilidade de erro do tipo I foi sinalizada em cada teste realizado e foi considerado significativo, estatisticamente, o valor de p<0,05.

Considerações éticas

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

Dos entrevistados, a maioria pertencia ao sexo feminino, com idades entre 14 a 34 anos. A maior parte da amostra declarou ter até 8 anos de estudo e 61,1% tinham rendimentos de até 2 SM (SM=R$200,00 à época das entrevistas) (Tabela 1).

 

 

Quanto à freqüência de escovação dos dentes, a categoria “Três vezes ao dia” foi a mais comum, com 53,9% das referências. Mulheres foram as que afirmaram higienizar seus dentes com mais freqüência. A freqüência de limpeza não apresentou resultado significativo, quando relacionada à renda per capita dos entrevistados (Tabela 2).

 

 

Mais da metade das pessoas – 56,7% – não utilizava o fio dental. O uso desse instrumento foi mais freqüente entre mulheres, indivíduos com idade entre 20 a 34 anos, aqueles com 9 ou mais anos de estudo e renda acima de 2 SM (Tabela 3).

 

 

O momento do dia mais freqüente para a limpeza dos dentes foi “Depois do almoço”, situação de escolha de 75,8% dos entrevistados, seguido de “Antes do café da manhã” (72,4%) e “Depois do jantar” (53,6%).

Sobre a experiência de já ter ido ao dentista, 96,5% revelaram já tê-lo consultado. As mulheres, os jovens de 20 a 34 anos e as pessoas com escolaridade maior de 9 anos de estudo, em sua maioria, afirmaram haver visitado o dentista, pela última vez, de 1 mês até menos de 1 ano antes da data da entrevista, correspondendo a 66,9% do total da amostra. Os homens, as pessoas de 35 a 49 anos de idade e os entrevistados com até 8 anos de estudo, em sua maior parte, haviam visitado o dentista, pela última vez, há mais de 3 anos. A renda não foi significativa, quando associada a essa variável (Tabela 4).

 

 

O principal motivo que levou as pessoas a visitarem o dentista foi a revisão ou controle (33,9%), doença/cárie (17,2%), necessidade de refazer tratamentos (13,2%) e dor de dente (13,1%). Outras razões citadas foram exodontia, prótese, acidente, queda ou pancada na boca, endodontia e sangramento das gengivas.

A maioria absoluta dos sujeitos da amostra (70,7%) declarou ser cliente do serviço privado, enquanto 25,8% responderam utilizar o serviço público. Os indivíduos de 14 a 19 anos de idade, os sujeitos com até 8 anos de estudo, as pessoas sem renda e com renda individual até 2 SM utilizavam o serviço público com maior freqüência. Os indivíduos de 20 a 49 anos, com 9 ou mais anos de estudo e com renda superior a 2 SM, por sua vez, faziam uso, mais freqüentemente, dos serviços odontológicos privados. O sexo não foi significativo quando associado a essa variável.

Sobre o intervalo de tempo entre as visitas ao dentista, mulheres, adolescentes e adultos jovens, pessoas com 9 ou mais anos de estudo e com renda maior de 2 SM eram mais assíduos e faziam-nas de 6 em 6 meses até cada 2 anos. Os entrevistados do sexo masculino, pessoas de 35 a 49 anos, indivíduos com até 8 anos de estudo e renda até 2 SM, em sua maioria, relataram só ter ido ao dentista quando sentiam dor de dente (Tabela 5).

 

 

Dos entrevistados que declararam nunca ter ido ao dentista (49 indivíduos), a maioria era formada por homens, pessoas com até 34 anos de idade, analfabetos ou com até 4 anos de estudos e sujeitos com renda até 2 SM.

 

Discussão

Estudos descritivos partem da realização de investigações epidemiológicas para informar, em termos quantitativos, a distribuição de um evento na população estudada. A distribuição da freqüência dos eventos relacionados à saúde está associada à prevenção de doenças, bem como ao planejamento em saúde.9

Majoritariamente, os indivíduos entrevistados por esta pesquisa relataram uma prática de autocuidado regular e de freqüência bastante elevada, com média de escovação dos dentes de “Três vezes ao dia”. Observou-se uma associação significativa com o gênero: as mulheres apresentaram uma freqüência de escovação maior que os homens. Pesquisa nacional que avaliou o nível das práticas de higiene bucal na Dinamarca verificou que, enquanto dois terços dos adultos e adolescentes pesquisados faziam essa escovação duas vezes ao dia, as mulheres limpavam seus dentes mais que os homens.10 Estudos têm relatado que mulheres e pessoas com estilos de vida mais saudáveis escovam seus dentes mais freqüentemente. Em nível populacional, hábitos de higiene bucal estão vinculados ao estilo de vida e ao gênero.5

Esta pesquisa obteve resultados similares à média de freqüência de escovação e à influência do gênero encontradas em outra pesquisa, de avaliação de adultos, realizada em Porto Alegre-RS.11 Quando os autores do presente trabalho estratificaram a amostra por idade, observaram que os mais jovens apresentavam uma freqüência de escovação dos dentes maior que a relatada pelas pessoas de mais idade, a exemplo dos resultados encontrados em estudo que avaliou adolescentes de Torres-RS, dos quais 88% declaravam escovar seus dentes de três a quatro vezes ao dia.12 O estudo realizado na Dinamarca,10 citado no parágrafo anterior, também constatou serem os mais jovens mais freqüentes no cuidado com a limpeza de seus dentes, comparativamente às pessoas de maior idade. Para Sheiham,13 a maioria dos jovens limpa seus dentes com regularidade em razão da escovação estar associada a boa aparência ou bom aspecto exterior. A escovação dos dentes também está relacionada à preocupação dos jovens com a higiene pessoal, à sensação de frescor na boca e ao bom hálito.

No presente estudo, a renda não demonstrou associação com a freqüência de escovação; observou-se, contudo, que as pessoas com maior escolaridade escovavam os dentes com maior freqüência. Estudo realizado na Lituânia14 indicou que menos de um terço dos adultos jovens escovava seus dentes duas vezes ao dia, como mínimo; e que um quarto deles o fazia menos de uma vez ao dia. O estudo também relatou uma freqüência de escovação maior entre indivíduos beneficiados com uma educação de padrão mais elevado, pessoas pertencentes ao gênero feminino e habitantes de áreas urbanas daquele país.

São resultados que evidenciam a relação da freqüência da escovação dos dentes com fatores sociodemográficos e revelam a importância dos fatores não biológicos, determinantes do padrão de comportamento das pessoas em relação a sua saúde. O nível de escolaridade dos indivíduos e a situação econômica das comunidades, os padrões culturais e a tradição popular, portanto, interferem na formação de hábitos e condutas de higiene pessoal e coletiva.15

O padrão de freqüência de escovação descrito nos estudos nacionais é mais alto, se comparado com o dos países europeus aqui relatados. Esse fato, talvez, possa ser explicado pela ação dos meios de comunicação social na veiculação das mensagens publicitárias de produtos dirigidos à higiene bucal – de há muito tempo, principalmente nos dias de hoje –, com recomendação da limpeza dos dentes três vezes ao dia.16 Possivelmente, na sociedade brasileira, para os cuidados de saúde revelados por esta pesquisa, deve contribuir a informação de saúde bucal divulgada pelos meios de comunicação de massa; particularmente a mídia eletrônica, que se encarrega da divulgação tão ampla de informações sobre a higiomania, ou adoração da saúde, e a somatolatria, ou dimensão do corpo.17

O hábito do uso da escova e do creme dental foi relatado, praticamente, pela totalidade dos entrevistados. Mais da metade deles, entretanto, não utilizava o fio dental, especialmente os do sexo masculino, os mais jovens e aqueles com menor escolaridade e renda. Na Dinamarca, encontraram-se resultados mais modestos, todavia, onde pouco mais de 10% da população total estudada usava fio dental diariamente, não obstante esse percentual fosse um pouco maior entre mulheres e usuários regulares de serviços odontológicos. Ainda sobre o estudo escandinavo, revelaram-se preditores do uso do fio dental: ter o hábito de visitar o dentista; ser do sexo feminino; ter recebido cuidados odontológicos durante os anos escolares; e ter um maior nível de educação. Dinamarqueses com menor renda, raramente ou nunca usavam o fio dental.10 Embora a divulgação do uso do fio dental tenha crescido nos últimos anos, sua prática não é comum entre a população brasileira, a exemplo dos resultados encontrados em estudo realizado com universitários de Canoas-RS e de Itajaí, Estado de Santa Catarina, onde apenas 44% dos pesquisados declararam utilizar fio dental.18 Também se observaram variações como as encontradas no estudo realizado por Abegg,11 em que 67,5% dos entrevistados declararam usar fio dental diariamente, achado de associação direta com uma situação socioeconômica mais elevada. Nos estudos brasileiros, a variação encontrada para o uso do fio dental, provavelmente, está relacionada às diferenças de condicionantes demográficos e socioculturais entre as comunidades cujas amostras foram estudadas.

“Depois do almoço” foi o momento do dia preferido para a realização da higiene bucal, seguido dos horários “Antes do café da manhã” e “Depois do jantar”. No estudo com adolescentes da Região Sul do Brasil, já mencionado, também se verificou que a ocasião em que a maioria dos jovens higienizava os dentes era depois do almoço.12 Em pesquisa nacional realizada na Finlândia, que investigou indivíduos a partir de 15 anos de idade, estes referiram como primeira escolha, em todas as idades, limpar os dentes antes de dormir, seguida dos primeiros momentos após acordar pela manhã e após as refeições.19 A limpeza matinal dos dentes pode estar relacionada à saúde ou a comportamentos que a afetam mas que não são executados em função dela, como por exemplo, a higiene bucal e os cuidados com o corpo visando à melhor aparência. Já a escovação noturna, geralmente, é realizada por razões de saúde, com o objetivo de prevenir doenças bucais.13

Desde nossa infância, recomendam-nos o hábito da limpeza da boca após as refeições e, principalmente, antes de se deitar, para um adequado controle da placa bacteriana depositada sobre a superfície dos dentes. Em verdade, essa limpeza pode ser realizada a qualquer hora do dia, em momentos de maior tranqüilidade e disponibilidade de tempo. Há evidências de que apenas uma limpeza diária dos dentes, desde que meticulosa, é eficaz. Sendo assim, a qualidade da limpeza importa mais que sua freqüência.20 Como a placa bacteriana é um dos fatores determinantes da cárie e das doenças periodontais, para prevenir doenças de alta prevalência persistentes em nossas comunidades, particularmente entre adolescentes e adultos,6 o incentivo à limpeza bucal é uma das ações mais importantes de cuidado primário com a saúde da população.

Nesta pesquisa, apenas 3% dos entrevistados declararam nunca ter ido ao dentista, a exemplo do levantamento epidemiológico sobre as condições de saúde bucal da população brasileira – Região Metropolitana de Porto Alegre –, publicado no Relatório SB-RS 2003.7 Esse percentual difere do encontrado na pesquisa que utilizou dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),21 que indica serem 19% da população os que nunca foram ao dentista. Tal diferença atribuir-se-ia às diversidades regionais características do Brasil, marcantes no que se refere aos aspectos culturais, sociais e econômicos.

Avaliação das tendências de consulta de serviços odontológicos entre finlandeses, por duas décadas, revelou aumento no uso desses serviços durante o ano anterior à coleta dos dados; ser mulher e ser mais jovem foram as características que se associaram a essas consultas mais freqüentemente; ter mais idade, entretanto, foi o que menos se associou à visita ao dentista, em virtude da maior prevalência de edentulismo.22

Observou-se que mais de dois terços do total de entrevistados haviam visitado o dentista com intervalo de tempo igual ou inferior a um ano, considerando-se o período transcorrido desde a última visita até a data da entrevista – a exemplo dos resultados encontrados por estudo internacional 14 e por estudo nacional,21 em que a maioria da população visitara o dentista no período de um ano anterior à entrevista. Ser do sexo feminino, ser mais jovem e possuir maior escolaridade mostraram-se variáveis fortemente associadas à data da última visita ao dentista. O mesmo não ocorreu quando se procurou associar o intervalo entre essas visitas e a renda do entrevistado.

Estudo realizado no Município de Bambuí, Estado de Minas Gerais, demonstrou que, além do atendimento odontológico regular de pessoas de maior escolaridade ser dez vezes maior, ele também foi maior para o segmento dos mais ricos. A idade e o sexo, porém, não se mostraram associados ao uso de serviços odontológicos, segundo o mesmo estudo.23 Os dados do último levantamento nacional sobre saúde bucal SB Brasil 2003 6 revelaram que mais da metade dos jovens entrevistados visitou o cirurgião-dentista no ano anterior à entrevista, 14% menos que o valor encontrado no levantamento epidemiológico de 1988 – a propósito, esse percentual reduz-se à medida que a idade avança.

O principal motivo de visita ao dentista relatado pelos participantes deste estudo foi o de revisão ou controle da saúde bucal, seguido da necessidade de refazer tratamento(s), a exemplo das conclusões do SB Brasil 2003 para a Região Metropolitana de Porto Alegre.7 Esses resultados diferem dos achados apresentados no relato do estudo na Lituânia,14 já citado aqui, onde a razão da última visita ao dentista, em mais de 80% dos pesquisados, deveu-se a algum sintoma ou problema bucal agudo. Pouco mais de 10% das pessoas entrevistadas responderam ter ido ao dentista para um check-up; e pouco mais de 5%, tão-somente, realizou consulta para tratamento(s) em curso. Dor de dente foi a terceira razão da ida ao dentista, de acordo com o presente estudo. Resultados semelhantes também foram identificados no último levantamento nacional sobre saúde bucal SB Brasil 2003,7 em que a consulta de rotina e manutenção e a procura de atendimento em razão da dor foram os motivos mais freqüentes da ida ao consultório dentário.24

Os serviços odontológicos privados foram, significativamente, os mais utilizados pela maioria da amostra da população pesquisada acima dos 19 anos de idade; o SUS, por conseguinte, aparece como responsável por um percentual bastante baixo de prestação de serviços na área. Esses resultados divergem dos alcançados no levantamento sobre saúde bucal SB Brasil 2003, publicado pelo Ministério da Saúde,24 em que mais da metade de toda a amostra estudada relatou valer-se do serviço público.

Os estudos citados são semelhantes, contudo, quando são comparados seus resultados para as variáveis idade e escolha do tipo de serviço; os mais jovens foram os que mais utilizaram o serviço público, enquanto os adultos, em maior proporção, elegeram os serviços privados. No estudo mencionado anteriormente, realizado por Barros e Bertoldi,21 os resultados também foram semelhantes: a maioria da amostra (69%) selecionada, tanto dos mais pobres quanto dos mais ricos, valeu-se de serviços odontológicos particulares que envolveram, certamente, algum tipo de pagamento. Os pesquisadores ainda verificaram, sobre a reduzida participação do sistema público no atendimento à saúde bucal, que o SUS respondeu por menos de um quarto (24%) dos atendimentos odontológicos, enquanto foi responsável por 52% dos atendimentos não odontológicos prestados.

Este estudo observou que os indivíduos mais jovens, as pessoas com baixa escolaridade, os sem rendimentos ou com baixa renda foram usuários do serviço odontológico público; e que as seguintes variáveis, idade, escolaridade e renda, mostraram-se fortemente associadas ao tipo de serviço odontológico de escolha. Quanto ao gênero, este não se mostrou significativo para essa opção, segundo a amostra dos entrevistados nesta pesquisa. No Brasil, é mister considerar que as maiores dificuldades de acesso aos serviços odontológicos devem-se, ainda, aos reduzidos rendimentos ganhos pela maioria das pessoas, causa primeira de extrações dentárias.25

As mulheres, os adolescentes e os adultos jovens até 34 anos relataram visitar o dentista com uma periodicidade de seis em seis meses, enquanto aqueles com idade superior a 35 anos e homens, em sua maioria, recorrem a seus serviços apenas em situação de dor, como as pessoas de escolaridade e renda inferiores.

Estudos têm demonstrado que as mulheres adotam hábitos preventivos com maior freqüência que os homens e utilizam mais os serviços preventivos e curativos. Esta pesquisa, particularmente, identificou que a quase metade da população estudada visita o dentista em situação de dor, exclusivamente. A queixa de dor de origem dental como motivo da última consulta odontológica atingiu o percentual de 87,7% em estudo realizado no Estado de Santa Catarina,26 situação atribuída às condições sociais de uma amostra representada, mais significativamente, por indivíduos com menor grau de escolaridade.

Pode-se afirmar que uma das limitações deste estudo foi o percentual elevado de perdas, superestimando as pessoas de 40 anos de idade ou mais, de ambos os sexos, e subestimando homens entre 20 e 39 anos, o que teria introduzido um viés com relação aos trabalhadores entrevistados. Portanto, os resultados para essa faixa etária devem ser vistos com cautela.

Se a maioria dos participantes escovava seus dentes três vezes ao dia, o uso do fio dental revelou-se baixo; “Depois do almoço” foi o horário escolhido pela maioria deles para a realização da higiene bucal. A revisão ou controle odontológico foi o principal motivo da ida ao consultório dentário; e os serviços privados, os mais utilizados. Um fato positivo observado foi a eleição preferencial dos serviços públicos pelos mais jovens – uma mudança de opção na escolha dos serviços odontológicos que demonstra valorização do setor público. Essa também foi a opção das pessoas com menor escolaridade e renda, evidenciando as desigualdades sociais e econômicas do País, refletidas nos cuidados de nossa população com a saúde bucal. Se as pessoas de baixa renda, que apresentam mais problemas de saúde bucal, utilizam os serviços odontológicos com menor freqüência quando comparadas às de maior renda,27 trata-se de uma situação a demandar medidas efetivas de ampliação do acesso da comunidade mais pobre aos serviços de saúde.

Estudos mais profundos fazem-se necessários, com o objetivo de identificar as barreiras ao uso dos serviços odontológicos e subsidiar um adequado planejamento das políticas de saúde bucal. A realidade de verbas sempre limitadas para o setor Saúde confere importância à reflexão sobre a possibilidade do uso regular dos serviços odontológicos, cujos custos tornar-se-ão mais baixos quando se valerem de medidas educativas e preventivas de maior alcance, dirigidas a toda população. Deve-se lembrar que, nas próximas décadas, a possibilidade real de ampliação da expectativa de vida dos brasileiros implicará um efetivo aumento das demandas populacionais por maiores cuidados de saúde bucal.

 

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*Estudo de pesquisa financiado com recursos da Christoffel-Blindenmission.