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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.2 Brasília jun. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200010 

Prêmio de incentivo ao desenvolvimento e à aplicação da epidemiologia no sus
1º lugar doutorado

 

Vítimas do trânsito em São José do Rio Preto, São Paulo

 

 

Marilene Rocha dos Santos; Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler (Orientadora)

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto-SP

 

 


 

 

Introdução

São José do Rio Preto é a cidade mais importante da região Noroeste do Estado de São Paulo, rica no setor agropecuário, na oferta de trabalho e educação e como centro de referência na atenção em saúde para a cidade, a região e até outros Estados. O Município possui alto índice de motorização: média de um veículo para cada dois habitantes, segundo registros do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran/SP/ para o ano de 2002. O crescimento da frota de veículos foi de 4,6% em 2001, principalmente de motocicletas – de 6,9%, naquele período –, com grande número de veículos procedentes de outras localidades, em circulação no Município, fator complicador para o trânsito local. Analisando-se os registros de acidentes de trânsito nos anos de 2001 e 2002, constatou-se aumento de 20,1% dos acidentes com vítimas: 6,4 acidentes/dia, responsáveis por 51% das ocorrências atendidas pela Polícia Militar.

A violência do trânsito, tradicionalmente, é investigada no enfoque da mortalidade, sendo precários ou quase inexistentes os sistemas de informações sobre morbidade. Se é difícil apresentar dados conclusivos sobre a mortalidade, mais problemático ainda é dimensionar a morbidade por violência, bem como avaliar suas conseqüências, isto é, quem fica inválido ou “doente” em razão de causas externas em geral.

Em São José do Rio Preto, apesar de existirem várias fontes produtoras de dados sobre acidentes de trânsito, como a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), hospitais, o Instituto Médico Legal (IML), entre outras, não há organização e integração desses dados que permita uma visão geral e um conhecimento da real dimensão dos acidentes, o que dificulta um planejamento educacional, de sensibilização da comunidade, de segurança e de engenharia de tráfego eficiente na prevenção, avaliação das ações e redução do problema.

Em 2001, segundo o SIM, as mortes por causas externas representaram 11,6% do total de óbitos, em que os acidentes de trânsito ocuparam o 1o lugar no conjunto das causas de morte. O coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito foi da ordem de 27,1 por 100.000 habitantes, maior que o encontrado para o conjunto do País (18,0) e alguns Estados, como Rio de Janeiro (18,7), Minas Gerais (15,1) e São Paulo (18,0), além do Município de São Paulo (15,4), todos esses valores já considerados elevados. No período de 1980 a 2000, os homicídios foram a principal causa de mortalidade no Brasil e no Estado de São Paulo, enquanto em São José do Rio Preto, o acidente de trânsito foi responsável pelo maior risco de morrer.

Analisando-se as causas de morte por acidentes de trânsito no Município em 2002, registrou-se 58,8% de mortes em acidentes por veículo a motor de natureza não especificada, mostrando a existência de falhas no sistema de preenchimento das declarações de óbito (DO). Os atropelamentos representaram 18,8% do total de óbitos por acidentes, vitimando, principalmente, indivíduos maiores de 50 anos. Também se verificou maior número de óbitos de vítimas de trânsito na faixa de 20 a 49 anos de idade, com proporção sete vezes superior no gênero masculino.

Os dados apresentados retratam a necessidade de estudos epidemiológicos de acompanhamento das vítimas, para melhor compreender a magnitude e transcendência da violência no trânsito em São José do Rio Preto, cuja assistência e reparação de danos consome recursos públicos de vulto, principalmente do setor Saúde.

 

Objetivos

Analisar os acidentes de trânsito com vítimas, caracterizando:

- os acidentes – tipo de acidente e de veículo; mês, dia da semana e horário;

- as vítimas – variáveis sociodemográficas; posição no veículo; coeficientes de incidência e mortalidade por categoria da vítima; condição vital, lesões e evolução; níveis de atendimento; custo médio do atendimento pré-hospitalar, hospitalar e fontes de custeio;

- pontos de maior risco na rede viária municipal – referências geográficas dos acidentes e de residência das vítimas por área de unidade básica de saúde; distância entre local de ocorrência e unidade pré-hospitalar e hospitalar; e

- cobertura e qualidade dos registros das fontes – polícia; hospital; e DO.

 

Metodologia

Este é um estudo epidemiológico, censitário, analítico e descritivo, realizado com base em dados pré-existentes sobre 2.267 vítimas de acidentes de trânsito urbano ocorridos no período entre 1o de janeiro a 30 de junho de 2002, nos limites geográficos do Município de São José do Rio Preto-SP.

O conjunto das vítimas abrangeu:

- as registradas pela Polícia Militar em boletim de ocorrência (BO) do acidente;

- as atendidas nos serviços de urgência/emergência dos cinco hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a outros planos de saúde suplementares, para socorro médico ou internação;

- as que faleceram no local ou em hospital; e

- as citadas em notícias de jornal local.

Consideraram-se vítimas de acidente de trânsito as pessoas incluídas nas condições acima, classificadas nas rubricas V01 a V89 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID 10).

Utilizaram-se quatro instrumentos para o registro dos dados:

Instrumento 1 – dados obtidos junto aos boletins de ocorrência (BO) da 1a, 3a, 4a e 7a Companhias de Policiamento Ostensivo do 17o Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, para acidentes da área urbana; e 3a. Companhia do Batalhão da Policia Rodoviária Estadual e 9a Delegacia de Polícia Rodoviária Federal, para acidentes ocorridos em rodovias.

Instrumento 2 – dados coletados das fichas de pronto-atendimento e prontuários hospitalares dos cinco hospitais gerais; e do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).

Instrumento 3 – dados sobre as vítimas fatais, coletados dos laudos necroscópicos do IML e em consulta ao SIM. A revisão acima se estendeu até dezembro de 2002, proporcionando, a cada vítima registrada em BO ou atendida em nível de pronto-socorro ou internação, um prazo de 180 dias de observação para verificar ocorrência de óbito.

Instrumento 4 – informações complementares sobre acidentes de trânsito, a partir da consulta às notícias veiculadas pelo jornal local.

Os dados das vítimas e dos acidentes relacionados nos quatro instrumentos, foram digitados e processados pelo programa Epi Info 6. À medida que os dados eram processados eletronicamente, eram extraídas listagens orientadas por nome, com verificação de nomes idênticos ou semelhantes, e por data, para evitar que grafias diferentes de um mesmo nome pudessem incluir nomes semelhantes distantes na ordem alfabética. O controle rigoroso das fichas, tanto manual como eletrônico, evitou multiplicidade de entrada de uma mesma vítima no banco de dados.

É mister esclarecer que uma mesma pessoa, quando vitimada em acidentes diferentes, foi considerada como duas vítimas, entrando duas vezes no banco de dados.

Por se tratar de censo, o método estatístico utilizado foi o de análise em números absolutos, proporções e coeficientes, com representação gráfica em tabelas, quadros e outras figuras. Para o cálculo dos coeficientes, utilizaram-se os seguintes procedimentos:

- para sexo e idade, no denominador, a população estimada para o dia 1o de junho de 2002 segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade); e

- para o cálculo de coeficientes desagregados por unidades básicas de saúde e pólos de saúde, a população estimada por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde e Higiene para o ano de 2002, por áreas de abrangência correspondentes.

Considerações éticas

A coleta dos dados foi realizada sob aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), com prévia autorização das fontes e setores envolvidos na avaliação.

 

Resultados

As vítimas foram caracterizadas segundo variáveis que possibilitaram conhecer as características dos acidentes, o perfil epidemiológico, o atendimento prestado, as lesões apresentadas e sua evolução, o custo médio da assistência hospitalar e as fontes de custeio, o georreferenciamento dos locais de ocorrência dos acidentes, bem como avaliar a cobertura e qualidade dos dados obtidos nas diferentes fontes. As principais categorias de vitimados foram os motociclistas (50,0%), os ocupantes de carro (21,0%), os ciclistas (12,4%) e os pedestres (9,1%).

Quanto às características do acidente, a maior parte aconteceu na sexta-feira e no sábado, no período das 12 às 17:59 horas, com diferenças entre as categorias. O atropelamento por carro, para os pedestres, e a colisão com carro, para os motociclistas, foram responsáveis pelo maior percentual de vítimas fatais nessas categorias (50,0% e 42,9%).

Houve predomínio de vítimas em idade produtiva (72,9% na faixa etária de 25 a 59 anos), do sexo masculino (72,9%) e solteiras (41,0%), a despeito de se observarem diferenças entre as categorias. A maioria das vítimas, residia em São José do Rio Preto (92,5%). Os coeficientes de morbidade e de mortalidade geral foram de 1123,3 e 15,5, respectivamente, com variação nas diferentes unidades básicas de saúde, de 325,1 a 1181,6 por 100.000 habitantes.

Quanto ao nível de atendimento e evolução, 1.281 vítimas foram atendidas em pronto-socorro e liberadas, 329 foram internadas e 32 (1,4%) faleceram até 180 dias após o acidente. Os pedestres apresentaram a maior taxa de letalidade e de internação (2,9 e 19,9), seguidos dos ciclistas (1,4 e 17,1) e dos ocupantes de carro (1,3 e 17,6). A média de internação geral foi de 2,5 dias – maior entre pedestres (4,9 dias) e motociclistas (4,5 dias).

Com relação às lesões apresentadas, entre as vítimas atendidas no pronto-socorro e internadas, os traumatismos de região não especificada predominaram, enquanto entre as que faleceram, prevaleceu o traumatismo de crânio. O custo estimado foi de U$ 77,152.32 para o atendimento pré-hospitalar e de U$ 3,119,516.79 para o atendimento hospitalar, sendo 85,3% custeados pelo SUS e 13,8% por planos de saúde privados.

O georreferenciamento dos acidentes indicou as avenidas e rodovias como locais geradores de vítimas mais graves. A área de abrangência da unidade básica de saúde central apresentou-se como a de maior concentração de vítimas para as principais categorias e de maior taxa de vítimas por quilômetro quadrado.

Quanto à cobertura e qualidade dos dados, 39,8% das vítimas não tinham registro em BO; ademais, na maioria dos registros hospitalares, não havia anotação das circunstâncias do acidente.

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

A abrangência das variáveis de natureza epidemiológica incluídas nesta pesquisa revelou a magnitude do problema dos acidentes de trânsito em São José do Rio Preto-SP, indicando a necessidade de proposição e implantação de várias estratégias de intervenção para sua prevenção ou minimização, como maior cobertura e melhor qualidade dos registros dos acidentes, com integração entre as diferentes fontes de dados. Este relato de pesquisa apresenta, de forma contextualizada, um censo das vítimas produzidas pelo trânsito no Município. Sua realização visa subsidiar ações dos setores públicos de gestão do Trânsito, Educação, Saúde e Segurança. Os autores adotaram as seguintes estratégias, para divulgação dos dados e informações deste estudo de tese:

- convite para assistir à defesa de tese, dirigido às autoridades públicas do Município [prefeito, representantes dos Comandos da Polícia Militar e Rodoviária Estadual e Federal, da Coordenação Regional do Departamento de Estradas de Rodagem (DER/SP), do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) e de setores da sociedade civil (organizações não governamentais, órgãos de controle social, diretorias de hospitais e planos de saúde, seguradoras, postos de revenda de veículos, faculdades)], representantes dos meios de comunicação e outros interessados, para cobertura e divulgação dessas informações à comunidade; e

- elaboração e confecção de pôsteres para divulgação de um resumo dos principais resultados da pesquisa, por categoria de vítima, com o propósito de facilitar a compreensão do contexto e a aplicação de medidas educativas de prevenção e controle dos agravos associados. Após a defesa pública da tese, o relatório deste estudo tem subsidiado ações governamentais, especialmente de projetos nas seguintes áreas:

- na Educação, nas escolas públicas e privadas do ensino médio e fundamental, mediante parceria entre a Associação de Prevenção de Trânsito Urbano (Apatru), a Direção Regional de Ensino e as Secretarias Municipais de Trânsito e Transportes e de Educação;

- na Saúde, na assistência pré-hospitalar como referência para a instalação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em São José do Rio Preto, bem como no desenvolvimento de novas pesquisas nessa área; e

- nos sistemas de informações e fontes de dados de vítimas e de acidentes de trânsito, com a constituição do Comitê de Acidentes de Trânsito no Município por representantes das Secretarias Municipais de Trânsito e Transportes e de Saúde e Higiene, IML, Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran), Corpo de Bombeiros, Polícias Militar e Rodoviária, Seccional de Polícia e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, para a criação do Banco Único de Informações de Acidentes de Trânsito; o Banco terá a função de registrar e dispor à comunidade informações atualizadas periodicamente; dessa forma, será possível propor, implantar e avaliar ações nas áreas de Segurança, Engenharia, Educação e Saúde no Município, relacionadas a acidentes de trânsito; atualmente, encontra-se em fase de estudo a definição das variáveis que deverão constar do Banco Único de Informações sugerido.