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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.1 Brasília mar. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000100003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação do processo de implantação e implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito*

 

Evaluating the Process of Implementation of the Reduction Program on Mortality and Morbidity in Transit Accidents

 

 

Edinilsa Ramos de SouzaI; Maria Cecília de Souza MinayoI; Letícia Gastão FrancoII

ICentro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro-RJ
IICentro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro-RJ – Bolsista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta síntese da pesquisa avaliativa realizada por pesquisadores do Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, sobre implantação e implementação do Programa de Redução de Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito do Ministério da Saúde em cinco capitais brasileiras – Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba –, nos anos de 2003 e 2004. A avaliação terminou em 2006 e evidencia fatores que dificultam ou facilitam o processo. São analisados dados epidemiológicos, sistema de informaões, indicadores de avaliação e resultados. Os achados apontam entraves: falta de tradição de trabalho intersetorial; pouca visibilidade do problema de acidentes de trânsito; mudanças freqüentes de coordenação; e interferências políticas nos projetos. Entre os fatores de êxito, destacam-se: antecedentes das Secretarias Municipais para lidar com a questão; processo de articulação intersetorial; visibilidade do tema para a população; e produção de um kit de indicadores e metodologia para avaliação do Programa.

Palavras-chave: pesquisa avaliativa; indicadores de avaliação; causas externas; prevenção de acidentes de trânsito.


SUMMARY

This article constitutes a synthesis of an evaluative research realized by investigators of Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde of Escola Nacional de Saúde Pública, Instituto Oswaldo Cruz Foundation, Brazilian Ministry of Health, about the implantation and implementation of the Reduction Program on Mortality and Morbidity in Transit Accident, in five Brazilian capitals – Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo, and Curitiba – during 2003 and 2004. The evaluation finished in 2006. It presents and discusses epidemiological data, information system, and indicators of process and results. The results point out: absence of tradition in intersectorial work; short visibility of the problem of traffic accident; frequent change of the managers and coordination; political interventions in the projects. Among the principals factors of success, are cited: anterior experience in treat the problem; intersectorial integration; capacity to give visibility to the theme; production of a kit of indicators and methodology for evaluating the Program.

Key-words: evaluative research; indicators of evaluation; external causes; traffic accident prevention.


 

 

Introdução

Este artigo trata da avaliação de um programa de intervenção realizado para reduzir o número de mortes e lesões ocorridas no trânsito, em cinco Municípios do Brasil. Entende-se acidente de trânsito como todo evento que provoque dano e envolva um veículo, a via, a pessoa humana e ou animais e que, para se caracterizar, tem a necessidade da presença de pelo menos dois desses fatores.1

A respeito do assunto, o documento sobre Redução de Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (MS)2 problematiza o tema expondo sua complexidade. Em primeiro lugar, coloca-o no interior das chamadas causas externas, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10, 1997), e o entende como um evento não intencional e, sobretudo, evitável, causador de lesões físicas e emocionais. Tendo em vista a dificuldade de se estabelecer a intencionalidade em um acidente, os dados e as interpretações que lhe conferem o caráter acidental ou violento comportará, sempre, um grau de imprecisão.2

Iniciativas de vários países, a partir do final do século XX, têm classificado o trânsito entre os problemas passíveis de intervenção mediante práticas saudáveis. Por esse motivo, entre outros, a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou a segurança nas estradas como o mote das comemorações do Dia Mundial da Saúde em 2004. Em torno do trânsito, têm-se desenvolvido ações ligadas à prevenção de acidentes em diversos países, com o objetivo de chamar a atenção dos governos, das empresas e da sociedade civil para esse problema que ceifa tantas vidas e deixa milhões de pessoas incapacitadas. O escopo dessas iniciativas é o de melhorar a identificação, a assistência aos acidentados e a atuação necessária para redução de mortes e traumas.

Documentos da OMS 3 e do Ministério da Saúde 4 destacam que, no ano 2000, cerca de 1,2 milhões de pessoas morreram por acidentes de trânsito, sendo essa a 10a causa de óbito e a 9a a contribuir com a carga de doença em todo o mundo. Estima-se que o custo anual dos acidentes de trânsito é, aproximadamente, de 1% do produto interno bruto (PIB) de países em desenvolvimento e 2% do PIB dos países altamente motorizados. Do total das vítimas que sofreram lesões e traumas, 20 a 50 milhões ficaram incapacitadas, parcial ou totalmente. Cerca de 90% das mortes no trânsito concentraram-se, em 2000, nos países com baixa e média renda. E do conjunto dos acidentes, 11% ocorreram nas Américas. As vítimas de lesões e traumas ocuparam 10% dos leitos hospitalares no ano 2000. Na América Latina, o custo aproximado das mortes e das incapacitações por causas ligadas ao trânsito foi de US$ 18,9 bilhões; e nos países altamente motorizados, de US$ 453,3 bilhões.

Em 2002, foram registrados 126.550 óbitos por causas externas no Brasil, dos quais 31.317 (24,75%) corresponderam a acidentes de trânsito e de transporte. A taxa de mortalidade por causas externas foi de 72,5 por 100.000 habitantes; e a taxa de mortes por acidentes de trânsito, de 19,1/100.000 hab., 31,6 no sexo masculino e de 6,9 no feminino. Cerca de 80% dos óbitos ocorridos no trânsito incidiram sobre a população masculina jovem, sobretudo na faixa etária dos 18 aos 29 anos. Foram 9.947 atropelamentos e 13.908 acidentes com colisão, perfazendo, respectivamente, 31,76% e 44,41% do total de acidentes de trânsito. Em 2003, os acidentes de trânsito totalizaram 114.189 internações hospitalares no País, o que significa 15,56% das hospitalizações por lesões e envenenamentos.

A rápida urbanização e a concomitante motorização nos países em desenvolvimento contribuíram para o crescimento dos acidentes de trânsito, o que não se fez acompanhar de uma engenharia apropriada de estradas e programas de sensibilização, educação, prevenção de riscos e repressão aos abusos. Diante da magnitude do problema, a atuação do setor tem sido incipiente e pouco eficaz. Conforme o documento da OMS,3 uma das razões para as parcas respostas dadas ao problema é que ele afeta mais pessoas pobres e vulneráveis que ricas e poderosas; as primeiras, especialmente, não têm poder ou influência sobre as decisões políticas. Outra razão é a crença de que o acidente de trânsito diz respeito mais às agências de transporte do que às agências de Saúde Pública.

Os crimes de trânsito são quase sempre tratados como fatalidades quando, na maioria das vezes, são fruto de omissões estruturais quanto à situação das estradas e vias públicas, às condições dos veículos, à fiscalização, às imperícias, imprudências e negligências dos usuários – motoristas ou pedestres. Todos os estudiosos da violência no trânsito, no caso brasileiro, reconhecem que os crimes no sistema viário, em sua quase totalidade, não responsabilizam os transgressores, tampouco comovem a opinião pública, como é o caso de outros tipos de delinqüência.5 Atualmente, a maioria das respostas dadas aos problemas do trânsito tem focalizado – muito mais – a mudança de comportamento do que a importância da construção de um ambiente de tráfego de veículos e de pessoas seguro.

Frente a um problema com tamanho impacto e magnitude, em 2001, o Ministério da Saúde decidiu estimular o desenvolvimento e a implantação de um programa destinado à prevenção dos acidentes de trânsito, a partir da ótica de promoção da saúde e da qualidade de vida. Em alguns Municípios do País, foi criado o Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito (PRMMAT).

Essa questão passou a incorporar a pauta de ações do Ministério da Saúde, inicialmente pela Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS) e, posteriormente, pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), a partir do Repasse do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) e da inédita aplicação dos recursos desse seguro nas ações para as quais, desde seu início, foram destinados. Essa iniciativa teve amparo legal no Decreto No 1.017, de 23 de dezembro de 1993, que aloca 50% do valor total do prêmio do DPVAT ao Fundo Nacional de Saúde; 90% desse montante destina-se à prevenção e ao atendimento das vítimas de acidentes de trânsito e 10% ao repasse mensal para o coordenador do Sistema Nacional de Trânsito, responsável por sua aplicação exclusiva em programas de prevenção.

Os gestores do setor Saúde foram instados a elaborar e a negociar seus projetos locais, focalizando, principalmente, dois pontos: ações de capacitação para os profissionais envolvidos com o tema do trânsito, abrangendo diversas instituições e setores; e melhoria ou implantação ou integração dos sistemas de informações sobre acidentes de trânsito nos Municípios, com vistas ao monitoramento e vigilância desses eventos.

Inicialmente, firmaram-se convênios com cinco capitais que apresentavam elevadas taxas de mortalidade por acidentes de trânsito, situadas nas diferentes macrorregiões do País. Em algumas delas, a Saúde já tinha alguma experiência de trabalho conjunto com o setor do Trânsito. Esse projeto-piloto contemplou as cidades do Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba. A partir do ano de 2004, o Programa foi objeto de um processo de ampliação para incluir mais 11 Municípios, cujos convênios foram firmados em 2006.

Desde o início do desenvolvimento das atividades do Programa, o Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde (Claves/ENSP/Fiocruz/MS), centro colaborador para a área de acidentes e violências do Ministério da Saúde, foi incumbido de realizar uma avaliação estratégica sobre a realização dos convênios com os cinco Municípios contemplados a princípio.

O PRMMAT, portanto, trouxe a novidade de ser acompanhado, desde sua concepção, por uma pesquisa avaliativa, o que lhe garantiu elementos reais para monitorar o que acontecia, além da possibilidade de generalização da proposta, ao menos em alguns aspectos. Apresentar os resultados da avaliação realizada é o objetivo do presente artigo.

 

Metodologia

No período de 2003 a 2006, realizou-se uma pesquisa estratégica com o objetivo de avaliar o processo de implantação e implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito em cinco Municípios brasileiros: Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba.

Entende-se por avaliação o processo sistemático de fazer perguntas sobre o mérito e a importância de determinado assunto, proposta ou programa. Seu sentido mais nobre é de fortalecer o movimento de transformação em prol da cidadania e dos direitos humanos.6 A modalidade de avaliação aqui proposta é a de investigação avaliativa, que visa "analisar a pertinência, os fundamentos teóricos, a produtividade, os efeitos e o rendimento de uma intervenção, assim como as relações existentes entre a intervenção e o contexto no qual se situa".7

Uma avaliação deve contemplar certos princípios fundamentais: utilidade – trazer benefício a todos os que dela participam –; viabilidade – ser do interesse de quem financia um programa, de quem o gerencia, de quem o aplica e de todos os participantes –; ética – acontecer dentro de um ambiente de respeito entre todas as partes envolvidas –; e precisão – ter parâmetros científicos, técnicos e levar em conta o contexto onde ocorre o programa social.6

São objetivos de uma avaliação estratégica: (I) possibilitar um terceiro olhar, diferente da visão dos patrocinadores e dos implementadores; (II) mostrar os pontos principais que contribuam para o êxito da proposta; e (III) apontar os entraves que emperram e limitam a produção de bons resultados.6

A pesquisa avaliativa, objeto do presente artigo, foi elaborada a partir de algumas reuniões entre pesquisadores do Claves/ENSP/Fiocruz/MS, técnicos da SVS/MS e representantes dos Municípios, em que foram pactuados objetivos e indicadores a serem usados no processo avaliativo. Houve pelo menos três seminários visando à adequação dos objetivos e dos instrumentos.

Ficou decidido que haveria duas visitas da equipe do Claves/ENSP/Fiocruz/MS a cada um dos Municípios, a serem realizadas em fases diferentes da implementação das ações, para analisar a evolução do processo não apenas por meio de dados como também pela visão dos atores, e para observação das iniciativas. Aos Municípios, foram solicitadas, como peças necessárias à avaliação, informações de seus bancos de dados e preenchimento de dois relatórios auto-avaliativos.

Em todo o processo, adotou-se a estratégia de triangulação de métodos,1 em uma abordagem quantitativa e qualitativa para análise da implementação do PRMMAT. Essa metodologia lança mão de diferentes técnicas e incorpora distintos pontos de vista dos sujeitos, conforme descrito na experiência avaliativa aqui relatada.

Abordagem quantitativa

Para traçar um panorama epidemiológico dos dados sobre acidentes de trânsito em cada Município, foram solicitadas informações a diversas instituições. Algumas delas ofereceram os próprios bancos de dados, posteriormente analisados no Claves/ENSP/Fio-cruz/MS. Outras enviaram os dados já consolidados.

Houve, entretanto, instituições que não dispuseram as informações solicitadas.

Abordagem qualitativa

Do ponto de vista qualitativo, a equipe do Claves/ENSP/Fiocruz/MS realizou entrevistas e registrou observações de campo. Em conjunto, foram 60 entrevistas, 20 observações de várias ações nos cinco Municípios e dez relatórios auto-avaliativos.

Para a primeira visita, a equipe de avaliadores elaborou quatro roteiros de entrevista: um para gestores (da Saúde e do Trânsito), um para executores de ações (do setor Saúde e parceiros), um para usuários ocasionais das ações e um para pessoas capacitadas pelo projeto local. Esses roteiros foram construídos para servir de base e guia nas entrevistas com seis pessoas em cada Município.

Também foi criado um roteiro para auxiliar os pesquisadores na observação de campo, tendo em vista que algumas ações dos projetos locais ocorreram durante a permanência dos avaliadores nos Municípios. De modo geral, no trabalho de campo, foram acompanhadas e observadas várias atividades: palestras, seminários, ações voltadas ao lazer e aos esportes, eventos comemorativos e culturais, oficinas e atividades educativas em locais públicos.

Nessa primeira etapa, a equipe avaliadora solicitou ao coordenador do projeto em cada cidade que preenchesse um relatório auto-avaliativo, no qual seriam detalhadas as ações em desenvolvimento e as que se pretendia desenvolver.

Na segunda visita a campo, a equipe de avaliadores criou quatro novos roteiros de entrevista, voltados, desta feita, para um balanço geral de cada projeto – que já se encontrava em fase de finalização da vigência do convênio com o Município. Um dos roteiros foi destinado ao gestor da Saúde, outro ao coordenador do projeto local. Os outros dois foram elaborados para serem aplicados aos representantes das experiências: uma bem-sucedida; e uma que houvesse apresentado problemas. Ambas as experiências foram indicadas pelo próprio coordenador do projeto.

Nessa segunda fase da avaliação, solicitou-se ao coordenador do projeto o preenchimento de mais um relatório auto-avaliativo, para o exame geral das ações, seus objetivos, custos, público-alvo e público alcançado, entre outros pontos. Todo o trabalho de construção de instrumentos levou em conta os temas tratados a seguir.

Este artigo constitui uma síntese do trabalho avaliativo. A íntegra dos documentos encontra-se disponível no Claves/ENSP/Fiocruz/MS e no Ministério da Saúde.8-13

Indicadores considerados na avaliação

Histórico (registro dos passos iniciais da implantação e contextualização do Programa) – foram levantadas informações sobre como o Programa chegou ao Município na forma de um projeto local, que articulações foram realizadas, com que apoios institucionais ele contou, quais as maiores dificuldades encontradas para implantação e implementação e o que foi feito para superá-las, quais foram os fatores facilitadores oferecidos pelos gestores do setor Saúde e de outras áreas visando à realização do convênio.

Equipe – número de pessoas, formação e tempo de experiência de cada membro, carga horária de cada membro dedicada às ações do projeto, interdisciplinaridade e intersetorialidade da equipe, quem foi ou está sendo capacitado ou treinado para atuar na problemática, qual a capacidade da equipe de articular e mobilizar setores internos e externos.

Análise dos dados institucionais – para a realização do diagnóstico situacional e para a avaliação, solicitaram-se informações sobre mortalidade [pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), sob co-gestão da SVS/MS e do Departamento de Informática do SUS (Datasus/MS), do Ministério da Saúde] para o período de 1996 a 2003 (todos os cinco Municípios), informações sobre morbidade [disponíveis pelo Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), alimentado com as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH/SUS)] referentes ao ano de 2003 (todos os cinco Municípios), dados do Sistema Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (Siate) (sob co-gestão da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e do Datasus/MS) para 2003 (Curitiba), dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para 2003 (Recife) e 2004 (São Paulo) e dados do Centro Integrado de Operações da Defesa Social (Ciods) e da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) para 2003 (Recife). Esses dados variaram em função de sua disponibilidade nos Municípios. Em alguns casos, utilizaram-se, também, as estatísticas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), do Ministério das Cidades (MCidades).

As análises consideraram variáveis de sexo e faixas etárias de 0-14, 15-24, 25-59, 60 e mais anos (a faixa etária dos idosos foi desdobrada para 60-69, 70-79 e 80 e mais anos; também foram analisadas algumas faixas etárias específicas, como 0-9 e 10-17 anos). Foram, ainda, investigados os tipos de acidentes de trânsito e de vítimas definidos pela CID-10. A análise da morbidade seguiu as mesmas categorias definidas para os dados de mortalidade.

Ações previstas e realizadas – cada ação foi analisada por indicadores quantitativos e qualitativos –, apresentados a seguir:

Capacitação

- Indicadores quantitativos – número de encontros; número de pessoas capacitadas; tempo de capacitação. - Indicadores qualitativos – objetivo; público-alvo; conteúdo/tema; quem ministrou; como foi realizada.

Sensibilização

- Indicadores quantitativos – número de sensibilizações; número de pessoas; tempo de sensibilização. - Indicadores qualitativos – objetivo; público-alvo; como foi feita; quem fez; que meios foram utilizados.

Produção de materiais

- Indicadores quantitativos – tipo e quantidade de material produzido. - Indicadores qualitativos – tipo de material, população-alvo, conteúdo e mensagem.

Segurança no trânsito

(blitz ou outras; especificar e descrever cada ação) - Indicadores quantitativos – número de ações; número de pessoas abordadas. - Indicadores qualitativos – objetivo; local; horário; quem fez; população-alvo; realizada em conjunto com outras instituições ou apenas pelo pessoal da Saúde.

Integração e monitoramento dos sistemas de informações

- Sistemas de informações existentes no Município, em relação a: atendimento pré-hospitalar; atendimento hospitalar (AIH/SUS); mortalidade (SIM); sistema de informações de trânsito.

- Qual é a proposta de cada Município? O que pretende integrar? O que pretende monitorar?

- Para avaliar a qualidade das informações, consideraram-se os indicadores quantitativos referentes aos acidentes de trânsito não especificados e aos eventos com intenção indeterminada. Para Municípios com boas informações, utilizou-se o indicador Análise e uso da informação para o planejamento das ações.

Custo das ações

- Recursos – quantitativo recebido do Ministério da Saúde; quando; contrapartida do Município.

- Aplicação dos recursos – quantitativo gasto com cada ação; recursos do convênio e de outras contrapartidas.

 

Resultados

Caracterização epidemiológica da morbimortalidade por acidentes de trânsito nos cinco Municípios

Em 2003, os acidentes de trânsito totalizaram 114.189 internações hospitalares no País, significando 15,56% das hospitalizações por lesões e envenenamentos. Os cinco Municípios avaliados apresentaram, em conjunto, 2.534 mortes no trânsito no ano de 2003.

No período de 1996 a 2003, as taxas de mortalidade (por 100 mil habitantes) por acidentes de transporte nas cinco cidades estudadas mostraram decréscimo, conforme se vê na Figura 1. Goiânia é a capital que possui as mais elevadas taxas.

 

 

As principais vítimas do trânsito são os pedestres. Em seguida, aparecem os motociclistas, com grande impacto em Goiânia, apesar de as taxas de vítimas não especificadas serem bastante altas, sobrepondo-se aos grupos cujo tipo de vítima é esclarecido; é o caso, também, de Belo Horizonte e Curitiba.

Em geral, as taxas de mortalidade por acidentes de transporte não especificados são muito baixas, indicando uma boa qualidade da informação nessas cidades.

Os pedestres e os motociclistas são as vítimas com maiores taxas de internações hospitalares em Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. Nesta última cidade, encontram-se as maiores taxas de internações de motociclistas. Mais uma vez, a falta do adequado esclarecimento quanto ao tipo de vítima prejudica a informação, subestimando os demais agrupamentos, cujas vítimas são esclarecidas, principalmente em cidades como Curitiba e Recife, onde os motociclistas constituem o grupo com as mais elevadas taxas.

Implantação do Programa nos Municípios

No Recife, o Programa foi implementado no período de outubro de 2003 a abril de 2005. O projeto desenvolvido nesse Município contou com o apoio financeiro do Ministério da Saúde; porém, boa parte dos recursos necessários para o desenvolvimento das ações foi assumida pela Secretaria de Saúde local. Esse projeto demandou grande articulação entre diversos setores, visando criar novas parcerias e reforçar as já existentes. Apesar da vasta mobilização, apenas alguns dos órgãos convocados consentiram em aderir e participar, de modo mais próximo, das ações do projeto, como foi o caso da Secretaria de Cultura do Recife e da CTTU. Entre algumas das dificuldades encontradas, pode-se destacar a ausência de parceria com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran/PE) e a falta de recursos para a continuidade das ações.

Em Belo Horizonte, as ações foram desenvolvidas no período de abril de 2004 a junho de 2005, dando início ao convênio entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte S.A. (BHTRANS). O projeto da capital mineira também contou com o apoio do Detran de Minas Gerais. Os principais entraves do convênio foram de ordem burocrática e administrativa, razão porque algumas ações foram adiadas, não tendo sido realizadas até junho de 2005.

As ações do projeto em São Paulo foram desenvolvidas no período de abril de 2004 a junho de 2005, em parceria com a Secretaria Municipal de Transportes, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), São Paulo Transporte S.A. (SPTrans) e Secretaria Municipal de Educação. Embora os recursos financeiros tivessem chegado em abril de 2004, sua utilização só ocorreu em agosto, por dificuldades burocráticas. O principal entrave ao desenvolvimento das ações, contudo, encontrava-se na gestão administrativa do Município, qual seja, nas mudanças consecutivas de secretários de Saúde durante a implementação do convênio.

O Município de Curitiba implantou seu projeto em outubro de 2003. O estabelecimento do convênio revigorou o processo de uma parceria já constituída, desde 2001, entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Urbanização de Curitiba S.A., visando a ações de educação para o trânsito. De início, houve dificuldade com a liberação dos recursos por parte do Ministério da Saúde, o que, de alguma forma, alterou o planejamento das ações. Os recursos também não foram repassados de uma só vez; porém, as parcelas acabaram sendo liberadas nos prazos previstos. A relação com o Ministério da Saúde, no ano de 2005, foi avaliada como "pouco próxima" pela coordenação do projeto curitibano. Outra dificuldade, ainda não superada totalmente, encontra-se na parceria com a mídia.

Goiânia foi o último Município a ser contemplado com recursos – em agosto de 2004 –, divididos em parcelas, o que gerou problemas nos trâmites burocráticos. Houve, também, problemas na comunicação com o Denatran/MCidades, Ministério da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde. O projeto de Goiânia contou com forte apoio do Serviço Social do Transporte e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST-Senat) – entidades administradas pela Confederação Nacional do Transporte –, além da organização não governamental Cultura, Cidadania e Arte.

Articulações e intersetorialidade

Os Municípios apresentam diferenças nas formas, intensidade e parcerias na realização de seus projetos locais, no âmbito do Programa. Em termos de articulação interna, algumas dificuldades, inicialmente observadas no Recife, foram sanadas. Em São Paulo e Goiânia, todavia, há pouca divulgação e conhecimento do Programa no interior das respectivas Secretarias Municipais de Saúde. Em Curitiba e Belo Horizonte, uma articulação e um trabalho intersetorial, que já existiam antes do convênio, foram fortalecidos e ampliados, aprofundados e qualificados a partir de então.

A articulação externa que o convênio proporcionou com maior intensidade, em todos os Municípios, foi a da SMS com órgãos municipais do setor de Transporte, sobretudo na educação para o trânsito. Também foram observadas parcerias com organizações não governamentais e envolvimento entre as SMS e universidades, mídia e outras secretarias – as de Cultura e de Esportes, por exemplo.

Geralmente, as ações foram realizadas de forma intersetorial, em maior ou menor grau. Em Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte e no Recife, elas se desenvolveram em conjunto, desde seu planejamento. Em São Paulo, foram afiliadas a um programa local maior, denominado Resgate Cidadão, que trata da redução de acidentes e violências em todo o Município, apresentando certa dificuldade de se diferenciar o Programa – ou o projeto desenvolvido para o Município – das ações específicas do Resgate Cidadão. Houve muito bom entrosamento dos coordenadores da área da Saúde com a Secretaria Municipal de Transportes – sua Companhia de Engenharia de Tráfego e seu Centro de Treinamento e Educação de Trânsito (Cetet/CET/SMT).

Os vários projetos implantados nos Municípios apresentaram dificuldades de articulação das SMS com as Secretarias de Estado da Saúde (SES) e com os Detran, sobretudo quando havia problemas político-partidários entre prefeitos e governadores. As divergências com as SES também têm dificultado a comunicação entre os técnicos (como é o caso de São Paulo). Isso não impediu que muitos deles, individualmente, participassem de ações conjuntas (como ocorreu no Recife). Interferências políticas trouxeram dificuldades para a articulação da SMS com os Departamentos Estaduais de Trânsito no Recife, em Curitiba e em São Paulo, à exceção de Goiânia e Belo Horizonte, onde essa relação tem sido mais intensa e cultivada e há evidente boa-vontade e interesse dos respectivos Detran em integrar seus bancos e dispor seus dados.

Ações e atividades

As ações de capacitação, sensibilização, produção de materiais, segurança no trânsito e integração e monitoramento dos sistemas de informações foram previstas pelo Programa.

Para sua consecução no âmbito dos projetos municipais, realizaram-se:

- reuniões, encontros e oficinas de trabalho com diversos objetivos (em todos os cinco Municípios);

- elaboração de materiais informativos e educativos, bem como de divulgação do projeto (Recife, Curitiba, Goiânia e Belo Horizonte; em São Paulo, esses materiais foram elaborados, conjuntamente, com a Cetet/CET/SMT e o programa Resgate Cidadão);

- oficinas de capacitação (Recife, Goiânia e Belo Horizonte);

- cursos e mini-cursos (Recife e Goiânia); e

- seminários e fóruns (Curitiba, Goiânia, Recife e Belo Horizonte).

Planejaram-se e realizaram-se, outrossim, grandes eventos (São Paulo, Recife, Curitiba, Goiânia e Belo Horizonte), atividades de rua (Curitiba, Recife, Goiânia, Belo Horizonte e São Paulo) e passeios ciclísticos e motociclísticos (Curitiba e Belo Horizonte). Estudos de pesquisa foram desenvolvidos em Curitiba, em Belo Horizonte e no Recife. Campanhas foram realizadas em Belo Horizonte, no Recife, em Curitiba, Goiânia e São Paulo, além de espaços educativos abertos em Curitiba e Goiânia, no Recife e em Belo Horizonte. Em Goiânia, o protagonismo dessa ação coube à Superintendência Municipal de Trânsito. No Recife, a avaliação dos materiais foi feita no decorrer das atividades.

Algumas ações dirigiram-se a grupos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes e jovens (Curitiba, Recife, Belo Horizonte e Goiânia), idosos (Curitiba e Belo Horizonte), portadores de deficiências (Recife) e consumidores de álcool e outras drogas (Recife e Belo Horizonte). Outras foram orientadas à população geral, em Curitiba, Recife, Belo Horizonte e Goiânia.

As ações visando à maior conscientização do público foram realizadas em locais de maior ocorrência de acidentes de trânsito (Goiânia, Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo), vias de maior risco (Goiânia, Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo), locais de consumo de álcool e outras drogas (Recife e Belo Horizonte), bairros e localidades de maior circulação de veículos e transeuntes (São Paulo, Curitiba, Goiânia, Recife e Belo Horizonte), escolas da rede pública (Recife, Goiânia, Curitiba e São Paulo), campi universitários (Curitiba) e terminal rodoviário-shopping center (Goiânia).

As ações, em sua maioria, envolveram grande número de pessoas e foram realizadas, estrategicamente, em espaços amplos e abertos, associadas a eventos festivos e comemorativos das cidades.

Sistemas de informações

Embora todas as cidades analisadas demonstrassem possuir infra-estrutura para enfrentamento dos acidentes, verificaram-se diferenciações entre elas, nas formas de organização e de registro dos problemas:

Atendimento pré-hospitalar

- São Paulo – Samu e Bombeiros (não integrados).

- Curitiba – Samu, Siate e Corpo de Bombeiros (integrados).

- Recife – Samu e Corpo de Bombeiros (não integrados).

- Goiânia – Samu e Corpo de Bombeiros (em processo de integração).

- Belo Horizonte – Samu e Corpo de Bombeiros (não integrados).

Atendimento hospitalar

- São Paulo – SIH-AIH/SUS

- Curitiba – SIH-AIH/SUS (informação não é de boa qualidade).

- Recife – SIH-AIH/SUS, Sistema de Informação do Atendimento nos Hospitais de Emergência (Sape) e Sistema de Informação sobre Acidentes e Violência (Sisav), os dois últimos para emergências; o Sisav foi desativado e o Município aguarda novo sistema; o Sape não está integrado com o Município.

- Goiânia – SIH-AIH/SUS (informação não é de boa qualidade).

- Belo Horizonte – SIH-AIH/SUS (informação de boa qualidade).

Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)

- Presente em todos os cinco Municípios.

- No Recife, em Curitiba e em Belo Horizonte, a informação é considerada boa; no Recife e em Belo Horizonte, a Diretoria de Vigilância da SMS e a BHTRANS, respectivamente, afirmam que dispõem de informações de boa qualidade (no Recife, realiza-se busca ativa para esclarecimento da causa da morte).

- Em todos os cinco Municípios, a informação sobre o tipo de acidente de transporte não especificado é boa, com percentuais que não ultrapassam 1%.

- Em todos os cinco Municípios, entretanto, há dificuldade quanto ao esclarecimento da caracterização da vítima, observando-se grandes percentuais de óbitos não especificados – 30% a 40%.

- Em São Paulo, faz-se verificação de óbitos mal-classificados, recuperando-se bastante informação, especialmente de acidentes de trânsito e homicídios; para os acidentes de transporte, houve crescimento de 122% sobre o número de casos melhor identificados, para os homicídios, esse incremento foi de 11,5%.

Sistema de informações de trânsito

- Recife – CTTU (resolvendo os problemas com o sistema).

- Curitiba – utilizam-se dados do Siate.

- Goiânia – sistema da Superintendência Municipal de Trânsito.

- São Paulo – a Secretaria Municipal dos Transportes contrata a CET, responsável pela execução das ações.

- Belo Horizonte – BHTRANS (banco integrado ao Corpo de Bombeiros e às polícias).

Integração dos sistemas e trocas de informações

- Geralmente, os sistemas não são integrados; muitas vezes, são incompatíveis e não permitem comparabilidade.

- Todos os Municípios reconhecem a necessidade de aprimorar a qualidade das informações e complementá-las.

- No Recife, em Curitiba e em Belo Horizonte, já se encontram em andamento negociações para a integração das informações sobre acidentes de trânsito; em Goiânia, existe a intenção de realizar uma discussão sobre a questão; em São Paulo, contudo, inexiste diálogo interinstitucional.

- As ações de articulação dos sistemas de informação para a vigilância foram as de mais difícil negociação para os projetos.

Facilidades e entraves

Facilidades

- Disponibilidade para o trabalho conjunto (todos os cinco Municípios).

- Tradição de trabalho e parcerias anteriores (Belo Horizonte e Curitiba).

- Sensibilização dos parceiros (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Apoio de universidades (Belo Horizonte e Curitiba), empresas (Curitiba, Recife e Belo Horizonte), órgãos de esportes (Curitiba e Recife) e organizações não governamentais (Curitiba, Goiânia, Recife e Belo Horizonte).

- Vontade política da SMS (Recife, Goiânia, Curitiba e Belo Horizonte).

- Projeto ancorado em outro (Recife, Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte).

- Municipalização do trânsito (Recife, Belo Horizonte e Curitiba).

- Apoio político da gestão municipal do projeto, inclusive nos Municípios onde houve mudança partidária nas eleições de 2004 (todos os cinco Municípios).

Entraves

- Grande magnitude dos problemas e pouca tradição de intervenção (Goiânia).

- Pouca visibilidade do convênio dentro do setor Saúde (Goiânia e São Paulo).

- Baixa cobertura da mídia (Belo Horizonte e Curitiba).

- Curto espaço de tempo para o desenvolvimento do convênio, gerando necessidade de prorrogação da vigência (todos os cinco Municípios).

- Muito pouca comunicação dos técnicos do Ministério da Saúde encarregados do convênio com os gestores locais.

- Poucas ou desencontradas informações sobre agenda de liberação dos recursos por parte dos técnicos do Ministério da Saúde (Recife); em São Paulo, esse problema ocorreu apenas no momento inicial do convênio, para, em seguida, as relações serem consideradas boas.

- Dificuldades administrativo-burocráticas na aplicação dos recursos (São Paulo, Recife e Belo Horizonte).

- Mudança de coordenação do projeto logo no inicio de sua implantação (Recife); divergências político-partidárias impediram as articulações necessárias nos diferentes níveis da gestão, tanto para o desempenho de ações como para a integração de dados (Recife, Curitiba e São Paulo).

- Interferências políticas no período pré-eleitoral (todos os cinco Municípios).

- Falta de integração dos sistemas de informações (todos, embora o grupo de Belo Horizonte seja o que mais tenha avançado).

- Demora na chegada dos recursos do Ministério da Saúde (Goiânia, Belo Horizonte e Recife) e de liberação na SMS (São Paulo); na primeira visita ao projeto de São Paulo, os responsáveis pelo convênio nem sequer tinham conhecimento da entrada do recurso em caixa.

Benefícios e influências da avaliação

A equipe avaliadora levantou, junto aos coordenadores dos projetos municipais, os benefícios por eles reconhecidos no processo de avaliação. Eis o resultado:

- Possibilidade de reunião das diversas instituições envolvidas ou que passaram a se interessar pela temática (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Facilidade de contatos entre setores e instituições municipais e estaduais (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Facilidade de aproximação com a mídia (Goiânia e Recife).

- Reflexão sobre o projeto e aproximação dos setores internos à SMS em torno das ações propostas (Curitiba, Recife e Belo Horizonte).

- Agilidade na realização de ações, ainda que os recursos do Ministério da Saúde não tivessem chegado ou sido repassados totalmente (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba, Recife e São Paulo).

- Legitimidade das ações do convênio no âmbito da SMS e de outros órgãos públicos e organizações não governamentais (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Reforço à necessidade de melhorar a qualidade da informação sobre acidente de trânsito e da complementaridade e integração dos bancos de dados (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Visibilidade do convênio, provocando desconforto com a lacuna de informações (São Paulo e Recife).

- Reafirmação do compromisso e responsabilidade com o convênio (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

- Orientação e promoção de pesquisas específicas visando a grupos ou problemas cruciais em âmbito local (Goiânia, Curitiba, Belo Horizonte e Recife).

- Sugestões de novas e diversificadas formas de atuação (Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Recife).

 

Discussão

A exigüidade do prazo para a aplicação dos recursos dos convênios na execução dos projetos e sua avaliação em um ano de eleições municipais afetou, seriamente, algumas ações, impedindo parcialmente, de forma legal ou informal, sua realização, sobretudo em São Paulo, em Curitiba e no Recife; ou atrasando os processos, como foi o caso de Belo Horizonte. Da mesma forma, em algumas localidades, a conjuntura eleitoral de 2004 levou gestores e executores dos projetos a assumirem discursos altamente politizados, ressaltando os aspectos que lhes convinham naquele momento. A busca de isenção "eleitoreira" exigiu que, em alguns locais, as ações ocorressem em recintos fechados, impedindo a distribuição de materiais e divulgação da proposta, o que seria muito importante para sensibilizar a população. Essa conjuntura gerou, igualmente, a necessidade de prorrogação da vigência do convênio para que os Municípios pudessem completar as ações previstas.

Também houve dificuldades para obtenção dos bancos de dados que seriam analisados pelos avaliadores, exigindo-se uma série de articulações, solicitações e interferências. Infelizmente, não se conseguiu o banco do Sistema de Informação do Atendimento nos Hospitais de Emergência do Recife e os bancos dos Corpos de Bombeiros de Goiânia, Curitiba e São Paulo.

Foram muitos os pontos positivos que a avaliação identificou. Cada um dos Municípios possuía, no momento da finalização deste artigo, um registro, ao mesmo tempo descritivo e analítico, sobre a implantação e a implementação de seu projeto específico, com a história, a consolidação de dados, os indicadores de processo, os resultados conseguidos e os pontos críticos referentes a seu desempenho e continuidade.

O processo comparativo entre os Municípios permitiu a cada um deles, aos observadores e ao Ministério da Saúde perceber que as sementes caem e germinam diferentemente, em cada contexto. A fertilidade do terreno, em cada contexto, tem muito a ver com os antecedentes que influenciaram a construção da proposta, entre os quais se destacam a disponibilidade e o protagonismo dos técnicos que a gerenciam, a capacidade institucional de legitimar as ações e, sobretudo, o interesse das Secretarias Municipais de Saúde. Essa liderança do setor Saúde – os projetos das cinco cidades o comprovam –, contagia outros órgãos públicos e da sociedade civil. A avaliação, por outra parte, também mostrou que muitos fatores locais fogem ao controle dos gestores.

Em todos os cinco casos, o processo de continuidade foi colocado como ponto crucial, ainda que de forma diferenciada. A avaliação permite distinguir caso a caso. Por exemplo, ao haver gerenciado uma situação de extrema complexidade e com cadeias de mando bastante burocráticas e fragmentadas, a gestora de São Paulo desejaria que, caso o convênio com esse Município fosse renovado, sua administração passasse à Secretaria Municipal de Transportes (SMT), por intermédio do Cetet/CET/SMT, deixando à Secretaria Municipal de Saúde o papel de parceira, o que caracterizaria uma inversão na lógica da proposta da SVS/MS. Todos os outros quatro coordenadores sabem que precisam institucionalizar as ações de promoção e de prevenção relacionadas ao trânsito, nos projetos existentes em suas Secretarias. Eles iniciaram esse processo, marcaram-no com ritos de intervenções concretas mas temem por sua continuidade. Do ponto de vista da equipe avaliadora, cabe à SVS/MS prover mecanismos para não deixar retroceder o conjunto de bens simbólicos, relacionais e materiais conseguidos com parcerias e legitimações.

O próprio Ministério da Saúde passa, a partir de agora, a contar com um kit de tecnologia "soft" de avaliação de intervenções semelhantes, que lhe permite reunir instrumentos para definição dos termos de negociação de continuidade das propostas atuais e de ampliação dos investimentos. A avaliação permite ver o que dá certo, o que é dispensável e onde se encontram os pontos decisivos para o êxito do trabalho.

A avaliação, que propicia a reafirmação de pontos positivos, permite ajustes necessários durante o processo de construção do projeto, redirecionando rumos. Ela é um instrumento de prestação de contas do dinheiro público investido. Desde esse ponto de vista, é possível afirmar que o Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito antecipou, no interior do setor Saúde, uma proposta inovadora. Ao fazê-lo, demonstrou, uma vez mais, que a Saúde tem tradição e legitimidade para construir parcerias intersetoriais e com a sociedade civil – esta, alvo de toda a filosofia de promoção da saúde –, conferindo ênfase a um problema de elevado significado para a população brasileira: os acidentes de trânsito.

A realização desta avaliação foi, também, uma experiência valiosa para o Claves/ENSP/Fiocruz/MS, desafiado a buscar estratégias teóricas e metodológicas para alcançar uma abordagem eficiente do tema e ajudar a corrigir o rumo das ações durante seu processo. O grupo aprendeu mais, exercitou sua capacidade de trabalho em equipe e teve a oportunidade, pela qual agradece à SVS/MS, de contribuir para a promoção da saúde da população brasileira, que busca meios para prevenir e reduzir acidentes e violências no trânsito.

 

Agradecimentos

Aos pesquisadores do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, que participaram da avaliação: Kathie Njaine, Liana Furtado Ximenes, Suely Ferreira Deslandes, Simone Gonçalves de Assis e Fátima Gonçalves Cavalcante. Aos coordenadores dos projetos nos cinco Municípios: Raquel Gandelsman, Márcia Cirstina Krempel, Celeste de Sousa Rodrigues, Cheila Marina de Lima e Mariângela Aoki. À Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, pelo apoio a esta pesquisa.

 

Referências bibliográficas

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2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM no 737, de 16 de maio de 2001. Dispõe sobre a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União, no 96, Brasília, 18 de maio de 2001. Seção 1e.

3. Organização Mundial da Saúde. Informe mundial sobre prevenção dos traumatismos causados pelo trânsito: resumo [monografia na Internet]. Genebra: OMS; 2004. [Acesso em 15 de maio de 2004]. Disponível em http://www.who.int.

4. Ministério da Saúde. Redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito: mobilizando a sociedade e promovendo a saúde. Brasília: MS; 2001a.

5. Esteves R, et al. Por uma cultura do trânsito. Revista da Abramet 2001;36:25-35.

6. Minayo MCS. Conceito de avaliação por triangulação de métodos. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 19-54.

7. Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineau LT. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZM. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais a práticas da implantação de programada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997. p. 29-47.

8. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Relatório de avaliação do processo de implantação e implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito. Municípios de Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba: Avaliação Geral. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

9. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Avaliação do processo de implantação e de implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito no Município de Recife. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

10. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Avaliação do processo de implantação e de implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito no Município de São Paulo. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

11. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Avaliação do processo de implantação e de implementação do Programa de Redução da Morbi-mortalidade por Acidentes de Trânsito no Município de Curitiba. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

12. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Avaliação do processo de implantação e de implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito no Município de Belo Horizonte. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

13. Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Avaliação do processo de implantação e de implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito no Município de Goiânia. Rio de Janeiro: Claves/MS; 2006. Mimeografado.

 

 

Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde,
Fundação Instituto Oswaldo Cruz,
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca,
Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli,
Av. Brasil, 4036, Sala 700,
Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ.
CEP: 21040-361
E-mail:edinilsa@claves.fiocruz.br

 

 

*Apoio financeiro: Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde.