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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.2 Brasília jun. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200009 

Prêmio de incentivo ao desenvolvimento e à aplicação da epidemiologia no sus
1º lugar doutorado

 

Infarto agudo do miocárdio no Município do Rio de Janeiro: qualidade dos dados, sobrevida e distribuição espacial

 

 

Enirtes Caetano Prates MeloI; Cláudia Maria de Rezende Travassos (Orientadora)II; Marília de Sá Carvalho (Co-orientadora)I

IFundação Instituto Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro-RJ
IIFundação Instituto Oswaldo Cruz, Centro de Informação Científica e Tecnológica, Departamento de Informações em Saúde, Rio de Janeiro-RJ

 

 


 

 

Introdução

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é um evento agudo que sempre requer internação hospitalar e, por sua magnitude, a despeito da existência de procedimentos terapêuticos capazes de melhorar o prognóstico do paciente, tem sido apontado como um agravo importante no desenvolvimento de indicadores para o monitoramento da qualidade da assistência. Aspectos como utilização de novas tecnologias de reconhecida eficácia, admissão em uma unidade de terapia intensiva, tempo decorrido entre o início dos sintomas e o primeiro atendimento têm mostrado importante impacto na redução da letalidade por IAM.

A discussão do tempo tem papel de destaque na assistência ao paciente infartado, geralmente exposto a um maior risco de morte na primeira hora após o início dos sintomas, portanto, antes da chegada ao hospital. O intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e o atendimento é extremamente relevante para a sobrevida. Mais de 50% dos óbitos ocorrem na primeira hora de evolução. Considerando-se que o benefício do uso da terapia com trombolíticos é tempo-dependente, o retardo no tratamento de pacientes com suspeita de IAM é um fator crítico de redução na sobrevida. Problemas de acesso tendem a aumentar o tempo decorrido até a admissão, diminuindo a letalidade hospitalar esperada e aumentando a extra-hospitalar. É indiscutível, nesse caso, o impacto da distribuição espacial eficiente de serviços de emergência na sobrevida de pacientes infartados.

A incorporação do elemento geográfico na análise de eventos ligados à saúde permite detectar contrastes entre grupos populacionais, tendências e padrões espaciais definidos, que contribuem para a compreensão do problema a ser investigado, orientando e direcionando ações concretas dos serviços de saúde. Estudos realizados no Rio de Janeiro evidenciam a existência de contrastes nos padrões de mortalidade observados na cidade, acentuados pelo crescimento da desigualdade de renda. A deterioração das condições de saúde nas áreas que agregam alta proporção de residentes em favela sugere uma pior condição de saúde e um risco acrescido para o óbito naqueles que vivem em situações caracterizadas por desorganização social e pobreza. O Município do Rio de Janeiro apresenta uma das mais elevadas taxas de mortalidade por IAM do País, tão-somente atrás de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul. Localizar eventos de saúde nos bairros da cidade do Rio de Janeiro pode permitir a identificação de associações entre diversidade geográfica, padrões de mortalidade e acesso aos serviços de saúde.

A tese foi apresentada sob a forma de três artigos. O primeiro artigo aborda a qualidade das informações sobre óbitos hospitalares por IAM em dois hospitais da cidade do Rio de Janeiro. O segundo aborda a sobrevida de pacientes com diagnóstico de IAM internados em hospitais públicos contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O terceiro artigo, finalmente, estuda a distribuição espacial do IAM, tendo os bairros do Rio de Janeiro como unidades de análise.

 

Objetivos

I. Investigar a qualidade da informação sobre óbito por infarto agudo do miocárdio nos sistemas de informações, hospitalar e de mortalidade, e identificar as possíveis causas dos problemas de qualidade identificados.

II. Estimar o efeito das características individuais e dos serviços de saúde no tempo de sobrevida de pacientes com infarto agudo do miocárdio, a partir de bases de dados secundários.

III. Analisar a distribuição espacial da mortalidade por infarto agudo do miocárdio nos bairros da cidade.

 

Metodologia

O estudo abrangeu três etapas. Na primeira etapa, analisaram-se dados sobre mortalidade hospitalar em dois hospitais da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, mediante comparação das informações contidas em prontuários, declarações de óbito (DO) e formulários de autorizações de internação hospitalar (AIH). Foram estudados todos os óbitos hospitalares com causa básica no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, relacionada à doença isquêmica do coração. Os hospitais estudados foram selecionados a partir dos seguintes critérios: maior volume de óbitos no SIM e de internações no Sistema de Informações Hospitalares dos SUS (SIH/SUS) durante o período estudado; e presença de atendimento de emergência, visando à inclusão de óbitos ocorridos na admissão do paciente ou logo nas primeiras horas após essa inclusão. A concordância entre os dados presentes na DO e na AIH, com base nos dados dos prontuários, foi verificada utilizando-se a estatística Kappa de Cohen e o coeficiente de correlação intraclasse.

Na segunda etapa, estudou-se a sobrevida de pacientes com diagnóstico de IAM internados em hospitais públicos e contratados pelo SUS, no período de janeiro de 2000 a junho de 2001, no Município do Rio de Janeiro. Para estimar o tempo de sobrevida, adotou-se um período de seguimento que abrangeu seis meses de observação, procedimento que exigiu a linkage do SIH/SUS e do SIM mediante relacionamento probabilístico dos registros. Os pacientes com diagnóstico de IAM foram tratados como uma coorte aberta, constituída a partir da data da primeira internação no período sob estudo. Na modelagem multivariada, utilizou-se uma extensão do modelo de regressão semi-paramétrico de riscos proporcionais de Cox, que permite corrigir as variâncias dos coeficientes que são calculados sem levar em consideração a correlação existente, em razão das repetições.

A terceira etapa envolveu um estudo ecológico em que serviram como unidades de análise os 158 bairros do Rio de Janeiro. Na construção dos mapas da distribuição espacial dos óbitos por IAM, adotou-se a taxa específica de mortalidade e a razão de mortalidade padronizada (RMP) por idade e sexo, na comparação entre os bairros. Os coeficientes de mortalidade foram ajustados pelo método indireto, com a população geral do Município como padrão. Utilizou-se, ainda, o modelo bayesiano empírico de suavização, para minimizar a variabilidade aleatória dos coeficientes de mortalidade associada ao tamanho das unidades geográficas de análise. Os bairros tiveram suas taxas re-estimadas aplicando-se a média ponderada entre o valor medido e a taxa média global, em que o peso da média é inversamente proporcional à população da região.

Toda a análise estatística foi feita pelo programa R, pacote estatístico de domínio público; e os mapas temáticos, realizados pelo programa MapInfo®.

Considerações éticas

O estudo relatado foi realizado com a aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).

 

Resultados

O total de óbitos hospitalares por infarto agudo do miocárdio registrados no SIM é expressivamente maior que no SIH/SUS. Identificaram-se três fontes que explicam, em grande parte, a discrepância observada: ausência de emissão de autorização de internação hospitalar (32,9%) notificação de outro diagnóstico principal no SIH/SUS (19,2%) e subnotificação do óbito na autorização de internação hospitalar (3,3%). O diagnóstico de infarto foi confirmado em 67,1% dos casos de notificados na declaração de óbito. A sensibilidade da informação sobre óbito por infarto do miocárdio foi de, aproximadamente, 90%, nos sistemas de informações observados.

Foram analisadas 3.379 internações, das quais 1% correspondeu a reinternações. Verificou-se um pior prognóstico pós-infarto entre mulheres e nas faixas etárias mais avançadas. Observou-se uma importante variação do risco de morrer em relação ao tempo de permanência na unidade de tratamento intensivo (UTI). Pacientes com permanência muito curta (inferior a três dias) e muito alta (superior a nove dias) apresentaram um risco mais elevado de morte. Em todos os modelos utilizados para estimar o efeito da associação entre as características individuais e dos serviços de saúde com o tempo de sobrevida de pacientes infartados, verifica-se um importante sobre-risco para as mulheres, comparativamente aos homens (acima de 33%). Hospitais com baixo volume de internações por IAM (inferior a 25 internações/ano) apresentaram um alto risco de óbito em relação aos com volume superior (sobre-risco acima de 80%). Hospitais estaduais e contratados apresentaram um sobre-risco em relação aos municipais, 56% e 18% respectivamente. A variância do efeito aleatório foi baixa em todos os modelos testados – entre 0,0333 e 0,114 –, indicando pequena variabilidade entre unidades.

A distribuição dos óbitos por IAM na cidade é heterogênea e obedece a um padrão espacial associado a um forte gradiente social. O padrão de sub-risco de mortalidade por IAM observado na Zona Oeste não condiz com o perfil de desigualdade social e de acesso aos serviços de saúde observado na área, acredita-se, porque o risco de morrer por IAM foi subestimado em função da alta proporção de óbitos por causa mal-definida na área. Este estudo evidencia que os infartados tendem a ser atendidos próximo ao local de residência, o que pode ser explicado pelo fato de o infarto ocorrer, mais freqüentemente, nas primeiras horas da manhã e durante a noite. Deve-se considerar, ainda, a alta concentração de óbitos acima de 70 anos (52,6%), idade em que muitos já estão aposentados. Se os hospitais mostraram exercer uma atratividade em relação à população de sua cercania, o local de residência é uma informação relevante para identificação da população de referência. O padrão espacial de mortalidade apresentou uma concentração do risco de morrer de infarto nas áreas mais pobres da cidade. As diversas unidades de saúde apresentam áreas de influência para o atendimento ao IAM.

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

A partir dos achados das análises que compõem este trabalho, é possível concluir que os padrões de mortalidade por IAM são marcados por contrastes geográficos, que reproduzem as desigualdades sociais observadas entre as diferentes áreas do Município do Rio de Janeiro. A pesquisa sugere várias indicações de como o contexto pode afetar o óbito por IAM. É necessário, entretanto, compreender melhor o papel das características sociais e de organização do local de residência sobre o IAM em uma cidade marcada por uma organização espacial, social e econômica muito peculiar. O mapeamento das áreas de atendimento, por si só, já forneceu informações úteis ao planejamento e distribuição geográfica dos serviços. O padrão espacial de mortalidade apresentou uma concentração do risco de morrer de infarto nas áreas mais pobres da cidade, o que destaca a importância de investimento específico para atender às necessidades de saúde identificadas nesses locais.

Esse estudo sugere que as diversas unidades de saúde apresentam áreas de influência para o atendimento ao IAM. A configuração dessas áreas revela que o local de residência é um importante referencial para o planejamento da localização de unidades prestadoras desse atendimento. Ainda assim, a despeito do Município contar com uma das maiores redes hospitalares do Brasil, seus hospitais que prestam atendimento ao infartado concentram-se, principalmente, em duas áreas da cidade, que correspondem às áreas de planejamento 1 e 2. Nesse aspecto, a adequação do acesso aos cuidados de saúde requer uma distribuição de serviços orientada pelo perfil de necessidades das populações.

Em relação aos aspectos metodológicos, algumas das análises aqui apresentadas foram inovadoras, pois utilizaram certas técnicas específicas, raramente empregadas nos estudos epidemiológicos, como: relacionamento probabilístico das bases de dados; suavização bayesiana; e os modelos de Cox, extendido e de fragilidade. Também foi possível mostrar o valor potencial da utilização de bancos de dados administrativos no contexto da análise de sobrevida; persistem, contudo, algumas restrições, como a reduzida disponibilidade de dados clínicos dos pacientes, necessários à identificação da gravidade, um problema a ser solucionado.

Apesar dos inegáveis avanços verificados na qualidade dos dados secundários, especialmente observados na última década, ainda são necessários esforços no sentido de aperfeiçoar os sistemas de informações em saúde de abrangência nacional. No caso específico do SIH/SUS, este trabalho mostrou que, nos hospitais estudados, a qualidade dos dados relacionados ao IAM no Município ainda não é satisfatória, em alguns aspectos: ausência de critérios para emissão da AIH nas emergências, inclusive entre hospitais vinculados ao um mesmo tipo de prestador; subnotificação da ocorrência de óbito na AIH; alto sub-registro do diagnóstico secundário; e problemas relacionados à confiabilidade dos dados para algumas das variáveis da AIH.