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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.15 n.4 Brasília dez. 2006

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000400006 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Economia em saúde com foco em saúde bucal: revisão de literatura

 

Economy on health in focus on oral health: literature review

 

 

Christiane Alves FerreiraI; Carlos Alfredo LoureiroII

IMestranda em Saúde Coletiva, Centro de Pós-Graduação, Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic, Campinas-SP
IIProfessor do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, Centro de Pós-Graduação, Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic, Campinas-SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo objetiva revisar, criticamente, a literatura dos tipos e a qualidade das análises econômicas realizadas em serviços e programas de saúde bucal. Os autores adotaram um critério de exclusão dividido em dois estágios: o primeiro, para avaliar a relevância dos estudos; e o segundo, para avaliar sua qualidade. A estratégia de busca foi pela rede eletrônica, sem limite de datas, de forma a cercar o assunto Economia em Saúde com foco em saúde bucal. Dos 538 artigos recuperados, somente 28 foram considerados relevantes. Destes, apenas seis foram incluídos na revisão: cinco dissertavam sobre programas preventivos; e um, sobre serviços. As análises econômicas eram, em sua maioria, análises de custo-efetividade, sob a perspectiva predominante do serviço. Não foi possível chegar a uma conclusão segura sobre os programas preventivos, nem sobre os serviços, pois falta qualidade metodológica aos estudos avaliados.

Palavras-chave: custos; economia; saúde bucal.


SUMMARY

This study aims to revise literature about types and quality of economic analyses about services and programs of oral health. The authors adopted a criterion of exclusion in two levels: the first one to evaluate the relevance, and the second to evaluate the quality of the studies. The search strategy was the web media, without limit of dates, to surround the full subject of Economy on Health, focusing on oral health. After 538 articles analyzed, only 28 were considered relevant, from which six had been enclosed in the revision: five dealt with preventive programs, and one with services. A major part of the economic analysis was occupied on cost-effectiveness, in predominant perspective to oral health services. It was not possible a safe conclusion about preventive programs nor about the services (lacks methodology quality in the evaluated studies).

Key-words: costs; economics; oral health.


 

 

Introdução

Em saúde, não fosse a presença de uma tensão natural e constante entre o que o serviço público pode oferecer e o que o público espera dele, não haveria essa lacuna e todas as ações demandadas poderiam ser ofertadas, sem necessidade de restringir e racionalizar as intervenções, nem de considerar as questões relativas à eficiência dos serviços. Os orçamentos, entretanto, são limitados e, quando se opta por uma atividade, é negado o uso desse recurso em outra (custo-oportunidade). Assim, instala-se uma competição com outras áreas (construção de obras, educação, meio ambiente, cultura, etc.) e é difícil determinar qual área deve ser sacrificada. É necessário, portanto, conhecer os benefícios e os custos de atividades e programas para que as escolhas sejam racionais, em prol do conjunto da sociedade.1-3

Segundo Drumond e colaboradores,4 há distinção entre uma simples análise de custos e uma verdadeira avaliação econômica. Enquanto a análise de custos avalia apenas os custos de um procedimento ou programa, a avaliação econômica realiza análises comparativas de ações alternativas quanto a custos e conseqüências. O principal objetivo é identificar, quantificar e comparar os custos e as alternativas consideradas. As avaliações econômicas podem ser parciais, se examinam apenas custos ou apenas resultados, e totais ou completas, se têm por objeto custos e resultados; ademais, utilizam-se modalidades de enfoque como custo-efetividade, custo-utilidade, custo-benefício e custo-minimização. Na análise de custo-efetividade, os benefícios são expressos em temos não monetários relacionados com os efeitos da saúde, tais como anos de vida ganhos ou dias livres de sintomas, ou dentes livres de cárie, e comparam-se os efeitos positivos e negativos de duas ou mais opções de um mesmo programa. Na análise de custo-utilidade, os efeitos são expressos em qualidade de vida ajustada por ano e permitem comparação de diferentes intervenções. Na análise de custo-benefício, os efeitos são expressos em termos monetários. A análise de custo-minimização compara os custos de procedimentos ou programas para alcançar um objetivo determinado, cujas conseqüências supõem-se equivalentes.

É importante destacar que, antes de se implantar um projeto financiado com recursos públicos, é imprescindível realizar análises econômicas. De acordo com Iglesias e colaboradores,5 na América Latina, em Portugal, na Espanha e no Reino Unido, as tomadas de decisão nos sistemas de saúde como um todo não são fundamentadas em análises e avaliações econômicas mas baseadas, primeiramente, na alocação de recursos segundo critérios políticos, registros históricos, áreas geográficas e grupos específicos de pacientes e de doenças.

No Brasil, é muito reduzido o número de estudos em economia da saúde e a literatura científica é ainda mais restrita a respeito de análises de custos de serviços públicos em saúde bucal. Este trabalho pretende realizar uma revisão crítica da literatura sobre a qualidade e a perspectiva das análises econômicas realizadas na área de saúde bucal.

 

Metodologia

Para realizar esta revisão da literatura, utilizou-se um método com critério de exclusão em dois estágios. No primeiro estágio, avaliou-se apenas a relevância dos estudos publicados, processo em que o total de estudos recuperados nos bancos de dados foi classificado de acordo com o seguinte critério: relevantes, para estudos que avaliaram dados relativos a custos ou análises econômicas em saúde bucal; e irrelevantes, para estudos que trataram do assunto mas não analisaram dados sobre custos ou não apresentaram análise econômica. Para o segundo estágio, os estudos irrelevantes foram descartados; sobre o subconjunto de estudos relevantes, aplicou-se uma lista de checagem sugerida por Drummond e colaboradores,4 para apreciação da qualidade das avaliações econômicas, caracterizada pela adoção dos seguintes critérios:

a) Os objetivos da análise econômica foram adequadamente esclarecidos?

b) Foi oferecida uma descrição abrangente das alternativas concorrentes?

c) Foi estabelecida a efetividade do programa ou serviço?

d) Foram identificados todos os custos e conseqüências importantes e relevantes de cada alternativa?

e) Custos e conseqüências foram mensurados adequadamente e em unidades apropriadas (exemplos: horas de enfermaria, número de consultas clínicas, dias de trabalho perdidos, anos de vida ganhos)?

f) Foram avaliados custos e conseqüências com credibilidade?

g) Custos e conseqüências foram ajustados para diferentes períodos de tempo?

h) Foi realizada uma análise incremental (adicional)?

i) Foi realizada uma análise de sensibilidade?

j) A apresentação e a discussão dos resultados do estudo incluíram todos os assuntos concernentes aos usuários?

A avaliação da qualidade sobre o subconjunto de estudos relevantes resultou em três grupos de artigos, de acordo com a seguinte classificação: qualidade alta (A), quando respondia positivamente a pelo menos oito das questões acima descritas; qualidade média (B), quando respondia a pelo menos seis dessas questões; e qualidade baixa (C), quando respondia a menos de seis questões.

A estratégia de busca foi de tipo eletrônica, sem limite de datas, de forma a cercar todo o assunto Economia em Saúde com foco em saúde bucal, nos bancos de dados da Biblioteca Virtual em Saúde [(BVS)/Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME)], PubMed/Medline (um serviço da Biblioteca Nacional de Medicina –National Library of Medicine – dos Estados Unidos da América) e EMBASE (um serviço eletrônico da instituição Elsevier, que oferece acesso às bases de dados EMBASE e Medline). Nessa pesquisa, utilizaram-se os seguintes unitermos, no idioma português: custos; custo-efetividade; custo-benefício; odontologia. No idioma inglês, foram utilizados os seguintes unitermos: cost; health; oral health; economic; evaluation; health care; programme; cost-efficiency; cost-effectiveness; comparison of costs; efficiency; analysis; cost-utility analysis; dentistry; treatment; dental; e economy. Também realizou-se uma busca manual a partir de referências bibliográficas de artigos considerados relevantes. A Tabela 1 apresenta detalhes da pesquisa realizada.

 

 

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta o conjunto de artigos recuperados e o subconjunto de artigos avaliados como relevantes e mostra que o total de artigos recuperados foi igual a 538, sendo 28 avaliados como relevantes e incluídos nesta revisão; e 510 classificados como irrelevantes, por isso excluídos.

 

 

 

A Tabela 3 fornece detalhes dos artigos classificados como relevantes, de acordo com ano de publicação – do mais antigo ao mais recente – e a qualidade.

 

 

A Tabela 4 apresenta os artigos relevantes incluídos, considerados como de qualidade A, de acordo com o tipo de análise econômica e perspectiva da análise.

 

 

 

A seguir, apresenta-se, detalhadamente e em ordem cronológica, a revisão de literatura propriamente dita dos artigos que receberam classificação A.

Para avaliar o efeito de longo prazo do programa preventivo de saúde bucal, Peterson e Westerberg6 realizaram estudo na Suécia com o intuito de responder às seguintes questões:

a) Que fatores explicam a variação na incidência de cárie nas idades de 11 a 14 e de 11 a 17 anos?

b) Quais os benefícios econômicos do programa intensivo de aplicação de verniz fluoretado (teste), quando comparado com o programa-padrão (controle)?

A análise econômica baseou-se em dados provenientes de um estudo prospectivo que contemplava 160 crianças de 11 anos de idade, selecionadas aleatoriamente, para grupo-teste ou controle – cada grupo com 80 participantes. O grupo-teste recebia um programa intensificado de verniz fluoretado: três aplicações de verniz de flúor ao ano, com intervalos de uma semana, durante três anos. O grupo-controle (programa-padrão) recebia verniz fluoretado duas vezes ao ano, durante três anos. Ambos os grupos recebiam orientações de higiene bucal e dieta e utilizavam pasta dental fluoretada, diariamente. Porém, essas recomenddações eram descontinuadas aos 14 anos (após três anos); a partir daí, os participantes recebiam apenas prevenções básicas combinadas com necessidades individuais de flúor. Aos 17 anos, os participantes eram chamados novamente, para avaliação da condição dentária, quando as mesmas rotinas preventivas eram recordadas. Radiografias do tipo bite-wing eram tomadas no início e no final do estudo. A perda de participantes foi de 29% nos dois grupos. O tipo de avaliação econômica realizada foi o de custo-benefício. Como benefício, considerou-se o recurso financeiro economizado com a restauração de dentes. Realizou-se uma estimativa do benéfico para dez anos e utilizou-se uma taxa anual de desconto de 5%. Os custos consistiram em custo total extra, por intensificação da aplicação do verniz sobre o programa preventivo-padrão. As diferenças na incidência de cárie entre os grupos foram estudadas utilizando-se o teste T de Student. Para explicar a variância na incidência de cárie, realizou-se regressão logística. Os resultados mostraram que a incidência de cárie foi maior no grupo-controle, para todos os tipos de lesões. O custo total foi de SEK$3.800 (SEK: Swedish Krona ou coroa sueca, unidade monetária da Suécia) e os benefícios totais foram de SEK$5.000 (preço de 1983), um resultado positivo ao longo de um período de dez anos. A análise de regressão mostrou que, para explicar a variação de cárie entre 11 e 14 anos, a variável que explicava o modelo era "Prevalência de cárie aos 11 anos de idade"; para a variação de cárie entre 11 e 17 anos, as variáveis "Escolaridade do pai" e "Uso de medidas preventivas com o flúor" foram melhor explicativas. A diferença foi significante, estatisticamente.

Com o objetivo de testar e avaliar a eficiência dos cuidados dentários de crianças em clínicas públicas, Hannerz e Westerberg 18 realizaram estudo na Suécia com 80 adolescentes nascidos em 1975, acompanhados desde os 13 anos de idade. A clínica-teste era composta por um cirurgião-dentista (CD) e cinco higienistas [técnicos em higiene dental (THD)]; e por 39 crianças nascidas em 1975, regularmente tratadas entre 1988 e 1993. A clínica-controle era composta por dois cirurgiões-dentistas, quatro auxiliares de consultório dentário (ACD) e 41 crianças nascidas em 1975, regularmente tratadas entre 1988 e 1993. A avaliação da eficiência econômica foi baseada na análise de custo-benefício no nível clínico, em que o custo foi definido como custos variáveis totais por criança, anualmente, enquanto os benefícios foram definidos como diferenças no incremento de cárie anual. O benefício para cada ano da incidência de cárie foi calculado em SEK$300. Todos os valores foram deflacionados para 1993 e descontados para o dado inicial de 1988. Adotou-se uma taxa de desconto anual de 6%. Efeitos intangíveis não foram incluídos. Diferenças na incidência de cárie foram avaliadas utilizando-se o teste T de Student e a função da incidência de cárie foi estimada mediante regressão logística. Os resultados mostraram que houve diferença, estatisticamente significante, com menores índices de cárie para o grupo-teste. As variáveis independentes "Prevalência de cárie aos 13 anos" e "Clínica" explicaram melhor a incidência de cárie; "Educação dos pais" e "Gênero" não foram significantes. A análise de custo-benefício mostrou que o custo por indivíduo, no grupo-teste, foi de SEK$369 e o benefício, de SEK$546, o que resultou em lucro de SEK$177. São resultados favoráveis. Eles não só indicam que a divisão do trabalho com menor número de CD e maior número de THD é perfeitamente aplicável, como encorajam outras investigações, com amostras maiores e estudos do tipo de ensaios randomizados controlados.

O estudo de Morgan, Crowle e Wright 19 avaliou o custo-efetividade de um programa escolar de prevenção de cárie dentária de três anos, baseado em aplicação de selantes e realização de bochechos de flúor, em duas áreas de Vitória, Austrália, cujas águas de abastecimento não eram fluoretadas. A amostra, proveniente de cinco escolas, consistiu em 256 crianças com altos níveis de cárie, no grupo-controle; e em 256 crianças, também com altos níveis de cárie, no grupo de intervenção. Este recebeu aplicações de selante, bochechos semanais e sessões anuais de orientação de higiene bucal, enquanto o grupo-controle recebeu somente orientações de higiene bucal. Realizou-se a análise de sensibilidade e adotou-se uma taxa de desconto de 5%. Os resultados mostraram que a diferença no índice CPOS (índice que soma as superfícies cariadas, obturadas e perdidas) entre os dois grupos foi de 1,22 em um período de três anos. A razão de custo incremental (RICE) economizou de US$7,00 a US$35,60 por superfície evitada. O programa tornou-se mais custo-efetivo a cada ano sucessivo. Os autores concluíram que a introdução de programas preventivos em áreas não fluoretadas podem representar um eficiente uso dos recursos de uma comunidade.

Com o objetivo de determinar o custo-benefício de longo prazo de um programa público de prevenção de cárie, Crowley, Campain e Morgan 22 realizaram avaliação econômica de custo-benefício na Austrália, a partir de um estudo de intervenção (programa preventivo) em adolescentes de 12 a 15 anos de idade, acompanhados durante três anos, provenientes de cidades (Geelong e Ballarat) cujas águas de abastecimento não eram fluoretadas. Como benefício, considerou-se o valor monetário de redução no custo do tratamento a partir da intervenção de um tratamento dentário. Benefícios intangíveis não foram levados em conta. Os custos consistiram em despesas de operação referentes ao programa preventivo e à compra de equipamentos. Adotou-se uma taxa de desconto de 5% e realizou-se a análise de sensibilidade. Os resultados mostraram que o custo estimado anual para a operacionalização do programa, em dólar australiano (A$1=US$0.63), foi de A$ 272.500,00, o que resulta em A$33,00 por criança – mesmo custo da triagem. Os custos de operação para dez anos foram estimados em A$1,96 milhões. A estimativa para o valor atual de rede para dez anos variou entre A$1,43 milhões (considerando 0% de efetividade) e A$7.000,00 (considerando 60% de efetividade). Esses ganhos econômicos traduzem uma taxa de custo-benefício que varia entre 1,0 e 1,7. Os autores concluíram que o RICE melhorou a cada ano sucessivo, sob todos os aspectos.

Visando a uma avaliação de custo-efetividade, Arrow 20 realizou uma análise de custo-minimização em programas para prevenção de cáries oclusais, desenvolvidos na Austrália. A análise baseou-se em estudo de intervenção que testava a efetividade de um programa de aplicação seletiva de selante e aplicação tópica de flúor para molares permanentes recém-erupcionados. Criaram-se dois grupos: um grupo-controle (não exposto), constituído por 197 crianças de seis anos de idade que recebiam os cuidados de prevenção padronizados – selante e flúor em primeiros molares recém-erupcionados, além de exames periódicos aos 12 e 24 meses –; e outro grupo (grupo-teste ou exposto), de 207 participantes que recebiam os cuidados preventivos padronizados, além de profilaxias e instruções de higiene bucal em cada visita. A avaliação clínica foi baseada no número de crianças tratadas. A análise de custo-minimização realizou-se na perspectiva do programa preventivo-padrão. A efetividade incremental (marginal) foi expressa como a diferença no número de indivíduos que não desenvolveram cárie dentária oclusal no primeiro molar permanente. A criança com cárie em um ou mais dentes molares permanentes era classificada como caso. A incidência em cada grupo foi calculada e a diferença no risco foi utilizada para representar o ganho marginal na efetividade do programa testado. Os custos do programa foram estimados a partir dos custos de trabalho (salários de CD e ACD) e dos custos de material de consumo. Os custos do trabalho foram estimados e convertidos em tempo gasto para realizar os procedimentos preventivos (em minutos), multiplicados pelo índice salarial calculado em dólar australiano. Custos indiretos para pacientes e seus familiares e custos por cabeça e de capital não foram incluídos na análise, porque eram custos comuns aos dois grupos. O número de visitas/ano por pessoa para tratamento preventivo, entretanto, foi usado como uma estimativa adicional de custos de um grupo sobre o outro. Os custos dos selantes foram calculados para um dente e multiplicados pelo número médio de dentes tratados por indivíduo; a partir daí, foi possível estimar o custo por pessoa. O custo da profilaxia e da aplicação do flúor foi estimado e os custos administrados foram assumidos como sendo realizados pelo ACD. Os custos foram deflacionados e descontados em 5%. Análise de sensibilidade foi conduzida para testar a sensibilidade dos achados de taxa de desconto e custos de trabalho. Os resultados mostraram ausência de diferenças significantes, estatisticamente, na ocorrência de cárie entre os grupos de teste e de controle. O programa de prevenção-teste foi mais caro do que o padrão; e o RICE, de A$40 por criança/ano, passados dois anos para o grupo-teste. Estimou-se que 25 pessoas deveriam ser tratadas com o programa-teste, para que uma pessoa pudesse ser beneficiada pela ausência de cárie; porém, esse efeito tendia a diminuir com o tempo. Dessa forma, o programa-teste não deveria ser adotado.

Com o objetivo de comparar custos e conseqüências dos programas de prevenção de cárie em adolescentes de alto risco na Suécia, Oscarson e colaboradores 30 realizaram uma análise de custo-efetividade utilizando-se de uma amostra de 3.373 crianças de 12 anos de idade provenientes de 26 clínicas odontológicas, acompanhadas durante quatro anos (1995 a 1999). Inicialmente, as crianças foram divididas em dois grupos: um grupo experimental de 1.165; e um grupo-controle de 2.208. O grupo experimental foi subdividido, aleatoriamente, em quatro subgrupos: Grupo A – recebia apenas instruções sobre escovação, por carta, e pasta dental fluoretada; as instruções eram repetidas a cada exame, uma vez ao ano; Grupo B – recebia tabletes com flúor para execução de bochechos, em casa, e um reexame era feito uma vez ao ano; Grupo C – recebia profilaxia e verniz com flúor três vezes por semana, com repetição a cada seis meses; e Grupo D – recebia revisão da higiene bucal, profilaxia e verniz de flúor, instruções sobre higiene bucal e dieta, com repetição e checagem dessas instruções e reaplicação do verniz de flúor a cada três meses. Para o grupo-controle, realizou-se apenas exame anual. Um questionário para avaliação de custos do paciente era respondido pelos pais das crianças a cada exame, em cada programa. Foram levantados custos com a organização e operação do programa, custos para o paciente e sua família e custos gerados por outros setores da Saúde. Consideraram-se dois componentes de custo: custo da quantidade de recursos utilizados, convertido em tempo (minutos); e custo por unidade ou preço, calculado a partir do custo de tempo de tratamento para o CD, o THD e o ACD. Realizou-se análise de variância e análise de sensibilidade e adotaram-se taxas de desconto de 3 e 5%. Os resultados do estudo mostraram que 44% dos pacientes de alto risco tiveram entre nenhuma até duas novas lesões de cárie em quatro anos. Quando a variável "Cárie de esmalte" foi incluída, 16% não apresentaram cárie. Com relação à efetividade, o programa de intervenção C foi o único que obteve um ganho significativo no CPOS, embora a diferença fosse pequena. A distribuição de cárie inclinada sugere que poucas pessoas de alto risco poder-se-iam beneficiar com diferentes abordagens preventivas. Em áreas com alto índice de cárie, programas preventivos tendiam a apresentar bom custo-efetividade. Quanto aos custos dos programas, o estudo mostrou que o paciente e sua família tiveram um alto impacto nos custos totais para crianças e adolescentes jovens; contudo, diminuíam com o avançar do tempo, na medida em que o adolescente ficava mais velho. A RICE foi de SEK$2.043 ou US$240.00 por superfície revertida, em que o tratamento representou SEK$1.337 (US$156.00), utilizando unidade de custo para a ACD. Isso significa um custo anual de, aproximadamente, SEK$334 ou US$40.00.

 

Discussão

Ao avaliar os artigos recuperados, constata-se que, na área da Odontologia, são realizados e publicados muito poucos estudos de economia em saúde, ainda que, nos últimos anos, tenha aumentado o interesse sobre o assunto, especialmente quando se trata de avaliação de programas preventivos.

Quanto ao tipo de análise econômica, a maioria dos estudos concentrava-se em custo-efetividade e custo-benefício, ainda que se encontrassem análises de custo-utilidade e custo-minimização. Resultados semelhantes foram observados por Cunningham 34 em sua revisão. De acordo com o autor, até o ano de 1999, a pesquisa com as palavras Custo-efetividade e Odontologia recuperava 388 artigos entre 1971 e 1999; com as palavras Custo-benefício e Odontologia, 370 artigos entre 1971 e 1999; com as palavras Custo-utilidade e Odontologia, apenas 18 artigos entre 1980 e 1998; e com as palavras Custo-minimização e Odontologia, nenhum artigo era encontrado.

Sob a ótica das análises econômicas, entre os 28 artigos analisados, somente um 30 fora realizado sob a perspectiva do paciente; todos os demais relataram análises a partir do enfoque do serviço. A importância dessa perspectiva é de que a população que acessa os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), apesar de não pagar diretamente por eles, implica custos intangíveis, os quais podem se tornar um peso para o paciente, quando os tratamentos ou programas de prevenção propostos exigem muito tempo ou requerem muitas e repetidas visitas até sua consecução.

No que concerne à qualidade dos estudos, dos 28 artigos avaliados como relevantes, apenas seis foram classificados como de alta qualidade, A. Destes, cinco tratavam de programas preventivos 6,19,20,22,30 e um de serviços de saúde.18 Analisando-os, especificamente aqueles de análise de custo de programas preventivos, verificou-se a inexistência de consenso entre os autores. Quatro estudos que realizaram análise de custo-efetividade ou de custo-benefício indicaram possível viabilidade econômica dos programas preventivos com utilização do flúor em áreas de alto risco de cárie,6,19,22,30 enquanto um estudo de análise de custo-minimização 20 sugeriu que programa preventivo de flúor acompanhado de profilaxias e educação para saúde era mais caro do que programas preventivos com utilização apenas de selante. Apesar de esses estudos terem recebido a classificação A, por responderem de forma positiva a pelo menos oito questões da lista de checagem, não consideraram, em suas análises, custos de capital.

O custo de capital é imprescindível nas análises econômicas porque, sendo um investimento importante, deve representar a perda de oportunidade em investir os recursos em um outro programa que poderia render benefícios positivos (custo oportunidade). Outro componente do custo de capital é sua depreciação ao longo do tempo. A não-inclusão desse custo subestima o custo total, assim como as médias de custo obtidas, e fornece resultados não válidos, especialmente para diferentes programas que implicam em grandes diferenças quanto ao uso de edificações e equipamentos. Para se dispor de uma análise válida, o custo de capital necessita ser anuitizado e depreciado ao longo do tempo; caso contrário, o efeito pode ser o de aumentar diferenças que não são reais.4

Os estudos avaliados por esta revisão, portanto, não fornecem suporte quanto a valores econômicos para programas de prevenção de cárie, não sendo possível chegar a uma conclusão segura. Há uma escassez de estudos bem conduzidos, metodologicamente, nessa área. Este resultado concorda com a revisão conduzida por Kallestal e colaboradores,35 que verificaram não haver evidência de que programas preventivos apresentem bom custo-efetividade. Cunningham 34 também sugeriu que a maioria dos estudos publicados, apesar de se concentrarem em análises de custos de programas preventivos, careciam de qualidade nas avaliações econômicas.

O único artigo sobre serviços 18 de qualidade avaliada A realizou análise de custo-benefício e mostrou que clínicas odontológicas públicas, quando utilizam maior número de ACD e THD e menor número de CD, são mais eficientes; seus autores, entretanto, não consideraram o custo de capital em sua análise e suas conclusões devem ser consideradas com restrição.

Sobre os estudos de programas preventivos em saúde bucal avaliados por estes autores, não foi possível concluir que tais programas sejam custo-efetivos em função da qualidade, a desejar, dos artigos de análise recuperados. Quanto à perspectiva dessas análises, a maioria delas concentra-se nos serviços. Já sobre os estudos de análise de custo de serviços de saúde, não foi possível responder a perguntas como "Quanto custa implantar um serviço?" ou "Qual o custo de manutenção de uma unidade de saúde bucal?", também em função da qualidade metodológica dos artigos recuperados; aqui, igualmente, a perspectiva da análise concentrava-se nos serviços.

 

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Endereço para correspondência
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